domingo, 12 de março de 2023

224 - Hilário de Poitiers (315-368) - O Tratado da Santíssima Trindade - Livro Oitavo (Capítulos 6 - 18)

 



224

Hilário de Poitiers (315-368)

O Tratado da Santíssima Trindade

Livro Oitavo (Capítulos 6 - 18)


 


Divisão do Tratado

O Tratado está dividido em 12 livros.

O livro I começa autobiografia. Refere-se às heresias e apresenta um plano geral do trabalho.

O livro II é um resumo da doutrina da Trindade.

O livro III trata do mistério da distinção e unidade do Pai e do Filho.

No livro IV o autor apresenta a carta de Ário a Alexandre de Alexandria e demonstra a divindade de Filho a partir de citações tiradas do Antigo Testamento.

O livro V também cita o Antigo Testamento para demonstrar a divindade do Filho, que não é um outro Deus ao lado do Pai.

O livro VI refere-se novamente à carta de Ário e argumenta a partir do Novo Testamento.

O livro VII demonstra, também a partir do testemunho da Escritura, que o Pai e o Filho são um só Deus porque têm a mesma natureza.

O livro VIII trata da unidade do Pai e do Filho. O Espírito Santo é demonstração e manifestação desta unidade.

 

Capítulo 6.

1.      Aquele que ignora Deus, ignora toda a sabedoria. Visto que a Sabedoria é Cristo, forçoso é que aquele que ignora Cristo ou o odeia esteja afastado da sabedoria, como estes, que querem que o Senhor da majestade e Rei dos séculos, o Deus Unigênito, seja criatura, e não Filho de Deus.

2.      Mentem estultamente e pensam de modo ainda mais estulto quando defendem suas mentiras.

3.      Vamos adiar um pouco a questão da unidade própria de Deus Pai e Deus Filho, porque devemos refutar os argumentos dos hereges usando as mesmas passagens utilizadas por eles.

 

Capítulo 7.

4.      Pergunto se aqueles que tinham uma só alma, um só coração, eram um pela fé em Deus. Certamente pela fé. Por ela, todos tinham uma só alma e um só coração.

5.      Pergunto se há uma só fé ou se também há outra. Certamente há uma só, como o mesmo Apóstolo nos assegura, ao proclamar que há uma só fé, assim como há um só Senhor, um só batismo, uma só esperança e um só Deus (Ef 4,4-6).

6.      Se todos eram um pela fé, isto é, mediante a natureza de uma só fé, como não entender que há unidade de natureza naqueles que são um pela natureza de uma só fé?

7.      Todos tinham renascido para a inocência, a imortalidade, o conhecimento de Deus e a esperança da fé. Estas coisas não podem ser diversas entre si porque a esperança é uma, e Deus é Um, como o Senhor é Um e um é o batismo de regeneração.

8.      Se são um pelo consenso das vontades, e não pela natureza, deves atribuir também aos que renasceram uma unidade de vontades.

9.      Porém se renasceram para a natureza de uma única vida e de uma única eternidade e por isso seu coração e sua alma são uma só coisa, fica excluída neles a unidade baseada no consenso, porque são um na regeneração da mesma natureza.

 

Capítulo 8.

10.  Não falamos por nós mesmos e não queremos inventar nada para iludir os que nos ouvem, modificando o sentido do que foi dito. Pretendemos manter a doutrina salvífica na sua integridade, pensando e proclamando a verdade.

11.  O Apóstolo ensina, ao escrever aos Gálatas, que a unidade dos fiéis tem origem nos sacramentos: Todos vós que fostes batizados em Cristo, vos vestistes de Cristo. Não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem nem mulher, pois todos vós sois um em Cristo Jesus (Gl 3,27-28).

12.  Se são um só, em tal diversidade de condições, com tantas diferenças de nacionalidade e de sexo, acaso isso se dará por causa da concórdia das vontades, ou pela unidade do sacramento, já que o batismo é um só e todos se revestiram de Cristo, que é um só?

13.  Que tem isto a ver com a concórdia de ânimos, se são um porque se revestiram de Cristo pela natureza de um só batismo?

 

Capítulo 9.

