terça-feira, 26 de maio de 2020

136 - Cipriano de Cartago (210-258) A Unidade da Igreja – Partes 5 e 6

Frases de São Cipriano de Cartago (†... - Apologética Católica ...
136
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Cipriano de Cartago (210-258)
A Unidade da Igreja – Partes 5 e 6




5. Unidade e sectarismo, as interpretações legítima e incorreta de Mt 18,20
Nem venha alguém se enganar por uma superficial interpretação do que disse o Senhor: “Onde quer que estiverem dois ou três reunidos em meu nome, estou com eles”.[ Mt 18,20.]
Os corruptores do Evangelho, falsos intérpretes, aproveitam a conclusão desprezando o que a precede; recordam-se de uma parte, e ardilosamente suprimem a outra; assim como se separam da Igreja, separam as sentenças de um único capítulo.
O Senhor, aconselhando paz e unanimidade a seus discípulos, disse: “Eu vos asseguro que se dois de vós concordarem em todas as coisas na terra, tudo o que pedirdes servos-á dado por meu Pai que está nos céus. Onde quer que estiverem dois ou três reunidos em meu nome, estou no meio deles”.[ Mt 18,19-20.]
Mostrou assim ser ouvida não a multidão, mas a unanimidade dos que imploram.
“Se dois de vós concordarem na terra”: primeiro colocou a unanimidade, impôs a concórdia da paz como condição; desse modo nos ensina como nos podemos reunir fiel e firmemente. Como, porém, pode alguém concordar com outro se discorda do corpo da Igreja mesma e da comunidade dos irmãos?
Como podem dois ou três se associarem em nome de Cristo, se permanecem separados do Cristo e de seu Evangelho? Foram eles que se separaram, não nós; pois as heresias e os cismas são posteriores; foram eles que, ao constituírem para si pequenas e diversas assembleias, abandonaram o princípio e a origem da verdade.
O Senhor, no entanto, fala de sua Igreja, daqueles que estão na Igreja; se estes, ainda que sejam só dois ou três, concordarem em se unirem para orar juntamente, segundo ele mandou e aconselhou, obterão o que pedem da majestade de Deus.
“Onde quer que estiverem dois ou três reunidos em meu nome, estou entre eles”: entre os simples e pacíficos, os que temem a Deus e guardam seus preceitos.
Deus declara estar entre estes dois ou três como esteve entre os três jovens da fornalha  ardente.[ Cf. Dn 3,49.]
Concordes diante de Deus, permaneciam eles unânimes entre si, por isso foram confortados no meio das chamas pelo sopro da brisa. [Cf. Dn 3,50.]
 Igualmente o Senhor esteve presente entre os dois apóstolos fechados na prisão,[ Cf. At 5,18-19.] pois mantinham-se eles unânimes e concordes; depois, aberto o recinto do cárcere, enviou-os à praça pública para transmitirem à multidão a palavra que fielmente pregavam.[ Cf. At 5,20-21.]
Quando, portanto, colocou entre seus preceitos e declarou: “Onde estiverem dois ou três, estou entre eles”,[ Mt 18,20.] não separou os homens da Igreja que instituíra e fundara; mas, exprobrando a discórdia dos infiéis, recomendou a paz aos fiéis. Mostrou que é melhor estar entre dois ou três unânimes na oração, que entre muitos dissidentes;  mostrou mais valer a oração concorde de poucos que a prece turbulenta de muitos.
Por conseguinte, ao dar a lei da oração, acrescentou dizendo: “Quando vierdes para orar, perdoai o que acaso possais ter contra alguém, para que também o vosso Pai que está nos céus perdoe vossos pecados”.[ Mc 11,25.]
Ele afasta do altar quem vem ao sacrifício com alguma desavença e ordena que vá primeiro reconciliar-se com o irmão e então, de posse da paz, volte para oferecer a Deus seus dons.[ Cf. Mt 5,23-24.]
Com efeito, Deus não considerou as ofertas de Caim,[ Cf. Gn 4,4-5.] pois não pode encontrar a paz em Deus quem, por dissentimento da inveja, não estiver em paz com o irmão.
Que paz podem prometer-se os inimigos dos irmãos? Que sacrifício podem celebrar os imitadores dos sacerdotes? Os que se reúnem fora da Igreja de Cristo julgam acaso ter consigo, em suas assembleias, o Cristo?


