terça-feira, 28 de março de 2023

Estudo do ícone da entrada de Jesus em Jerusalém

 

                       


Estudo do ícone da entrada de Jesus em Jerusalém

“Levando tua cruz cantamos em coro: Bendito o que vem em nome do Senhor! Hosana no mais alto dos céus!” [1]

Primeira das 12 grandes festas litúrgicas bizantinas com data móvel, a entrada de Jesus em Jerusalém, celebrada no domingo anterior à Páscoa, introduz-nos na Semana Santa, o coração do Ano Litúrgico. Meditemos, pois, sobre o ícone do Domingo de Ramos.

Origem e conteúdo da festa:

A celebração do Domingo de Ramos tem sua origem no século IV, com diferentes matizes no Oriente e no Ocidente. Em Roma, o domingo anterior à Páscoa era conhecido como Dominica de Passionis Domini (Domingo da Paixão do Senhor), sem qualquer referência à entrada de Jesus em Jerusalém.

No Oriente, por sua vez, esse domingo era conhecido como Domingo de Ramos, celebrando festivamente a entrada messiânica de Jesus na cidade santa. O primeiro testemunho é do célebre Itinerarium ad loca sancta da peregrina Etéria (ou Egéria), que descreve a procissão solene do Monte das Oliveiras até a Basílica do Santo Sepulcro.

Com o tempo as igrejas ocidentais absorveram o elemento festivo, sobretudo na forma da procissão com ramos no início da celebração. É este caráter festivo em honra de Cristo Rei que está representado no ícone da festa, influenciado diretamente pelo relato de Etéria sobre a Liturgia da Jerusalém do século IV [2].

A entrada de Jesus em Jerusalém foi interpretada desde o início da Igreja como cumprimento da profecia de Zacarias: “Exulta, cidade de Sião! Rejubila, cidade de Jerusalém. Eis que vem teu rei ao teu encontro, ele é justo, ele salva; é humilde e vem montado num jumento, um potro, cria de jumenta” (Zc 9,9).

A cor litúrgica para este dia no rito bizantino é digna de nota: o verde, usado pouquíssimas vezes ao longo do ano. Esta cor quer nos recordar aqui que Jesus vem nos trazer a vida, como estão vivos os ramos verdes levantados em sua honra nesta festa.

O ícone


O ambiente: O ícone situa-se entre uma montanha e uma cidade, tendo uma palmeira ao centro. Tais elementos retomam os relatos bíblicos do episódio (cfMt 21,1-11 e paralelos), além de recordar o itinerário da procissão descrita por Etéria.

O monte, à esquerda, representa a “montanha messiânica” da profecia de Isaías: “o monte da casa do Senhor estará firmemente estabelecido no ponto mais alto das montanhas e dominará as colinas. A ele acorrerão todas as nações” (Is 2,2).

A montanha, na Bíblia, é sempre o lugar do encontro com Deus. Em nosso ícone, à luz da profecia de Isaías, é um convite dirigido a todas as nações para, reunidas no Espírito Santo, seguir a Cristo rumo ao Pai.

Em algumas versões do ícone na base da montanha há uma gruta, da qual saem os Apóstolos, que acompanham Jesus. É mais uma leitura das profecias messiânicas de Isaías: “O povo que andava nas trevas viu uma grande luz” (Is 9,1).

Do outro lado do ícone, por sua vez, vemos a cidade de Jerusalém, com suas muralhas e o domo que representa o templo. Este aguarda a purificação que será realizada por Jesus na sequência (cfMt 21,12-16 e paralelos).

A cidade, como no ícone da ressurreição de Lázaro, encarna aqui ao mesmo tempo a “Jerusalém terrestre”, que não acolheu o Salvador, e a “Jerusalém celeste”, à qual o novo Povo de Deus, a Igreja, é chamado.

Por fim, a palmeira, árvore que possui um aspecto sempre positivo na Bíblia - como no Sl 91,13: “o justo crescerá como a palmeira” -, exatamente no centro do ícone, atrás de Cristo, recorda a árvore da vida e o tronco que brotou da raiz de Jessé, imagens recorrentes nos ícones bizantinos.

Além disso, esta árvore simboliza aqui a ponte construída por Cristo entre o divino e o humano: “A palmeira é imagem de Cristo que cobre o vazio (o vão) entre o monte de Deus (a divindade) e a cidade (a humanidade)” [3].