14.  Aquele que planta e aquele que rega são um (1Cor 3,8). Acaso não serão uma só coisa porque, tendo renascido de um só batismo, dão um único testemunho do batismo da regeneração? Acaso não fazem o mesmo e não são uma só coisa? Os que são um pela mesma realidade são um pela natureza e não apenas pela vontade, pois se tornaram a mesma coisa e são servidores da mesma realidade e do mesmo poder.

 

Capítulo 10.

15.  As contradições dos insensatos servem para mostrar sua insensatez, pois o que tramam contra a verdade, usando os artifícios de uma inteligência maligna e insensata, acaba sendo reconhecido como infundado, porque é contrário à verdade, que é sempre uma e a mesma.

16.  Os hereges se esforçam por enganar, para que não se acredite na unidade da natureza, por causa das palavras: Eu e o Pai somos Um, e dizem tratar-se apenas da união de vontades e do mútuo amor, dando como exemplo as palavras do Senhor: Para que todos sejam um como tu, Pai, estás em mim e eu em ti, para que eles também estejam em nós.

17.  Acha-se excluído das promessas evangélicas aquele que não crê nelas, e a culpa da ímpia compreensão delas fez perder-se a esperança simples.

18.  A ignorância do que se acredita, mais que a necessidade de perdão, traz consigo um prêmio, pois a maior recompensa da fé é esperar o que se desconhece, e a maior loucura da impiedade consiste em não crer no que se entendeu ou mudar o sentido do que se acredita.

 

Capítulo 11.

19.  Embora a heresia mude o sentido do que entende, é impossível que não apareça o verdadeiro significado das palavras. O Senhor roga ao Pai para que os que hão de crer nele sejam um e que, como Ele está no Pai e o Pai está nele, todos sejam um neles.

20.  Por que, então, falas de coincidência de ânimos e de unidade de almas e corações pelo acordo das vontades? Havia muitas palavras de significado preciso que o Senhor poderia ter usado, se quisesse dar a entender que se referia à unidade de vontades, e poderia ter formulado seu pedido desta maneira: Pai, que assim como nós queremos uma só coisa, eles também queiram uma só coisa, para que todos sejamos um pela concórdia.

21.  Ou acaso o que é a Palavra ignora o significado das palavras, o que é a Verdade não sabe dizer coisas verdadeiras, o que é a Sabedoria se perdeu em palavras insensatas e o que é a Força se viu em tal estado de fraqueza que não conseguiu dizer o que queria que fosse entendido?

22.  Ele falou abertamente dos mistérios verdadeiros da fé evangélica, e não só falou para ser entendido, mas ensinou para ser crido, quando disse: a fim de que todos sejam um, como Tu, Pai, estás em mim e eu em ti; que eles também estejam em nós (Jo 17,31).

23.  Há, em primeiro lugar, uma oração por aqueles de quem se diz que todos sejam um; mostra-se depois o efeito da unidade, mostrando-se o seu modelo: como tu, Pai, estás em mim e eu em ti; que eles também estejam em nós; para que, como o Pai está no Filho e o Filho no Pai, todos sejam um, segundo a imagem da unidade do Pai e do Filho.

 

Capítulo 12.

24.  Somente ao Pai e ao Filho é próprio ser Um, por natureza, porque Aquele que é Deus que procede de Deus e Unigênito que procede do Inascível só pode existir na natureza de sua origem.

25.  O que é gerado existe na substância de sua natividade e o que nasceu não tem outra divindade diferente da verdade da qual procede.

26.  O Senhor não nos deixou nada de ambíguo para a fé e ensinou, no discurso seguinte, a natureza desta absoluta unidade: Para que o mundo creia que Tu me enviaste (Jo 17,21).

27.  Portanto, para que o mundo acredite ser o Filho enviado pelo Pai, é preciso que todos os que crêem nele sejam um no Pai e no Filho. E logo nos ensina como serão: E eu lhes darei a glória que me deste.

28.  Agora indago: será esta glória a mesma coisa que a vontade; se a vontade é um movimento da mente, enquanto a glória é a beleza e a dignidade da natureza?

29.  O Filho deu a todos que haveriam de crer nele a glória recebida do Pai, não a vontade, porque se esta fosse dada, a fé não teria um prêmio já que a necessidade que aprisiona a vontade nos obrigaria a ter fé.

