terça-feira, 3 de dezembro de 2019

A Natividade do Senhor nas pregações dos Pais da Igreja


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A Natividade do Senhor
nas pregações dos Pais da Igreja



Inácio de Antioquia (35-107)
“Os mistérios clamorosos se realizaram no silêncio de Deus: a virgindade de Maria, o seu parto e a morte do Senhor”.
“No firmamento brilhou uma estrela maior do que todas as outras! A sua luz era indescritível. A sua novidade causou estranheza. Mas todos os demais astros, incluindo o Sol e a Lua, fizeram coro à Estrela. Esta, porém, ia arremessando a sua luz por sobre todos os demais. Houve, por isso, agitação. Donde lhes viria tão estranha novidade? Desde então, desfez-se toda a magia; suprimiram-se todas as algemas do mal. Dissipou-se toda a ignorância; o primitivo reino corrompeu-se, quando Deus se manifestou humanamente para a novidade de uma vida eterna”.

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Efrém, o Sírio (306-373)
“O menino que se encontra na manjedoura … aquele que rompeu o jugo que a todos oprimia”. “Fazendo-se Ele mesmo servo para nos chamar à liberdade”.
“Só um anjo anunciou a sua concepção, enquanto que para o seu nascimento uma multidão de anjos O anunciaram”.

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Gregório de Nazianzo (329-389)
“Esta é a nossa festa. Isto celebramos hoje: a vinda de Deus ao meio dos homens, para que, também nós cheguemos a Deus… celebremos, pois, a festa: não uma festa popular, mas uma festa de Deus, não como o mundo quer, mas como Deus quer; não celebremos as nossas coisas mas as coisas daquele que é nosso Senhor”.
“Não embelezemos as portas das casas, não organizemos festas, nem adornemos as estradas, não demos banquetes em nosso proveito nem concertos para mero agrado dos ouvidos, não exageremos nos adornos nem nas comidas… e tudo isto enquanto outros padecem fome e necessidades, esses que nasceram do mesmo barro que nós”.

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Prudêncio (348-410)
“Com crescente alegria brilhe o céu/ e dê-se parabéns a si a gozosa terra:/ de novo, passo a passo, sobre o astro/ do dia aos seus caminhos anteriores…/ Oh! Santo berço do teu presépio,/ eterno Rei, para sempre sagrado/ para todos os povos e pelos próprios/ animais sem voz reconhecida”.
“Reconheçamos o verdadeiro dia e tornemo-nos dia! Éramos, na verdade, noite quando vivíamos sem a fé em Cristo. E uma vez que a falta de fé envolvia, como uma noite, o mundo inteiro, aumentando a fé a noite veio a diminuir. Por isso, com o dia de Natal de Jesus nosso Senhor a noite começa a diminuir e o dia cresce. Por isso, irmãos, festejemos solenemente este dia; mas não como os pagãos que o festejam por causa do astro solar; mas festejemo-lo por causa daquele que criou este sol. Aquele que é o Verbo feito carne, para poder viver, em nosso benefício, sob este sol: sob este sol com o corpo, porque o seu poder continua a dominar o universo inteiro do qual criou também o sol. Por outro lado, Cristo com o seu corpo está acima deste sol que é adorado, pelos cegos de inteligência, no lugar de Deus que não conseguem ver o verdadeiro sol de justiça”.

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Agostinho de Hipona (354-430)
“mesmo sem dizer nada, deu-nos uma lição, como se irrompesse num forte grito: que aprendamos a tornar-nos ricos nele que se fez pobre por nós; que busquemos nele a liberdade, tendo Ele mesmo assumido por nós a condição de servo; que entremos na posse do céu, tendo Ele por nós surgido da terra”.
                “Alegremo-nos, irmãos, rejubilem e alegrem-se os povos. Este dia tornou-se para nós santo não devido ao astro solar que vemos, mas devido ao seu Criador invisível, quando se tornou visível para nós, quando o deu à luz a Virgem Mãe”.
“Hoje nasceu para nós o Salvador. Nasceu, portanto, para todo o mundo o verdadeiro sol. Deus Fez-se homem para que o homem se fizesse Deus. Para que o escravo se tornasse senhor, Deus assumiu a condição de servo. Habitou na terra o morador do céu para que o homem, habitante da terra, pudesse encontrar morada nos céus”.
“Ele está deitado numa manjedoura, mas contém o universo inteiro; mama num seio materno, mas é o pão dos anjos; veio em pobres panos, mas reveste-nos de imortalidade; é amamentado, mas é também adorado; não encontrou lugar na estalagem, mas constrói para si um templo no coração dos seus fiéis. Tudo isto para que a fraqueza se tornasse forte e a prepotência se tornasse fraqueza. Por isso, não só não menosprezamos, mas mais admiramos o seu nascimento corporal e reconhecemos neste acontecimento quanto a sua imensa dignidade se humilhou por nós”.
 “Aquele que estava deitado na manjedoura fez-se frágil, mas não renunciou à sua condição divina; assumiu aquilo que não era, mas permaneceu aquilo que era. Eis que temos diante de nós Cristo menino: cresçamos juntamente com Ele”.
“Chama-se dia do Natal do Senhor a data em que a Sabedoria de Deus se manifestou como criança e a Palavra de Deus, sem palavras, imitou a voz da carne. A divindade oculta foi anunciada aos pastores pela voz dos anjos e indicada aos magos pelo testemunho do firmamento. Com esta festividade anual celebramos, pois, o dia em que se realizou a profecia: A verdade brotou da terra e a justiça desceu do céu (Sl 84.12).
“Neste dia, o Verbo de Deus revestiu-se de carne e nasceu de Maria virgem. Nasceu de modo admirável... Donde veio Maria? De Adão. Donde veio Adão? Da terra. Se Adão veio da terra e Maria de Adão, também Maria é terra. E se Maria é terra, entendemos quando cantamos: a verdade brotou da terra”.