Cristo: Na frente da palmeira, sua imagem, encontramos Jesus Cristo, montado no burrinho da profecia de Zacarias, como recorda São Romanos, o Melode:

Eis aqui o nosso rei, manso e pacífico, montado em um burrinho, correndo para padecer sua Paixão e assim desarraigar nossas paixões. O Verbo montado num animal, porque quer salvar os seres racionais. Sobre a garupa do burrinho podia-se contemplar Aquele que é transportado por Querubins, Aquele que havia arrebatado Elias ao céu num carro de fogo, o rico por natureza que voluntariamente se fez pobre, o fraco por escolha que sabe tornar fortes todos que o aclamam: Bendito o que vem para chamar Adão!” [4].

O tema das paixões purificadas por Cristo está diretamente relacionado ao burrinho que, como animal, representa o aspecto “instintivo” do homem, uma vida meramente terrena, material, sensível. Ao montar sobre o burrinho, Jesus, que é o Logos, a Sabedoria de Deus, sobrepõe aos instintos a dimensão racional, espiritual, mística.

Montado sobre o burrinho, Cristo faz brilhar sobre nós sua face, resplandecente do clarão da glória do Pai. Revestido da túnica vermelha da nossa humanidade, sobre ela faz repousar o manto azul da sua divindade. Com a mão direita abençoa, enquanto com a esquerda sustenta o rolo onde estão escritos nossos pecados, para apagá-los: “Consente ser elevado na cruz, e despedaça aquela nota de acusação” [5].

Os Apóstolos e a multidão: No ícone desta festa encontramos dois grupos: atrás de Cristo estão os Apóstolos, e às portas da cidade está a multidão.

Os Apóstolos (às vezes representados apenas 11, prefigurando a traição de Judas) aparecem em uma atitude desconcertada, conversando entre si. Em muitas versões deste ícone Jesus está voltado para eles, para encorajá-los a prosseguir.

Não obstante sua dificuldade para compreender, aqui os Apóstolos simbolizam os coros angélicos, que ladeiam o Messias em seu cortejo triunfal, como canta o “Hino dos Querubins”, o qual acompanha o rito da Grande Entrada (procissão com o pão e o vinho) na Divina Liturgia bizantina:

Nós, que misticamente representamos os Querubins e cantamos o hino três vezes santo à Trindade vivificante, afastemos de nós todo pensamento mundano; para que possamos receber o Rei do universo, invisivelmente escoltado por legiões de Anjos. Aleluia, aleluia, aleluia!” [6].

A multidão, por sua vez, tem o mesmo simbolismo paradoxal do ícone da ressurreição de Lázaro: nela estão aqueles que realmente acolhiam a Cristo como o “Filho de Davi”, como “Aquele que vem em nome do Senhor”, e aqueles que tramam a sua morte.

As crianças: Por fim, o último elemento e um dos mais significativos deste ícone é a presença das crianças. “O Domingo de Ramos é a festa das crianças!” [7]. Embora os relatos evangélicos não lhes deem este protagonismo, em Mt 21,15-16, no contexto da purificação do Templo, encontramos sua menção, retomada no apócrifo Evangelho de Nicodemos e no próprio relato da peregrina Etéria, o que inspirou o nosso ícone.

O perfeito louvor vos é dado pelos lábios dos mais pequeninos” (Sl 8,3). As crianças, representadas em proporções bastante reduzidas em relação aos demais personagens, cortam os ramos da palmeira, que algumas pessoas da multidão levam consigo, e estendem suas vestes no chão para acolher o Senhor.

Enquanto as vestes estendidas são de muitas cores, as crianças trajam por baixo uma túnica branca, símbolo de sua pureza e, no contexto cristão, da graça batismal. Contudo, uma das crianças costuma ser representada retirando um espinho do pé: mesmo os puros estão sujeitos aos espinhos do caminho...

Nos céus assentado num trono, aqui na terra montado num jumentinho, ó Cristo Deus, acolhe os louvores dos anjos e as aclamações das crianças que gritam: Bendito és tu que vens soerguer o Adão decaído
 Kontákion do dia [8]

Fonte: https://pilulasliturgicas.blogspot.com/2020/04/o-icone-da-entrada-de-jesus-em-jerusalem.html

terça-feira, 21 de março de 2023

225 - Hilário de Poitiers (315-368) - O Tratado da Santíssima Trindade - Livro Oitavo (Capítulos 19 - 29)

 



225

Hilário de Poitiers (315-368)

O Tratado da Santíssima Trindade

Livro Oitavo (Capítulos 19 - 29)




Divisão do Tratado

O Tratado está dividido em 12 livros.

O livro I começa autobiografia. Refere-se às heresias e apresenta um plano geral do trabalho.

O livro II é um resumo da doutrina da Trindade.

O livro III trata do mistério da distinção e unidade do Pai e do Filho.

No livro IV o autor apresenta a carta de Ário a Alexandre de Alexandria e demonstra a divindade de Filho a partir de citações tiradas do Antigo Testamento.

O livro V também cita o Antigo Testamento para demonstrar a divindade do Filho, que não é um outro Deus ao lado do Pai.

O livro VI refere-se novamente à carta de Ário e argumenta a partir do Novo Testamento.

O livro VII demonstra, também a partir do testemunho da Escritura, que o Pai e o Filho são um só Deus porque têm a mesma natureza.

O livro VIII trata da unidade do Pai e do Filho. O Espírito Santo é demonstração e manifestação desta unidade.

 

Capítulo 19.

1.      Não negamos a unanimidade do Pai e do Filho, embora os hereges costumem mentir, dizendo que, por não aceitarmos provir a unidade somente da concórdia, nós os afirmamos discordes.

2.      Ouçam como a unanimidade não é negada por nós. O Pai e o Filho são Um, por natureza, honra e poder, e a mesma natureza não pode querer o que é diverso.

3.      Ouçam ainda o Filho afirmando sua unidade de natureza com o Pai: Quando vier o Advogado que eu vos enviar da parte do Pai, o Espírito da verdade, que procede de meu Pai, dará testemunho de mim (Jo 15,26).

4.      Virá o Advogado, a quem o Filho enviará da parte do Pai, o Espírito da verdade, que procede do Pai.

5.      Como entender que Ele envia da parte do Pai? Aguce os aguilhões de sua inteligência toda a assembléia dos hereges e procure meios para mentir aos ignorantes e ensinar o que significa ser o Filho enviado pelo Pai.

6.      Quem envia mostra seu poder sobre aquele a quem envia.

7.      Em que sentido entendemos que envia da parte do Pai, no sentido de ser recebido, de ter saído ou de ser gerado?

8.      É forçoso que tenha sido uma destas coisas, pois afirma que o enviará da parte do Pai. E deve enviar, da parte do Pai, o Espírito da verdade que procede do Pai; portanto já não há recepção do Espírito, onde se trata de sua processão.

9.      Resta-nos confirmar nossa sentença, pois, ou se trata de saída de uma pessoa subsistente, ou da processão de quem foi gerado.

 

Capítulo 20.

10.  Não quero censurar a liberdade de interpretação neste ponto, se acreditam que o Espírito Paráclito procede do Pai ou do Filho.

11.  O Senhor não nos deixou na incerteza, porque, depois das palavras a que nos referimos, assim disse: Ainda tenho muito a vos dizer, mas não podeis compreender agora. Quando vier o Espírito da Verdade, Ele vos conduzirá à verdade plena, pois não falará de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará as coisas futuras. Ele me glorificará porque receberá do que é meu e vos anunciará. Tudo o que o Pai tem é meu. Por isso vo-lo disse: Ele receberá do que é meu e vos anunciará (Jo 16,12-15).

12.  Aquele que é enviado pelo Filho recebe dele e procede do Pai.

13.  Pergunto: receber do Filho é o mesmo que proceder do Pai? Ainda que se creia ser diferente receber do Filho e proceder do Pai, deve-se pensar que receber do Filho é o mesmo que receber do Pai, pois o Senhor diz: porque receberá do que é meu e vos anunciará. Tudo o que o Pai tem é meu. Por isso vo-lo disse: ele receberá do que é meu e vos anunciará.

14.  O Filho diz que o Espírito há de receber dele poder, força, doutrina e afirma que se deve receber tudo do Pai.

15.  Ao declarar que tudo o que o Pai tem é seu e que, por isso, disse que há de receber do que é seu, ensina que o que se deve receber do Pai se recebe dele mesmo, porque tudo o que é do Pai é dele.

16.  Nessa unidade não há diversidade. De quem se recebe, não faz diferença, porque o que é dado pelo Pai deve ser considerado como dado pelo Filho.

17.  Agora também vai-se apelar para a unidade de vontade? Tudo o que é do Pai é do Filho e tudo o que é do Filho é do Pai, pois Ele mesmo disse: tudo que é meu é teu e tudo que é teu é meu (Jo 17,10).

