segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

122 - Orígenes de Alexandria (185-253) As Homilias sobre São Lucas (Homilia 34)


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122
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Orígenes de Alexandria (185-253)
As Homilias sobre São Lucas (Homilia 34)


HOMILIA 34 - Lc 10.25-37
Sobre o que está escrito: “Mestre, que devo fazer para possuir a vida eterna?” até aquela passagem em que é dito: “Vá, e tu também faz o mesmo”.

A parábola do bom samaritano
Embora haja muitos preceitos na Lei, o Salvador colocou no Evangelho apenas estes que, em uma espécie de resumo, conduzissem os que os observam à vida eterna.
É a isso, com efeito, que se refere uma pergunta que lhe havia dirigido um doutor da Lei, dizendo: “Mestre, que devo fazer para possuir a vida eterna?” Essa leitura segundo [São] Lucas vos foi recitada hoje. Jesus respondeu: “O que está escrito na Lei? O que lês lá?
Tu amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, com todas as tuas forças, de toda a tua alma; e a teu próximo como a ti mesmo”.
E em seguida, Jesus diz: “Respondeste bem, faz isto e viverás”. Sem nenhuma dúvida, se trata da vida eterna, sobre a qual também o doutor da Lei havia interrogado e que havia sido o conteúdo das palavras do Salvador.
Ao mesmo tempo, somos instruídos de modo totalmente claro pelo preceito da Lei a amarmos a Deus.
No Deuteronômio, Deus nos fala: “Escuta, Israel, o Senhor teu Deus é o único Deus”, e “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração” e a sequência, e “ao próximo como a ti mesmo”.
E o Salvador prestou testemunho a essas verdades, dizendo: “Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os profetas”.
O doutor da Lei, porém, “querendo justificar-se a si mesmo” e mostrar que ninguém era seu próximo, diz: “Quem é meu próximo?”.
O Senhor, então, apresentou a parábola, cujo início é: “Um certo homem descia de Jerusalém para Jericó”, e a sequência. E ensina que aquele que descia não foi próximo de ninguém, senão daquele que quis guardar os mandamentos e preparar-se para ser o próximo de todo homem que necessita de auxílio.
É isso, com efeito, que é colocado no fim, depois da parábola: “Qual destes três te parece ser o próximo daquele que caiu na mão dos ladrões?” Com efeito, nem o sacerdote, nem o levita foram seus próximos, mas, como o próprio doutor da Lei também respondeu, foi seu próximo “aquele que praticou a misericórdia”.
Daí também é dito pelo Salvador: “Vai, faz tu também de modo semelhante”.

Interpretação tradicional da parábola
Dizia alguém entre os presbíteros, querendo interpretar a parábola, que o homem que descia representa Adão; Jerusalém, o paraíso; Jericó, o mundo; os ladrões, as potências inimigas; o sacerdote, a Lei; o levita, os profetas; o samaritano, o Cristo.
Mas as feridas devem ser interpretadas como a desobediência; a montaria, o corpo do Senhor; o “pandochium”, isto é, o albergue que acolhe a todos os que querem aí entrar, a Igreja.
Além disso, os dois denários devem ser entendidos como o Pai e o Filho; o albergueiro, o chefe da Igreja, a quem é confiada a sua administração.
Mas quanto à promessa feita pelo samaritano de voltar, era a figura do segundo advento do Salvador.

Sentido cristológico
Ainda que essas interpretações sejam enunciadas de modo espiritual e sedutor, não se deve, porém, considerar que elas possam se aplicar a qualquer homem.
Com efeito, nem todo homem “descia de Jerusalém para Jericó”, porque nem todos os homens vivem no século presente, mesmo se o Cristo, que “foi enviado, tenha vindo por causa das ovelhas perdidas da casa de Israel”.
Portanto, o homem que “desceu de Jerusalém para Jericó” “caiu na mão dos ladrões”, porque ele próprio quis descer.
Os ladrões, porém, não são ninguém mais senão aqueles dos quais diz o Salvador: “Todos os que vieram antes de mim foram ladrões e bandidos”.
Entretanto ele não cai na mão de ladrões, mas na mão de “bandidos” muito mais malvados que os ladrões, que, estando ele a descer “de Jerusalém”, quando havia caído na mão deles, “o roubaram e o cobriram de ferimentos”.
Quais são esses ferimentos, quais as feridas com as quais o homem estava coberto? Os vícios e os pecados.
Em seguida, porque os bandidos, que o espancaram mais de uma vez, o despojaram de suas vestes e o cobriram de feridas, não o socorrem em sua nudez e o abandonam, a Escritura diz: “Tendo-o despojado e coberto de feridas, foram embora e o abandonaram” não morto, mas semimorto.
Sucedeu, porém, que desciam, pela mesma estrada, primeiramente “um sacerdote”, depois “um levita”, que talvez havia feito algum bem a outros homens, não, porém, àquele que havia descido “de Jerusalém para Jericó”.
O sacerdote, a meu ver, figura da Lei, com efeito, o vê; o levita, que, em minha opinião, representa a palavra profética, também o vê.
Mas depois que o viram, passaram e o abandonaram. A Providência, porém, deixava aquele homem semimorto aos cuidados daquele que era mais forte que a Lei e os Profetas, isto é, ao Samaritano, cujo nome significa “guardião”.
É ele que “não cochila nem dorme guardando Israel”.
Para socorrer o semimorto, o samaritano pôs-se a caminho, descendo “de Jerusalém para Jericó”, não como o sacerdote e o levita descem; se ele desce, desce para salvar o moribundo e guardá-lo; mas os judeus lhe disseram: “Tu és um samaritano e és possuído por um demônio”.
Depois de ter negado que estivesse possuído por um demônio, Jesus não quis negar que ele fosse samaritano, pois ele sabia que era um guardião.
Assim, depois de ter vindo até o homem semimorto e tê-lo visto revolver-se em seu sangue, ele se compadeceu e aproximou-se dele para se tornar o seu próximo, “apertou com ligadura suas feridas, derramou óleo misturado ao vinho”, e não disse o que se lê no Profeta: “Não há nem curativo, nem óleo, nem ataduras para aplicar”.
Esse é o samaritano, de cujo cuidado e auxílio todos os que estão doentes necessitam, e o
moribundo, aquele homem que, descendo “de Jerusalém, havia caído na mão dos bandidos” e, ferido por eles, havia sido abandonado meio morto, necessitava especialmente do auxílio desse samaritano.
Porém, para que saibas que, segundo a Providência Divina, esse samaritano desceu para cuidar daquele que “havia caído na mão dos bandidos”, claramente receberás a instrução de que ele trazia consigo ligaduras, trazia consigo óleo, trazia consigo vinho, o qual, evidentemente, penso que o samaritano carregava consigo não por causa desse único semimorto, mas por causa de outros também, que, por várias causas, tinham sido feridos e necessitavam de ligaduras e óleo e vinho.
Ele tinha o óleo, do qual a Escritura diz: “Que o óleo faça o rosto alegrar-se”; e sem dúvida que é o rosto daquele que tinha recebido o cuidado. Para acalmar a inflamação das feridas, ele as limpa com óleo e com vinho misturado com algo amargo.
Depois, colocou aquele que tinha sido ferido sobre sua montaria, isto é, seu próprio corpo, junto ao qual se dignou assumir a humanidade.
Esse samaritano “carrega nossos pecados” e sofre por nós, carrega o semimorto e o conduz a um albergue, isto é, para a Igreja, que acolhe todos os homens e não recusa seu socorro a ninguém, para a qual Jesus manda vir a todos, dizendo: “Vinde a mim todos que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei”.
E, tendo conduzido o moribundo, não o deixa imediatamente, mas por um dia inteiro persevera com ele, e cura suas feridas não apenas de dia, mas também à noite, dedicando-lhe assim toda a sua solicitude e aplicação.
E quando, de manhã, preparava-se para partir, de suas preciosas moedas de prata, de seu precioso dinheiro, “ele apanha dois denários” e gratifica o albergueiro, que, sem dúvida alguma, é o anjo da Igreja, a quem prescreve que cuide diligentemente e conduza até a cura completa aquele que ele próprio também havia cuidado por um tempo exíguo.
Quanto aos dois denários dados ao anjo como salário para que cuide com toda diligência do homem a ele confiado, eles representam, parece-me, o conhecimento do Pai e do Filho e o conhecimento desse mistério, de como pode estar o Pai no Filho e o Filho no Pai.
E é prometido ao albergueiro o reembolso sem demora de tudo quanto tiver gasto de seu para a cura do moribundo.
Este guardião das almas apareceu verdadeiramente mais próximo que a Lei e os Profetas, ele “que fez misericórdia àquele que havia caído na mão dos bandidos”, e mostrou-se seu próximo não tanto em palavras, mas em atos.
É, pois, possível, segundo o que é dito: “Sereis meus imitadores, como eu o sou de Cristo”, que imitemos o Cristo e que nos compadeçamos daqueles que “tenham caído na mão dos bandidos”; que nos aproximemos deles, que ponhamos ataduras em suas feridas, que derramemos óleo e vinho, que os coloquemos sobre nossa própria montaria e carreguemos seus fardos.
E é por isso que o Filho de Deus, exortando-nos a tais recomendações, se dirige não tanto ao doutor da Lei quanto também a nós todos: “Vai tu também e faz de modo semelhante”.
Se tivermos agido de modo igual, obteremos a vida eterna no Cristo Jesus: “a quem pertencem a glória e o poder nos séculos dos séculos. Amém”.

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