terça-feira, 12 de novembro de 2019

119 - Orígenes de Alexandria (185-253) As Homilias sobre São Lucas (Homilia 31)


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119
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Orígenes de Alexandria (185-253)
As Homilias sobre São Lucas (Homilia 31)


HOMILIA 31 - Lc 4.9-13
Sobre a terceira tentação do salvador

A terceira tentação
Sondai as Escrituras, de modo que também naquelas passagens consideradas simples possais descobrir mistérios que não são pequenos.
Examinemos o princípio da leitura do Evangelho que ouvimos hoje e apareça em pleno dia o que estava oculto. “O diabo”, diz-se, “conduziu Jesus a Jerusalém”.
É incrível que o diabo conduzisse o Filho de Deus e ele o seguisse. Jesus seguia, sem dúvida alguma, como o faz o atleta que se dirige espontaneamente à prova.
Não temia o tentador nem receava as armadilhas de um inimigo bastante astuto, e devia expressar-se mais ou menos nestes termos: “Conduze-me onde queiras, tenta-me como te aprouver, me ofereço espontaneamente à tentação.
Suporto o que tiveres sugerido, me entrego a toda sorte de tentações: em todas me encontrarás mais forte”.
“Ele o conduziu, portanto, a Jerusalém, colocou-o sobre o pináculo do templo e disse-lhe: Se tu és o Filho de Deus, atira-te para baixo”.
O diabo o conduziu ao cume, ao ponto mais alto do templo, e o exortou a precipitar-se de lá de cima.
Como ele propusesse isso fraudulentamente e tentasse outra coisa sob pretexto de mostrar a glória do Cristo, o Salvador respondia: “Está escrito: não tentarás o Senhor teu Deus”.
Considera também o modo com que o diabo tenta o Cristo.
Ele não ousa tentar invocando o testemunho de nenhuma outra parte senão o dos Salmos, que diz: “Se tu és o Filho de Deus, atira-te para baixo. Com efeito, está escrito: Ele deu ordens para ti, ordens a seus anjos; eles te levarão em suas mãos, para que não machuques contra uma pedra o teu pé”.
Como sabes, ó diabo, que estas palavras estão na Escritura? Leste os Profetas ou conheceste a Palavra divina?
Ainda que tu cales, eu responderei em teu lugar. Leste, não para que te tornes melhor a partir da leitura dos livros santos, mas para matar por meio da simples letra os que são amigos da letra.
Sabes que, se quiseres falar ao Cristo de outras obras, não o enganarás, nem poderão ter nenhuma autoridade tuas asserções.

Contra a exegese dos gnósticos
Marcião lê as Escrituras assim como o diabo; e da mesma forma Basílides e Valentino, para, juntamente com o diabo, dizerem ao Salvador: “Está escrito: Ele deu ordens para ti a seus anjos, e eles te levarão em suas mãos, para que não machuques contra uma pedra o teu pé”.
Se porventura ouvires testemunhos das Escrituras, vela para que não aquiesças imediatamente a quem fala, mas considera sua vida, seus pensamentos e sua intenção, para que não simule ser o santo que talvez não seja, e sob a pele de uma ovelha se esconda um lobo infectado pelos venenos da heresia, pelo qual o diabo não fale a respeito das Escrituras.
Mas o diabo fala, segundo a ocasião dos tempos, apoiando-se nas Escrituras.
Paulo, ao contrário, pelo bem daqueles que o ouvem, toma o testemunho não só das Escrituras, mas também dos livros profanos e diz: “Cretenses sempre mentirosos, bichos maus, ventres preguiçosos”.
Cita outro autor: “Nós somos também da sua mesma raça”. E até um cômico: “As más tagarelices corrompem os bons costumes”.
Mas nem o diabo, citando as Escrituras, poderá nesta ocasião me enganar, nem Paulo, tirando algum exemplo das letras profanas, me afastará de seu ensinamento.
Com efeito, para santificar [seus ouvintes] Paulo tomou também como suas as palavras daqueles que não são dos nossos.

A exegese do diabo
Vejamos, pois, a passagem da Escritura que o diabo propõe ao Senhor: “Com efeito, está escrito: Ele deu ordens para ti, ordens a seus anjos; eles te levarão em suas mãos, para que não machuques contra uma pedra o teu pé”.
Vê como ele é dissimulado até nos próprios testemunhos.
O diabo quer, com efeito, diminuir a glória do Salvador, como se Jesus necessitasse do auxílio dos anjos, prestes a dar uma topada com o pé, se não fosse alçado pelas mãos deles.
Ele toma um testemunho, e aplica ao Cristo um versículo da Escritura que não diz respeito ao Cristo, mas aos santos em geral.
Com toda liberdade e com uma inteira segurança, afirmo, contrariamente ao diabo, que essas palavras não podem ser entendidas da pessoa do Cristo.
Ele, com efeito, não necessita do socorro dos anjos. Ele é maior que os anjos e, por herança, alcançou um nome bem mais superior que os deles.
A nenhum dos anjos Deus disse alguma vez: “Tu és o meu Filho, eu hoje te gerei”.
A nenhum deles ele falou como a um filho: “Ele fez de seus anjos sopros e servidores, um fogo ardente”; mas dirige a Cristo estas palavras: “Tu és meu Filho, hoje eu te gerei”, [as dirige] a seu próprio Filho, do qual ele fala nos profetas em inumeráveis passagens.
O Filho de Deus, eu digo, não necessita do auxílio dos anjos.
Aprende, pois, ó diabo, que os anjos tropeçarão, se Jesus não os ajudar.
E se se viu algum dos anjos, [algum] dos quais há pouco foi lido: “Nós julgaremos os anjos”, tropeçou porque não estendeu a sua mão a Jesus, a fim de que, segurado por ele, não tropeçasse.
Com efeito, quando alguém que confia na própria virtude não invoca a assistência de Jesus, tropeça e cai.
E tu, ó diabo, caíste “como um raio do céu” porque não quiseste crer em Jesus Cristo, Filho de Deus.
Para que saibas, porém, que tu interpretaste erroneamente, escuta que o que se segue deve ser entendido, não a respeito de Cristo, mas a respeito dos santos.
Não é a Jesus Cristo, mas aos santos que Deus liberta da “ruína e do demônio do meio-dia”. Lê o Salmo 91, do qual aqui está o começo: “Aquele que se mantém sob o auxílio do Altíssimo permanecerá na proteção do Deus Todo-poderoso”.
Constatarás que a passagem seguinte diz respeito mais ao homem justo do que ao Filho de Deus: “Mil cairão a teu lado e dez mil a tua direita, mas de ti não se aproximarão; entretanto tu verás com teus olhos e contemplarás o salário dos pecadores”, e o resto, fazendo uma interpretação da pessoa do justo.
Mas o diabo se serve perversamente dos testemunhos também assim, para afirmar que as coisas que eram ditas acerca dos justos deviam ser entendidas como se dissesse respeito ao Salvador, enquanto silencia e omite os versículos que contra ele foram escritos.
De fato, depois de ter dito: “Ele deu ordens para ti a seus anjos, e eles te levarão em suas mãos, para que não machuques contra uma pedra o teu pé”, silenciou quanto ao que se segue: “Sobre a áspide e o basilisco tu andarás, e calcarás o leão e o dragão”.
Por que isso, ó diabo, senão porque tu és “basilisco”, tu és o régulo de todas as serpentes, que tens os venenos mais nocivos que todos os outros, que causas instantaneamente a morte daquele que tu vês?
Sabes que também existe outra força inimiga a teu lado, que se chama “áspide” e que está submetida ao homem justo e, por isso, nada dizes de tudo isso.

Vitória sobre Satanás
Tu és “o dragão”, tu és “o leão”, dos quais está escrito: “Sobre a áspide e o basilisco tu andarás, tu calcarás aos pés o leão e o dragão”.
Mas, apesar de teu silêncio, nós que lemos as Escrituras com mais retidão sabemos que possuí mos o poder de te calcar aos pés, e que este poder nos foi dado; pois digo que é cantado não só no Salmo no Antigo Testamento, mas também agora, também no Novo, com a palavra do Salvador: “Eis que vos dou o poder de calcar aos pés serpentes, escorpiões e todos os poderes do inimigo, e nada vos prejudicará”.
Tomemos as armas, firmados por tão grande poder, e façamos de tudo para calcar aos pés, por nossa conduta, o leão e o dragão.
Doravante, para que saibas como pode ser calcado aos pés o leão e esmagado o dragão, lê a epístola de Paulo, na qual ele afirma que o Filho de Deus é calcado aos pés pelo pecador.
Como, portanto, aquele que é pecador calca aos pés o Filho de Deus, assim, pelo contrário, aquele que é justo “calca aos pés o leão e o dragão”, e calca aos pés “todo o poder do inimigo”, em nome de Jesus Cristo: “a quem pertencem a glória e o poder nos séculos dos séculos. Amém”.

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