6. Não há verdadeiro martírio para quem abandona a Igreja
Esses tais, de fato, ainda que morram pela confissão do nome dele, nem pelo sangue terão essa mancha apagada. Nem mesmo o sofrimento purifica essa inexpiável e grave culpa da discórdia. Não pode ser mártir quem não está na Igreja; não pode alcançar o reino quem abandonou aquela que está destinada a reinar.
O Cristo nos deu a paz, deixou-nos o preceito da concórdia e unanimidade, o mandamento de uma incorruptível e inviolável aliança, no amor e na caridade.
Não se pode apresentar como mártir quem não possui a caridade fraterna. Eis o que ensina e testifica o Apóstolo ao dizer: “Ainda que eu tenha a fé para transportar montanhas, nada sou se não tiver caridade. Mesmo se distribuísse todos os bens em alimento, e entregasse meu corpo para ser queimado, nada me adiantaria.
A caridade é magnânima, a caridade é benigna, a caridade não disputa, não se incha, não se irrita, não age perversamente, não pensa o mal, tudo ama, em tudo crê, tudo espera, tudo suporta. A caridade nunca acabará”.[ 1Cor 13,2-5; 7-8.]
Nunca, diz o Apóstolo, nunca cessará a caridade. Ela permanecerá no Reino para sempre, durará eternamente na unidade coesa da comunidade dos irmãos.
A discórdia não pode alcançar o Reino dos céus; quem, dissentindo perfidamente, violou o amor do Cristo não pode participar do prêmio de Cristo, que disse: “Este é o meu mandamento, amai-vos uns aos outros como eu vos amei”.[ Jo 15,12.]
Quem não tem a caridade não tem Deus. Eis o que diz o beato apóstolo João: “Deus é amor, e quem permanece no amor permanece em Deus, e Deus permanece nele”.[ 1Jo 4,16.]
Já que não podem, pois, permanecer em Deus aqueles que não quiserem ficar unânimes na Igreja de Deus – embora se queimem, entregues ao fogo e às chamas, ou lançados às feras deponham suas almas –, não terão a coroa da fé nem o trânsito magnífico da religiosa coragem, mas o castigo da infidelidade e a morte do desespero. Pode ser morto, mas não pode ser coroado.
Assim, não importa que se digam cristãos, pois muitas vezes o diabo ilude com o próprio Cristo, conforme admoestou e declarou o Senhor mesmo: “Muitos virão em meu nome dizendo: ‘Eu sou o Cristo’, e enganarão a muitos”.[ Mc 13,6.]
Assim como não é o Cristo, malgrado a aparência do nome, também não pode ser tido como cristão quem não permanece na verdade da fé e do Evangelho.
Com efeito, profetizar, expulsar demônios, fazer grandes prodígios na terra, não há dúvida, é coisa admirável e sublime; mas não conseguirá o reino celeste, apesar disso tudo, senão quem marchar pela observância no caminho da retidão e da justiça.
O Senhor nos previne, dizendo: “Muitos me hão de dizer naquele dia: ‘Senhor, Senhor, não profetizamos em teu nome, em teu nome não expulsamos demônios, não fizemos, em teu nome, grandes prodígios?’. Dir-lhes-ei então: ‘Nunca vos conheci, afastai-vos de mim, vós que praticais a iniquidade’”.[ Mt 7,22-23.]
É preciso justiça para ser julgado digno por Deus; seus preceitos e admoestações devem ser obedecidos para que nossos méritos recebam a recompensa.
O Senhor, orientando nosso caminhar com um resumo da fé e da esperança, declarou no Evangelho: “O Senhor teu Deus é um só, amarás o Senhor teu Deus com todo teu coração, com toda tua alma, com toda tua força. Esse é o primeiro; o segundo é semelhante a esse: Amarás teu próximo como a ti mesmo. Nesses dois preceitos estão toda a lei e os profetas”.[ Mc 12,29; Mt 22,40.]
Assim ensinou, com sua autoridade, a união e o amor, incluindo a lei e os profetas em dois preceitos. Acaso conserva a unidade, guarda o amor quem divide a Igreja com insensata e furiosa discórdia, destrói a fé, perturba a paz, malbarata a caridade e profana o sacramento?


O que destaco no texto?
Como o texto me auxilia em minha espiritualidade?

quarta-feira, 20 de maio de 2020

135 - Cipriano de Cartago (210-258) A Unidade da Igreja – Partes 3 e 4



135
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Cipriano de Cartago (210-258)
A Unidade da Igreja – Partes 3 e 4

 São Cipriano de Cartago e São Cipriano de Antioquia: Não, eles não ...