18.  Ainda não é este o lugar de mostrar por que disse: receberá do que é meu (Jo 16,14). Trata-se de uma alusão a um tempo futuro, já que mostra o Espírito como aquele que há de receber. Diz que receberá dele porque tudo o que é do Pai é seu. Divide, se puderes, a unidade desta natureza e conclui, se fores capaz, haver necessidade de alguma dessemelhança pela qual o Filho não exista na unidade de natureza com o Pai.

19.  O Espírito da verdade procede do Pai, porém é enviado pelo Filho enviado pelo Pai. Tudo o que é do Pai é do Filho, e o que há de ser enviado recebe tudo do Filho, porque tudo que é do Filho é do Pai.

20.  A natureza cumpre em todas as coisas a sua própria lei, e a mesma divindade, num e noutro, pela geração e o nascimento, indica que os dois são Um, pois o Filho afirma que Ele há de dar o que o Espírito da verdade há de receber do Pai.

21.  Não se pode aceitar que a maldade dos hereges permita uma interpretação ímpia e não confesse que esta palavra do Senhor diz respeito à unidade da natureza divina, visto que Ele diz que tudo o que é do Pai é seu e que, por Ele, o Espírito da verdade receberá dele.

 

Capítulo 21.

22.  Deixemos falar aquele que é vaso de eleição e doutor das gentes, que, depois de ter louvado a fé do povo romano por sua concepção da verdade, querendo ensinar a natureza única do Pai e do Filho, diz: Vós não estais na carne, mas no Espírito, se é verdade que o Espírito de Deus habita em vós, pois quem não tem o Espírito de Cristo não pertence a Ele. Se, porém, Cristo está em vós, o corpo está morto, pelo pecado, mas o Espírito é vida, pela justiça. E se o Espírito daquele que ressuscitou Jesus dentre os mortos habita em vós, aquele que ressuscitou Cristo Jesus dentre os mortos dará vida também a vossos corpos mortais, por meio do seu Espírito que habita em vós (Rm 8,9-11).

23.  Se o Espírito de Deus está em nós, somos todos espirituais. O Espírito de Deus é também o Espírito de Cristo. Se o Espírito de Cristo está em nós, o Espírito que ressuscitou Cristo dentre os mortos está em nós e vivificará nossos corpos mortais, por causa do seu Espírito que habita em nós.

24.  Somos vivificados, portanto, por causa do Espírito de Cristo que habita em nós e por Aquele que ressuscitou Cristo dentre os mortos. O Espírito daquele que ressuscitou Cristo dentre os mortos está em nós e em nós está o Espírito de Cristo, sem que o que está em nós deixe de ser Espírito de Deus.

25.  Separa então, ó herege, o Espírito de Cristo do Espírito de Deus, o Espírito de Cristo ressuscitado dentre os mortos do Espírito de Deus que ressuscita Cristo dentre os mortos, já que o Espírito de Cristo que habita em nós é o Espírito de Deus, e o Espírito de Cristo ressuscitado dentre os mortos é também o Espírito de Deus que ressuscita Cristo dentre os mortos.

 

Capítulo 22.

26.  Pergunto agora se crês que a expressão Espírito de Deus significa uma natureza ou uma realidade que pertence à natureza, pois uma realidade que pertence à natureza não é a mesma coisa que a natureza, assim como o homem e o que pertence ao homem não são a mesma coisa, e o que pertence ao fogo não é o próprio fogo. De acordo com isso Deus e o que é de Deus não são a mesma coisa.

 

Capítulo 23.

27.  Recordo que, com a expressão Espírito de Deus, se designa o Filho de Deus, para que se possa entender que nele se mostrou Deus Pai. Assim, a expressão Espírito de Deus pode designar qualquer um dos dois. Isto se demonstra, não só com a autoridade dos Profetas, mas também com a dos Evangelhos, quando se diz: o Espírito do Senhor está sobre mim (Lc 4,18) e ainda: Eis o meu Servo a quem escolhi, o meu Amado, de quem minha alma se agrada. Porei o meu Espírito sobre ele e ele anunciará o Direito às nações (Mt 12,18).

28.  O próprio Senhor dá testemunho a respeito de si mesmo: Se é pelo Espírito de Deus que eu expulso os demônios, então o Reino de Deus já chegou a vós (Mt 12,28).

29.  Estas palavras parecem referir-se, sem ambigüidade, ao Pai e ao Filho, manifestando, embora, a força da natureza.

 

Capítulo 24.

30.  Penso que se falou de Espírito de Deus com referência seja a uma pessoa, seja a outra para que não se pense que o Filho está no Pai e o Pai no Filho como acontece com os seres corpóreos, isto é, para que não parecesse que, quando Deus estivesse num lugar, estivesse fora de si mesmo em qualquer outro.

31.  Quando o homem (ou qualquer outro ser semelhante a ele) está num lugar, não pode estar em outro porque que o que está em um lugar se acha contido onde está.

32.  É demasiado fraco por natureza para poder estar em toda parte. Deus, porém, é poder vivente, dotado de força imensa, não está ausente em nenhuma parte, não deixa de estar em nenhum lugar, manifesta-se inteiramente por meio do que é seu e revela que o seu não é diferente dele mesmo, de modo que se deve entender que, onde está o que é seu, Ele mesmo está, porém não da mesma forma que as coisas corpóreas.

33.  Não se pode crer que, porque está em um lugar não esteja também em toda parte, pois, pelo que é seu, não deixa de estar em todas as coisas e o que é seu não é diferente do que Ele mesmo é. Tudo isto foi dito para que se entenda o que é a natureza.

 

Capítulo 25.

34.  Creio que se deve entender que, com a expressão Espírito de Deus, se indica Deus Pai, porque o Senhor Jesus Cristo afirmou que o Espírito de Deus está sobre Ele e, por isso, o unge e o envia a evangelizar.

35.  O poder da natureza do Pai se manifesta nele quando mostra a comunhão do Filho, nascido da carne pelo mistério da unção com o Espírito, em sua natureza.

36.  Uma vez consumado o nascimento batismal, ouviu-se a revelação desta condição de Jesus pela voz do céu que testificava: Tu és o meu Filho bem-amado; eu hoje te gerei (Lc 3,22).

37.  Não se deve pensar nem que o Pai pairasse sobre si mesmo, nem que, vindo do céu, estivesse presente em si mesmo, nem que se chamasse a si mesmo de Filho, mas, sim que tudo isso foi uma demonstração para nossa fé, a fim de que se conhecesse sob o mistério do perfeito nascimento a unidade da natureza do Filho que também começou a ser Homem.

38.  Vemos assim que, com as palavras Espírito de Deus, se indica o Pai; vemos também que o Filho é assim designado, quando diz: mas se é pelo Espírito de Deus que eu expulso os demônios, então o Reino de Deus já chegou a vós (Mt 12,28).

39.  Mostra assim que, pelo poder da sua natureza, lança fora os demônios que só podem ser expulsos pelo Espírito de Deus.

40.  Também com esta expressão Espírito de Deus se designa o Espírito Paráclito, o que é confirmado, tanto pelos Profetas como pelos Apóstolos, pois foi dito: Sucederá nos últimos dias, diz o Senhor, que derramarei o meu Espírito sobre toda carne. Vossos filhos e vossas filhas hão de profetizar, vossos jovens terão visões e vossos velhos hão de ter sonhos (At 2,17).

41.  Tudo isso foi realizado nos Apóstolos, quando, depois que o Espírito Santo foi enviado, falaram as línguas dos gentios.

 

Capítulo 26.  

42.  Era necessário mostrar estas coisas para que a falsidade herética, onde quer que se refugiasse, fosse encurralada pelas barreiras e limites da verdade evangélica.

43.  Cristo habita em nós e, habitando Cristo, habita Deus. Porque o Espírito de Cristo habita em nós, não habita em nós nenhum outro espírito, a não ser o de Deus.

44.  Se compreendemos que, por meio do Espírito Santo, Cristo habita em nós, o Espírito de Deus deve ser reconhecido como Espírito de Cristo. Uma vez que, pela realidade que pertence à natureza, habita em nós a natureza mesma, deve-se crer que a natureza do Filho não é diferente da natureza do Pai, pois o Espírito Santo, que é o Espírito de Cristo e o Espírito de Deus, aparece como realidade de uma única natureza.

45.  Por isso pergunto agora: como não seriam um por natureza? O Espírito da verdade procede do Pai, é enviado pelo Filho e recebe do Filho, porém, como tudo o que o Pai tem é do Filho, o Espírito que recebe dele é o Espírito de Deus e Ele mesmo é o Espírito de Cristo.

46.  É uma realidade da natureza do Filho, porém é a mesma realidade da natureza do Pai. É o Espírito do que ressuscita Cristo dentre os mortos, mas é também o Espírito de Cristo ressuscitado dentre os mortos.

47.  A natureza de Cristo e a natureza de Deus seriam diferentes, de alguma maneira, e não seriam a mesma se fosse possível demonstrar que o Espírito de Deus não é também de Cristo.

 

Capítulo 27.  

48.  O Apóstolo, que tem a Cristo como fundamento da fé, te constrange e te põe em dificuldade, ó herege enraivecido que te deixas envolver pelo espírito de uma doutrina mortífera, pois ele não ignora esta palavra do Senhor: Se alguém me ama, guardará minha palavra e meu Pai o amará, e viremos a ele e nele estabeleceremos morada (Jo 14,23).

49.  Atesta com isso que, se o Espírito de Cristo está em nós, o Espírito de Deus permanece em nós e que o Espírito do que ressuscitou dentre os mortos não é diferente do Espírito daquele que o ressuscitou dentre os mortos. Eles vêm e habitam em nós.

50.  Pergunto se farão morada em nós como companhia diferente ou na unidade de sua natureza.

51.  O Doutor das gentes insiste dizendo que o Espírito de Deus e o Espírito de Cristo não são dois, mas que é o Espírito de Cristo que é também o Espírito de Deus que habita nos crentes. Não se trata da coabitação, mas da habitação.

52.  Sob o mistério da coabitação está a habitação de um só, pois não são dois que habitam, e um habitante não é distinto do outro.

53.  O Espírito de Deus está em nós, porém também está em nós o Espírito de Cristo e, se está o Espírito de Cristo, está o Espírito de Deus. Assim, já que o que é de Deus é também de Cristo e o que é de Cristo é também de Deus, Cristo não pode ser diferente daquilo que Deus é. Cristo, portanto, é Deus e é um só Espírito com Deus.

 

Capítulo 28.

54.  O Apóstolo ensina que a frase evangélica: Eu e o Pai somos um (Jo 10,30) indica a unidade da natureza, não a solidão de uma única pessoa, quando escreve aos Coríntios: Por isto, eu vos declaro que ninguém, falando com o Espírito de Deus, diz: ‘Anátema seja Jesus’ e ninguém pode dizer: ‘Jesus é Senhor’ a não ser no Espírito Santo (1Co 12,3).

55.  Sabes agora, ó herege, em virtude de que Espírito dizes que Cristo é uma criatura? Pois se os que serviram à criatura, mais do que ao Criador, são malditos, deves compreender o que tu és quando professas que Cristo é uma criatura, tu que não ignoras que o culto que se presta às criaturas é maldito.

56.  Presta atenção ao que vem a seguir: ninguém pode dizer: ‘Jesus é Senhor’ a não ser no Espírito Santo (1Cor 12,3). Não percebes o que te falta quando negas a Cristo o que é dele?

57.  Se, para ti, Cristo é teu Senhor pela natureza divina, tens o Espírito Santo, mas se pensas que é Senhor por ter recebido um nome por adoção, não tens o Espírito Santo e és animado pelo espírito do erro, pois ninguém pode dizer: ‘Jesus é Senhor’ a não ser no Espírito Santo, e tu, que dizes que, em vez de ser Deus, é criatura, embora o chames de Senhor, não afirmas que o seja, pois, para ti, é um senhor como outros, no sentido habitual da palavra, e não o é por sua natureza. Aprende, pois, de Paulo, qual é a sua natureza.

 

Capítulo 29.

58.  Paulo continua: Há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo; diversos modos de ação, mas é o mesmo Deus que realiza tudo em todos. Cada um recebe o dom de manifestar o Espírito para a utilidade de todos (1Co 12,4-7).

59.  Reconhecemos nesta passagem quatro afirmações: na diversidade de dons há um mesmo Espírito, na diversidade de serviços há um mesmo Senhor, na diversidade de operações há o mesmo Deus e na doação para a utilidade comum há uma manifestação do Espírito.

60.  Para que reconhecêssemos que na manifestação do Espírito há uma doação do que é útil, a seguir foi acrescentado: a um o Espírito dá a mensagem da sabedoria; a outro, a palavra da ciência segundo o mesmo Espírito; a outro, o mesmo Espírito dá a fé; a outro ainda o único e mesmo Espírito concede o dom das curas; a outro, o poder de fazer milagres; a outro a profecia, a outro, o discernimento dos espíritos; a outro, o dom de falar em línguas; a outro ainda, o dom de as interpretar (1Cor 12,8-10).

 

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