domingo, 10 de março de 2024

251 - Hilário de Poitiers (315-368) - O Tratado da Santíssima Trindade - Livro Décimo Segundo (Capítulos 44 - 57)


 

 



251

Hilário de Poitiers (315-368)

O Tratado da Santíssima Trindade

Livro Décimo Segundo (Capítulos 44 - 57)

  

O livro XII fala do nascimento eterno do Verbo e termina com a Oração que resume a sua fé na Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo, e com a súplica para que Deus conserve a sua fé. São 57 capítulos.

 

Capítulo 44.

1.      Pela revelação da doutrina católica, reconhece, ó herege, em primeiro lugar o que significa ter sido criado para o início dos caminhos de Deus e para as suas obras.

2.      Deves admitir pelos ditos da própria Sabedoria a insensatez de tua impiedade, pois ela assim começa: Se eu vos dissesse o que se faz cada dia, lembrar-me-ia de enunciar aquelas coisas que existem desde o começo dos séculos (Pr 8,22; LXX). Antes já tinha dito: A vós, ó homens, suplico, e levanto minha voz para os filhos dos homens. Entendei, ó simples, a sagacidade. Ignorantes, abri o coração (Pr 8,4-5), e: Por mim, reinam os reis, e os poderosos decretam o que é justo. Por mim, os príncipes se engrandecem e por mim os soberanos governam a terra (Pr 8,15-16), e de novo: Ando pelas veredas da equidade e vou pelo caminho da justiça, para repartir a riqueza com os que me amam, e encher de bens os seus tesouros (Pr 8,20-21).

3.      A Sabedoria não esconde sua obra diária. Em primeiro lugar, exorta com instância a todos para que os simples entendam a sagacidade, e os ignorantes abram o coração, para que o leitor diligente considere atentamente os diversos sentidos das palavras. Ensina que todas as coisas se realizam, se louvam, se alcançam, se obtêm, com seus métodos e que estão nela os reinos dos soberanos, a prudência dos poderosos, as obras grandiosas dos príncipes e o direito de governar a terra concedido aos reis. Mostra que não tem parte na iniquidade nem pode ser encontrada no meio da injustiça, para oferecer aos que a amam o tesouro dos bens eternos e das riquezas incorruptíveis.

4.      Quando anuncia o que acontece todo dia, lembra-se de enumerar aquelas coisas que existem a partir do início do tempo.

5.      E agora, que tolice é esta de imaginar que aquelas coisas que disse que existiam desde o princípio foram feitas antes dos tempos? As coisas que existem desde o princípio do mundo foram feitas depois do começo do tempo, mas o que é anterior ao tempo veio antes da criação do mundo que lhe é posterior. A Sabedoria, que declarou que iria lembrar as coisas que existem desde o começo dos tempos, disse: O Senhor me criou para o início dos seus caminhos e para suas obras. Este é o sentido das coisas feitas desde o começo. Este ensinamento não diz respeito à geração, da qual se disse que é anterior aos tempos, mas sim ao plano salvífico que teve início desde o começo dos tempos.

 

Capítulo 45.

6.      É preciso perguntar o que significa que o Deus nascido antes dos séculos tenha sido para o início dos caminhos de Deus e para suas obras, visto que onde há natividade antes dos séculos, há também a eternidade da infinita geração; porém, se há também criação desde o início, para os caminhos de Deus e para suas obras, a causa da criação está relacionada às obras e aos caminhos.

7.      Em primeiro lugar, sendo Cristo a Sabedoria, devemos perguntar se é Ele o início dos caminhos das obras de Deus. Penso que não há dúvida, pois Ele disse: Eu sou o caminho e: Ninguém vai ao Pai senão por mim (Jo 14,6). O caminho guia os que andam, permite a corrida dos que têm pressa, oferece segurança aos ignorantes, é mestre das coisas desconhecidas e desejadas.

8.      Portanto, é criado para o início dos caminhos para as obras de Deus, porque é Caminho e conduz ao Pai. Deve-se procurar a razão desta criação que vem desde o início. Trata-se do mistério do desígnio salvífico definitivo, pelo qual Cristo, também criado no corpo, declarou ser o caminho das obras de Deus.

9.      Foi criado para os caminhos de Deus desde o início do tempo, quando, sujeitando-se à forma visível de criatura, assumiu o estado de criação.

 

Capítulo 46.

10.  Vejamos, então, para que caminhos de Deus e para que obras foi criada no início dos tempos a Sabedoria nascida de Deus antes dos séculos. Quando Adão ouviu a voz daquele que passeava no Paraíso, julgas que os passos do que passeava no paraíso foram ouvidos de outro modo a não ser sob a aparência da criação assumida, subsistindo em alguma criatura o que se ouviu passear? (Cf. Gn 3,8.)

11.  Não indago sob que aparência falava com Caim e Abel, ou com Noé. E como seria Aquele que abençoou Enoque? (Cf. Gn 4,6; 6,13; 5,24.) O Anjo conversa com Agar (cf. Gn 16,8-13) e é certamente o mesmo Deus.