III. A unidade e indivisibilidade da Igreja prefigurada nas Escrituras
A esposa do Cristo não suporta o adultério, ela é incorrupta e pudica. Conhece uma só casa; guarda, com casto pudor, a santidade de um único tálamo.
Ela nos conserva para Deus, entrega ao Reino os filhos que gerou. Quem se aparta da Igreja e se junta a uma meretriz separa-se também das promessas da Igreja; quem deixa a Igreja do Cristo não alcançará os prêmios do Cristo.
É um estranho, um profano, um inimigo. Não pode ter Deus por Pai quem não tem a Igreja por Mãe.
Quem estiver fora da Igreja só se salvaria se alguém dos que ficaram fora da arca de Noé tivesse escapado!
O Senhor nos admoesta e diz: “Quem não está comigo está contra mim; e quem não junta comigo, dispersa” [Mt 12.30].
Torna-se adversário de Cristo quem rompe a paz e a concórdia do Cristo; ajuntar fora da Igreja é dispersar a Igreja de Cristo.
O Senhor diz: “Eu e o Pai somos um”;[ Jo 10,30.] está ainda escrito do Pai, do Filho e do Espírito Santo: “E estes três são um”;[ 1Jo 5,7.] quem crê nessa verdade fundada na certeza divina e adere aos mistérios celestiais não abandona a Igreja ou dela se afasta por causa da diversidade das vontades que se entrechocam.
Quem não mantém esta unidade não mantém também a lei de Deus, a fé no Pai e no Filho, não conserva nem a vida nem a salvação.
Este sacramento da unidade, este vínculo da concórdia, que une inseparavelmente, se mostra no Evangelho pela túnica de Nosso Senhor Jesus Cristo, que não foi nem dividida nem rasgada: dentre os que disputavam por sorte a veste do Cristo, vestiria o Cristo quem a recebesse íntegra e a possuísse como túnica incorruptível e indivisível.
A Escritura divina declara isso dizendo: “Quanto à túnica porém, como era toda sem costura, tecida em uma só peça, disseram entre si: ‘Não a rasguemos, decidamos por sorte para ver de quem será’”.[ Jo 19,23-24.]
Ela trazia a unidade vinda do alto, isto é, do céu, do Pai, e que não pode ser quebrada por quem a recebe ou a possui, mas ganhada inteira e inseparavelmente radicada em sólido fundamento.
Quem rasga ou divide a Igreja do Cristo não pode possuir a veste do Cristo.
Por outro lado, enfim, quando Salomão estava para morrer e seu reino havia de ser dividido, o profeta Aías dirigiu-se no campo ao rei Jeroboão com suas vestes cindidas em doze trapos dizendo: “Tira para ti dez destes trapos, pois diz o Senhor: ‘Eis que divido o reino nas mãos de Salomão; dar-te-ei dez cetros, dois hão de ficar com ele em vista de Davi meu servo, e de Jerusalém, cidade santa onde colocarei meu nome’”.[ 1Rs 11,31-32.] O profeta Aías rasgou suas vestes porque deviam ser divididas as doze tribos de Israel.
Como, porém, o povo de Cristo não pode ser dividido, sua túnica tecida e coerente não é dividida pelos que a possuem; una, conjunta e indivisível, mostra a concórdia coesa do nosso povo que vestiu o Cristo.  No mistério e no sinal da veste a unidade da Igreja foi manifestada.
Quem há de tão ímpio e perverso, tão tresvariado pelo delírio da discórdia que julgue poder, que ouse dividir a unidade de Deus, a veste do Senhor, a Igreja do Cristo?
O próprio Senhor admoesta e ensina em seu Evangelho com estas palavras: “E haverá um único rebanho e um só pastor”;[ Jo 10,16.] pensa alguém que em um só lugar poderá haver muitos rebanhos e vários pastores?
Também o Apóstolo Paulo, nos insinuando esta mesma unidade, suplica, exorta e nos recomenda dizendo: “Eu vos rogo, irmãos, pelo nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, para que digais a mesma coisa e não haja cisões entre vós; sede propensos ao mesmo espírito e à mesma sentença”.[ 1Cor 1,10.]
Ainda outra vez diz: “Suportando-se mutuamente no amor da paz, tudo fazendo por conservar a unidade do espírito no laço da paz”.[ Ef 4,2-3.]
Acreditas que tu podes ficar em pé e viver afastado da Igreja, procurando para ti outras moradas?
Disseram a Raabe, que prefigurava a Igreja: “Reúne contigo, em tua casa, teu pai, tua mãe e irmãos e toda a tua família, e quem ultrapassar a porta de tua casa responderá por si”.[ Js 2,18-19.]
Do mesmo modo, como o mistério da Páscoa significa na lei do Êxodo a mesma unidade, o cordeiro que é morto figurando o Cristo deve ser comido em uma só casa; Deus o declarou, dizendo: “Há de comer-se numa só casa, não jogueis carne fora da casa”.[ Ex 12,46.]
A carne do Cristo, o Santo do Senhor, não pode ser lançada fora, nem há para os fiéis outra casa senão a Igreja.
O Espírito Santo, nos Salmos, designa e proclama esta casa, esta hospedaria da unanimidade, dizendo: “O Deus que os faz habitar unânimes em casa”.[ Sl 67,7.]
Perseveram habitando unânimes na casa de Deus, na Igreja, em concórdia e simplicidade. Eis por que o Espírito Santo vem como uma pomba:[ Cf. Mt 3,16; Mc 1,10; Jo 1,32.] é um animalzinho simples e ledo, sem o amargor do fel, sem a crueldade das mordeduras ou as violências das garras dilacerantes; é amante da hospedagem do homem, perseverante em uma única morada; quando choca, alimenta seus filhotes em comum; quando passeia, se une a seus semelhantes, passa a vida em comunidade, demonstrando pelo ósculo mútuo a concórdia pacífica; cumprindo, enfim, em tudo, a lei da unanimidade.
Eis, pois, a simplicidade que deve haver na Igreja, a caridade que deve ser mantida, para que o amor do convívio fraterno imite as pombas e se iguale, em mansidão e brandura, a cordeiros e ovelhas.
Que faz no peito cristão a ferocidade do lobo, a fúria dos cães, o veneno mortal das serpentes ou a sangrenta crueldade das feras?
Felicitemo-nos quando semelhantes homens se separam da Igreja, ao menos assim as pombas e ovelhas do Cristo não serão espoliadas com seu contágio envenenado e cruel.
O rancor não pode se associar ou se juntar à doçura, as trevas com a luz, a tempestade com a bonança, a luta com a paz, a esterilidade com a fecundidade, a sequidão com as nascentes, a tormenta com a tranquilidade.
Ninguém pense que os bons podem sair da Igreja. O vento não levanta o trigo, nem o temporal abala a árvore de sólida raiz, só as fracas se quebram com a vinda do turbilhão.
João, o apóstolo, maldiz e estigmatiza estes últimos dizendo: “Afastaram-se de nós; não eram, porém, dos nossos. Se fossem dos nossos ficariam conosco”.[ 1Jo 2,19.]