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Leão Magno (461)
“a bondade divina sempre olhou de vários modos e de muitas maneiras pelo bem do gênero humano, e são muitos os dons da sua providência, que na sua clemência concedeu nos séculos passados. Porém, nos últimos tempos superou os limites da sua habitual generosidade, quando, em Cristo, a própria Misericórdia desceu aos pecadores, a própria Verdade veio aos extraviados, e aos mortos veio a Vida. O Verbo, coeterno e igual ao Pai, assumiu a humildade da nossa natureza humana para nos unir à sua divindade, e Deus nascido de Deus, também nasceu de homem fazendo-se homem”.
“Nasceu hoje, irmãos, o nosso Salvador. Alegremo-nos! Não pode haver tristeza quando nasce a vida; a qual, destruindo o temor da morte, nos enche com a alegria da eternidade prometida. Ninguém está excluído da participação nesta alegria; a causa desta alegria é comum a todos, porque nosso Senhor, aquele que destrói o pecado e a morte, não tendo encontrado ninguém isento de pecado, a todos veio libertar. Exulte o santo porque está próxima a vitória; rejubile o pecador, porque é convidado ao perdão; reanime-se o pagão, porque é chamado à vida… Por isso é que, quando o Senhor nasceu, os anjos cantaram em alegria ‘glória a Deus nas alturas’ e anunciaram ‘paz na terra aos homens...’. Porque veem a Jerusalém celeste ser formada de todas as nações do mundo, obra inexprimível do amor divino, que, se dá tanto gozo aos anjos nas alturas do céu, que alegria não deverá dar aos homens cá na terra?”


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Máximo de Turim (408)
“Jesus é o novo sol que atravessa as paredes, invade os infernos, perscruta os corações. Ele é o novo sol que com os seus espíritos faz reviver o que está morto, restaura o que está velho, levanta o que está decadente e purifica ainda, com o seu calor, aquilo que é impuro, aquece o que está frio e consome o que o que não presta”.
“Preparemo-nos pois, irmãos, para acolher o Natal do Senhor, adornemo-nos com vestes puras e elegantes! Falo, claro está, das vestes da alma, não do corpo… Adornemo-nos não com seda, mas com obras boas! Pois as vestes elegantes ornam o corpo, mas não podem adornar a consciência; pois seria muito vergonhoso trazer sob elegantes vestes elegantes, uma consciência contaminada. Procuremos acima de tudo embelezar os nossos afetos íntimos, e poderemos então vestir belas roupas; lavemos as manchas da alma para usarmos dignamente roupas elegantes! Não adianta dar nas vistas pelas vestes se estamos sujos em pecados, porque quanto a consciência está escura, todo o corpo fica nas trevas”.

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Romano Melode (490-556)
“Terra e céu rejubilem juntamente, diante do Emanuel que os profetas anunciaram, tornado criança visível, que dorme num presépio”. “A alegria acaba de nascer numa gruta. Hoje os coros dos anjos unem-se a todas as nações para celebrar.... Hoje toda a humanidade, desde Adão, dança. Bendito seja Deus, recém-nascido”.

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terça-feira, 26 de novembro de 2019

121 - Orígenes de Alexandria (185-253) As Homilias sobre São Lucas (Homilia 33)


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121
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Orígenes de Alexandria (185-253)
As Homilias sobre São Lucas (Homilia 33)


HOMILIA 33 - Lc 4.23-27
Sobre o que está escrito: “Sem dúvida, vós me citareis este provérbio” e a sequência, até aquela passagem que diz: “E nenhum deles foi curado, mas somente o sírio Naamã”.

Israel e os gentios
Quanto ao que se refere à narrativa de Lucas, Jesus ainda não se deteve em Cafarnaum, e não consta que nessa cidade tenha feito milagres, visto que nela não ficou.
Mas, antes que viesse a Cafarnaum, é assinalado que esteve em sua pátria, Nazaré. “Sem dúvida”, diz ele a seus concidadãos, “vós me citareis este provérbio: Médico, cura-te a ti mesmo. Tudo o que ouvimos ter-se passado em Cafarnaum, faze-o igualmente aqui em tua pátria”.
Por isso, penso que algo misterioso está escondido na presente passagem, na qual Cafarnaum, figura dos gentios, passa adiante de Nazaré, figura dos Judeus.
Por isso Jesus, sabendo que ninguém tem honra em sua pátria, nem ele próprio, nem os profetas, nem os apóstolos, não quis pregar nessa cidade, mas pregou entre os gentios, para que não lhe fosse dito pelos seus compatriotas: “Sem dúvida, vós me direis este provérbio: Médico, cura-te a ti mesmo”.
Virá, com efeito, um tempo em que o povo judeu dirá: “Tudo o que ouvimos ter-se passado em Cafarnaum”, os milagres e os prodígios realizados entre os gentios, faze-os também entre nós, em tua pátria.
O que mostraste ao mundo inteiro, mostrá-lo também. Prega tua mensagem a Israel teu povo, a fim de que, pelo menos, “quando a totalidade dos gentios tiver entrado, todo o Israel seja salvo”.
Por isso, parece-me que, aos Nazarenos que o interrogavam, o Salvador respondeu de caso  pensado: “Nenhum profeta é bem recebido em sua pátria”. E eu penso que essas palavras são mais verdadeiras segundo o mistério que segundo o sentido literal.

