sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Livro II - Capítulos 3 a 7

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História Eclesiástica de Eusébio de Cesaréia
Livro II - Capítulos 3 a 7


III - De como a doutrina de Cristo em pouco tempo se propagou por todo o mundo
IV - De como, depois de Tibério, Caio estabeleceu Agripa como rei dos judeus
e castigou Herodes com o desterro perpétuo
V - De como Fílon foi embaixador junto a Caio em favor dos judeus
VI - Dos males que desabaram sobre os judeus depois de sua maldade contra
Cristo
VII - De como Pilatos também se suicido
 
III - De como a doutrina de Cristo em pouco tempo se propagou por todo o mundo

1. Assim, sem dúvida por uma força e uma assistência de cima, a doutrina salvadora, como um raio de sol, iluminou subitamente toda a terra habi­tada. De pronto, conforme as divinas Escrituras, a voz de seus evangelistas inspirados e de seus apóstolos ressoou em toda a terra, e suas palavras nos confins do mundo[1].
2.      Efetivamente, por todas as cidades e aldeias, como numa época fervilhante, constituíam-se em massa igrejas formadas por multidões inumeráveis. Os que por herança ancestral e por um antigo erro tinham suas almas presas da antiga moléstia da superstição idólatra, pelo poder de Cristo e graças ao ensinamento de seus discípulos e aos milagres que os acom­panhavam, tendo rompidas suas penosas prisões, afastaram-se dos ídolos como de amos terríveis e cuspiram fora todo o politeísmo demoníaco e confessaram que não há mais do que um só Deus: o criador de todas as coisas. E a este Deus honraram com os ritos da verdadeira religião por meio de um culto divino e racional, o mesmo que nosso Salvador semeou na vida dos homens.
3.      Pois bem, como quer que a graça divina já se difundisse pelas demais nações, e em Cesaréia da Palestina Cornélio e toda sua casa haviam sido os primeiros a aceitar a fé em Cristo por meio de uma aparição divina e do ministério de Pedro, também em Antioquia ela foi aceita por toda uma multidão de gregos aos quais haviam pregado os que foram dispersados quando da persegui­ção contra Estevão[2]. A Igreja de Antioquia já florescia e se multiplicava quando, estando presentes numerosos profetas chegados de Jerusalém[3], e com eles Barnabé e Paulo, além de uma multidão de outros irmãos, pela primeira vez o nome de Cristãos brotou dela, como de uma fonte caudalosa e fecundante.
4.      Ágabo era também um dos profetas que estava com eles e predizia como iminente uma grande fome, devido a isto Paulo e Barnabé foram enviados para pôr-se a serviço da assistência aos irmãos"[4].


IV - De como, depois de Tibério, Caio estabeleceu Agripa como rei dos judeus
e castigou Herodes com o desterro perpétuo
1. Morreu pois Tibério depois de reinar por cerca de vinte e dois anos. Depois dele tomou o poder Caio[5], que em seguida pôs sobre Agripa a coroa do comando sobre os judeus, fazendo-o rei das tetrarquias de Felipe e de Lisanias, às quais não muito depois juntou a de Herodes, depois de condenar este (que era o Herodes do tempo da paixão do Salvador), junto com sua mulher Herodías, ao desterro perpétuo por causa de seus muitos crimes, Josefo também é testemunha destes fatos.
2.             Por este tempo tornava-se conhecido por muitos um tal Fílon, varão notabilíssimo, não somente entre os nossos mas também entre os que procediam de uma educação profana. Descendia de família hebréia, mas não era em nada inferior aos que brilhavam por sua autoridade em Alexandria.
3.             A extensão e a qualidade de seus trabalhos acerca das ciências divinas pátrias se evidencia por sua obra, e quanto a sua capacidade para os conhe­cimentos filosóficos e os estudos liberais da educação profana, nada há que dizer quando a história dá conta de seu cuidado especial pelo estudo da filosofia de Platão e de Pitágoras ao ponto de suplantar todos seus contemporâneos.

V - De como Fílon foi embaixador junto a Caio em favor dos judeus
1.            Fílon conta em cinco livros as calamidades dos judeus nos tempos de Caio, e ao mesmo tempo comenta a demência deste ao proclamar-se deus e cometer mil desmandos em seu governo, assim como as misérias dos judeus sob seu império e a embaixada que a ele (Fílon) foi confiada na cidade de Roma em favor de seus compatriotas de Alexandria. Descreve como se apresentou perante Caio em defesa das leis pátrias e como não conseguiu ao final mais do que zombarias e sarcasmos, faltando pouco mesmo para perder sua própria vida neste incidente.
2.            Estes fatos são também mencionados por Josefo no livro XVIII de suas Antigüidades; escreve textualmente:
"E houve uma revolta em Alexandria entre os judeus ali residentes e os gregos, e foram eleitos três embaixadores de cada facção para apresentar-se perante Caio.
3.            Um dos embaixadores alexandrinos era Ápion, que havia caluniado muito os judeus dizendo, entre outras coisas, que viam com maus olhos o honrar a César, pois enquanto todos os que estavam submetidos à soberania de Roma construíam altares e templos a Caio e em tudo o mais o equiparavam aos deuses, somente os judeus achavam indigno honrá-lo com estátuas e jurar por seu nome.
4.     Muitas e graves acusações foram proferidas por Ápion, naturalmente com a esperança de exaltar o ânimo de Caio. Fílon, que presidia a embaixada dos judeus, homem ilustre em tudo, irmão do alabarca[6] Alexandre e hábil filósofo, tinha suficiente capacidade para lidar com as acusações em seu discurso de defesa.
5.     Mas Caio interrompeu-o e ordenou que se retirasse para longe. Estava irritadíssimo e era claro que tomaria sérias medidas contra eles. Fílon saiu dali ultrajado e disse aos judeus de sua comitiva que precisariam ter ânimo, que Caio havia se enfurecido contra eles, mas que na verdade estava atentando contra Deus."
Até aqui Josefo.
6.            Mas o próprio Fílon, em sua obra Embaixada, expõe com todos os detalhes e exatidão o que fez na ocasião. Deixarei de lado quase tudo e citarei somente aquilo que ajude os leitores a ter uma prova manifesta das desventuras que ao mesmo tempo ou em rápida seqüência caíram sobre os judeus por causa dos crimes contra Cristo.
7.     Narra pois, em primeiro lugar, que nos tempos de Tibério, Sejano, homem então de grande ascendência e influência junto ao imperador, tomou muito a sério a idéia de acabar por completo com a raça dos judeus na cidade de Roma; e que na Judéia Pilatos, sob o qual havia sido cometido o crime contra o Salvador, havia atentado contra o templo, que ainda se erguia em Jerusalém, de uma forma que ia contra o que está permitido aos judeus, exacerbando-os terrivelmente.

VI - Dos males que desabaram sobre os judeus depois de sua maldade contra
Cristo
1.            Fílon segue narrando que, depois da morte de Tibério, Caio assumiu o poder e começou a cometer muitas atrocidades contra muitos, mas sobretudo de forma a prejudicar tanto quanto possível a toda a raça judia. Mas será melhor conhecer isto brevemente por suas próprias obras, nas quais escreve textualmente:
2.            "Extraordinariamente caprichoso era o caráter de Caio para com todos, mas muito especialmente contra a raça judia, à qual tinha um ódio implacável. Nas cidades, começando por Alexandria, apoderou-se das sinagogas e encheu-as de imagens e estátuas com sua própria figura (pois ele que per­mitia a outros erguê-las, também as erigia por seu próprio poder), e na Cidade Santa o templo, que até então saíra intacto por ser considerado digno de toda inviolabilidade, foi por ele transformado em seu próprio templo, chamando-o: Templo de Caio, Novo Zeus Epifano."
3.     O mesmo autor, num segundo livro que escreveu, intitulado Sobre as virtu­des, narra outras inumeráveis e indescritíveis calamidades ocorridas aos judeus em Alexandria nesta época. Com ele concorda também Josefo, ao notar igualmente que os infortúnios que caíram sobre toda a raça judia tiveram início nos tempos de Pilatos e dos crimes contra o Salvador.
4.     Mas ouçamos o que este declara textualmente no livro II de sua Guerra dos
judeus quando diz:
"Enviado por Tibério à Judéia como procurador, Pilatos faz entrar durante a noite em Jerusalém, encobertas, as efígies do César, as chamadas insígnias. Ao nascer o dia isto produziu enorme comoção entre os judeus, que aproxi­mando-se para ver, ficaram aterrorizados: suas leis tinham sido pisoteadas, já que de forma alguma permitiam que na cidade se levantassem imagens."
5.           Se comparamos tudo isto com a Escritura do Evangelho, veremos que não tardaram muito para serem alcançados pelo grito que proferiram em pre­sença do próprio Pilatos quando gritavam que não tinham outro rei que não o César[7].
6.           Mas há ainda outra calamidade que alcançou os judeus e que o mesmo escritor narra em continuação como segue:
"E depois disto causou outra agitação quando esvaziou o tesouro sagrado chamado Corbã, gastando-o para trazer as águas desde uma distância de trezentos estádios. Ante isto o povo enfureceu-se e, quando Pilatos se apre­sentou em Jerusalém, rodearam-no vociferando a uma só voz.
7.             Mas ele contava já com a agitação dos judeus e tinha ordenado que se misturassem entre eles soldados armados, camuflados com trajes do povo, proibidos de usarem as espadas, mas com ordem de golpear com bastões os que gritassem. De seu assento ele deu o sinal. Os judeus foram feridos, muitos morreram sob os golpes e muitos foram esmagados pelos demais em fuga. A plebe, impressionada pelo infortúnio dos caídos, emudeceu."
8.      O mesmo autor faz saber ainda que além destas ocorreram em Jerusalém muitas outras revoltas, afirmando que desde aquele tempo, nem na cidade nem em toda a Judéia faltaram sedições, guerras e maldosas tramas de uns contra outros, até que finalmente chegou o assédio de Vespasiano. Assim é que a justiça divina alcançava os judeus por seus crimes contra Cristo.

VII - De como Pilatos também se suicidou
1. Não se deve ignorar uma tradição que nos conta como também o mesmo Pilatos dos dias do Salvador viu-se envolto em tão grandes calamidades nos tempos de Caio - cuja época foi explicada -, que se viu forçado a suicidar-se e converter-se em carrasco de si mesmo: a justiça divina, ao que parece, não tardou muito em alcançá-lo. Também os gregos que deixaram escritas as séries de olimpíadas junto com os acontecimentos de cada época a isto se referem.


O que mais te chamou a atenção neste texto?
O que o texto contribui para a sua espiritualidade?





* Este livro foi composto com extratos de Clemente, de Tertuliano, de Josefo e de Fílon.
[1] Sl 18:5 (19:4); Rm 10:18.
[2] At 11:19-26.
[3] At 11:27.
[4] At 11:28-30.
[5] Caio César Augusto Germânico, mais conhecido como Calígula.
[6] Alabarca, arrecadador superior de impostos.
[7] Jo 19:15. Mas parece que Josefo indica que isto ocorreu pouco depois da chegada de Pilatos, portanto antes da paixão.

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