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Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e
Obra
Cipriano de Cartago (210-258)
A Unidade da
Igreja – Partes 5 e 6
5.
Unidade e sectarismo, as interpretações legítima e incorreta de Mt 18,20
Nem venha alguém se enganar por uma superficial
interpretação do que disse o Senhor: “Onde quer que estiverem dois ou três
reunidos em meu nome, estou com eles”.[ Mt
18,20.]
Os corruptores do Evangelho, falsos intérpretes, aproveitam
a conclusão desprezando o que a precede; recordam-se de uma parte, e
ardilosamente suprimem a outra; assim como se separam da Igreja, separam as
sentenças de um único capítulo.
O Senhor, aconselhando paz e unanimidade a seus discípulos,
disse: “Eu vos asseguro que se dois de vós concordarem em todas as coisas na
terra, tudo o que pedirdes servos-á dado por meu Pai que está nos céus. Onde
quer que estiverem dois ou três reunidos em meu nome, estou no meio deles”.[ Mt 18,19-20.]
Mostrou assim ser ouvida não a multidão, mas a unanimidade
dos que imploram.
“Se dois de vós concordarem na terra”: primeiro colocou a
unanimidade, impôs a concórdia da paz como condição; desse modo nos ensina como
nos podemos reunir fiel e firmemente. Como, porém, pode alguém concordar com
outro se discorda do corpo da Igreja mesma e da comunidade dos irmãos?
Como podem dois ou três se associarem em nome de Cristo, se
permanecem separados do Cristo e de seu Evangelho? Foram eles que se separaram,
não nós; pois as heresias e os cismas são posteriores; foram eles que, ao
constituírem para si pequenas e diversas assembleias, abandonaram o princípio e
a origem da verdade.
O Senhor, no entanto, fala de sua Igreja, daqueles que estão
na Igreja; se estes, ainda que sejam só dois ou três, concordarem em se unirem
para orar juntamente, segundo ele mandou e aconselhou, obterão o que pedem da
majestade de Deus.
“Onde quer que estiverem dois ou três reunidos em meu nome,
estou entre eles”: entre os simples e pacíficos, os que temem a Deus e guardam
seus preceitos.
Deus declara estar entre estes dois ou três como esteve
entre os três jovens da fornalha ardente.[ Cf. Dn 3,49.]
Concordes diante de Deus, permaneciam eles unânimes entre
si, por isso foram confortados no meio das chamas pelo sopro da brisa. [Cf. Dn 3,50.]
Igualmente o Senhor esteve
presente entre os dois apóstolos fechados na prisão,[ Cf. At 5,18-19.]
pois mantinham-se eles unânimes e concordes; depois, aberto o recinto do
cárcere, enviou-os à praça pública para transmitirem à multidão a palavra que
fielmente pregavam.[ Cf. At 5,20-21.]
Quando, portanto, colocou entre seus preceitos e declarou:
“Onde estiverem dois ou três, estou entre eles”,[ Mt
18,20.] não separou os homens da Igreja
que instituíra e fundara; mas, exprobrando a discórdia dos infiéis, recomendou
a paz aos fiéis. Mostrou que é melhor estar entre dois ou três unânimes na
oração, que entre muitos dissidentes; mostrou
mais valer a oração concorde de poucos que a prece turbulenta de muitos.
Por conseguinte, ao dar a lei da oração, acrescentou
dizendo: “Quando vierdes para orar, perdoai o que acaso possais ter contra
alguém, para que também o vosso Pai que está nos céus perdoe vossos pecados”.[ Mc 11,25.]
Ele afasta do altar quem vem ao sacrifício com alguma
desavença e ordena que vá primeiro reconciliar-se com o irmão e então, de posse
da paz, volte para oferecer a Deus seus dons.[ Cf.
Mt 5,23-24.]
Com efeito, Deus não considerou as ofertas de Caim,[ Cf. Gn 4,4-5.]
pois não pode encontrar a paz em Deus quem, por dissentimento da inveja, não
estiver em paz com o irmão.
Que paz podem prometer-se os inimigos dos irmãos? Que
sacrifício podem celebrar os imitadores dos sacerdotes? Os que se reúnem fora
da Igreja de Cristo julgam acaso ter consigo, em suas assembleias, o Cristo?
6.
Não há verdadeiro martírio para quem abandona a Igreja
Esses tais, de fato, ainda que morram pela confissão do nome
dele, nem pelo sangue terão essa mancha apagada. Nem mesmo o sofrimento
purifica essa inexpiável e grave culpa da discórdia. Não pode ser mártir quem
não está na Igreja; não pode alcançar o reino quem abandonou aquela que está
destinada a reinar.
O Cristo nos deu a paz, deixou-nos o preceito da concórdia e
unanimidade, o mandamento de uma incorruptível e inviolável aliança, no amor e
na caridade.
Não se pode apresentar como mártir quem não possui a
caridade fraterna. Eis o que ensina e testifica o Apóstolo ao dizer: “Ainda que
eu tenha a fé para transportar montanhas, nada sou se não tiver caridade. Mesmo
se distribuísse todos os bens em alimento, e entregasse meu corpo para ser queimado,
nada me adiantaria.
A caridade é magnânima, a caridade é benigna, a caridade não
disputa, não se incha, não se irrita, não age perversamente, não pensa o mal,
tudo ama, em tudo crê, tudo espera, tudo suporta. A caridade nunca acabará”.[ 1Cor 13,2-5; 7-8.]
Nunca, diz o Apóstolo, nunca cessará a caridade. Ela
permanecerá no Reino para sempre, durará eternamente na unidade coesa da
comunidade dos irmãos.
A discórdia não pode alcançar o Reino dos céus; quem,
dissentindo perfidamente, violou o amor do Cristo não pode participar do prêmio
de Cristo, que disse: “Este é o meu mandamento, amai-vos uns aos outros como eu
vos amei”.[ Jo 15,12.]
Quem não tem a caridade não tem Deus. Eis o que diz o beato
apóstolo João: “Deus é amor, e quem permanece no amor permanece em Deus, e Deus
permanece nele”.[ 1Jo 4,16.]
Já que não podem, pois, permanecer em Deus aqueles que não
quiserem ficar unânimes na Igreja de Deus – embora se queimem, entregues ao
fogo e às chamas, ou lançados às feras deponham suas almas –, não terão a coroa
da fé nem o trânsito magnífico da religiosa coragem, mas o castigo da infidelidade
e a morte do desespero. Pode ser morto, mas não pode ser coroado.
Assim, não importa que se digam cristãos, pois muitas vezes
o diabo ilude com o próprio Cristo, conforme admoestou e declarou o Senhor
mesmo: “Muitos virão em meu nome dizendo: ‘Eu sou o Cristo’, e enganarão a
muitos”.[ Mc 13,6.]
Assim como não é o Cristo, malgrado a aparência do nome,
também não pode ser tido como cristão quem não permanece na verdade da fé e do
Evangelho.
Com efeito, profetizar, expulsar demônios, fazer grandes
prodígios na terra, não há dúvida, é coisa admirável e sublime; mas não
conseguirá o reino celeste, apesar disso tudo, senão quem marchar pela
observância no caminho da retidão e da justiça.
O Senhor nos previne, dizendo: “Muitos me hão de dizer
naquele dia: ‘Senhor, Senhor, não profetizamos em teu nome, em teu nome não
expulsamos demônios, não fizemos, em teu nome, grandes prodígios?’. Dir-lhes-ei
então: ‘Nunca vos conheci, afastai-vos de mim, vós que praticais a
iniquidade’”.[ Mt 7,22-23.]
É preciso justiça para ser julgado digno por Deus; seus
preceitos e admoestações devem ser obedecidos para que nossos méritos recebam a
recompensa.
O Senhor, orientando nosso caminhar com um resumo da fé e da
esperança, declarou no Evangelho: “O Senhor teu Deus é um só, amarás o Senhor
teu Deus com todo teu coração, com toda tua alma, com toda tua força. Esse é o
primeiro; o segundo é semelhante a esse: Amarás teu próximo como a ti mesmo.
Nesses dois preceitos estão toda a lei e os profetas”.[ Mc 12,29; Mt 22,40.]
Assim ensinou, com sua autoridade, a união e o amor, incluindo
a lei e os profetas em dois preceitos. Acaso conserva a unidade, guarda o amor
quem divide a Igreja com insensata e furiosa discórdia, destrói a fé, perturba
a paz, malbarata a caridade e profana o sacramento?
O que destaco no texto?
Como o texto me auxilia em minha espiritualidade?
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