Atitude para com os profetas
Jeremias não foi bem recebido em Anatot, sua pátria; nem Isaías na sua, qualquer que seja ela; nem os outros profetas.
Parece-me, entretanto, que isso deve ser entendido mais desta forma: digamos que a pátria de todos os profetas foi o povo da circuncisão, e que este não acolheu os profetas nem as suas profecias.
Quanto aos gentios, que haviam estado longe dos profetas e não tinham conhecimento deles, eles aceitaram os ensinamentos de Jesus Cristo.
“Nenhum profeta é, pois, bem recebido em
sua pátria”, isto é, no povo judeu. Nós, porém, que não estávamos alheios à aliança e éramos estranhos às promessas, nós acolhemos os profetas de todo nosso coração; e nós temos Moisés e os profetas que anunciavam o Cristo mais do que os judeus, que, precisamente porque não acolheram Jesus, também não acolheram aqueles que trouxeram o anúncio a respeito dele.

A viúva de Sarepta
Daí que, a estas palavras: “Nenhum profeta é bem recebido em sua pátria”, ele acrescenta outra coisa: “Em verdade, pois, eu vos digo que havia muitas viúvas em Israel nos dias de Elias, quando o céu permaneceu fechado durante três anos e seis meses”.
Tal é o que quer dizer: “Elias era profeta e se encontrava no meio do povo judeu. Mas quando estava para realizar um prodígio, como houvesse várias viúvas em Israel, ele as deixou e veio encontrar uma pobre mulher pagã, uma viúva de Sarepta, no país de Sidon”, explicando assim a figura da realidade futura, porque a “fome que os tomava não era de pão, nem a sede, de água, mas a fome de ouvir a palavra de Deus”.
Veio até a viúva, sobre a qual também o profeta dá testemunho, dizendo: “Os filhos da mulher abandonada são mais numerosos do que os daquela que tem marido”.
E, como tinha vindo, Elias multiplica o pão e os alimentos dessa mulher. Tu eras a viúva de Sarepta, no país de Sidon, de cujas fronteiras “sai a mulher cananeia”, e deseja que sua filha seja curada e, por causa de sua fé, mereceu receber o que pedia.
“Havia muitas viúvas no meio do povo de Israel, mas a nenhuma delas foi enviado Elias, mas a Sarepta, para uma pobre mulher viúva”.
Naamã, figura do batismo.
 E o Cristo acrescenta outro exemplo, que é pertinente a outro sentido: “Havia muitos leprosos em Israel nos dias do profeta Eliseu, e nenhum deles foi purificado, mas somente o sírio Naamã”, que, certamente, não pertencia ao povo de Israel.
Considera o grande número de leprosos até o presente dia “em Israel segundo a carne”; vê, por outro lado, o Eliseu espiritual, nosso Senhor e Salvador, que purifica no mistério batismal os homens cobertos da crosta da lepra e que diz a ti: “Levanta-te, vá ao Jordão, lava-te e tua carne te será restituída”.
Naamã levantou-se, foi-se, e, lavado, cumpriu o mistério do batismo, “sua carne tornou-se semelhante à carne de uma criança”.
De qual criança? Daquela que, “no banho da regeneração”, nascerá no Cristo Jesus: “a quem pertencem a glória e o poder nos séculos dos séculos. Amém”.

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terça-feira, 19 de novembro de 2019

120 - Orígenes de Alexandria (185-253) As Homilias sobre São Lucas (Homilia 32)


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120
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Orígenes de Alexandria (185-253)
As Homilias sobre São Lucas (Homilia 32)


HOMILIA 32 - Lc 4.14-20
Sobre o que está escrito: “Jesus retornou com o poder do Espírito”, até aquela passagem que diz: “E os olhos de todos na sinagoga estavam fixos sobre ele”.

No poder do Espírito
No começo, evidentemente, Jesus, “cheio do Espírito Santo, voltou das margens do Jordão e era conduzido pelo Espírito no deserto durante quarenta dias”. Como seria tentado pelo diabo, e como ainda ia lutar contra ele, a palavra “espírito” é citada ora uma vez, ora duas vezes sem nenhum acréscimo. Mas, depois que Jesus, lutando, superou as três tentações que a Escritura menciona, vê o que é citado, de modo característico e prudentemente, a respeito do Espírito. Diz a Escritura: “Jesus retornou no poder do Espírito”. Foi acrescentada a palavra “poder”, porque ele havia calcado aos pés o dragão e havia vencido o tentador numa luta corpo a corpo. Jesus “retornou, pois, para a terra da Galileia no poder do Espírito, e sua reputação se espalhou por toda a região ao redor. Ele próprio ensinava em suas sinagogas e todos celebravam seus louvores”.

O ensinamento de Jesus, sempre atual
Quando lês: “Ele ensinava em suas sinagogas e todos celebravam seus louvores”, cuida para que não julgues felizes apenas os ouvintes do Cristo, e te consideres privado de seu ensinamento. Se são  verdadeiras as coisas que constam na Escritura, o Senhor não fala apenas nas assembleias judaicas, mas também hoje em nossa assembleia, e não somente na nossa, mas Jesus ensina também em outras reuniões e no mundo inteiro, procurando instrumentos através dos quais possa ensinar. Orai para que ele me encontre igualmente disposto e apto a cantá-lo! Com efeito, do mesmo modo que o Deus todo-poderoso buscava profetas naquele tempo em que os mortais careciam de profecia, e encontrou, por exemplo, Isaías, Jeremias, Ezequiel, Daniel, assim Jesus busca instrumentos através dos quais possa ensinar sua palavra e possa instruir os povos em suas sinagogas, e seja glorificado por todos. Hoje Jesus é mais “glorificado por todos” do que naquele tempo em que era conhecido em apenas uma província.

Na sinagoga de Nazaré
“Ele veio em seguida a Nazaré, onde havia sido criado, e entrou, segundo o costume, no dia de sábado, na sinagoga; e levantou-se para fazer a leitura. Deram-lhe o livro do profeta Isaías e, desenrolando o livro, encontrou uma passagem onde estava escrito: ‘o Espírito do Senhor está sobre mim, e por isso ele me consagrou pela unção’”.  Não é por simples acaso, mas por intervenção da Divina Providência que desenrolou o livro e encontrou no texto o capítulo que profetizava a seu respeito. Assim, pois, está escrito: “Na rede não cai um pardal sem a vontade do Pai” e porque “os cabelos da cabeça” dos Apóstolos “são todos contados”. Seria, então, efeito do acaso que tenha sido encontrado o livro de Isaías mais facilmente que qualquer outro, e esta leitura que exprimiria o mistério de Cristo, e não outra: “O Espírito do Senhor está sobre mim, e por isso ele me consagrou pela unção”? É o Cristo, com efeito, que lembra essas coisas, e deve-se considerar que nada sucedeu por simples bel-prazer e por acaso, mas pela Providência e pelo desígnio de Deus.

A Boa-Nova
Quaisquer que sejam as condições, portanto, consideremos o que é dito no livro do Profeta e o que, em seguida, Jesus proclama de si mesmo na sinagoga. “Ele me enviou”, disse ele, “para levar a Boa-Nova aos pobres”. Os pobres significam os gentios. Eles eram, com efeito, pobres que não possuíam absolutamente nada, nem Deus, nem Lei, nem Profetas, nem justiça, nem nenhuma outra virtude. É por esta razão que Deus o enviou, para que fosse o mensageiro para os pobres: para “anunciar aos cativos a libertação”. Nós fomos cativos, por tantos anos Satanás nos mantinha acorrentados, prisioneiros e sujeitos a seu poder. Jesus veio “anunciar aos cativos a libertação e aos cegos, o retorno à visão”. Com efeito, pela sua palavra e pela pregação de sua doutrina, os cegos voltam a ver. Sua pregação deve ser entendida como alcance geral, não só para os cativos, mas também para os cegos. “Devolver a liberdade aos oprimidos”. Que ser foi destarte oprimido e magoado quanto o homem, que, por Jesus, foi libertado e curado? “Proclamar um ano da graça do Senhor.” Segundo a interpretação literal pura e simples, dizem que o Salvador pregou o Evangelho por um ano na Judeia, e [esse] é o sentido da expressão: “Proclamar um ano da graça do Senhor e o dia da retribuição”, se a Palavra de Deus não quiser, talvez, dizer algo de mistério na proclamação do ano do Senhor. Os dias futuros, com efeito, serão diferentes, não tais quais os que vemos agora neste mundo, os meses também serão diferentes tanto quanto a ordem das calendas. Se todos esses tempos são, pois, diferentes, assim também o ano do Senhor que há de vir é portador de graça. E todas essas realidades foram anunciadas, para que depois de ter passado da cegueira à visão, depois de ter passado das correntes à liberdade, depois de
ter passado das diversas feridas à cura, cheguemos ao “ano da graça do Senhor”.

Ver Jesus
“Depois de ter lido essas palavras, enrolando o livro, o deu ao servo e assentou-se, e
todos, na sinagoga, tinham os olhos fixos nele.” Mesmo atualmente, se o quiserdes, em nossa sinagoga e assembleia, vossos olhos podem fixar-se sobre o Salvador. Quando tiveres direcionado, com efeito, o olhar mais profundo de teu coração para contemplar a Sabedoria e a Verdade e o Unigênito de Deus, teus olhos fixar-se-ão sobre Jesus. Bem-aventurada a congregação da qual a Escritura dá testemunho de que “os olhos de todos estavam fixos sobre ele!”. Como eu queria que esta assembleia tivesse semelhante testemunho, que os olhos de todos, dos catecúmenos, dos fieis, das mulheres, dos homens e das crianças, não os olhos do corpo, mas os da alma, estivessem voltados para Jesus! Quando tiverdes, com efeito, voltado vosso olhar para ele, sua luz e sua contemplação tornarão vossos rostos mais luminosos e podereis dizer: “Foi assinalada sobre nós a luz de tua face, ó Senhor”: “a quem pertencem a glória e o poder nos séculos dos séculos. Amém”.

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terça-feira, 12 de novembro de 2019

119 - Orígenes de Alexandria (185-253) As Homilias sobre São Lucas (Homilia 31)


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119
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Orígenes de Alexandria (185-253)
As Homilias sobre São Lucas (Homilia 31)


HOMILIA 31 - Lc 4.9-13
Sobre a terceira tentação do salvador

A terceira tentação
Sondai as Escrituras, de modo que também naquelas passagens consideradas simples possais descobrir mistérios que não são pequenos.
Examinemos o princípio da leitura do Evangelho que ouvimos hoje e apareça em pleno dia o que estava oculto. “O diabo”, diz-se, “conduziu Jesus a Jerusalém”.
É incrível que o diabo conduzisse o Filho de Deus e ele o seguisse. Jesus seguia, sem dúvida alguma, como o faz o atleta que se dirige espontaneamente à prova.
Não temia o tentador nem receava as armadilhas de um inimigo bastante astuto, e devia expressar-se mais ou menos nestes termos: “Conduze-me onde queiras, tenta-me como te aprouver, me ofereço espontaneamente à tentação.
Suporto o que tiveres sugerido, me entrego a toda sorte de tentações: em todas me encontrarás mais forte”.
“Ele o conduziu, portanto, a Jerusalém, colocou-o sobre o pináculo do templo e disse-lhe: Se tu és o Filho de Deus, atira-te para baixo”.
O diabo o conduziu ao cume, ao ponto mais alto do templo, e o exortou a precipitar-se de lá de cima.
Como ele propusesse isso fraudulentamente e tentasse outra coisa sob pretexto de mostrar a glória do Cristo, o Salvador respondia: “Está escrito: não tentarás o Senhor teu Deus”.
Considera também o modo com que o diabo tenta o Cristo.
Ele não ousa tentar invocando o testemunho de nenhuma outra parte senão o dos Salmos, que diz: “Se tu és o Filho de Deus, atira-te para baixo. Com efeito, está escrito: Ele deu ordens para ti, ordens a seus anjos; eles te levarão em suas mãos, para que não machuques contra uma pedra o teu pé”.
Como sabes, ó diabo, que estas palavras estão na Escritura? Leste os Profetas ou conheceste a Palavra divina?
Ainda que tu cales, eu responderei em teu lugar. Leste, não para que te tornes melhor a partir da leitura dos livros santos, mas para matar por meio da simples letra os que são amigos da letra.
Sabes que, se quiseres falar ao Cristo de outras obras, não o enganarás, nem poderão ter nenhuma autoridade tuas asserções.

Contra a exegese dos gnósticos
Marcião lê as Escrituras assim como o diabo; e da mesma forma Basílides e Valentino, para, juntamente com o diabo, dizerem ao Salvador: “Está escrito: Ele deu ordens para ti a seus anjos, e eles te levarão em suas mãos, para que não machuques contra uma pedra o teu pé”.
Se porventura ouvires testemunhos das Escrituras, vela para que não aquiesças imediatamente a quem fala, mas considera sua vida, seus pensamentos e sua intenção, para que não simule ser o santo que talvez não seja, e sob a pele de uma ovelha se esconda um lobo infectado pelos venenos da heresia, pelo qual o diabo não fale a respeito das Escrituras.
Mas o diabo fala, segundo a ocasião dos tempos, apoiando-se nas Escrituras.
Paulo, ao contrário, pelo bem daqueles que o ouvem, toma o testemunho não só das Escrituras, mas também dos livros profanos e diz: “Cretenses sempre mentirosos, bichos maus, ventres preguiçosos”.
Cita outro autor: “Nós somos também da sua mesma raça”. E até um cômico: “As más tagarelices corrompem os bons costumes”.
Mas nem o diabo, citando as Escrituras, poderá nesta ocasião me enganar, nem Paulo, tirando algum exemplo das letras profanas, me afastará de seu ensinamento.
Com efeito, para santificar [seus ouvintes] Paulo tomou também como suas as palavras daqueles que não são dos nossos.

A exegese do diabo
Vejamos, pois, a passagem da Escritura que o diabo propõe ao Senhor: “Com efeito, está escrito: Ele deu ordens para ti, ordens a seus anjos; eles te levarão em suas mãos, para que não machuques contra uma pedra o teu pé”.
Vê como ele é dissimulado até nos próprios testemunhos.
O diabo quer, com efeito, diminuir a glória do Salvador, como se Jesus necessitasse do auxílio dos anjos, prestes a dar uma topada com o pé, se não fosse alçado pelas mãos deles.
Ele toma um testemunho, e aplica ao Cristo um versículo da Escritura que não diz respeito ao Cristo, mas aos santos em geral.
Com toda liberdade e com uma inteira segurança, afirmo, contrariamente ao diabo, que essas palavras não podem ser entendidas da pessoa do Cristo.
Ele, com efeito, não necessita do socorro dos anjos. Ele é maior que os anjos e, por herança, alcançou um nome bem mais superior que os deles.
A nenhum dos anjos Deus disse alguma vez: “Tu és o meu Filho, eu hoje te gerei”.
A nenhum deles ele falou como a um filho: “Ele fez de seus anjos sopros e servidores, um fogo ardente”; mas dirige a Cristo estas palavras: “Tu és meu Filho, hoje eu te gerei”, [as dirige] a seu próprio Filho, do qual ele fala nos profetas em inumeráveis passagens.
O Filho de Deus, eu digo, não necessita do auxílio dos anjos.
Aprende, pois, ó diabo, que os anjos tropeçarão, se Jesus não os ajudar.
E se se viu algum dos anjos, [algum] dos quais há pouco foi lido: “Nós julgaremos os anjos”, tropeçou porque não estendeu a sua mão a Jesus, a fim de que, segurado por ele, não tropeçasse.
Com efeito, quando alguém que confia na própria virtude não invoca a assistência de Jesus, tropeça e cai.
E tu, ó diabo, caíste “como um raio do céu” porque não quiseste crer em Jesus Cristo, Filho de Deus.
Para que saibas, porém, que tu interpretaste erroneamente, escuta que o que se segue deve ser entendido, não a respeito de Cristo, mas a respeito dos santos.
Não é a Jesus Cristo, mas aos santos que Deus liberta da “ruína e do demônio do meio-dia”. Lê o Salmo 91, do qual aqui está o começo: “Aquele que se mantém sob o auxílio do Altíssimo permanecerá na proteção do Deus Todo-poderoso”.
Constatarás que a passagem seguinte diz respeito mais ao homem justo do que ao Filho de Deus: “Mil cairão a teu lado e dez mil a tua direita, mas de ti não se aproximarão; entretanto tu verás com teus olhos e contemplarás o salário dos pecadores”, e o resto, fazendo uma interpretação da pessoa do justo.
Mas o diabo se serve perversamente dos testemunhos também assim, para afirmar que as coisas que eram ditas acerca dos justos deviam ser entendidas como se dissesse respeito ao Salvador, enquanto silencia e omite os versículos que contra ele foram escritos.
De fato, depois de ter dito: “Ele deu ordens para ti a seus anjos, e eles te levarão em suas mãos, para que não machuques contra uma pedra o teu pé”, silenciou quanto ao que se segue: “Sobre a áspide e o basilisco tu andarás, e calcarás o leão e o dragão”.
Por que isso, ó diabo, senão porque tu és “basilisco”, tu és o régulo de todas as serpentes, que tens os venenos mais nocivos que todos os outros, que causas instantaneamente a morte daquele que tu vês?
Sabes que também existe outra força inimiga a teu lado, que se chama “áspide” e que está submetida ao homem justo e, por isso, nada dizes de tudo isso.

Vitória sobre Satanás
Tu és “o dragão”, tu és “o leão”, dos quais está escrito: “Sobre a áspide e o basilisco tu andarás, tu calcarás aos pés o leão e o dragão”.
Mas, apesar de teu silêncio, nós que lemos as Escrituras com mais retidão sabemos que possuí mos o poder de te calcar aos pés, e que este poder nos foi dado; pois digo que é cantado não só no Salmo no Antigo Testamento, mas também agora, também no Novo, com a palavra do Salvador: “Eis que vos dou o poder de calcar aos pés serpentes, escorpiões e todos os poderes do inimigo, e nada vos prejudicará”.
Tomemos as armas, firmados por tão grande poder, e façamos de tudo para calcar aos pés, por nossa conduta, o leão e o dragão.
Doravante, para que saibas como pode ser calcado aos pés o leão e esmagado o dragão, lê a epístola de Paulo, na qual ele afirma que o Filho de Deus é calcado aos pés pelo pecador.
Como, portanto, aquele que é pecador calca aos pés o Filho de Deus, assim, pelo contrário, aquele que é justo “calca aos pés o leão e o dragão”, e calca aos pés “todo o poder do inimigo”, em nome de Jesus Cristo: “a quem pertencem a glória e o poder nos séculos dos séculos. Amém”.

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terça-feira, 5 de novembro de 2019

118 - Orígenes de Alexandria (185-253) As Homilias sobre São Lucas (Homilia 30)


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118
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Orígenes de Alexandria (185-253)
As Homilias sobre São Lucas (Homilia 30)



HOMILIA 30 - Lc 4.5-8.
Sobre a segunda tentação do Salvador.