12.  Acaso a aparência sob a qual o Anjo se mostra é a mesma daquele que possui a natureza de Deus? Certamente se mostra sob a aparência de Anjo, no mesmo lugar em que depois se fala da natureza de Deus. Mas, por que falo de Anjo? Um homem veio ao encontro de Abraão (cf. Gn 18,2), Cristo enquanto é Homem, no modo de ser de criatura, está presente tal como é enquanto é Deus?

13.  Fala como homem, tem um corpo, toma alimentos, no entanto é adorado como Deus. Certamente quem antes se mostrou como Anjo, agora também é Homem, para que não se entenda serem estas diversas formas assumidas de sua criação o aspecto que corresponde à natureza de Deus.

14.  Aparece em forma humana a Jacó, a ponto de lutar corpo a corpo com ele, segurar as suas mãos, esforçar-se com seus membros e inclinar-se para os lados, realizando todos os nossos movimentos e gestos (cf. Gn 32,24-30). Depois, mostra-se a Moisés como fogo (cf. Ex 3,2) para aprenderes que a fé, na natureza criada, se refere mais à figura da natureza criada do que à substância própria da sua natureza.

15.  Teve, então, o poder de queimar, sem que estivesse submetido à necessidade natural de consumir-se, de modo que o fogo não causou à sarça nenhum dano.

 

Capítulo 47.

16.  Percorre os tempos, e procura entender como foi visto por Josué, filho de Nun, Profeta que tinha seu próprio nome (cf. Js 1,1), ou por Isaías, que disse tê-lo visto, como testemunha o Evangelho (cf. Is 6,1; Jo 12,41), ou por Ezequiel, a quem foi dado o conhecimento da ressurreição (cf. Ez 37,1-14). Daniel confessou o Filho do Homem no eterno reino dos séculos (cf. Dn 7,13-14). A muitos outros se apresentou sob o aspecto de várias criaturas, para o conhecimento dos caminhos de Deus e para as obras de Deus, isto é, para o conhecimento de Deus e para o bom êxito de nossa eternidade.

17.  Por que, então, a economia da salvação humana provoca um ataque tão ímpio contra o nascimento eterno? Esta criação pertence ao princípio dos tempos, porém o nascimento infinito tem lugar antes dos tempos. Contesta, com razão, nossas afirmações, se o Profeta, se o Senhor, se o Apóstolo, se qualquer palavra referente à eterna natividade empregou o nome de criatura.

18.  Pois em todos os casos, Deus, que é fogo abrasador, tomou a forma de uma criatura para voltar a deixá-la com o mesmo poder com que assumiu e é poderoso para eliminar de novo aquilo que fora feito apenas para que Ele pudesse ser visto.

 

Capítulo 48.

19.  A santa e verdadeira natividade da carne concebida no seio da Virgem foi dita pelo Apóstolo feita e criada porque nasceu a natureza e aparência própria de nossa condição de criatura. Certamente, segundo ele, o nome de criatura corresponde à verdadeira natividade, enquanto Homem: Mas, quando veio a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, feito a partir de uma mulher, feito sob a Lei, para redimir aqueles que estão sob a Lei para conseguirmos a adoção de filhos (Gl 4,4).

20.  Portanto, Aquele que existe como criatura no Homem como Homem, sendo não somente feito, mas criado, é o Filho de Deus, pois foi dito: em conformidade com a verdade que está em Jesus; renunciando a vossa existência passada, precisais despojar-vos do homem velho que se corrompe sob o efeito das concupiscências enganosas, precisais ser renovados pela transformação espiritual de vossa inteligência e revestir o Homem Novo, criado segundo Deus (Ef 4,21-24).

21.  Temos de revestir aquele Homem novo, que foi criado segundo Deus, pois o que era Filho de Deus também nasceu como Filho do Homem.

22.  Não se trata de nascimento da divindade, mas de criação da carne; por isso, o Homem novo, criado segundo Deus, nascido antes dos séculos, recebe o nome de seu gênero.

23.  O Apóstolo mostrou como foi criado o Homem novo segundo Deus, quando acrescentou: Na justiça e santidade, que vêm da verdade (Ef 4,24). Nele não havia dolo e tornou-se, para nós, justiça e santificação (cf. 1Cor 1,30). Ele mesmo é a verdade. Revestimos, portanto, este Cristo criado como Homem novo segundo Deus.

 

Capítulo 49.

24.  A Sabedoria, quando diz que se lembra de que foi feita desde o início, afirma que foi criada para as obras de Deus e para os seus caminhos. Ensina ter sido criada antes dos séculos, para que não parecesse que o mistério pelo qual assumiu, de modo tão variado e frequente, a criação, mudasse sua natureza.