30.  A seguir, Ele mostrou para que nos serviria o dom da glória: Para que sejam um, assim como nós somos Um. Para isso foi dada e recebida a glória, para que todos sejam um. Por conseguinte, todos são um na glória, porque não foi dada outra glória senão a que foi recebida, e foi esta a razão apresentada para que todos fossem um.

31.  Se todos são um, pela glória dada ao Filho e concedida por Ele aos fiéis, pergunto: como pode ter o Filho uma glória diferente da do Pai, se é a glória do Filho que une todos os crentes na unidade da glória do Pai?

32.  Será talvez ousada esta palavra, mas não será infiel para a esperança humana, porque, embora esperar seja temerário, não crer será irreligioso, pois o Autor, não só da esperança, mas da fé, é o mesmo e o único para nós.

33.  Disto trataremos em seu devido lugar, de modo mais completo e extenso, como convém. Por enquanto, este discurso mostra não ser vã nem temerária nossa esperança, porque, pela glória recebida e dada, todos são um. Mantenho a fé e aceito a causa da unidade, mas ainda não entendo de que modo a glória dada realiza a unidade de todos.

 

Capítulo 13.

34.  O Senhor não deixa nada incerto para o conhecimento dos fiéis; Ele próprio ensinou o efeito que causará sua natureza, dizendo: Que sejam Um, como nós somos Um, Eu neles, e Tu em mim; para que sejam perfeitos na unidade (Jo 17,22-23).

35.  Pergunto aos que situam na vontade a unidade, se é pela verdade da natureza que hoje Cristo está em nós, ou se é pela concórdia da vontade.

36.  Se o Verbo verdadeiramente se fez carne e se nós recebemos verdadeiramente o Verbo feito carne, no Pão do Senhor, como não se deve julgar que, por sua natureza, permanece em nós Aquele que, tendo nascido Homem, assumiu inseparavelmente a natureza de nossa carne e uniu a natureza de sua carne à natureza da eternidade no sacramento em que nos comunica sua carne?

37.  Todos somos um porque o Pai está em Cristo e Cristo está em nós. Portanto, todo aquele que negar que o Pai, por sua natureza, está no Filho, negue, antes, estar ele mesmo em Cristo, ou negue que Cristo esteja nele por sua natureza; porque o Pai que está em Cristo e Cristo que está em nós nos fazem ser um neles.

38.  Se Cristo assumiu verdadeiramente a carne de nosso corpo e se o Homem que nasceu de Maria, é verdadeiramente Cristo, e se nós, no sacramento, recebemos verdadeiramente a carne de seu corpo (e por isso seremos um, porque o Pai está nele e Ele, em nós), como se afirmará a unidade de vontades se, pelo sacramento, a própria natureza é o sacramento da perfeita unidade?

 

Capítulo 14.

39.  Não compete ao senso humano ou profano falar das coisas de Deus, e a perversidade de uma compreensão ímpia não pode ser corrigida pela pregação violenta e imprudente das sentenças celestes.

40.  Leiamos o que está escrito e entendamos o que lemos; cumpriremos então o dever de professar a perfeita fé.

41.  Sobre a realidade de Cristo em nós pela natureza, falaremos de modo estulto e ímpio, se não tivermos aprendido dele o que devemos dizer, pois Ele diz: Minha carne é verdadeiro alimento, e meu sangue, verdadeira bebida. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue, permanece em mim, e eu nele (Jo 6,56-57).

42.  Não há lugar para duvidar da realidade da carne e do sangue, porque, conforme a declaração do próprio Senhor e segundo nossa fé, trata-se, verdadeiramente, da carne e do sangue.

43.  Quando comemos e bebemos, produz-se em nós o efeito de estarmos em Cristo e de Cristo estar em nós. Acaso isso não é verdade? Certamente não hão de tê-lo por verdadeiro os que negam que Jesus Cristo seja verdadeiro Deus, pois Ele está em nós por sua carne e nós estamos nele enquanto o que nós somos está com Ele em Deus.

 

Capítulo 15.