As duas cidades
Tanto o Filho de Deus quanto o Anticristo têm a aspiração de reinar.
Mas o Anticristo deseja reinar para matar os que tiverem sujeitado a si; o Cristo reina para isto, para salvar.
E cada um de nós, se ele é fiel, está sob o reinado de Cristo, Palavra, Sabedoria, Justiça e Verdade.
Se, porém, formos mais amantes do prazer que amantes de Deus, sobre nós reina o pecado, do qual fala o Apóstolo: “Que o pecado não reine, pois, em vosso corpo mortal”.
Os dois reis se apressam à porfia por reinar: o rei do pecado, o diabo, sobre os pecadores, o rei da justiça, o Cristo, sobre os justos.
E sabendo o diabo que o Cristo tinha vindo para isto, para arrebatar daquele o reino e para que aqueles que estavam submetidos ao maligno começassem a se submeter ao Cristo e a viver sob seu poder, mostrou-lhe todos os reinos do mundo e dos homens deste mundo.
Ele lhe mostrou como uns vivem sob o reinado da luxúria; outros, sob a avareza; uns são levados pela brisa da celebridade, outros cativados pelas seduções da beleza.
Mas não se deve crer que, mostrando-lhe os reinos do mundo, o diabo tenha mostrado o reino dos persas, por exemplo, e o reino das Índias; mas que “mostrou-lhe todos os reinos do mundo”, isto é, mostrou seu império, seu modo de dominar o mundo, para engajá-lo na execução de sua vontade e começar por ali a sujeitar o Cristo a
si.
Queres, lhe diz o diabo, reinar sobre todos esses seres? E lhe mostra inumeráveis multidões de homens que eram mantidas sob seu domínio.
A bem da verdade, se nós queremos reconhecer pura e simplesmente nossa miséria e nosso infortúnio, o diabo é rei de quase o mundo inteiro; donde amiúde é chamado pelo Salvador também de “o príncipe deste mundo”.
E quando o diabo fala a Jesus, é isto [que diz]: “Vês estes homens que estão submetidos a meu poder?” – e “lhos mostra em um curtíssimo espaço de tempo”, isto é, no curso atual dos tempos que, em comparação com a eternidade, resulta na semelhança de um instante.
Com efeito, não era necessário que ao Salvador fossem mostrados longamente os negócios deste mundo; tão logo ele voltou o resplendor de suas vistas [para o que o diabo lhe mostrava], viu tanto os pecados reinando quanto aqueles que eram subjugados pelos vícios, e viu o próprio “príncipe deste mundo”, o diabo, orgulhando-se e alegrando-se por sua própria perda, porque a tantos tinha sob seu império.
Então o diabo diz ao Senhor: “Vieste para isto, para lutares contra mim e tomares do meu poder aqueles que tenho agora como sujeitos?
Não quero que lutes, não quero que te esforces; não tenhas os incômodos do combate; há uma só coisa que te peço: prostrando-te a meus pés, adora-me, e recebe todo o reino que me pertence”.
Sem dúvida, nosso Senhor e Salvador quer verdadeiramente reinar e ter sob seu domínio todas as nações, para que sirvam à justiça, à verdade e a outras virtudes.
Mas quer reinar como Justiça, para reinar sem pecado, para nada fazer de indecoroso; e não quer sem trabalho ser coroado como sujeitado ao diabo, de modo a não reinar sobre os outros e ser ele próprio comandado pelo diabo.

O reino do Cristo
Por isso o Senhor lhe replica: “Está escrito: tu adorarás o Senhor teu Deus, e somente a ele servirás”.
“Por esta razão, quero que a mim sejam submetidos todos estes homens, para que adorem o Senhor Deus e somente a ele sirvam.
Tal é o desejo de meu reino. Tu, porém, queres que o pecado comece por mim, eu que vim com o propósito de destruí-lo e do qual também desejo livrar os outros homens?
Aprende e sabe que permaneço naquilo que disse, que o Senhor Deus seja o único a ser adorado, e que eu submeta todos estes homens a meu poder e no meu reino.”
Quanto a nós, alegremo-nos também de ser submissos a ele e roguemos a Deus que ele faça morrer “o pecado que reina em nosso corpo”, e que reine somente em nós o Cristo Jesus: “a quem pertencem a glória e o poder nos séculos dos séculos. Amém”.


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terça-feira, 29 de outubro de 2019

117 - Orígenes de Alexandria (185-253) As Homilias sobre São Lucas (Homilia 29)


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117
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Orígenes de Alexandria (185-253)
As Homilias sobre São Lucas (Homilia 29)


HOMILIA 29 - Lc 4.1-4.
Sobre o que está escrito: “Jesus, porém, cheio do Espírito Santo, voltou” e sobre sua primeira tentação.

Jesus conduzido pelo Espírito Santo
Quando lês no Evangelho: “Jesus, porém, cheio do Espírito Santo, voltou”, e, nos Atos dos Apóstolos, onde está escrito a respeito daqueles que “ficaram cheios do Espírito Santo”, não penses que os Apóstolos são iguais ao Salvador.
Sabe que Jesus, os Apóstolos e qualquer outro dentre os santos são cheios do Espírito Santo, mas segundo a medida de sua capacidade; como se dissesses, por exemplo: “estes recipientes estão cheios de vinho ou de óleo”, [mas] não indicas imediatamente que estejam cheios numa igual quantidade – um pode, com efeito, conter um sextário, o outro, uma urna; o outro, uma ânfora –, (Um sextário equivale a meio litro; a urna, a treze litros; e a ânfora vale duas urnas) do mesmo modo, também Jesus e Paulo eram cheios do Espírito Santo; mas o vaso de Paulo era muito menor que o vaso de Jesus.
Entretanto, um e outro estavam completos segundo a medida deles.
Assim, uma vez recebido o batismo, o Salvador cheio do Espírito Santo, que sobre ele viera dos céus “sob a forma de uma pomba”, “era conduzido pelo Espírito”.
Pois, porque “todos quantos são conduzidos pelo Espírito de Deus, estes são filhos de Deus”.
Ele, porém, à exceção de todos, era propriamente dito o Filho de Deus; assim, era necessário que também fosse conduzido pelo Espírito Santo.
É, com efeito, o que está escrito: “ele era conduzido pelo Espírito durante quarenta dias, e era tentado pelo diabo”.
Durante quarenta dias, Jesus é tentado. Não sabemos quais tenham sido as tentações. Talvez por isso tenham sido omitidas, porque eram muito fortes para serem confiadas à Escritura.
E se foi necessário dizer que “o mundo não teria podido conter todos os livros” que tivessem sido escritos com todos os ensinamentos e ações de Jesus, assim o mundo não teria a força de suportar as tentações dos quarenta dias, durante os quais o Senhor foi tentado pelo diabo, se a Escritura no-lo tivesse ensinado.
Basta-nos apenas saber isto: que “durante quarenta dias esteve no deserto e era tentado pelo diabo e não comeu nada durante aqueles dias”, pois mortificava o desejo da carne com um jejum assíduo e contínuo.