25.  Na verdade, a firmeza de sua constituição não permite uma perturbação que afete seu ser. Por outro lado, para que não se pensasse que o ter sido constituída fosse uma alusão a algo diferente da natividade, declarou ter sido gerada antes de todas as coisas. Por que agora a criação é referida à natividade, se aquela que foi gerada antes de todas as coisas foi constituída antes dos séculos, e aquela que foi constituída antes de todos os séculos foi criada desde o início dos tempos para o início dos caminhos de Deus e suas obras, de tal modo que se pode entender que a criação no começo dos tempos é diferente daquela natividade que é anterior aos séculos e a todas as coisas? Não tem nenhuma desculpa a impiedade que pretende disfarçar o erro.

 

Capítulo 50.

26.  A fraqueza da inteligência pode dificultar a compreensão da fé de forma a não se poder entender a natureza da criação. Contudo, segundo o dito do Apóstolo, que atribui à verdadeira natividade o nome de obra, deve-se pensar que a criação, de maneira imprecisa, mas não ímpia, deve levar à fé na geração eterna. Parece que o Apóstolo, quando ia anunciar o nascimento do que é Um e procede do que é Um, isto é, o nascimento do Senhor concebido pela Virgem, sem paixões humanas, não julgou ser fora de propósito dizer que Aquele sabia como tinha nascido e que frequentemente anunciava que fora feito de mulher (Gl 4,4).

27.  Pretendia, porém, que a natividade nos mostrasse a verdade da geração e que a palavra feito afirmasse a natividade do que é Um procedendo do que é Um, porque a palavra feito exclui a concepção de uma vida originada de uma união humana, e por saber-se que foi feito de uma Virgem Aquele a respeito de cujo nascimento não havia dúvidas.

28.  Vê, ó herege, como és ímpio! Que Jesus Cristo tenha sido criado por Deus, não foi dito por nenhuma palavra evangélica ou apostólica. Foi dito, sim, que nasceu, mas tu negas a natividade e afirmas que Ele é criatura. Não o dizes de acordo com o sentido dado pelo Apóstolo, que afirma ter sido feito para que não se duvidasse de que tinha nascido como Um do que é Um, mas no sentido mais ímpio, de tal modo que, em tua opinião, Cristo não subsistiria como Deus por natividade natural, mas, antes, existiria como criatura, vindo do nada.

29.  É este o primeiro veneno da tua mente infeliz: não dizer que é também criatura o que nasceu, mas dizer que crês na criação e não na natividade. Isto é próprio de uma inteligência mesquinha, mas talvez não o seja de uma mente de todo irreligiosa. Podes ter dito criado para que se conhecesse sua natividade, vindo de Deus, sem nenhuma paixão, como o nascimento daquele que é Um procedendo do que é Um.

 

Capítulo 51.

30.  A fé apostólica não aceita nada disto, pois sabe que Cristo foi criado no tempo em vista da economia da salvação. Também sabe como nasceu na eternidade, anterior aos tempos.

31.  Tendo nascido de Deus, é Deus. Não há dúvida de que nele está a divindade da verdadeira natividade e perfeita geração.

32.  Quanto à divindade, nada mais professamos, a não ser que nasceu e que é eterno. Não nasceu depois de alguma coisa, mas antes de tudo.

33.  A natividade só atesta que há um princípio, não indica nenhuma outra coisa posterior a este princípio. No modo de ver comum, certamente o Filho é o segundo em relação ao Pai, porque vem de Deus, mas não pode ser separado do Pai que lhe dá origem, porque sempre que nossa inteligência tentar ir além da ideia de natividade, nesta mesma medida terá de ir além da noção de geração.

34.  A única linguagem piedosa sobre Deus é esta: conhecer o Pai e conhecer, com Ele, Aquele que procede dele, como Filho. Só queremos ensinar, sobre Deus, que é Pai do Deus Unigênito e criador. Que a fraqueza humana não tente ir além e diga somente isto, porque somente nisto há salvação: que tenha nascido o Senhor Jesus Cristo antes da Encarnação.

 

Capítulo 52. (Oração Final de Hilário)

35.  Enquanto estiver animado pelo Espírito que, por ti, me foi concedido, eu te confessarei, com todas as minhas forças, Pai santo e onipotente, como o Deus eterno e como o eterno Pai. Nunca me deixarei levar pela ímpia insensatez de querer julgar os mistérios da tua onipotência. Jamais permitirei que a fraqueza de meu espírito pretenda elevar-se acima da noção verdadeira da tua infinidade e da fé na tua eternidade, como me foram reveladas.

36.  Nunca afirmarei que possas ter existido sem tua Sabedoria, tua Força, teu Verbo, Deus Unigênito, meu Senhor Jesus Cristo. Que a palavra fraca e imperfeita de nossa natureza não prejudique meu pensamento a teu respeito, de tal modo que a indigência do meu falar faça calar a fé.

37.  Como a palavra, a sabedoria e a força agem em nós por um movimento interior, assim também teu Verbo, tua Sabedoria tua Força são, em ti, geração perfeita do Deus perfeito. É sempre inseparável de ti Aquele que, por estes nomes eternos das tuas propriedades, demonstra ter nascido de ti, de tal modo, porém, que indica seres somente tu o seu Pai, e mais ninguém, para que não se perca a fé na sua infinidade, ao afirmar que nasceu antes dos tempos eternos.

 

Capítulo 53.

38.  Tu nos apresentas, nas coisas humanas, numerosos exemplos, nos quais, embora causas sejam ignoradas, o efeito não é desconhecido. A fé deve existir onde existe o desconhecimento próprio da nossa natureza.

39.  Quando elevo aos céus estes meus olhos fracos, somente posso pensar que o céu é teu. Contemplando os astros em seus círculos e retornos anuais, as Plêiades, a estrela da manhã, a Ursa Maior em seus movimentos determinados, eu reconheço a Ti, ó Deus, sem que minha inteligência possa abranger estas coisas. Ao ver os maravilhosos movimentos de teu mar, não consigo apreender a origem das águas, nem medir suas alternâncias. Percebendo, no entanto, a fé da razão, apesar de serem imperscrutáveis as suas causas, mesmo naquilo que ignoro, não te desconheço.

40.  Quando volto o pensamento para as terras, que, devido a causas ocultas, dissolvem o que é semeado, vivificam o que é dissolvido, multiplicam o que é vivificado, fortificam o que é multiplicado, nestas coisas nada encontro que minha inteligência possa entender.

41.  Minha ignorância permite-me, no entanto, entender-te, pois não compreendendo a natureza que aí está para servir-me, reconheço-te, nesta natureza que me serve. Sem conhecer-me a mim mesmo, eu te admiro tanto mais quanto ignoro o que me diz respeito.

42.  Se, prestando atenção ao movimento, à razão ou à vida de minha mente, não os entendo, mas sem entendê-los sinto-os, sentindo, sei que é a ti que os devo, pois me concedes os sentidos para apreciar a natureza que me deleita, ainda que não entenda a origem de meu ser. Ignorando o que me diz respeito, entendo-te e, entendendo, adoro.

43.  Não quero que, por não reconhecer o que é teu, a fé em tua onipotência se enfraqueça, para que minha inteligência não deseje possuir nem submeter a si a origem de teu Unigênito, e para que em mim não haja nada que me faça querer ir além daquele que é meu Criador e meu Deus.

 

Capítulo 54.

44.  Seu Nascimento é anterior aos séculos eternos. Se existe algo que preceda a eternidade, haverá algo que exceda o sentido da eternidade. Ele é teu, é teu Unigênito, não é porção, não é extensão, não é um nome vazio de conteúdo, para explicar tuas operações, mas é o Filho, nascido de Ti, Deus Pai, verdadeiro Deus, gerado por ti na unidade de tua natureza; deve ser confessado depois de ti, junto contigo, porque és o princípio eterno de sua origem.

45.  Enquanto procede de ti, é segundo em relação a ti; à medida, porém, que é teu, não podes ser separado dele, porque ninguém pode confessar que tenhas existido sem o que é teu, para que não sejas dito imperfeito sem a geração, nem sejas acusado de ser supérfluo, depois da geração. Deste modo, a natividade eterna nos faz saber que és o eterno Pai do Filho Unigênito, que procede de ti antes dos tempos eternos.

 

Capítulo 55.

46.  É pouco, para mim, negar, por minha palavra ou minha fé, que meu Senhor e meu Deus, Jesus Cristo, o teu Unigênito, seja uma criatura. Também não suportarei que se atribua esse nome ao teu Espírito Santo, que vem de ti, enviado por meio de Teu Filho.

47.  Grande é minha reverência para com aquilo que te diz respeito. Pelo fato de reconhecer que somente Tu és inascível e que o teu Unigênito nasceu de ti, não direi nunca ser o Espírito Santo gerado, nem criado. Receio da injúria contida neste nome que tenho em comum com as outras criaturas tuas e que é dirigida também contra ti. O Espírito Santo, segundo o Apóstolo (cf. 1Cor 2,10), sonda e conhece o que há de profundo em ti, e, intercedendo, diante de ti, por mim, te diz, em meu lugar, o que eu não poderia dizer. Eu não apenas o definiria, mas ofenderia chamando de criatura o poder da natureza que vem de ti, por meio do teu Unigênito.

48.  Nada penetra em ti, a não ser o que te pertence, e a profundeza de tua imensa majestade não pode ser medida por um poder estranho e alheio a ti. Tudo o que há em ti é teu, e não é alheio a ti o que está no teu interior, com poder para perscrutar teu ser.

 

Capítulo 56.

49.  Para mim, é indescritível Aquele cujas palavras em meu favor são inenarráveis. Como, a respeito daquele que, antes dos tempos eternos, nasceu de ti como teu Unigênito, afastada toda ambiguidade das palavras e toda dificuldade em entendê-las, apenas permanece que tenha nascido, também estou certo de que, por meio dele, procede de Ti o teu Espírito Santo, embora isto não me seja perceptível pelos sentidos. Sou destituído de talento para as coisas espirituais, e já teu Unigênito havia dito: Não te admires de te haver dito: deveis nascer de novo. O Espírito sopra onde quer, e ouves o seu ruído; mas não sabes de onde vem nem para onde vai. Assim acontece com todo aquele que nasceu pela água e pelo Espírito Santo (Jo 3,7-8). Tenho fé em minha regeneração, porém, não a conheço, e o que ignoro, já o possuo.

50.  Sem que entenda, nasço de novo, e é eficaz o meu renascer. O Espírito não pode ser contido: fala quando quer, diz o que quer e onde quer. Se a causa de seu ir e vir não é conhecida, embora se saiba que está presente, iria eu colocar sua natureza entre as criaturas, estabelecer-lhe limites e determinar sua origem? Tudo foi feito por meio do Filho, visto que João diz que no princípio o Deus Verbo existia junto de ti, Deus (cf. Jo 1,1-3).

51.  Paulo enumera todas as coisas criadas, as do céu e as da terra, as visíveis e as invisíveis (cf. Cl 1,16), e, tendo relembrado que tudo foi criado em Cristo e por Cristo, julgou suficiente dizer sobre o Espírito Santo que é teu Espírito. Pensarei o mesmo que estes homens eleitos por ti e, como eles, nada direi que exceda o entendimento humano sobre o Espírito Santo, a não ser que é o teu Espírito. Quero que esta não seja uma inútil luta de palavras, mas a constante confissão da inabalável fé.

 

Capítulo 57.

52.  Conserva, eu te suplico, intacta e inabalável esta minha fé e, até o último suspiro, dá-me testemunhar minha convicção. Que mantenha sempre fielmente aquilo que, no Símbolo do meu novo nascimento, ao ser batizada no Pai e no Filho e no Espírito Santo, professei.

53.  Que a Ti, nosso Pai, e a teu Filho, juntamente contigo, sempre adore, e que eu receba como dom o teu Espírito Santo, que procede de ti, por meio do teu Unigênito. Porque tenho como testemunha idônea de minha fé Aquele que diz Pai, tudo o que é meu é teu, e o que é teu é meu (Jo 17,10), meu Senhor Jesus Cristo, que permanece em ti, procede de ti, está junto de ti e é sempre Deus bendito pelos séculos dos séculos. Amém.

 

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domingo, 3 de março de 2024

250 - Hilário de Poitiers (315-368) - O Tratado da Santíssima Trindade - Livro Décimo Segundo (Capítulos 27 - 43).

 



250

Hilário de Poitiers (315-368)

O Tratado da Santíssima Trindade

Livro Décimo Segundo (Capítulos 27 - 43)

 

O livro XII fala do nascimento eterno do Verbo e termina com a Oração que resume a sua fé na Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo, e com a súplica para que Deus conserve a sua fé. São 57 capítulos.

 

Capítulo 27.

1.      Podemos abranger todos os tempos, seja com a imaginação, seja com o entendimento. O que existe agora, sabemos que não existiu ontem, porque aquilo que existiu ontem, agora não existe; aquilo que agora existe, existe somente agora, não existia ontem.

2.      De tal forma medimos com o pensamento as coisas passadas que, achando-nos diante de uma cidade já construída, não duvidamos de que tenha havido um tempo no qual esta cidade ainda não existisse. E já que o tempo está submetido ao conhecimento ou à imaginação, julgamos de acordo com a capacidade da inteligência humana, e acreditamos ter sido dito com razão, a respeito de alguma coisa, que não existiu antes de nascer, porque o tempo existe sempre, antes da origem, seja do que for.

3.      Contudo, no que diz respeito às coisas de Deus, isto é, à natividade de Deus, tudo existe antes do tempo e é eterno. Não é possível dizer antes de ter nascido em relação Àquele a quem é prometida a eternidade dos tempos, de acordo com o que disse o santo Apóstolo: na esperança da vida eterna, antes dos tempos eternos, prometida pelo Deus que não mente (Tt 1,2).

4.      Não se pode compreender que tenha começado a existir depois de outra coisa Aquele que é preciso confessar como existente antes dos tempos eternos.

Capítulo 28.

5.      Se não pertence à natureza humana nem pode ser compreendido pela mente do homem que algo nasça antes dos tempos eternos, cremos, no entanto, nas declarações de Deus a respeito de si mesmo. Como, usando a compreensão humana, a infidelidade repete em nosso tempo que não existiu antes de nascer Aquele de quem a fé apostólica, mesmo sem a capacidade de compreender o eterno, afirmou que sempre nasceu, isto é, que existe antes dos tempos eternos?

6.      O que nasceu antes dos tempos existiu sempre como nascido, pois o que existe antes dos tempos eternos existe sempre. E o que existe sempre como nascido não pode não ter sido em algum tempo, porque não ter sempre existido significa não existir sempre, pois existir sempre exclui o não ter sido sempre. Excluído o não ter sido sempre, dado que nasceu desde sempre, não tem sentido pensar que não tenha sido antes de nascer.

7.      Deve-se pensar que Aquele que nasceu antes dos tempos eternos nasceu desde sempre, embora não possamos compreender o que significa ter nascido antes dos tempos. Porém, como se deve afirmar, com toda certeza, que nasceu antes de toda criatura, invisível ou corpórea, antes de todos os séculos e tempos eternos e antes de todo o pensamento, de modo algum se pode conceber que não tenha existido antes de nascer Aquele que sempre existe por ter nascido antes dos tempos eternos, porque o que nasceu antes dos tempos eternos é anterior a todo pensamento e não se pode pensar que não tenha existido alguma vez Aquele de quem se deve confessar ter existido sempre.

 

Capítulo 29.

8.      Com argúcia, porém, esta questão capciosa se antepõe: se, diz ela, não tem sentido pensar que não existia antes de ter nascido, só nos resta crer que o que já existia nasceu.

 

Capítulo 30.

9.      Responderei ao opositor: acaso tu te lembras de ter-me ouvido dizer outra coisa a não ser que nasceu? Acaso existir antes dos tempos eternos é o mesmo que nascer aquele que já existia? Porque nascer o que existia já não é nascer, mas mudar-se a si mesmo por ter nascido. Ter nascido sempre quer dizer anteceder, no nascimento, toda ideia de tempo e significa total impossibilidade de pensar que em algum tempo não tenha nascido. Na verdade não é a mesma coisa ter nascido antes dos tempos eternos e existir antes de nascer. Pois, ter nascido sempre antes dos tempos eternos exclui o não ter existido antes de nascer.

Capítulo 31.

10.  Além do mais, não é possível dizer que existia antes de nascer, porque aquilo que ultrapassa o pensamento em nada se submete ao pensamento.

11.  Se o ter sempre nascido está além do pensamento, também não é possível pensar que não tenha existido antes de nascer.

12.  Como temos de reconhecer que ter sempre nascido não é diferente de ter nascido, não podemos saber se existia ou não antes de nascer, porque o próprio fato de ter nascido antes dos tempos eternos ultrapassa a nossa compreensão.

13.  Portanto nasceu e existe sempre, porque, a seu respeito, nada se pode entender ou dizer, a não ser que nasceu. Como é anterior ao tempo no qual se pode pensar (porque o tempo eterno é anterior ao pensamento) não se pode aceitar que o pensamento julgue, a seu respeito, se existia ou não antes de nascer, porque existir antes de nascer não é compatível com o nascimento e não ter sido já pertence ao tempo.

14.  O infinito dos tempos eternos exclui toda ideia de tempo, isto é, a existência antes de nascer, porque, se sua existência ou não existência estivessem submetidas à nossa capacidade de julgamento, seu próprio nascimento viria depois do tempo, já que o que não existe sempre necessariamente teria de começar a ser depois de alguma coisa.

Capítulo 32.

15.  A conclusão da fé e do discurso, bem como do pensamento, é que o Senhor Jesus Cristo nasceu e existe sempre, porque, se a mente retroceder às origens para perscrutar o que se disse sobre o Filho, nada virá ao pensamento de quem perscruta a não ser que nasceu e existe sempre.

16.  Por conseguinte, como é próprio de Deus Pai existir sempre, sem nascimento, também pertence ao Filho existir sempre pelo nascimento.

17.  O nascimento não indica outra coisa a não ser que há um Pai, e a palavra Pai nada indica a não ser o nascimento. Nem o nome nem a natureza permitem que haja um termo médio. Pois o Pai não é sempre o Pai quando não há sempre um Filho, mas se Ele é sempre Pai, também existe sempre o Filho. Enquanto se negar ao Filho que seja Filho, também se negará ao Pai o ser Pai, e assim não será sempre Pai. Neste caso, mesmo tendo sido sempre Deus, não possuiria, como Pai, aquela infinidade pela qual é Deus.

Capítulo 33.

18.  A ímpia profissão de fé chega a tal ponto que não só atribui ao Filho o ter nascido no tempo, mas também priva o Pai da geração, porque a geração se dá no tempo da natividade.

Capítulo 34.

19.  Julgas, ó herege, estar de acordo com a piedade e a religião confessar que Deus sempre existiu, sem confessar que seja Pai? Se pensas que isto está de acordo com a piedade, condenas a impiedade de Paulo, que diz que o Filho existe antes dos tempos eternos (cf. 2Tm 1,9); também acusas a Sabedoria, que atesta, a respeito de si mesma, ter sido fundada antes dos séculos e diz que estava ao lado do Pai, quando criava o céu (cf. Pr 8,23 [LXX]; 8,27). Mas tu, para atribuir ao Pai um início, enquanto Pai, distingue antes o início dos tempos em que começaram, porque, se começaram, o Apóstolo, que os declarou eternos, é mentiroso. Costumas contar os tempos pela criação do sol e da lua porque sobre eles está escrito: E sejam sinais para os tempos e para os anos (Gn 1,14).

20.  Mas o que existe antes do céu, o que, na vossa opinião também é anterior ao tempo, é Ele mesmo, anterior aos séculos. E não é apenas anterior aos séculos, mas também às gerações e gerações anteriores aos séculos. Por que aprisionas nas coisas caducas, terrenas e estreitas, as divinas e infinitas?

21.  Em Cristo, Paulo não conhece senão a eternidade dos tempos. A Sabedoria não diz que é posterior a algo, mas que é anterior a tudo. Em teu parecer, os tempos foram estabelecidos a partir do sol e da lua. No entanto, Davi mostrou que Cristo existe antes do sol, quando disse: o seu nome é anterior ao sol (Sl 71,17). Para não julgares que o que é de Deus começou com o início da lua, o mesmo Davi disse: E antes da lua, as gerações de gerações (Sl 71,5). Os tempos, aqui, não são levados em consideração por homens tão ilustres, dignos do espírito da profecia, e não resta à inteligência humana nenhuma possibilidade de estender-se até aquilo que existe antes da natividade e que ultrapassa os tempos eternos.

22.  Mas a fé verdadeira só tem este modo de ver: o Senhor Jesus Cristo é o Deus Unigênito e é preciso professar a sua perfeita natividade, sem ignorar que é eterno na adoração da sua divindade.

Capítulo 35.

23.  Quando somos acusados de mentir, também é censurada a doutrina apostólica, que professa a natividade e, igualmente, a eternidade do nascimento, pois a natividade atesta que existe um Pai, mas, por outro lado, a eternidade do mistério da divina natividade excede o modo humano de pensar. Serviu de argumento aos hereges a palavra da Sabedoria sobre si mesma, que, segundo eles, diz ter sido criada: O Senhor me criou para o início de seus caminhos (Pr 8,22).

Capítulo 36.

24.  Tu, ó miserável herege, empregando as armas que foram concedidas à Igreja para opor-se à Sinagoga, investes contra a fé da pregação eclesiástica para usá-la contra a salvação universal. Pretendes provar com estas palavras ser Cristo criatura, em vez de fazer calar o judeu, que nega a divindade de Cristo antes dos séculos eternos e a ação do poder de Deus em todas as suas obras e ensinamentos. Para isso usas estas palavras da Sabedoria subsistente! Ela disse que foi criada para o início dos caminhos de Deus e para suas obras desde o começo dos séculos, para que não se julgasse que existiu antes de Maria, porém não disse que tinha sido criada para indicar sua natividade, porque foi criada para o início dos caminhos de Deus e suas obras.

25.  Para que ninguém cresse que o começo dos caminhos, que, na verdade, é o começo do conhecimento humano das coisas divinas, significa a sujeição da natividade infinita ao tempo, declarou ter sido constituída antes dos séculos.

26.  Já que não é a mesma coisa ser criada para o início dos seus caminhos e para suas obras e ser constituída antes dos séculos, deve-se entender que a sua constituição é anterior à criação, e o fato de ter sido constituída para as sua obras antes dos séculos demonstra o mistério da sua criação; porque a constituição é anterior ao tempo, e a criação para o início dos caminhos e para as obras é posterior ao tempo.

Capítulo 37.

27.  Não só disse isto, mas para que nem a criação nem a fundação prejudicassem a fé na divina natividade, acrescentou: Antes que se fizesse a terra, antes de serem implantados os montes, antes de todas as colinas, fui gerada (Pr 8,25).

28.  Foi gerado antes que existisse a terra Aquele que foi estabelecido antes dos séculos, antes, não apenas da terra, mas também dos montes e das colinas, porque a Sabedoria fala de si mesma e diz mais do que o que se ouve. Tudo o que se diz para dar a conhecer o infinito deve ser de tal modo que não resulte posterior no tempo a nenhuma coisa ou espécie.

29.  Aliás, nenhuma coisa temporal é adequada para indicar o que seja a eternidade, porque, justamente, por serem posteriores a outras coisas, por si mesmas não dão a conhecer a origem do infinito, já que tiveram um início temporal. Pois, que há de tão extraordinário no fato de que Deus tenha gerado o Cristo Senhor antes da terra, se a origem dos Anjos é mais antiga que a criação da terra? Ou, por que aquele que se diz gerado antes da terra se revela como nascido antes dos montes, e não só dos montes, mas também das colinas, se as colinas são mencionadas depois dos montes, e é evidente que os montes existem depois da terra?

30.  Por tudo isso não se pode pensar que tais coisas são ditas para que se entenda que existe antes das colinas, dos montes e da terra Aquele que, em virtude de sua eternidade infinita, precede até mesmo o que existe antes da terra, dos montes e das colinas.

Capítulo 38.

31.  A palavra divina não nos deixou sem uma explicação, pois mostrou a razão do que foi dito, com as palavras que se seguem: Deus fez as regiões e os lugares habitáveis e inabitáveis e os cimos que são habitados debaixo do céu. Quando preparava o céu e quando escolhia a sua morada, eu estava com Ele. Quando, acima dos ventos e nas alturas dos céus, fazia as nuvens poderosas e colocava as fontes sob o céu e estabelecia os fortes fundamentos da terra, eu estava junto dele dispondo todas as coisas (Pr 8,26-30 [LXX]).

32.  Como pode haver aqui lugar para o tempo? Até onde é permitido à inteligência humana estender-se para além da natividade infinita do Deus Unigênito? Não se pode compreender sua geração pela comparação com as coisas que a mente pode conceber, porque Ele é anterior a todas elas.

33.  Os hereges atribuem-lhe somente o ter nascido antes das coisas temporais, pois, embora seja anterior a elas no tempo, não é infinito. Como estas coisas estão submetidas ao tempo, pelo próprio fato da criação, Ele, embora seja anterior a todas elas, não está livre do tempo, porque a criação temporal dessas coisas mostra que Ele nasceu no tempo ainda que tenha nascido antes, pois, o que precede as coisas temporais é temporal como elas.

Capítulo 39.

34.  A palavra de Deus e a doutrina da verdadeira sabedoria dizem coisas perfeitas e revelam a verdade absoluta quando ensinam que Ele não é anterior àquilo que é temporal, mas sim ao que é infinito.

35.  Ao ser criado o céu, ele estava junto de Deus. Acaso a criação do céu está, para Deus, encerrada no que é temporal, como se, de repente, lhe brotasse o pensamento na mente, antes adormecida, e, de modo humano, fosse buscar os instrumentos necessários para fabricar os céus?

36.  É bem diferente a ideia do Profeta sobre as operações de Deus, quando diz: Pela palavra do Senhor se firmaram os céus, e pelo sopro de sua boca, todos os seus exércitos (Sl 32,6). Os céus precisaram, para se firmarem, da ordem de Deus, pois sua grandeza e sua força, na constituição de sua firmeza inalterável, não vieram de alguma combinação e mistura de matérias, mas existem pelo sopro dos lábios divinos.

37.  Que significa que a Sabedoria gerada por Deus estava a seu lado quando preparava o céu, já que a criação do céu não resulta de uma preparação? Não pertence à natureza de Deus deter-se no pensamento do preparo da obra? Nada do que existe deixou de estar sempre com Deus, pois, embora todas as coisas tenham começado, no que se refere à sua criação, no que diz respeito à ciência e ao poder de Deus, não tiveram início. Disso o Profeta nos dá testemunho ao dizer: Deus, que fizeste tudo o que há de existir (Is 45,11; LXX).

38.  As coisas futuras, embora ainda estejam para ser criadas do ponto de vista da criação, já estão feitas, para Deus, para quem nada há de novo nem de repentino naquilo que há de ser criado, pois o desígnio divino realizado no tempo é de que sejam criadas. Já foram criadas na presciente eficácia do divino poder. E por isso, a Sabedoria, ao ensinar ter nascido antes dos séculos, não só se declara anterior ao que foi criado, mas afirma ser coeterna às coisas eternas, isto é, à preparação do céu, como também à separação da morada de Deus.

39.  A morada de Deus não foi separada quando foi feita, porque uma coisa é separar a sua morada, outra é orná-la. O céu não foi criado quando foi preparado, mas ela estava junto do que preparava e separava. Depois, dispunha as coisas com o que preparava. Revela sua eternidade por estar junto do que prepara, e a seu serviço, quando dispõe as coisas junto com o que as cria.

40.  Por isso também diz que foi gerada antes da terra, dos montes e das colinas. Porque ensinava que também estava presente na preparação do céu para demonstrar que já então, quando o céu era preparado, todas estas coisas já estavam feitas em Deus, para quem nada é novo.

Capítulo 40.

41.  A preparação dos seres que devem ser criados é eterna. O conjunto do universo não foi planejado por partes, de forma que primeiro Deus tenha planejado o céu, depois tenha refletido e pensado na terra, e que tenha pensado em cada coisa por sua vez, de sorte que primeiro tenha estendido as planícies, em seguida, depois de pensar melhor, tenha feito elevar-se os montes, e depois as colinas trouxessem uma variação, e numa quarta vez também os cumes se tornassem habitáveis e, uma vez feito o céu, Deus separasse a morada para si e as nuvens do alto se tornassem poderosas para conter as rajadas do vento. Em seguida as fontes teriam jorrado com segurança e, por último, a terra se afirmaria sobre sólidos fundamentos.

42.  A cada um de todos estes, a Sabedoria se declara anterior. Já que tudo o que há debaixo do céu foi feito por Deus e a seu lado, quando se fundava o céu, estava Cristo, anterior à própria eternidade da preparação do céu, não é possível pensar haver em Deus ideias parceladas das coisas, porque a preparação de tudo, isto é, coeterna a Deus.

43.  Pois, embora tenham sua própria ordem, segundo Moisés, a consolidação do firmamento, o surgimento da terra seca, a reunião dos mares, a constituição dos astros, a geração das águas e da terra para produzir a partir de si mesma, os animais (cf. Gn 1,6-25), contudo na criação do céu e da terra e dos outros elementos nem por um mínimo intervalo de tempo se pode separar a ação de Deus, porque sua preparação se realizou em Deus na eternidade.

 

O que você destaca no texto e na fala do seu irmão?

Como ele serve para sua espiritualidade?