44.  Ele mesmo atesta que, pelo sacramento da comunhão de sua carne e sangue, estamos nele: Ainda um pouco e o mundo já não me verá; vós, porém, me vereis, porque eu vivo e vós vivereis; porque eu estou no Pai, e vós em mim, e eu em vós (Jo 14,19-20).

45.  Se queria que entendêssemos tratar-se somente de uma unidade de vontades, por que exporia então, por certa graduação e ordem a realização da unidade? Certamente quis que acreditássemos estar Ele no Pai, pela natureza divina, e nós nele, por sua natividade corporal, enquanto Ele está em nós pelo mistério dos sacramentos, para que assim se ensinasse a perfeita unidade realizada pelo Mediador, visto que nós permanecemos nele e Ele permanece no Pai e permanece em nós, permanecendo no Pai.

46.  Assim chegaremos à unidade com o Pai, porque estamos, por natureza, naquele que, por natureza, está no Pai e que, por natureza, permanece em nós.

 

Capítulo 16.

47.  Ele próprio atestou ser natural em nós esta unidade, pois disse: Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim, e eu nele (Jo 6,57).

48.  Só estará nele aquele em quem Ele estiver. Quem receber sua carne terá a sua carne assumida por Ele como sua.

49.  Já ensinara antes o mistério da perfeita unidade dizendo: Assim como o Pai que vive me enviou, e eu vivo pelo Pai, também quem comer a minha carne viverá por mim (Jo 6,58).

50.  Assim como Ele vive pelo Pai, nós vivemos por sua carne. A comparação é apresentada para permitir a compreensão a partir do exemplo proposto.

51.  A causa de nossa vida está em possuirmos, nós carnais, a Cristo, que permanece em nós pela carne e vivermos, por Ele, na condição em que Ele vive pelo Pai.

52.  Se por natureza vivemos por Ele segundo a carne, isto é, se recebemos a natureza de sua carne, como não terá, por natureza, segundo o Espírito, o Pai, quando vive pelo Pai?

53.  Vive pelo Pai, porque a natividade não lhe trouxe uma natureza alheia e diferente. O que é, Ele o recebeu dele, de quem não se separa por nenhuma eventual dessemelhança de natureza, já que, pela natividade, tem em si o Pai, em virtude da natureza.

 

Capítulo 17.

54.  Estas verdades nós as citamos porque os hereges, mentindo, afirmavam que o Pai e o Filho são Um apenas pela unidade da vontade, e usavam o exemplo de nossa unidade com Deus para dizer que estamos unidos ao Filho e, pelo Filho, ao Pai, somente pela obediência e a vontade de honrá-los, não tendo recebido nenhuma participação própria e por natureza, pelo sacramento da carne e do sangue, quando, na verdade, pela honra do Filho que nos foi dado e pelo Filho que permanece em nós pela carne e no qual estamos inseparavelmente unidos corporalmente, deve ser anunciado o mistério da unidade verdadeira e natural.

 

Capítulo 18.

55.  Nossa resposta à estultice destes insensatos apenas demonstra como é vazia sua argumentação mentirosa, para que os incautos não se enganem com o erro de suas vãs e ridículas afirmações.

56.  A fé evangélica não precisa de nossa resposta. Foi em nosso favor que o Senhor rogou a Deus pela nossa unidade.

57.  Quanto à sua, Ele a possui e nela permanece. Não são Um em razão do mistério da economia, mas como consequência do nascimento segundo a natureza, já que Deus em nada diminui ao gerar o Filho que dele procede.

58.  São Um porque aquilo que não é arrebatado da mão do Pai não é arrebatado de sua mão (cf. Jo 10,28), porque, quando Ele é conhecido, o Pai é conhecido; quando Ele é visto, o Pai é visto; quando Ele fala, fala o Pai; porque o que Ele diz, o Pai, que permanece nele, o diz; porque, quando Ele opera, o Pai opera, porque Ele está no Pai, e o Pai está nele.

59.   Isto não o faz a criação, mas a natividade, não a vontade, mas o poder; não a unanimidade de vontades, mas a natureza, porque não é o mesmo ser criado e ser nascido do Pai, querer não é igual a poder, concordar não é permanecer.

 

O que você destaca no Texto?

Como ele serve para sua espiritualidade?

O que você destaca na fala do seu irmão/ã?

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário