Divisão do Tratado
O Tratado está dividido em 12
livros.
O livro I começa autobiografia. Refere-se às heresias e
apresenta um plano geral do trabalho.
O livro II é um resumo da doutrina da Trindade.
O livro III trata do mistério da distinção e unidade do Pai
e do Filho.
No livro IV o autor apresenta a carta de Ário a Alexandre de
Alexandria e demonstra a divindade de Filho a partir de citações tiradas do
Antigo Testamento.
O livro V também cita o Antigo Testamento para demonstrar a
divindade do Filho, que não é um outro Deus ao lado do Pai.
O livro VI refere-se novamente à carta de Ário e argumenta a
partir do Novo Testamento.
O livro VII demonstra, também a partir do testemunho da
Escritura, que o Pai e o Filho são um só Deus porque têm a mesma natureza.
O livro VIII trata da unidade do Pai e do Filho. O Espírito
Santo é demonstração e manifestação desta unidade.
Capítulo
6.
1. Aquele
que ignora Deus, ignora toda a sabedoria. Visto que a Sabedoria é Cristo, forçoso
é que aquele que ignora Cristo ou o odeia esteja afastado da sabedoria, como estes,
que querem que o Senhor da majestade e Rei dos séculos, o Deus Unigênito, seja criatura,
e não Filho de Deus.
2. Mentem
estultamente e pensam de modo ainda mais estulto quando defendem suas mentiras.
3. Vamos
adiar um pouco a questão da unidade própria de Deus Pai e Deus Filho, porque
devemos refutar os argumentos dos hereges usando as mesmas passagens utilizadas
por eles.
Capítulo
7.
4. Pergunto
se aqueles que tinham uma só alma, um só coração, eram um pela fé em Deus.
Certamente pela fé. Por ela, todos tinham uma só alma e um só coração.
5. Pergunto
se há uma só fé ou se também há outra. Certamente há uma só, como o mesmo Apóstolo
nos assegura, ao proclamar que há uma só fé, assim como há um só Senhor, um
só batismo, uma só esperança e um só Deus (Ef 4,4-6).
6. Se
todos eram um pela fé, isto é, mediante a natureza de uma só fé, como não
entender que há unidade de natureza naqueles que são um pela natureza de uma só
fé?
7. Todos
tinham renascido para a inocência, a imortalidade, o conhecimento de Deus e a
esperança da fé. Estas coisas não podem ser diversas entre si porque a
esperança é uma, e Deus é Um, como o Senhor é Um e um é o batismo de
regeneração.
8. Se são
um pelo consenso das vontades, e não pela natureza, deves atribuir também aos
que renasceram uma unidade de vontades.
9. Porém se
renasceram para a natureza de uma única vida e de uma única eternidade e por
isso seu coração e sua alma são uma só coisa, fica excluída neles a unidade
baseada no consenso, porque são um na regeneração da mesma natureza.
Capítulo
8.
10. Não
falamos por nós mesmos e não queremos inventar nada para iludir os que nos ouvem,
modificando o sentido do que foi dito. Pretendemos manter a doutrina salvífica na
sua integridade, pensando e proclamando a verdade.
11. O
Apóstolo ensina, ao escrever aos Gálatas, que a unidade dos fiéis tem origem
nos sacramentos: Todos vós que fostes batizados em Cristo, vos vestistes de
Cristo. Não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem nem
mulher, pois todos vós sois um em Cristo Jesus (Gl 3,27-28).
12. Se são
um só, em tal diversidade de condições, com tantas diferenças de nacionalidade
e de sexo, acaso isso se dará por causa da concórdia das vontades, ou pela unidade
do sacramento, já que o batismo é um só e todos se revestiram de Cristo, que é um
só?
13. Que
tem isto a ver com a concórdia de ânimos, se são um porque se revestiram de
Cristo pela natureza de um só batismo?
Capítulo
9.
14. Aquele
que planta e aquele que rega são um (1Cor 3,8). Acaso não serão uma
só coisa porque, tendo renascido de um só batismo, dão um único testemunho do
batismo da regeneração? Acaso não fazem o mesmo e não são uma só coisa? Os que
são um pela mesma realidade são um pela natureza e não apenas pela vontade,
pois se tornaram a mesma coisa e são servidores da mesma realidade e do mesmo
poder.
Capítulo
10.
15. As
contradições dos insensatos servem para mostrar sua insensatez, pois o que tramam
contra a verdade, usando os artifícios de uma inteligência maligna e insensata,
acaba sendo reconhecido como infundado, porque é contrário à verdade, que é
sempre uma e a mesma.
16. Os
hereges se esforçam por enganar, para que não se acredite na unidade da
natureza, por causa das palavras: Eu e o Pai somos Um, e dizem tratar-se
apenas da união de vontades e do mútuo amor, dando como exemplo as palavras do Senhor:
Para que todos sejam um como tu, Pai, estás em mim e eu em ti, para que eles
também estejam em nós.
17. Acha-se
excluído das promessas evangélicas aquele que não crê nelas, e a culpa da ímpia
compreensão delas fez perder-se a esperança simples.
18. A ignorância
do que se acredita, mais que a necessidade de perdão, traz consigo um prêmio,
pois a maior recompensa da fé é esperar o que se desconhece, e a maior loucura da
impiedade consiste em não crer no que se entendeu ou mudar o sentido do que se acredita.
Capítulo
11.
19. Embora
a heresia mude o sentido do que entende, é impossível que não apareça o verdadeiro
significado das palavras. O Senhor roga ao Pai para que os que hão de crer nele
sejam um e que, como Ele está no Pai e o Pai está nele, todos sejam um neles.
20. Por que,
então, falas de coincidência de ânimos e de unidade de almas e corações pelo acordo
das vontades? Havia muitas palavras de significado preciso que o Senhor poderia
ter usado, se quisesse dar a entender que se referia à unidade de vontades, e
poderia ter formulado seu pedido desta maneira: Pai, que assim como nós
queremos uma só coisa, eles também queiram uma só coisa, para que todos sejamos
um pela concórdia.
21. Ou acaso
o que é a Palavra ignora o significado das palavras, o que é a Verdade não sabe
dizer coisas verdadeiras, o que é a Sabedoria se perdeu em palavras insensatas
e o que é a Força se viu em tal estado de fraqueza que não conseguiu dizer o
que queria que fosse entendido?
22. Ele
falou abertamente dos mistérios verdadeiros da fé evangélica, e não só falou
para ser entendido, mas ensinou para ser crido, quando disse: a fim de que
todos sejam um, como Tu, Pai, estás em mim e eu em ti; que eles também estejam
em nós (Jo 17,31).
23. Há, em
primeiro lugar, uma oração por aqueles de quem se diz que todos sejam um;
mostra-se depois o efeito da unidade, mostrando-se o seu modelo: como tu,
Pai, estás em mim e eu em ti; que eles também estejam em nós; para que,
como o Pai está no Filho e o Filho no Pai, todos sejam um, segundo a imagem da
unidade do Pai e do Filho.
Capítulo
12.
24. Somente
ao Pai e ao Filho é próprio ser Um, por natureza, porque Aquele que é Deus que
procede de Deus e Unigênito que procede do Inascível só pode existir na natureza
de sua origem.
25. O que
é gerado existe na substância de sua natividade e o que nasceu não tem outra
divindade diferente da verdade da qual procede.
26. O
Senhor não nos deixou nada de ambíguo para a fé e ensinou, no discurso
seguinte, a natureza desta absoluta unidade: Para que o mundo creia que Tu
me enviaste (Jo 17,21).
27. Portanto,
para que o mundo acredite ser o Filho enviado pelo Pai, é preciso que todos os
que crêem nele sejam um no Pai e no Filho. E logo nos ensina como serão: E
eu lhes darei a glória que me deste.
28. Agora
indago: será esta glória a mesma coisa que a vontade; se a vontade é um
movimento da mente, enquanto a glória é a beleza e a dignidade da natureza?
29. O
Filho deu a todos que haveriam de crer nele a glória recebida do Pai, não a
vontade, porque se esta fosse dada, a fé não teria um prêmio já que a
necessidade que aprisiona a vontade nos obrigaria a ter fé.
30. A
seguir, Ele mostrou para que nos serviria o dom da glória: Para que sejam
um, assim como nós somos Um. Para isso foi dada e recebida a glória, para
que todos sejam um. Por conseguinte, todos são um na glória, porque não foi
dada outra glória senão a que foi recebida, e foi esta a razão apresentada para
que todos fossem um.
31. Se
todos são um, pela glória dada ao Filho e concedida por Ele aos fiéis,
pergunto: como pode ter o Filho uma glória diferente da do Pai, se é a glória
do Filho que une todos os crentes na unidade da glória do Pai?
32. Será
talvez ousada esta palavra, mas não será infiel para a esperança humana,
porque, embora esperar seja temerário, não crer será irreligioso, pois o Autor,
não só da esperança, mas da fé, é o mesmo e o único para nós.
33. Disto
trataremos em seu devido lugar, de modo mais completo e extenso, como convém. Por
enquanto, este discurso mostra não ser vã nem temerária nossa esperança,
porque, pela glória recebida e dada, todos são um. Mantenho a fé e aceito a
causa da unidade, mas ainda não entendo de que modo a glória dada realiza a
unidade de todos.
Capítulo
13.
34. O
Senhor não deixa nada incerto para o conhecimento dos fiéis; Ele próprio
ensinou o efeito que causará sua natureza, dizendo: Que sejam Um, como nós
somos Um, Eu neles, e Tu em mim; para que sejam perfeitos na unidade (Jo
17,22-23).
35. Pergunto
aos que situam na vontade a unidade, se é pela verdade da natureza que hoje
Cristo está em nós, ou se é pela concórdia da vontade.
36. Se o
Verbo verdadeiramente se fez carne e se nós recebemos verdadeiramente o Verbo
feito carne, no Pão do Senhor, como não se deve julgar que, por sua natureza,
permanece em nós Aquele que, tendo nascido Homem, assumiu inseparavelmente a
natureza de nossa carne e uniu a natureza de sua carne à natureza da eternidade
no sacramento em que nos comunica sua carne?
37. Todos somos
um porque o Pai está em Cristo e Cristo está em nós. Portanto, todo aquele que negar
que o Pai, por sua natureza, está no Filho, negue, antes, estar ele mesmo em Cristo,
ou negue que Cristo esteja nele por sua natureza; porque o Pai que está em
Cristo e Cristo que está em nós nos fazem ser um neles.
38. Se
Cristo assumiu verdadeiramente a carne de nosso corpo e se o Homem que nasceu
de Maria, é verdadeiramente Cristo, e se nós, no sacramento, recebemos
verdadeiramente a carne de seu corpo (e por isso seremos um, porque o Pai está
nele e Ele, em nós), como se afirmará a unidade de vontades se, pelo
sacramento, a própria natureza é o sacramento da perfeita unidade?
Capítulo
14.
39. Não
compete ao senso humano ou profano falar das coisas de Deus, e a perversidade de
uma compreensão ímpia não pode ser corrigida pela pregação violenta e
imprudente das sentenças celestes.
40. Leiamos
o que está escrito e entendamos o que lemos; cumpriremos então o dever de
professar a perfeita fé.
41. Sobre
a realidade de Cristo em nós pela natureza, falaremos de modo estulto e ímpio,
se não tivermos aprendido dele o que devemos dizer, pois Ele diz: Minha
carne é verdadeiro alimento, e meu sangue, verdadeira bebida. Quem come a minha
carne e bebe o meu sangue, permanece em mim, e eu nele (Jo 6,56-57).
42. Não há
lugar para duvidar da realidade da carne e do sangue, porque, conforme a
declaração do próprio Senhor e segundo nossa fé, trata-se, verdadeiramente, da
carne e do sangue.
43. Quando
comemos e bebemos, produz-se em nós o efeito de estarmos em Cristo e de Cristo
estar em nós. Acaso isso não é verdade? Certamente não hão de tê-lo por
verdadeiro os que negam que Jesus Cristo seja verdadeiro Deus, pois Ele está em
nós por sua carne e nós estamos nele enquanto o que nós somos está com Ele em
Deus.
Capítulo
15.
44. Ele
mesmo atesta que, pelo sacramento da comunhão de sua carne e sangue, estamos
nele: Ainda um pouco e o mundo já não me verá; vós, porém, me vereis, porque
eu vivo e vós vivereis; porque eu estou no Pai, e vós em mim, e eu em vós (Jo
14,19-20).
45. Se
queria que entendêssemos tratar-se somente de uma unidade de vontades, por que
exporia então, por certa graduação e ordem a realização da unidade? Certamente quis
que acreditássemos estar Ele no Pai, pela natureza divina, e nós nele, por sua natividade
corporal, enquanto Ele está em nós pelo mistério dos sacramentos, para que assim
se ensinasse a perfeita unidade realizada pelo Mediador, visto que nós permanecemos
nele e Ele permanece no Pai e permanece em nós, permanecendo no Pai.
46. Assim
chegaremos à unidade com o Pai, porque estamos, por natureza, naquele que, por natureza,
está no Pai e que, por natureza, permanece em nós.
Capítulo
16.
47. Ele
próprio atestou ser natural em nós esta unidade, pois disse: Quem come a
minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim, e eu nele (Jo 6,57).
48. Só
estará nele aquele em quem Ele estiver. Quem receber sua carne terá a sua carne
assumida por Ele como sua.
49. Já ensinara
antes o mistério da perfeita unidade dizendo: Assim como o Pai que vive me
enviou, e eu vivo pelo Pai, também quem comer a minha carne viverá por mim (Jo
6,58).
50. Assim
como Ele vive pelo Pai, nós vivemos por sua carne. A comparação é apresentada
para permitir a compreensão a partir do exemplo proposto.
51. A
causa de nossa vida está em possuirmos, nós carnais, a Cristo, que permanece em
nós pela carne e vivermos, por Ele, na condição em que Ele vive pelo Pai.
52. Se por
natureza vivemos por Ele segundo a carne, isto é, se recebemos a natureza de
sua carne, como não terá, por natureza, segundo o Espírito, o Pai, quando vive
pelo Pai?
53. Vive
pelo Pai, porque a natividade não lhe trouxe uma natureza alheia e diferente. O
que é, Ele o recebeu dele, de quem não se separa por nenhuma eventual
dessemelhança de natureza, já que, pela natividade, tem em si o Pai, em virtude
da natureza.
Capítulo
17.
54. Estas
verdades nós as citamos porque os hereges, mentindo, afirmavam que o Pai e o
Filho são Um apenas pela unidade da vontade, e usavam o exemplo de nossa
unidade com Deus para dizer que estamos unidos ao Filho e, pelo Filho, ao Pai,
somente pela obediência e a vontade de honrá-los, não tendo recebido nenhuma
participação própria e por natureza, pelo sacramento da carne e do sangue, quando,
na verdade, pela honra do Filho que nos foi dado e pelo Filho que permanece em
nós pela carne e no qual estamos inseparavelmente unidos corporalmente, deve
ser anunciado o mistério da unidade verdadeira e natural.
Capítulo
18.
55. Nossa
resposta à estultice destes insensatos apenas demonstra como é vazia sua argumentação
mentirosa, para que os incautos não se enganem com o erro de suas vãs e ridículas
afirmações.
56. A fé
evangélica não precisa de nossa resposta. Foi em nosso favor que o Senhor rogou
a Deus pela nossa unidade.
57. Quanto
à sua, Ele a possui e nela permanece. Não são Um em razão do mistério da
economia, mas como consequência do nascimento segundo a natureza, já que Deus
em nada diminui ao gerar o Filho que dele procede.
58. São Um
porque aquilo que não é arrebatado da mão do Pai não é arrebatado de sua mão
(cf. Jo 10,28), porque, quando Ele é conhecido, o Pai é conhecido; quando Ele é
visto, o Pai é visto; quando Ele fala, fala o Pai; porque o que Ele diz, o Pai,
que permanece nele, o diz; porque, quando Ele opera, o Pai opera, porque Ele
está no Pai, e o Pai está nele.
59. Isto não o faz a criação, mas a natividade,
não a vontade, mas o poder; não a unanimidade de vontades, mas a natureza,
porque não é o mesmo ser criado e ser nascido do Pai, querer não é igual a
poder, concordar não é permanecer.
O que você destaca no Texto?
Como ele serve para sua espiritualidade?
O que você destaca na fala do seu irmão/ã?
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