segunda-feira, 11 de maio de 2020

134 - Cipriano de Cartago (210-258) A Unidade da Igreja – Partes 1 e 2


134
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Cipriano de Cartago (210-258)
A Unidade da Igreja – Partes 1 e 2



Introdução:
Composta em 251, imediatamente depois do De lapsis (mesmo ano), provavelmente seja a obra cipriânica de maior influência, reprodução e discussão ao longo dos tempos. Cipriano exorta os fiéis a não abandonarem o único rebanho de Cristo para seguir aqueles que deste se separaram, criando comunidades próprias, iludindo-se e iludindo seus seguidores. É neste único rebanho, a Igreja, que está a vida do Espírito; e sua unidade, fundada no Cristo, expressa-se na comunhão dos e com os apóstolos. Os bispos são os zeladores dessa unidade. Esse é o primeiro tratado – mesmo se não no senso contemporâneo do termo – de eclesiologia da história da Igreja.

1. Desmascarar o mal e superá-lo pela obediência a Cristo
O Senhor nos admoesta e diz: “Vós sois o sal da terra”;[Mt 4.13] e nos manda ser simples até a inocência, e, no entanto, apesar da simplicidade, prudentes.[Mt 10.16]
 O que, então, irmãos caríssimos, nos é mais conveniente que nos precaver – vigilantes e solícitos de coração – contra as insídias do traiçoeiro inimigo, e igualmente descobri-las e evitá-las, para não parecermos descuidados em conservar a salvação, nós que nos vestimos do Cristo,[Rm 13.14] “sabedoria de Deus Pai”?[I Co 1.24].
Com efeito, a perseguição não é o único perigo; tampouco tudo que irrompe em franca oposição para arruinar e lançar por terra os servos de Deus. A precaução é mais fácil quando é manifesto o temor; o ânimo se dispõe para o combate quando o adversário se declara.
O inimigo é mais temível e perigoso quando se insinua furtivamente; quando, aparentando paz, serpeja (andar como serpente) por sendas ocultas – daí seu nome de serpente. Tal é sua astúcia, tal sua capacidade de enganar o homem em invisíveis e enigmáticas trapaças.
Assim como mentiu logo no princípio do mundo (Gn 3.1-5) e frustrou a credulidade desprevenida das almas rudes, seduzindo-as com palavras falaciosas, também aproximou-se veladamente do próprio Senhor para tentá-lo, como se pudesse enganar e surpreender de novo. Foi, porém, percebida e rechaçada; justamente por ter sido reconhecida e descoberta, foi abatida.[Mt 4.1-11].
Donde o exemplo para fugirmos aos caminhos do velho homem, e nos mantermos nas pegadas de Cristo vencedor.
Não sejamos, de novo, incautos, envolvidos na armadilha da morte; mas, previdentes no perigo, gozemos a imortalidade recebida. E que outro modo há de podermos gozar a imortalidade, senão guardando os mandamentos do Cristo, com os quais é expulsa e vencida a morte?
Ele próprio nos admoesta dizendo: “Se queres alcançar a vida, guarda os mandamentos”;[Mt 19.17] e ainda uma vez: “Se fizerdes o que eu vos mando, já não vos chamo servos, mas amigos”.[Jo15.14,15]
Estes são chamados por ele fortes e estáveis, fundados na pedra com sólida ligadura, consolidados em firmeza imóvel e inabalável, contra todas as tempestades e furacões do século: “Quem ouve minhas palavras e as cumpre, compará-lo-ei a um homem sábio que edificou sua casa sobre a pedra. Caiu a chuva, vieram as torrentes, sopraram os ventos e se desencadearam sobre aquela casa, e ela não desabou. Pois fora construída sobre a pedra”.[Mt 7.24-25]
Devemos nos apoiar em suas palavras, aprender e fazer tudo que fez e ensinou. Além disso, como pode declarar que acredita em Cristo quem não cumpre o que o Cristo mandou fazer? Ou, como chegará à fé quem não quer observar a fé do mandamento?
Necessariamente vacilará, extraviar-se-á; arrebatado pelo sopro do erro, será sacudido como o pó que o vento afasta todo aquele que não conserva a verdade do caminho salutar.

2. A expansão da Igreja não diminui sua unidade, na qual foi fundada.
Não só as coisas claras e evidentes requerem precaução; também as ilusões sutis de uma astuta cilada o exigem.
[Em nossos dias] veio a luz para os povos, brilhou o lume da salvação [Lc 2.30-32] para os homens que suspiravam liberdade; os surdos recebem a Boa-nova da graça espiritual, os cegos abrem seus olhos para Deus, os doentes recuperam a eterna salvação, os coxos correm (Mt 11.5) à igreja para orar, com cânticos e súplicas.
Mas o inimigo, desmascarado e derrotado pela vinda do Cristo, vendo seus ídolos desprezados, seus templos abandonados pela multidão dos crentes, trama – que haverá de mais astuto e sutil? –, trama uma nova emboscada para iludir os incautos sob o rótulo do próprio nome de cristão.
O inimigo inventa heresias e cismas para subverter a fé, corromper a verdade e quebrar a unidade. Assalta e engana, com o desvio do novo caminho, aqueles que ele não pôde manter na cegueira da estrada antiga.
Rouba homens da própria Igreja e os imerge, inconscientes, em outras trevas, deixando-os pensar que se aproximam da luz e escapam à noite do século.
Estes continuam a se dizer cristãos sem guardarem a Boa nova do Cristo, seus preceitos e sua lei! Julgam ter luz e caminham nas trevas.
O inimigo sedutor e mentiroso, que, nas palavras do apóstolo, se transforma em anjo de luz (II Co 11.14) – apresentando seus ministros como ministros da justiça, anunciando a noite como dia, a perdição como salvação, o desespero como prêmio da esperança, a perfídia sob pretexto da fé, o anticristo sob o nome do Cristo –, lhes subtrai a verdade com a sutileza, apresentando como verdadeiras as coisas ilusórias.
Isto se dá, irmãos caríssimos, porque não mais se volta à origem da verdade, não se busca mais em sua fonte, nem se guarda a doutrina do magistério celeste.
Para quem considera e reflete sobre estas coisas, não há necessidade de um longo tratado e com muitos argumentos. É fácil provar a fé com o compêndio da verdade.
O Senhor diz a Pedro: “Eu te digo que tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei minha Igreja e as portas dos infernos não a sobrepujarão. Dar-te-ei as chaves do reino dos céus e o que ligares na terra será ligado também nos céus, e tudo aquilo que desligares na terra será também desligado nos céus” (Mt 16.18-19).
E, igualmente, depois de sua ressurreição, lhe diz: “Apascenta minhas ovelhas”. Assim o Senhor edifica sobre ele a Igreja e lhe confia suas ovelhas para apascentá-las.
Se bem que dá igual poder a todos os apóstolos, constitui, todavia, uma só cátedra e dispõe, por sua autoridade, a origem e o motivo da unidade.
Por certo os demais apóstolos eram como Pedro; mas o primado é dado a Pedro, e a unidade da Igreja e a da cátedra são assim demonstradas.
Todos são pastores, mas, como se vê, um só é o rebanho apascentado pelo consenso unânime de todos os apóstolos. Julga conservar a fé quem não conserva esta unidade recomendada por Paulo?
Confia estar na Igreja, quem abandona a Cátedra de Pedro sobre a qual está fundada a Igreja?”
O Senhor edifica sua Igreja sobre um só, e embora conceda igual poder a todos os apóstolos depois de sua ressurreição, dizendo: “Assim como o Pai me enviou eu vos envio; recebei o Espírito Santo: se perdoardes os pecados de alguém, ser-lhe-ão perdoados; se os retiverdes, reter-se-lhe-ão”; (Jo 20.21-23) no entanto, para manifestar a unidade, dispôs, por sua autoridade, a origem desta mesma unidade partindo de um só.
Sem dúvida os demais apóstolos eram como Pedro, dotados de igual participação na honra e no poder; mas o princípio parte da unidade, para que se demonstre ser única a Igreja de Cristo.
O Espírito Santo, em nome do Senhor, designa esta mesma Igreja una no Cântico dos Cânticos, dizendo: “Uma é minha pomba, minha perfeita; é uma para sua mãe, eleita para sua progenitora” (Ct 6.9).
Julga conservar a fé quem não conserva esta unidade da Igreja? Confia estar na Igreja quem se opõe e resiste à Igreja? Quando o próprio bem aventurado Apóstolo Paulo ensina a mesma coisa e mostra o mistério da unidade dizendo: “Um corpo e um espírito, uma esperança da vossa vocação, uma fé, um batismo, um Deus”. (Ef 4.4-6).
Principalmente nós, que presidimos a Igreja como bispos, devemos manter e defender firmemente esta unidade, dando provas da união e indivisibilidade do episcopado.
Que ninguém iluda perfidamente a comunidade dos irmãos, nem corrompa a fé na verdade com infiel prevaricação.
O Episcopado é único e suas partes são possuídas por cada um sem que se divida o todo. A Igreja é una, embora compreenda uma multidão sempre crescente com o aumento de sua fecundidade; assim como há uma só luz nos muitos raios de sol, uma árvore em muitos ramos, um só tronco fundamentado em raízes tenazes, muitos rios de uma única fonte, assim também esta multidão guarda a unidade de origem, se bem que pareça ser dividida por causa da abundância inumerável dos que nascem com prodigalidade.
A unidade da luz não comporta que se separe um raio do centro solar; um ramo quebrado da árvore não cresce; cortado de sua fonte o rio seca imediatamente.
Do mesmo modo a Igreja do Senhor que, como a luz derramada estende seus raios em todo o mundo, é uma única luz que se difunde sem perder sua própria unidade.
Ela desenvolve seus ramos por toda a terra, com grande fecundidade; ela derrama ao longe seus rios, com toda liberalidade, e no entanto é uma na cabeça, uma pela origem; uma mãe imensamente fecunda. Nascemos todos de seu ventre, somos nutridos com seu leite e animados por seu espírito.


O que você destaca no texto?
Como ele serve para sua espiritualidade?

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