segunda-feira, 6 de março de 2023

222 - Hilário de Poitiers (315-368) - O Tratado da Santíssima Trindade - Livro Sétimo (Capítulos 35 - 41)

 



222

Hilário de Poitiers (315-368)

O Tratado da Santíssima Trindade

Livro Sétimo (Capítulos 35 - 41)


 


Divisão do Tratado

O Tratado está dividido em 12 livros.

O livro I começa autobiografia. Refere-se às heresias e apresenta um plano geral do trabalho.

O livro II é um resumo da doutrina da Trindade.

O livro III trata do mistério da distinção e unidade do Pai e do Filho.

No livro IV o autor apresenta a carta de Ário a Alexandre de Alexandria e demonstra a divindade de Filho a partir de citações tiradas do Antigo Testamento.

O livro V também cita o Antigo Testamento para demonstrar a divindade do Filho, que não é um outro Deus ao lado do Pai.

O livro VI refere-se novamente à carta de Ário e argumenta a partir do Novo Testamento.

O livro VII demonstra, também a partir do testemunho da Escritura, que o Pai e o Filho são um só Deus porque têm a mesma natureza.

 

Capítulo 35.

1.     A novidade das palavras abalou o Apóstolo Filipe. Vê-se o Homem, e este confessa ser o Filho de Deus. Afirma que, se for conhecido, também o Pai será conhecido. Diz que o Pai foi visto e deve-se conhecer o Pai, porque Ele já foi visto.

2.     A fraqueza do espírito humano não entende isto, nem a capacidade humana de crer suporta a profissão de tão diversas afirmações: que Aquele que já foi visto agora deve ser conhecido, pois ter visto já é o conhecimento; que, se o Filho é conhecido, também o Pai é conhecido, quando a vista e o tato corporais permitiram o conhecimento do Filho, como Homem, e a natureza humana que eles viram, sendo diferente da do Pai, não se presta ao conhecimento do Pai, pois o próprio Filho havia afirmado freqüentemente que o Pai nunca fora visto por alguém.

3.     Explode a familiaridade e a franqueza do apóstolo: Senhor, mostra-nos o Pai, e isto nos basta. Aqui a fé não hesita, mas o erro vem da ignorância.

4.     O Senhor já dissera que o Pai tinha sido visto e seria conhecido, mas o apóstolo não entendera que o tinha visto. Por isso, não negou o que viu, mas rogou que lhe fosse mostrado. Não desejava que fosse mostrado como uma visão corpórea, mas pedia uma demonstração para entender o que vira. Pois vira o Filho na forma de Homem, mas, não podia entender como vira o Pai deste modo.

5.     Por isso, após ter dito: Senhor, mostra-nos o Pai, para mostrar que esta demonstração se referia mais ao conhecimento do que à visão, acrescentou: e isto nos basta.

6.     Não se exclui a fé no que foi dito, mas é pedida uma demonstração suficiente para crer na palavra, porque pela autoridade da declaração do Senhor não havia incerteza quanto ao crer. Daí nasceu o pedido para mostrar o Pai, porque fora dito que já o tinham visto e que já deviam tê-lo conhecido por tê-lo visto. Não era, portanto, atrevimento pedir que se mostrasse o que já fora visto.

 

Capítulo 36.

7.     Às palavras de Filipe, o Senhor assim responde: Há tanto tempo estou convosco e não me conheces? (Jo 14,9).

8.     Censura o apóstolo por não ter sabido conhecê-lo, porque dissera acima que, sendo Ele conhecido, o Pai também seria conhecido. Mas por que então reprova por não ter sido conhecido durante tanto tempo? Porque, se o tivessem conhecido, a divindade da natureza paterna seria conhecida nele. Aquilo que fazia era próprio de Deus: andar sobre as ondas, ordenar aos ventos, exigir a fé nas ações não compreendidas, transformar o vinho, multiplicar os pães, expulsar demônios, vencer doenças, reconstituir danos nos corpos, corrigir defeitos de nascença, perdoar os pecados, dar nova vida aos mortos; e fazer isto de modo carnal; e, com isso, se declarar Filho de Deus.

9.     Daí nasceu toda a questão: não entendiam que estas coisas eram realizadas pela natureza de Deus no Homem assumido, no mistério do nascimento humano.

 

Capítulo 37.

10. Censurando-os porque, depois de ter feito estas coisas durante tanto tempo, ainda não o conheciam, diz aos que pediam que lhes mostrasse o Pai: Quem me vê, vê também o Pai (Jo 14,9).

11. ]Não quer, aqui, referir-se à contemplação corporal e à visão dos olhos carnais, mas sim àqueles olhos dos quais dissera: Não dizeis que ainda outros quatro meses e chegará a colheita? Eis que vos digo, erguei vossos olhos e contemplai os campos, que já estão brancos para a messe (Jo 4,35).

12. Nem o tempo supõe, nem a indicação dos campos brancos para a messe permite que se entenda aqui o olhar terreno e corpóreo.

13. É para a felicidade de contemplar os perfeitos frutos que manda erguer os olhos da mente. Do mesmo modo diz agora: Quem me vê, vê também o Pai. Não é aquilo que é carnal, pelo parto da Virgem, que pode dar a contemplar nele a forma e imagem de Deus, nem aspecto de Homem que assumiu é exemplo, para se ver a natureza incorpórea de Deus. Deus é conhecido nele, se Ele mesmo é conhecido por alguns, pelo poder da natureza.

14. Reconhecer o Filho de Deus permite que também o Pai seja conhecido, pois a imagem é tal que não difere pelo gênero, mas indica a sua origem.

15. As outras imagens feitas de diversos metais, as pinturas e demais obras de arte reproduzem as formas daquilo que representam, mas poderão, acaso, pelo fato de serem imagens, as coisas inanimadas, igualar-se às coisas vivas?

16. As obras de arte, pintadas, esculpidas ou fundidas, poderão igualar-se ao que é natural? O Filho não é a imagem do Pai como estas imagens são imagens de outras coisas, porque é a imagem viva do Vivente e, nascido dele, não tem absolutamente diferença alguma de natureza em relação Àquele de quem não difere pelo poder.

17. Portanto, por ser imagem, o nascimento do Deus Unigênito mostra Deus Pai. Ele mesmo é imagem do Deus invisível (Cl 1,15), por isso, não perde a semelhança da natureza, visto que não é destituído do poder da natureza.

 

Capítulo 38.

18. Daí a pergunta: Há tanto tempo estou convosco, e não me conheces? Filipe, quem me vê, vê também o Pai. Como dizes tu: “Mostra-nos o Pai”? Não crês em mim, que eu estou no Pai e o Pai em mim?

19. Para falar sobre as coisas de Deus, não resta ao homem senão a Palavra de Deus. Tudo mais é tacanho, fechado, embaraçado e obscuro.

20. Se alguém quiser demonstrá-lo com outras palavras, a não ser por aquilo que já foi dito por Deus, ou não entenderá ele mesmo, ou deixará os que lerem sem entender.

21. O Senhor disse, ao lhe rogarem que mostrasse o Pai: Quem me vê, vê também o Pai. Mudar isso pertence ao anticristo; negá-lo, aos judeus; ignorá-lo, aos gentios.

22. Talvez haja erro na inteligência e vício na nossa fé, se nas palavras de Deus permanece a obscuridade. Pois estas palavras não significam que Deus seja solitário, mas ensinam a professar a natureza não diferenciada.

23. Que no Filho seja visto também o Pai significa que Deus não é solitário e que o Filho não é diferente, porque o Pai é visto por meio dele.

24. E não deixam de ser Um na confissão do mistério e não são também uma só pessoa. Pergunto o que pensamos que o Senhor quis dizer com as palavras: Quem me vê, vê também o Pai. Não há unicidade de pessoa onde, pela conjunção, se entende que se acrescenta o nome do Pai como algo de diferente. Pois, ao dizer: também o Pai, fica excluída toda idéia de singular e de único. E o que resta, a não ser que, pela semelhança da natureza comum, o Pai seja visto por meio do Filho?

25. Para que isso não nos deixe incertos quanto à fé, o Senhor acrescenta: Como dizes tu: “Mostra-nos o Pai”? Que possibilidade havia de ignorar o Pai? Que necessidade haveria de mostrar o Pai aos ignorantes, se o Pai era visto no Filho?

 

Capítulo 39.

26. É visto pela natureza que é própria ao Pai e ao Filho, porque, dada a não-diferença da natureza e a realidade de seu modo de ser, o que nasceu e o que gerou são Um, de modo que, a seguir, vem esta palavra do Senhor: Não credes que eu estou no Pai, e o Pai em mim?

27. Que o Pai e o Filho sejam inseparáveis, pela semelhança de sua natureza, não podemos afirmar com outras palavras, a não ser as do Filho.

28. O Filho, que é o Caminho, a Verdade e a Vida, não representa comédias como as do teatro, mudando de nome e de aparência, de tal modo que, ao assumir a natureza do homem, fosse chamado Filho de Deus, mas pela natureza fosse Deus Pai, e sendo Um só, fingisse ser outro, pela mudança de personagem. Não é, de modo algum, o mesmo solitário, que ora se apresenta como Filho, ora confessa ser o Pai, usando o nome da natureza, sem que haja natureza.

29. É outra aqui a clareza das palavras. O Pai é o Pai, o Filho é o Filho, e nestes  nomes e realidades não existe nada de estranho, nada de novo, nada de diferente. A verdade da natureza mantém as suas propriedades, de modo que Aquele que nasceu de Deus seja Deus, e não haja na natividade diminuição nem diversidade, já que o Filho não subsiste em natureza estranha e diferente da natureza de Deus Pai.

30. O Pai não adquire algo que lhe seja alheio pela natividade do Unigênito. Antes, tudo o que é seu, Ele o concede, sem diminuição para si mesmo, ao doá-lo. O Filho não deixa de ter a natureza de Deus, porque, sendo Deus, não procede de nenhum outro princípio, mas procede de Deus e não é diferente de Deus, pois não é outro senão Deus.

31. O que nasceu de Deus subsiste no Filho e, pela natividade de Deus, a natureza de Deus não é privada de sua divindade pela qual é Deus. O Pai está no Filho, e o Filho no Pai. Deus está em Deus, não pela conjunção de dois gêneros diversos que se unem pela inserção de uma natureza exterior em uma substância mais forte, porque, pela lei dos corpos, o interior não pode se tornar exterior àquilo que o contém, mas sim pela natividade de um vivente, vindo de uma natureza que vive.

32. Pois a essência não é diferente, a natividade não faz degenerar a natureza de Deus, o que nasce é Deus de Deus para ser Deus e não é algo diverso. Nada há de novo, nada de alheio, nada de separável.

33. Crer no Pai e no Filho como dois deuses é ímpio, pregar o Pai e o Filho como um Deus solitário é sacrilégio, negar a unidade pela semelhança da essência do Deus nascido de Deus é blasfêmia.

 

Capítulo 40.

34. Para que a fé evangélica não recebesse como dúbio e ambíguo este mistério, o Senhor manteve esta ordem de sua doutrina: Não credes que eu estou no Pai e o Pai em  mim? As palavras que vos digo, não vos digo por mim mesmo, mas o Pai, que permanece em mim, realiza suas obras (Jo 14,10).

35. Com que outras palavras, pergunto, se pôde e se pode demostrar que o Pai e o Filho têm a mesma natureza, senão com estas, que tão claramente indicam a natividade?

36. Ao dizer: As palavras que vos digo, não vos digo por mim mesmo, não excluiu a pessoa, nem negou a filiação, nem escondeu ter em si a natureza do poder do Pai.

37. Quando Ele mesmo fala, fala permanecendo na sua substância, mas, quando não fala por si mesmo, atesta que é o Filho de Deus, nascido de Deus Pai.

38. É inseparável do Pai, idêntico a Ele, pela unidade de natureza, porque, embora fale por Ele, é Ele próprio que fala. Quem não fala por si mesmo e, no entanto fala, não pode não existir, visto que fala. Enquanto não fala por si, mostra não ser somente dele aquilo que fala, pois acrescenta: o Pai, que permanece em mim, realiza as suas obras.

39. Permanecer o Pai no Filho não é próprio de um singular nem de um único. Operar o Pai pelo Filho indica que não se trata de um diferente ou exterior. Assim como não é próprio de um só não dizer por si mesmo o que diz, também o que é alheio e separável não pode falar mediante o que fala, mas tudo isto é o mistério dos que são um.

40. Não são distintos um do outro, os que, pela natureza que lhes é própria, habitam um no outro. Nisto consiste a unidade: o que fala não fala por si, e o que fala por si não deixa de falar. E porque ensinara que o Pai nele não só fala, mas realiza suas obras, confirmou a fé nesta unidade perfeita, ao dizer: Mas o Pai, que permanece em mim, realiza as suas obras. Crede em mim: eu estou no Pai, e o Pai está em mim. Crede, ao menos, por causa destas obras (Jo 14,10-12).

41. O Pai opera no Filho, mas o Filho realiza a obra do Pai.

 

Capítulo 41.

42. Para que não se creia que o Pai fala e opera no Filho pelo seu poder e não pela natureza que o Filho possui por nascimento, assim diz: Crede em mim: eu estou no Pai, e o Pai está em mim. Que quer dizer isto: Crede em mim? Certamente se refere ao que foi dito: Mostra-nos o Pai.

43. A mesma fé que pedira que lhes mostrasse o Pai é confirmada pelo preceito de crer. Pois não bastava ter dito: Quem me vê, vê também o Pai, a menos que a nossa inteligência pudesse ser levada até o ponto de conhecermos o Pai no Filho e de nos lembrarmos de que o Filho está no Pai, de tal modo que não julgássemos haver uma transfusão de um no outro, em vez de, pela geração e natividade, a unidade da mesma natureza nos dois.

44. O Senhor quer que se creia nele, para que não aconteça talvez que, pelo mistério da assunção da humanidade pelo Filho, a consciência da fé corra perigo.

45. Se a carne, o corpo e a paixão produzem dúvida, ao menos pelas obras se creia que Deus está em Deus, que Deus nasceu de Deus e que são Um, visto que, pelo poder da natureza, cada um subsiste em si e não há um sem o outro. No Filho, o Pai nada perde do que é seu, e o Filho recebe do Pai tudo aquilo que o faz ser Filho.

46. Não pertence à natureza dos corpos esta condição: que estejam um no outro, que tenham perfeita unidade da natureza em sua subsistência pessoal e que o Filho Unigênito permaneça no ser, inseparável da verdadeira divindade paterna. Isto é próprio somente do Deus Unigênito, esta é a fé no mistério da verdadeira natividade, isto é obra do poder espiritual: não ser em nada diferentes, ser e estar no outro, porém não estar no outro, como uma coisa em outra diferente, como um corpo em outro corpo, mas sim ser e ter subsistência pessoal, de tal maneira que se esteja naquele que também subsiste pessoalmente, porém estar nele, de tal modo que o mesmo que está também subsista como pessoa.

47.   Subsistindo ambos, um não subsiste sem o outro, já que, pela geração e natividade, não é diferente a natureza de um e de outro. Isto é o que significa Eu e o Pai somos Um; Quem me vê, vê também o Pai, e: Eu estou no Pai e o Pai está em mim. O Filho não é diferente nem inferior, porque a natureza de uma única divindade no Pai e no Filho realiza o mistério do nascimento, pois o Filho de Deus não é senão Deus.

48.   Por isso a geração do Unigênito não supõe dois deuses, porque o Filho de Deus, nascendo como Deus, mostra ter em si a natureza do Deus que o gera.

 

O que você destaca neste texto?

Como ele serve para sua espiritualidade?

Como este estudo tem feito bem para sua vida?

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