IV. Cismas, ocasionados por discórdia e ambição.
Por isso, enquanto a alma perversa não guardar a paz, enquanto a perfídia discordante não mantiver a unidade, frequentemente surgirão heresias.
O Senhor o permite e o suporta, sem violar o arbítrio da liberdade individual, para que a fé íntegra dos experimentados brilhe em luz manifesta, enquanto o juízo da verdade põe à prova nossas almas e corações.
O Espírito Santo adverte pelo Apóstolo dizendo: “É necessário que haja heresias para que entre nós se manifestem os experimentados”.[ 1Cor 11,19.]
Desse modo os fiéis são provados e os infiéis revelados e, já antes do dia do juízo, ainda aqui, as almas dos justos são apartadas das dos injustos, a palha é separada do grão.
Todos estes que de antemão se constituem, sem disposição divina, na presidência de agrupamentos temerários, que se fazem chefes sem qualquer lei de ordenação, que assumem o nome de bispos sem de ninguém receberem o episcopado, estes mesmos são os designados nos Salmos, pelo Espírito Santo, como aqueles que se assentam na cadeira da corrupção.[ Cf. Sl 1,1.]
Peste e flagelo da fé, mentirosos com boca de serpente, operários da corrupção da verdade, que vomitam por línguas pestíferas venenos mortais, cuja palavra, contagiosa como o câncer, cuja doutrina inocula veneno mortal em cada peito, em cada coração.
Contra eles o Senhor brada, refreia e chama para longe deles seu povo hesitante dizendo: “Não ouçais os discursos dos pseudoprofetas, as visões de seus corações os iludem. Falam, mas não da boca do Senhor. Eles dizem aos que rejeitam a palavra de Deus: ‘Vós, e todos que seguem suas próprias vontades, obtereis a paz. Todo aquele que andar no erro de seu coração não experimentará castigo’. Eu não lhes falei e eles profetizaram. Se se mantivessem em minha herança e ouvissem minhas palavras, se ensinassem a meu povo, convertê-los-ia de seus maus pensamentos”.[ Jr 23,16-17.21-22.]
Ainda outra vez o Senhor os aponta e os caracteriza dizendo: “Abandonaram-me, fonte de água viva, e cavaram para si poços estragados, incapazes de conter água”.[ Jr 2,13.]
Embora não possa haver mais de um batismo, creem poder batizar; prometem a graça da água vivificante e salutar tendo abandonado a fonte da vida. Ali, com eles, os homens não são lavados, mas se mancham; os crimes não são purificados, mas acrescidos.
Aquele nascimento [que oferecem] não é para Deus, mas gera filhos para o diabo. Os nascidos da mentira não alcançam as promessas da verdade, os filhos da infidelidade perdem a graça da fé.
Quem rompeu a paz do Senhor, discordando furiosamente, não pode alcançar o prêmio da paz.

O que você destaca no texto?
Como ele serve para sua espiritualidade?

sábado, 16 de maio de 2020

Cronologia de Cipriano de Cartago (210-258


Cronologia de Cipriano de Cartago (210-258)

O martírio de São Cipriano de Cartago | Cléofas

·        210 - Nasceu Táscio Cecílio Cipriano, de uma família pagã, abastada e com membros no governo municipal, provavelmente em Cartago (nas proximidades da atual Túnis, Tunísia), capital da África Proconsular. Era um honestior (nobre), talvez pertencente, como mínimo, à ordem dos équites (cavaleiros). Sabe-se que foi educado em Cartago. Teve sólida formação em latim, grego, direito, retórica.

·        246 - Era mestre de oratória quando, por intermédio do presbítero Ceciliano, chegou à fé cristã. Convertido, doa parte de suas propriedades para os pobres e parte põe à disposição da Igreja.

·        248/249 - é ordenado presbítero e, logo após, torna-se bispo da sua cidade natal. A Sé metropolitana de Cartago tinha grande importância. Seu bispo exercia certo primado sobre o episcopado e toda a África latina. A cidade, um dos principais centros do Império Romano e um dos maiores portos do Mediterrâneo, não perdia em nada para as outras duas metrópoles do Império, Roma e Alexandria.

·        250 - Por ocasião da perseguição de Décio, quando foram confiscados os bens que tinha posto a serviço da Igreja, Cipriano achou preferível retirar-se de sua sede antes mesmo que o Edito fosse publicado. 

·        251 – Cipriano retorna a Cartago. O fim da perseguição, naquela primavera, porém, não tornou a administração de Cipriano mais fácil, pois deveria voltar a afrontar a questão disciplinar – que surgira um ano antes e dividia sua comunidade – da readmissão dos lapsi, daqueles que, durante a perseguição, tinham apostatado.

·        252-254 - Uma peste assola o Império e deixa sua região em estado de calamidade material e moral.

·        253 – Edito de Treboniano Galo (251-253), determinando que a população fizesse sacrifícios, provavelmente ao deus Apolo, de quem esperava socorro para a situação, houve quem quisesse que Cipriano fosse jogado aos leões.

·        254-256 - Cipriano enfrenta a polêmica, em oposição a Estêvão de Roma, sobre o batismo administrado por hereges e cismáticos.

·        257 - A controvérsia entre ambos foi interrompida por outra perseguição, a do imperador Valeriano (253-260), iniciada em agosto de 257. Valeriano, temendo a cristianização do império, golpeou diretamente a instituição: deixando de lado os leigos, bispos e presbíteros seriam exilados, vigiados e proibidos de presidir qualquer cerimônia; quem desobedecesse seria executado.

·        257 - No dia 30 de agosto, Cipriano, tendo-se recusado a “reconhecer as práticas romanas” isto é, a admitir que tais práticas fossem úteis para a salvação do Império, foi exilado em Cúrubis (atual Korba, Tunísia). Nesse período, prepara textos que animem sua comunidade a perseverar na fé, a não desfalecer diante do martírio.

·        258 - Em agosto, Valeriano emite um novo decreto, desta vez determinando a proibição do uso dos edifícios de culto – que poderiam ser confiscados –, o confisco dos bens de leigos ilustres, particularmente do senado e da corte, e seu exílio – com sua subsequente execução, se insistissem em professar a fé cristã – e a execução de todos os bispos, presbíteros e diáconos. Informado da decisão imperial, Cipriano esconde-se novamente. Desta vez, porém, ele o faz de modo a ser encontrado, pois pretendia que o procônsul o julgasse em Cartago, sua cidade, e não em outro lugar.

·        258 - Em 14 de setembro, tendo sido processado, Cipriano, decapitado no campo de um homem chamado Sexto, recebe a graça do martírio, tornando-se o primeiro bispo africano mártir.


segunda-feira, 11 de maio de 2020

134 - Cipriano de Cartago (210-258) A Unidade da Igreja – Partes 1 e 2


134
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Cipriano de Cartago (210-258)
A Unidade da Igreja – Partes 1 e 2



Introdução:
Composta em 251, imediatamente depois do De lapsis (mesmo ano), provavelmente seja a obra cipriânica de maior influência, reprodução e discussão ao longo dos tempos. Cipriano exorta os fiéis a não abandonarem o único rebanho de Cristo para seguir aqueles que deste se separaram, criando comunidades próprias, iludindo-se e iludindo seus seguidores. É neste único rebanho, a Igreja, que está a vida do Espírito; e sua unidade, fundada no Cristo, expressa-se na comunhão dos e com os apóstolos. Os bispos são os zeladores dessa unidade. Esse é o primeiro tratado – mesmo se não no senso contemporâneo do termo – de eclesiologia da história da Igreja.

1. Desmascarar o mal e superá-lo pela obediência a Cristo
O Senhor nos admoesta e diz: “Vós sois o sal da terra”;[Mt 4.13] e nos manda ser simples até a inocência, e, no entanto, apesar da simplicidade, prudentes.[Mt 10.16]
 O que, então, irmãos caríssimos, nos é mais conveniente que nos precaver – vigilantes e solícitos de coração – contra as insídias do traiçoeiro inimigo, e igualmente descobri-las e evitá-las, para não parecermos descuidados em conservar a salvação, nós que nos vestimos do Cristo,[Rm 13.14] “sabedoria de Deus Pai”?[I Co 1.24].
Com efeito, a perseguição não é o único perigo; tampouco tudo que irrompe em franca oposição para arruinar e lançar por terra os servos de Deus. A precaução é mais fácil quando é manifesto o temor; o ânimo se dispõe para o combate quando o adversário se declara.
O inimigo é mais temível e perigoso quando se insinua furtivamente; quando, aparentando paz, serpeja (andar como serpente) por sendas ocultas – daí seu nome de serpente. Tal é sua astúcia, tal sua capacidade de enganar o homem em invisíveis e enigmáticas trapaças.
Assim como mentiu logo no princípio do mundo (Gn 3.1-5) e frustrou a credulidade desprevenida das almas rudes, seduzindo-as com palavras falaciosas, também aproximou-se veladamente do próprio Senhor para tentá-lo, como se pudesse enganar e surpreender de novo. Foi, porém, percebida e rechaçada; justamente por ter sido reconhecida e descoberta, foi abatida.[Mt 4.1-11].
Donde o exemplo para fugirmos aos caminhos do velho homem, e nos mantermos nas pegadas de Cristo vencedor.
Não sejamos, de novo, incautos, envolvidos na armadilha da morte; mas, previdentes no perigo, gozemos a imortalidade recebida. E que outro modo há de podermos gozar a imortalidade, senão guardando os mandamentos do Cristo, com os quais é expulsa e vencida a morte?
Ele próprio nos admoesta dizendo: “Se queres alcançar a vida, guarda os mandamentos”;[Mt 19.17] e ainda uma vez: “Se fizerdes o que eu vos mando, já não vos chamo servos, mas amigos”.[Jo15.14,15]
Estes são chamados por ele fortes e estáveis, fundados na pedra com sólida ligadura, consolidados em firmeza imóvel e inabalável, contra todas as tempestades e furacões do século: “Quem ouve minhas palavras e as cumpre, compará-lo-ei a um homem sábio que edificou sua casa sobre a pedra. Caiu a chuva, vieram as torrentes, sopraram os ventos e se desencadearam sobre aquela casa, e ela não desabou. Pois fora construída sobre a pedra”.[Mt 7.24-25]
Devemos nos apoiar em suas palavras, aprender e fazer tudo que fez e ensinou. Além disso, como pode declarar que acredita em Cristo quem não cumpre o que o Cristo mandou fazer? Ou, como chegará à fé quem não quer observar a fé do mandamento?
Necessariamente vacilará, extraviar-se-á; arrebatado pelo sopro do erro, será sacudido como o pó que o vento afasta todo aquele que não conserva a verdade do caminho salutar.

2. A expansão da Igreja não diminui sua unidade, na qual foi fundada.
Não só as coisas claras e evidentes requerem precaução; também as ilusões sutis de uma astuta cilada o exigem.
[Em nossos dias] veio a luz para os povos, brilhou o lume da salvação [Lc 2.30-32] para os homens que suspiravam liberdade; os surdos recebem a Boa-nova da graça espiritual, os cegos abrem seus olhos para Deus, os doentes recuperam a eterna salvação, os coxos correm (Mt 11.5) à igreja para orar, com cânticos e súplicas.
Mas o inimigo, desmascarado e derrotado pela vinda do Cristo, vendo seus ídolos desprezados, seus templos abandonados pela multidão dos crentes, trama – que haverá de mais astuto e sutil? –, trama uma nova emboscada para iludir os incautos sob o rótulo do próprio nome de cristão.
O inimigo inventa heresias e cismas para subverter a fé, corromper a verdade e quebrar a unidade. Assalta e engana, com o desvio do novo caminho, aqueles que ele não pôde manter na cegueira da estrada antiga.
Rouba homens da própria Igreja e os imerge, inconscientes, em outras trevas, deixando-os pensar que se aproximam da luz e escapam à noite do século.
Estes continuam a se dizer cristãos sem guardarem a Boa nova do Cristo, seus preceitos e sua lei! Julgam ter luz e caminham nas trevas.
O inimigo sedutor e mentiroso, que, nas palavras do apóstolo, se transforma em anjo de luz (II Co 11.14) – apresentando seus ministros como ministros da justiça, anunciando a noite como dia, a perdição como salvação, o desespero como prêmio da esperança, a perfídia sob pretexto da fé, o anticristo sob o nome do Cristo –, lhes subtrai a verdade com a sutileza, apresentando como verdadeiras as coisas ilusórias.
Isto se dá, irmãos caríssimos, porque não mais se volta à origem da verdade, não se busca mais em sua fonte, nem se guarda a doutrina do magistério celeste.
Para quem considera e reflete sobre estas coisas, não há necessidade de um longo tratado e com muitos argumentos. É fácil provar a fé com o compêndio da verdade.
O Senhor diz a Pedro: “Eu te digo que tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei minha Igreja e as portas dos infernos não a sobrepujarão. Dar-te-ei as chaves do reino dos céus e o que ligares na terra será ligado também nos céus, e tudo aquilo que desligares na terra será também desligado nos céus” (Mt 16.18-19).
E, igualmente, depois de sua ressurreição, lhe diz: “Apascenta minhas ovelhas”. Assim o Senhor edifica sobre ele a Igreja e lhe confia suas ovelhas para apascentá-las.
Se bem que dá igual poder a todos os apóstolos, constitui, todavia, uma só cátedra e dispõe, por sua autoridade, a origem e o motivo da unidade.
Por certo os demais apóstolos eram como Pedro; mas o primado é dado a Pedro, e a unidade da Igreja e a da cátedra são assim demonstradas.
Todos são pastores, mas, como se vê, um só é o rebanho apascentado pelo consenso unânime de todos os apóstolos. Julga conservar a fé quem não conserva esta unidade recomendada por Paulo?
Confia estar na Igreja, quem abandona a Cátedra de Pedro sobre a qual está fundada a Igreja?”
O Senhor edifica sua Igreja sobre um só, e embora conceda igual poder a todos os apóstolos depois de sua ressurreição, dizendo: “Assim como o Pai me enviou eu vos envio; recebei o Espírito Santo: se perdoardes os pecados de alguém, ser-lhe-ão perdoados; se os retiverdes, reter-se-lhe-ão”; (Jo 20.21-23) no entanto, para manifestar a unidade, dispôs, por sua autoridade, a origem desta mesma unidade partindo de um só.
Sem dúvida os demais apóstolos eram como Pedro, dotados de igual participação na honra e no poder; mas o princípio parte da unidade, para que se demonstre ser única a Igreja de Cristo.
O Espírito Santo, em nome do Senhor, designa esta mesma Igreja una no Cântico dos Cânticos, dizendo: “Uma é minha pomba, minha perfeita; é uma para sua mãe, eleita para sua progenitora” (Ct 6.9).
Julga conservar a fé quem não conserva esta unidade da Igreja? Confia estar na Igreja quem se opõe e resiste à Igreja? Quando o próprio bem aventurado Apóstolo Paulo ensina a mesma coisa e mostra o mistério da unidade dizendo: “Um corpo e um espírito, uma esperança da vossa vocação, uma fé, um batismo, um Deus”. (Ef 4.4-6).
Principalmente nós, que presidimos a Igreja como bispos, devemos manter e defender firmemente esta unidade, dando provas da união e indivisibilidade do episcopado.
Que ninguém iluda perfidamente a comunidade dos irmãos, nem corrompa a fé na verdade com infiel prevaricação.
O Episcopado é único e suas partes são possuídas por cada um sem que se divida o todo. A Igreja é una, embora compreenda uma multidão sempre crescente com o aumento de sua fecundidade; assim como há uma só luz nos muitos raios de sol, uma árvore em muitos ramos, um só tronco fundamentado em raízes tenazes, muitos rios de uma única fonte, assim também esta multidão guarda a unidade de origem, se bem que pareça ser dividida por causa da abundância inumerável dos que nascem com prodigalidade.
A unidade da luz não comporta que se separe um raio do centro solar; um ramo quebrado da árvore não cresce; cortado de sua fonte o rio seca imediatamente.
Do mesmo modo a Igreja do Senhor que, como a luz derramada estende seus raios em todo o mundo, é uma única luz que se difunde sem perder sua própria unidade.
Ela desenvolve seus ramos por toda a terra, com grande fecundidade; ela derrama ao longe seus rios, com toda liberalidade, e no entanto é uma na cabeça, uma pela origem; uma mãe imensamente fecunda. Nascemos todos de seu ventre, somos nutridos com seu leite e animados por seu espírito.