A primeira tentação
E quando esses dias foram completados, ele teve fome. Disse-lhe, porém, o diabo: “Se tu és o Filho de Deus, diz a esta pedra que se torne pão”.
Ele disse: “Diz a esta pedra”. Mas a qual pedra? Sem dúvida, aquela que mostrava o diabo e que queria que se tornasse pão.
Qual é, pois, essa tentação? “Um pai a quem seu filho pede pão não vai lhe dar uma pedra”, e esse, como adversário sorrateiro e enganador, daria uma pedra em vez de pão?
Isto é tudo o que o diabo quis, que a pedra se tornasse pão e que os homens se alimentassem não de pão, mas da pedra que o diabo mostrara em lugar do pão?
Eu penso que até hoje o diabo mostra a pedra e exorta cada um a dizer: “Diz a esta pedra que se torne pão”.
Com toda espécie de tentação, com que os homens deviam ser tentados, o Senhor foi o primeiro a ser tentado segundo a carne que assumiu.
Ele é tentado, porém, por causa disto: para que nós possamos vencer também por sua vitória.
Talvez o que digo fique obscuro, se não se fizer mais claro com um exemplo. Se vês os hereges comerem, em lugar do pão, a mentira de suas doutrinas, saberás que a pedra deles é o discurso que o diabo mostra, mas não penses que ele tenha uma única pedra.
Ele possui várias pedras, as quais são apresentadas por [São] Mateus dizendo: “Ordena a estas pedras que se tornem pão”.
Marcião deu essa ordem e a pedra do diabo se tornou seu pão. Valentino deu a mesma ordem e outra pedra se transformou em pão.
Basílides e todos os outros hereges tinham pão dessa espécie. Assim, é preciso precaver-se para que não nos aconteça de comer a pedra do diabo, acreditando nos alimentar com o pão de Deus.
Aliás, onde estava a tentação no caso de uma pedra transformada em pão e comida pelo Salvador?
Imaginemos que, estando o diabo a propor, o Senhor tenha transformado a pedra em pão e tenha comido aquilo que ele teria realizado por seu próprio poder e tenha saciado sua fome: onde estaria a tentação, onde estaria a vitória sobre o diabo, se tudo isso fosse escrito simploriamente?
Como dissemos, um exame aprofundado dos fatos mostra que houve tanto a tentação, na hipótese em que a oferta podia ter-se cumprido, como também a vitória, porque [a tentação] foi, de fato, desprezada.
É-nos mostrado, ao mesmo tempo, que esse pão feito a partir de uma pedra não é a Palavra de Deus que alimenta o homem e do qual está escrito: “O homem não viverá somente de pão, mas de toda palavra que sair pela boca de Deus o homem viverá”.
Respondo-te, ó ser sorrateiro e malvado, que não temes tentar-me: há outro pão, o da Palavra de Deus, que faz o homem viver.
E vejamos, igualmente, que não é o Filho de Deus que fala assim, mas o homem que o Filho de Deus dignou-se assumir (Fórmula que gerou muita polêmica em séculos posteriores ao de Orígenes. O “assumptus homo” (recebeu uma) em Orígenes encontra, pelo menos, o seguinte eco: ele reconhece a unidade e a distinção das naturezas).
É em sua qualidade de homem que responde, dizendo: “Está escrito: O homem não viverá somente de pão”, o que mostra claramente que não é Deus, mas o homem que foi tentado.
Examinando com cuidado o sentido da Escritura, creio descobrir a razão pela qual João não contou a tentação do Salvador, mencionada somente por Mateus, Lucas e Marcos.
João, com efeito, como havia feito um prólogo a partir de Deus, dizendo: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus, e o Verbo era Deus”, não pudera compor a ordem da geração divina, mas somente havia expressado que ele era de Deus e, com Deus, acrescentou: “E o Verbo se fez carne”.
E porque o Deus do qual tinha de falar não pode ser tentado, não o mostrou sendo tentado pelo diabo.
Ao contrário, o Evangelho de Mateus apresenta “o livro da genealogia de Jesus Cristo”,homem que havia nascido de Maria; em Lucas, sua geração é descrita; em Marcos, é o homem que é tentado.
Por isso é reportada uma resposta semelhante de Jesus: “O homem não vive somente de pão”.
Se, portanto, o Filho de Deus, verdadeiramente Deus, tornou-se homem por ti e é tentado, tu, que por natureza és homem, não te deves indignar, se por acaso és tentado.
Mas se na tentação tiveres imitado aquele homem que por ti foi tentado, e tiveres vencido a tentação, terás esperança com ele, que então foi homem, agora, porém, deixou a condição humana.
Pois aquele que outrora era homem, depois que foi tentado e que “distanciou-se dele o diabo até o tempo” de sua morte, “ressurgindo dentre os mortos, daí em diante não morre mais”.
Ora, todo homem está sujeito à morte; este, portanto, que não morre mais, já não é um homem, mas é Deus.
Mas se é Deus aquele que outrora foi homem, e se deves tornar-te semelhante a ele, quando “formos semelhantes a ele e o virmos, tal como é”, será necessário que tu também te tornes deus no Cristo Jesus (Trata-se da semelhança reservada à beatitude final e à divinização perfeita. O progresso espiritual é a passagem da imagem à semelhança), “a quem pertencem a glória e o poder nos séculos dos séculos. Amém”.

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