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segunda-feira, 4 de maio de 2020

133 - Cipriano de Cartago (210-258) A Oração do Senhor (15-16) - última parte.






JESUS O HOMEM CONTEMPLATIVO | O CAMINHO DO CORAÇÃO

133
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Cipriano de Cartago (210-258)
A Oração do Senhor (15-16)




15. Oração e caridade
Quem ora não venha a Deus com preces estéreis e despidas. É ineficaz o pedido dirigido a Deus em oração estéril.
Pois, se toda árvore que não produz frutos será cortada e lançada ao fogo, (Mt 3.10) certamente também a palavra sem fruto não pode ser acolhida por Deus, porque nenhuma boa obra a tornou fecunda.
Por isso, a Escritura Divina nos instrui, dizendo: “A oração é boa com o jejum e a esmola”. (Tobias 12.8 / At 10.2)
 Pois aquele que no dia do juízo vai premiar as boas obras e as esmolas vai ouvir hoje quem vem à oração com boas obras.
Dessa maneira o Centurião Cornélio mereceu ser ouvido quando orava. Ele distribuía muitas esmolas ao povo e sempre orava a Deus. Apareceu-lhe quando orava, na hora nona, um anjo que deu testemunho de suas obras, dizendo: “Cornélio, as tuas orações e esmolas subiram à presença de Deus”. (At 10.31)
Sobem rapidamente a Deus as orações elevadas pelos méritos das nossas boas obras.
Assim, declarou o anjo Rafael a Tobias, que sempre orou e praticou boas obras, dizendo: “É honroso revelar e confessar as obras de Deus. Pois quando tu estavas com Sara, eu fiz menção da tua oração diante da glória divina. Quando sepultavas com simplicidade os teus mortos, quando não hesitavas em levantar-te e abandonar a tua refeição para sair e velar um morto, fui enviado para provar-te. Agora de novo me mandou Deus para curar a ti e a tua nora Sara. Eu sou Rafael, um dos sete anjos santos que assistem e habitam diante da glória divina” (Tobias 3.16,17).
O Senhor também adverte e ensina coisas semelhantes por Isaías: “Rompe todas as cadeias da injustiça, dissolve as sufocações das relações deprimentes. Manda em paz os oprimidos e destrói o tratado injusto. Reparte o teu pão com o faminto e recolhe em tua casa o sem-teto. Se vires alguém nu, veste-o; não desprezes os domésticos de tua espécie. Então, a tua luz aparecerá bem cedo, surgirá prontamente a veste para ti, a justiça andará à tua frente e a glória de Deus te guardará. Então Deus te ouvirá quando o invocares, de novo ele dirá: ‘Eis-me aqui’”. (Is 58.7,8).
Diz o Senhor ouvir e proteger os que rompem do seu coração as cadeias da injustiça e fazem esmolas aos domésticos de Deus segundo o preceito e promete estar ao seu lado.
Merecem ser ouvidos por Deus os que ouvem o que ele preceituou. O bem-aventurado apóstolo Paulo, quando foi ajudado pelos irmãos nas necessidades da desventura, chama de sacrifício a Deus a boa obra que praticavam: “Estou na abundância”, diz ele, “depois que recebi o que me enviaste por Epafrodito, esse perfume suave, esse sacrifício grato e agradável a Deus”(Fp 4.18).
Pois quando alguém se compadece do pobre, empresta a Deus (Pv 19.17); quando alguém dá aos pequenos, doa a Deus e sacrifica-lhe espiritualmente um sacrifício de suave odor.

16. As horas canônicas
Encontramos, ainda, que, na celebração das orações, os três jovens e Daniel, fortes na fé e vitoriosos no cativeiro, observaram as horas terça, sexta e nona, (Dn 6.10) prefigurando, com isso, o mistério da Trindade que nos últimos tempos havia de manifestar-se.
Com efeito, da primeira até a terceira hora vemos completar-se o número trinitário.
Novamente aparece uma segunda trindade da quarta até a sexta hora.
Igualmente, partindo da sétima até a nona hora, realiza-se uma nova trindade e assim verificamos pela disposição ternária destas três horas a perfeita trindade.
Já há muito tempo os adoradores de Deus haviam determinado espiritualmente estas disposições das horas e as observaram como tempos legítimos para a oração.
Tornou-se claro, mais tarde, ter sido apenas em figura que antigamente os justos oravam dessa maneira. Pois, na terceira hora, o Espírito Santo desceu sobre os discípulos, (At 2.1-5) enchendo-os com a graça que o Senhor prometera.
Na sexta hora, Pedro, que até então duvidara da salvação dos gentios, subindo ao teto, é advertido e instruído por uma voz e um sinal de Deus que devia admitir todos à graça da salvação (At 10.9).
Na sexta hora, ainda, o Senhor é crucificado, (Mc 15.25 / Jo 19.14-18) lavando com seu sangue, até à nona hora, os nossos pecados, e consumando, então, pela sua paixão, a vitória para que nos pudesse reunir e vivificar.
Para nós, porém, irmãos caríssimos, além das horas antigamente observadas na oração, aumentaram os tempos e os mistérios.
Com efeito, devemos orar de manhã, para celebrar com a oração matutina a Ressurreição do Senhor.
O Espírito Santo outrora indicou [isso] nos Salmos, dizendo: “Meu Rei, meu Deus, porque é a ti que eu orarei, Senhor, desde a manhã; desde a manhã estou diante de ti e te contemplo e ouvirás a minha voz” (Sl 5.3).
Novamente, pelo profeta, diz o Senhor: “Ao romper da aurora estarão vigilantes sobre mim, dizendo: vamos, voltemos ao Senhor Nosso Deus” (Os 6.1).
Assim [também], quando o sol se põe e termina o dia, novamente é necessário que se ore.
Pois, como o Cristo é o verdadeiro sol e o verdadeiro dia, oramos e pedimos, no momento em que desaparecem o sol e o dia, segundo o tempo, que a luz reapareça sobre nós; suplicamos pelo advento do Cristo que nos dará a graça da luz eterna.
E o Cristo é, de fato, declarado “o dia” pelo Espírito Santo nos Salmos: “A pedra desprezada pelos edificadores tornou-se uma pedra angular. Foi pelo Senhor que isso foi feito e é admirável aos nossos olhos. Este é o dia que fez o Senhor; alegremos e jubilemos nele” (Sl 117.22-24).
Igualmente Malaquias afirma que ele é chamado “o sol”, dizendo: “Para vós, porém, que temeis o nome do Senhor, nascerá o sol da justiça e nas suas asas estará a salvação” (Ml 3.2).
Portanto, se o Cristo é chamado, nas Escrituras Santas, o verdadeiro sol e o verdadeiro dia, não há hora em que o cristão possa ser menos frequente e contínuo na adoração a Deus.
Nós que vivemos no Cristo, isto é, no verdadeiro sol e no verdadeiro dia, devemos permanecer em prece, o dia inteiro na oração.
Mesmo quando, seguindo o curso da lei do universo, vem a noite, as suas trevas não acarretarão o menor prejuízo aos que oram; pois, para os filhos da luz, até durante a noite é dia.
Com efeito, quando poderá estar sem luz quem a tem no coração? Quando não haverá sol, quando não será dia, para quem o Cristo é o sol e o dia? Nós que estamos sempre no Cristo, isto é, na luz, nem de noite interrompamos a oração.
Assim Ana, a viúva, orando e vigiando sempre e continuamente, perseverava na graça de Deus, como está escrito no Evangelho: “Não se afastava do templo, servindo noite e dia com jejuns e orações” (Lc 2.37).
Digam o que quiserem os gentios que ainda não foram iluminados pela luz, ou os judeus que, desprezando-a, se entregaram às trevas e [nelas] permaneceram. Nós, irmãos diletíssimos, que estamos sempre na luz do Senhor, que lembramos do que começamos a ser pela graça e o conservamos, contemos a noite como dia.
Creiamos andar sempre na luz, e não nos deixemos penetrar novamente pelas trevas que já afugentamos.
Que a nossa prece não sofra diminuição nas horas noturnas, que não haja uma perda preguiçosa e fraca nas orações.
Renascidos e recriados espiritualmente pela indulgência de Deus, imitemos o que havemos de ser no futuro.
Iremos habitar um Reino que é só dia, sem noite.
Velemos, pois, durante a noite como se estivéssemos na luz.
Nele estaremos continuamente em oração e ação de graças a Deus, aqui também não deixemos de orar e dar graças.

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