segunda-feira, 30 de março de 2020

128 - São Cipriano de Cartago (210-258) A Oração do Senhor (1-4)

Ministração do Estudo 128



O que significam os gestos de mão nos ícones cristãos?

128
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Cipriano de Cartago (210-258)
A Oração do Senhor (1-4)



1. A verdadeira oração
Os preceitos evangélicos, caríssimos irmãos, não são outra coisa senão ensinamentos divinos, bases para a edificação da esperança, fundamentos para fortalecimento da fé, nutrimento para animar os corações, guia para indicar o caminho, amparo para obter a salvação.
Por eles, as almas dóceis dos fiéis são instruídas na terra e, enfim, conduzidas ao Reino Celeste.
Deus quis que, por meio dos seus servos, os profetas, muitas coisas fossem ditas e ouvidas. São, porém, incomparavelmente maiores as que nos diz o próprio Filho.
É o Verbo de Deus, que estivera nos profetas, que fala agora com sua própria voz. Não se trata mais de mandar que se prepare o caminho para o que há de vir, mas é ele próprio que vem, abrindo e mostrando o caminho, a fim de que nós que errávamos cegos e hesitantes nas trevas da morte tomássemos o caminho da vida, iluminados pela luz da graça, guiados e conduzidos pelo Senhor.
Entre outros salutares ensinamentos e preceitos com que o Senhor encaminhou o seu povo para a salvação, deu-nos também a forma de orar; aconselhou e ensinou Ele próprio o que devemos rogar.
Aquele que nos fez viver ensinou-nos também a orar e, com essa mesma benignidade, dignou-se dar-nos e conferir-nos outros bens, para que, dirigindo-nos ao Pai com a súplica e oração ensinada pelo Filho, mais facilmente sejamos ouvidos.
Já anunciara que viria a hora em que os verdadeiros adoradores adorariam em espírito e verdade, e cumpriu o que antes prometera.
Assim, os que recebemos pela sua santificação o Espírito e a Verdade, oremos também, a partir do que nos legou, em espírito e verdade. E que oração poderá ser mais espiritual que esta, que nos foi dada pelo Cristo, por quem o Espírito Santo nos foi enviado? Que prece poderá ser mais verdadeira diante do Pai que esta, recebida da boca do Filho, que é a própria Verdade?
Portanto, orar de maneira diversa da que nos ensinou não é somente ignorância, mas culpa, pois ele mesmo preceituou, dizendo: “Desprezais o mandamento de Deus, para estabelecer a vossa tradição”.
Oremos, pois, irmãos caríssimos, como Deus, qual Mestre, nos ensinou. Fazer oração agradável e familiar é rogar a Deus com o que é seu, é elevar aos seus ouvidos a oração do Cristo.
Que o Pai reconheça a palavra do seu Filho quando oramos; que esteja em nossa palavra o que habita dentro de nós. E, uma vez que é ele o advogado diante do Pai pelos nossos pecados, peçamos com as palavras do advogado, quando pedimos, como pecadores, pelas nossas faltas.
Pois se ele disse que obteremos tudo que pedirmos ao Pai em seu nome, com eficácia muito maior conseguiremos o que pedimos em nome do Cristo, se o fizermos com a sua oração.

2. Atitude na oração
Sejam, porém, disciplinadas – com tranquilidade e modéstia – a palavra e a prece dos que oram.
Consideremos que estamos diante de Deus. Devem ser agradáveis aos olhos divinos tanto a atitude do corpo como a maneira de falar.
Pois, assim como é próprio do insolente estrondear com clamores, convém ao modesto orar com preces discretas.
Finalmente, mandou-nos o Senhor, nos seus ensinamentos, que orássemos secretamente, em lugares afastados e escondidos, mesmo nos quartos; assim é mais conveniente para a nossa fé, pois lembra-nos que Deus está presente em toda parte, que Ele vê e ouve a todos e que penetra mesmo o distante e o oculto, com a plenitude de sua majestade, conforme está escrito: “Acaso sou um Deus que está próximo, e não um Deus afastado? Se, por acaso, o homem estiver metido em esconderijos, eu não o verei? Não é verdade que eu encho o céu e a terra?”.
E de novo: “Em toda parte os olhos de Deus observam os bons e os maus”.
Também quando nos reunimos em comunhão com os irmãos e celebramos com o sacerdote de Deus o sacrifício divino, devemos nos lembrar da dignidade e da disciplina; não espalhar desordenadamente as nossas preces com vozes confusas, nem lançar tumultuosamente e com loquacidade o pedido que deve ser entregue a Deus modestamente.
Pois Deus ouve o coração, e não a voz. E o Senhor nos mostra que não se deve importunar com clamores, ele que vê os pensamentos, conforme prova quando diz: “Porque pensais o mal nos vossos corações”; e, noutro lugar: “Em todas as igrejas saberão que eu penetro o coração e as entranhas”.
Ana, figura da Igreja no Primeiro Livro dos Reis, guarda e cumpre essas palavras. Ela não pedia clamorosamente, mas, calada e modesta, no segredo do seu coração.
Falava com prece oculta, mas com fé manifesta. Falava não com a voz, mas com o coração, pois sabia bem que desse modo seria ouvida por Deus. E obteve, com efeito, o que pedira, porque o fizera com fé.
Declara-o a Escritura divina, dizendo: “Falava no seu coração, seus lábios moviam-se, mas não se ouvia voz, ouviu-a, contudo, o Senhor”.
Igualmente lemos nos Salmos: “Dizei nos vossos corações e estai compungidos nos vossos aposentos”. Também por Jeremias o Espírito Santo sugere e ensina a mesma coisa: “Tu, Deus, deves ser adorado interiormente”.
Quem adora, irmãos caríssimos, deve atentar também para a forma em que o fez o publicano no templo, ao lado do fariseu. Não [foi] com os olhos arrogantemente levantados para o céu, nem com as mãos insolentemente erguidas, mas batendo no peito e confessando os pecados ocultos que o publicano implorava a misericórdia divina.
Enquanto o fariseu, ao seu lado, se comprazia consigo mesmo, assim orou o publicano: sem colocar a esperança de salvação na presunção de inocência, pois inocente ninguém é, mas, tendo confessado os pecados, rogou humildemente e mereceu dessa maneira ser mais santificado. Ouviu a sua oração aquele que perdoa aos humildes.
O Senhor apresenta esse fato no seu Evangelho quando diz: “Dois homens subiram ao templo para orar, um fariseu, outro publicano.
O fariseu, em pé, orava consigo mesmo: ‘Eu te dou graças, meu Deus, porque não sou como o resto dos homens, injustos, ladrões, adúlteros, nem como este publicano. Eu jejuo duas vezes por semana e pago dízimo de tudo que possuo’.
O publicano, porém, em pé, ao longe, não ousava erguer os olhos para o céu, mas batia no peito dizendo: ‘Deus, sede misericordioso para mim pecador’. Digo-vos: este voltou para casa mais justificado que aquele fariseu, porque todo o que se exalta será humilhado e todo o que se humilha será exaltado”.

3. A oração do Senhor
Nós, irmãos caríssimos, que aprendemos [essas coisas] na lição divina, tendo sabido como nos devemos aproximar da oração, saibamos [também], pelo ensinamento do Senhor, o que [devemos] orar: “Assim”, diz ele, “orai: Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome, venha o teu Reino, seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu. O pão nosso de cada dia dá-nos hoje, perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores, e não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal”.

4. A oração em comum
Antes de tudo, o Doutor da paz e o Mestre da unidade não quis que a oração fosse feita em particular e privadamente, a fim de que, ao orar, ninguém o fizesse apenas para si.
Com efeito, não dizemos: “Pai meu que estás nos céus”, nem “o pão meu dá-me hoje”, nem se pede, cada um para si apenas, o perdão de sua dívida, que não venha a cair em tentação ou que seja livre do mal.
A nossa oração é pública e comum. Ao orarmos, não o fazemos para um apenas, mas para todo o povo, porque todo o povo somos um.
O Deus da paz e o Mestre da concórdia, que ensinou a unidade, quis que fosse assim, que um orasse por todos, como ele próprio, sendo um, carregara a todos.
Cumpriram esta lei da oração os três jovens na fornalha, unindo-se na oração e na concórdia do mesmo espírito. Declara-o a fé da divina escritura, indicando como estes oraram, e com isso nos dá o exemplo que devemos seguir ao orar, para que sejamos iguais a eles.
“Então”, diz a Escritura, “aqueles três, como uma só boca, cantavam um hino, bendizendo o Senhor”.
Oravam com uma só boca e o Cristo ainda não os ensinara a orar. Por isso, tendo sido bem acolhida pelo Senhor a oração pacífica, simples e espiritual, foi proveitosa e eficaz a palavra dos que oravam.
Igualmente assim encontramos os apóstolos e os discípulos do Senhor que oravam depois de sua ascensão. “Todos eles”, diz [a Escritura], “perseveravam unânimes na oração, em companhia das mulheres, de Maria, mãe de Jesus e dos irmãos dele”.
Perseveravam unânimes na oração, mostrando a um tempo assiduidade e concórdia. E
Deus, que “faz habitar unânimes na casa”, não admite na sua divina e eterna mansão senão aqueles cuja oração é unânime.

O que você deseja destacar no texto?
O que ele serve para sua espiritualidade?
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João Clímaco - Biografias inspiradoras



30 de Março - Dia da Morte de João Clímaco. João Clímaco tem este nome por causa de sua obra “A Escada do Paraíso”. A palavra escada no grego é Clímax. Nasceu na Palestina em 579, dentro de uma família cristã que lhe passou para ele muitos valores, possibilitando a ele uma ótima formação literária. Clímaco desde cedo foi discernindo sua vocação à vida religiosa. Diante do testemunho de muitos cristãos que optavam por ir ao Monte Sinai, e ali no mosteiro viviam uma radicalidade, ele deixou os bens materiais e com 16 anos, levou os bens espirituais para o Sinai. Ali, com outros irmãos, deixou-se orientar por pessoas com mais experiência, fazendo um caminho pessoal e comunitário de santidade. Fez um perfeito discipulado. Fez o noviciado no atual mosteiro de Santa Catarina aos pés do Sinai e depois conseguiu permissão para se retirar para a montanha do Sinai e lá viveu 20 anos nos estudos. Foi atacado diversas vezes por satanás, vivendo um verdadeiro combate espiritual. João Clímaco buscou corresponder ao chamado de Deus por meio de duras disciplinas espirituais, pouca alimentação, sacrifícios, intercessões e participação nas reuniões de adoração ao Senhor. Com mais de 60 anos, foi convidado a ser Abade do Mosteiro de Santa Catarina no Sinai e escreveu para um mosteiro próximo, junto ao Mar Vermelho, o seu livro “Escada do paraíso”. Onde apresenta 30 degraus que falam da caminhada espiritual até o paraíso. É um livro de disciplinas espirituais. João Clímaco perseverou até o fim da vida, partindo para a glória aos 70 anos de idade. Comemora-se o dia de sua morte sempre em 30 de março. Vale a pena se dedicar ao Senhor! Se possível, leia o livro “A Escada do Paraíso”.

Biografia de Cipriano de Cartago (210-258)

quinta-feira, 26 de março de 2020

127- Biografia de Cipriano de Cartago (210-258)




O martírio de São Cipriano de Cartago - Paróquia Santo Antônio Macaé
127
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Cipriano de Cartago (210-258)
Biografia



I. A Vida de Cipriano 
Táscio Cecílio Cipriano nasceu de uma família pagã, abastada e com membros no governo municipal, provavelmente em Cartago (nas proximidades da atual Túnis, Tunísia), capital da África Proconsular, entre os anos 200 e 210. 
Era um honestior (nobre), talvez pertencente, como mínimo, à ordem dos equites
(cavaleiros). 
Embora seus escritos, sobremaneira as cartas, e as Atas de seu martírio sejam rica e confiável fonte de informações sobre sua vida a partir do episcopado, notícias anteriores a sua conversão são escassas. 
Sabe-se que foi educado em Cartago. Teve sólida formação em latim, grego, direito, retórica. De fato, era mestre de oratória quando, por intermédio do presbítero Ceciliano, chegou à fé cristã. Seu batismo data, provavelmente, de 246, já que no opúsculo Ad Donatum, espécie de autobiografia normalmente datada também de 246, em que Cipriano narra a mudança que o batismo acarretara na sua vida, diz que sua conversão é recente.
Convertido, doa parte de suas propriedades para os pobres e parte põe à disposição da Igreja. Entre 248/249, é ordenado presbítero e, logo após, torna-se bispo da sua cidade natal. O consenso popular, que pedira sua ordenação, pode ter visto nele um patronus, considerando-se sua posição social precedente, seu possível raio de influência e sua generosa doação de bens. Sua ordenação episcopal, porém, não foi consensualmente aceita entre o clero cartaginês. Com efeito, cinco presbíteros locais – ou por considerá-lo neófito ou por serem possíveis ambiciosos da posição que Cipriano estava por assumir – se opuseram, sem sucesso, a sua eleição para a Sé de Cartago. 
A Sé metropolitana de Cartago tinha grande importância. Seu bispo exercia certo primado sobre o episcopado e toda a África latina. A cidade, um dos principais centros do Império Romano e um dos maiores portos do Mediterrâneo, não perdia em nada para as outras duas metrópoles do Império, Roma e Alexandria.
Uma vez bispo, Cipriano se viu a braços com dificuldades e problemas que, sucedendo-se quase ininterruptamente, encheram o seu pontificado. Por ocasião da perseguição de Décio (250), quando foram confiscados os bens que tinha posto a serviço da Igreja, Cipriano achou preferível retirar-se de sua sede antes mesmo que o Edito fosse publicado, o que não foi unanimemente bem aceito. Com efeito, quando a Igreja de Roma noticiava o martírio de Bispo Fabiano, aí já se sabia, e se admirava, que Cipriano estivesse ausente de sua sede. 
Sentindo-se obrigado a dar razão de sua atitude, ele diz que o fizera – sem negligenciar as tarefas de seu posto, mantendo contato frequente com seu povo e seu clero – tendo em vista o bem da sua Igreja, para não aumentar, com a presença de sua personalidade eminente, a violência do conflito.
Quanto à cura das almas sob sua responsabilidade, de fato, a correspondência desse período – bem como uma doação de bens para suprir as necessidades dos perseguidos – evidencia o zelo do pastor para com seu rebanho e seu empenho em manter a ordem e administrar a disciplina de sua comunidade.
A questão disciplinar ocupa não pouco espaço em seu epistolário, particularmente porque, durante a ausência de Cipriano, os presbíteros que se haviam oposto a sua eleição puseram-se a afirmar que ele fugira covardemente, a tomar decisões contrárias às do bispo e a nutrir divisões internas. Cipriano teria voltado a sua sede assim que cessaram as perseguições, mas as referidas divisões impediram que retornasse logo. Seu retorno só foi possível depois da Páscoa de 251.
O fim da perseguição, naquela primavera, porém, não tornou a administração de Cipriano mais fácil, pois deveria voltar a afrontar a questão disciplinar – que surgira um ano antes e dividia sua comunidade – da readmissão dos lapsi, daqueles que, durante a perseguição, tinham apostatado.
Cipriano, sem se situar nos extremos do negar a readmissão e o concedê-la sem mais, propõe medidas ponderadas que servirão de base para concílios posteriores e para a normativa da readmissão de apóstatas.
No ano seguinte, 252, e até 254, uma peste assola o Império e deixa sua região em estado de calamidade material e moral. O flagelo da peste fez as divisões caírem no olvido e dispôs o bispo de Cartago a prestar todo auxílio possível à população cristã e a empenhar-se também em favor dos pagãos da metrópole, da qual ele se torna a alma, com um verdadeiro sistema de beneficência. 
Contudo, quando o imperador Treboniano Galo (251-253), sem ocasionar propriamente uma perseguição, emanou um edito determinando que a população fizesse sacrifícios, provavelmente ao deus Apolo, de quem esperava socorro para a situação, houve quem quisesse que Cipriano fosse jogado aos leões.
O bispo, todavia, não deixa de fazer o bem e exortar seus fiéis a que também o façam. A peste sendo contornada, pelo final de 254 – e até seu martírio –, Cipriano enfrenta a polêmica, em oposição a Estêvão de Roma (254-256), sobre o batismo administrado por hereges e cismáticos.
As divisões ocasionadas pela questão em torno à readmissão ou não dos lapsos, após a perseguição de Décio, deixaram grupos cismáticos como consequência. Nesses grupos havia bispos e presbíteros. 
Cipriano e seus coepíscopos, nos passos de seus predecessores, insistiam que o batismo administrado por aqueles que se separaram da Igreja não é válido; e quem vem à Igreja de um grupo dissidente deve ser batizado mesmo que tivesse sido batizado pelos cismáticos. 
Não se trata de rebatismo, afirmam os africanos, mas de batismo verdadeiro e próprio, já que entre hereges não há verdadeiro sacramento.
Estêvão, em linha com uma tradição distinta, opõe-se fortemente a essa prática, considerando-a uma inovação. A polêmica tornava-se mais áspera a cada troca de cartas entre os principais envolvidos. 
Embora não pouco se conjecturar a respeito, não sabemos que fim teria tido a controvérsia entre ambos, já que foi interrompida por outra perseguição, a do imperador Valeriano (253-260), iniciada em agosto de 257.
Diversamente da perseguição de Décio, que visava indivíduos, Valeriano, temendo a cristianização do império, golpeou diretamente a instituição: deixando de lado os leigos, bispos e presbíteros seriam exilados, vigiados e proibidos de presidir qualquer cerimônia; quem desobedecesse seria executado.
No dia 30 daquele mesmo mês, isto é, agosto de 257, Cipriano, tendo-se recusado a “reconhecer as práticas romanas” (romanas caerimonias recognoscere), isto é, a admitir que tais práticas fossem úteis para a salvação do Império, foi exilado em Cúrubis (atual Korba, Tunísia). Nesse período, prepara textos que animem sua comunidade a perseverar na fé, a não desfalecer diante do martírio.
Em agosto do ano seguinte (258), Valeriano emite um novo decreto, desta vez determinando a proibição do uso dos edifícios de culto – que poderiam ser confiscados –, o confisco dos bens de leigos ilustres, particularmente do senado e da corte, e seu exílio – com sua subsequente execução, se insistissem em professar a fé cristã – e a execução de todos os bispos, presbíteros e diáconos. Informado da decisão imperial, Cipriano esconde-se novamente. Desta vez, porém, ele o faz de modo a ser encontrado, pois pretendia que o procônsul o julgasse em Cartago, sua cidade, e não em outro lugar.
Em 14 de setembro daquele ano, tendo sido processado, Cipriano, decapitado no campo de certo Sexto, recebe a graça do martírio, tornando-se o primeiro bispo africano mártir.
Cipriano, é, cronologicamente, o segundo grande nome do cristianismo africano, e um dos maiores Pais da Igreja nos três primeiros séculos. Até Agostinho, foi ele a maior autoridade na Igreja latina. 
As suas obras eram muitíssimo estimadas e consideradas quase como canônicas; assim se compreende o elevado número de manuscritos que no-las transmitiram.
A maioria das suas obras foi escrita para atender a questões de toda espécie que surgiam uma após outra. É, com efeito, o caráter eminentemente prático dos escritos de Cipriano que o torna muito precioso e acessível, muito necessária aos nossos dias. 

II. Obras de Cipriano
Suas obras e cartas miravam questões pontuais práticas. Estas são as obras que conhecemos pelas citações dos outros Pais da Igreja. 

– O epistolário de Cipriano.
Contém 81 cartas autênticas. Nem todas, porém, são propriamente suas: de algumas, de remetentes vários, ele é destinatário; de outras, como epístolas sinodais, ele é redator. Como suas obras, as cartas dizem respeito a questões práticas com as quais teve de lidar ao longo de seus cerca de dez anos de episcopado.

– Ad Donatum (A Donato): 
É a primeira das obras cipriânicas. Composta depois de seu batismo (ca. 246), Cipriano a endereça e dedica a seu amigo Donato, a quem conta de sua conversão, do abandono de um mundo em decadência, das transformações da graça batismal e da paz e da felicidade a que chegou pela fé. De estilo prolixo, é a obra que mais demonstra sua formação clássica.

– De habitu virginarum (A conduta das consagradas): 
Talvez anterior a seu episcopado (248-249), o texto é uma exortação às consagradas a estarem atentas à vaidade e aos vícios pagãos: uma verdadeira vida ascética manifesta-se no portar-se e no que se porta. A obra é indubitavelmente inspirada no De cultu feminarum de Tertuliano.

– De lapsis (Os lapsos): 
Durante a perseguição de Décio, em 250-251, muitos cristãos negaram a própria fé, ofereceram ou o sacrifício ou o incenso aos deuses, enquanto outros, sem de fato terem oferecido um ou outro, obtiveram ilicitamente um atestado de tê-lo feito. Pelo fato de terem decaído na fé, embora em graus distintos, estes não devem ser readmitidos na comunidade sem a devida penitência. Cipriano admoesta a não dar aos lapsos bilhetes de perdão indistintamente, pois a administração da disciplina eclesiástica cabe ao bispo somente. Composta em 251, a obra motiva e reflete as deliberações do Concílio de Cartago daquele ano.

– De ecclesiae catholicae unitate (A unidade da Igreja católica): 
Composta também em 251, imediatamente depois do De lapsis, provavelmente seja a obra cipriânica de maior influência, reprodução e discussão ao longo dos tempos. Cipriano exorta os fiéis a não abandonarem o único rebanho de Cristo para seguir aqueles que deste se separaram, criando comunidades próprias, iludindo-se e iludindo seus seguidores. É neste único rebanho, a Igreja, que está a vida do Espírito; e sua unidade, fundada no Cristo, expressa-se na comunhão dos e com os apóstolos. Os bispos são os zeladores dessa unidade. Esse é o primeiro tratado – mesmo se não no senso contemporâneo do termo – de eclesiologia da história da Igreja.

– De dominica oratione (A oração do Senhor): 
Inspirada no De oratione de Tertuliano, superando este último ao desenvolver com mais profundidade a matéria, a obra, datada no período entre o final de 251 e o início de 252, é um comentário ao Pai-Nosso, considerado síntese da fé cristã, com indicação de quando orar e dos requisitos necessários para, na unidade dos fiéis batizados, orar bem.

– Ad Demetrianum (A Demetriano): 
Texto apologético, normalmente datado de 252 (no início de uma epidemia). Demetriano deve ter sido um personagem de relevo entre os pagãos, cuja voz difunde, acusando os cristãos de serem responsáveis pelas calamidades do Império. Ele considera tais calamidades como punição dos deuses pelo fato de os cristãos os terem abandonado. Para Cipriano, os pecados dos pagãos, sua idolatria e as perseguições que instauraram contra os cristãos é que são causa dos males que padecem. O que há de salvá-los não será o retorno dos cristãos aos deuses pagãos, mas a conversão dos pagãos ao único e verdadeiro Deus, cultuado na única verdadeira religião.

– De mortalitate (A mortalidade): 
Em 252, uma peste deixava mortos em quase todos os lares, pagãos e cristãos; morte era comum a ambos, e o que distinguia um de outro era o modo como era afrontada. Cipriano convida os cristãos a não temê-la, porque é partida para o encontro com o Cristo que chama a entrar na imortalidade e na felicidade eterna. Mesmo que a obra não seja de grandes proporções, é o primeiro tratado – embora não no senso técnico contemporâneo do termo – na história do cristianismo a propor uma teologia da morte.

– De opere et eleemosynis (As boas obras e a esmola): 
A peste surgida em 252 levou muitos à pobreza ou a distanciar-se dos doentes. Por isso, no mesmo ano em que publicou a obra precedente – ou pouco depois, talvez 253 –, Cipriano viu a necessidade de mover seus fiéis, particularmente os mais abastados, a fazer o bem. A salvação recebida deve desdobrar-se em caridade constante; e essa caridade não é feita tanto a um nosso par, mas ao próprio Deus. Por isso a assistência aos necessitados não é insignificante para a salvação.

– De bono patientiae (O bem da paciência): 
Inspirada no De patientia de Tertuliano, essa obra pode ter sido posta por escrita ca. 256, durante a polêmica com Estêvão de Roma sobre o batismo. É um convite a imitar a paciência – que não se confunde com indiferença – de Deus, do Cristo e dos patriarcas.

– De zelo et livore (O ciúme e a inveja): 
251-252 ou 256-257. Enquanto o paciente imita Deus, o ciumento e invejoso imita o próprio diabo. O ciúme e a inveja são males perigosos, levam a outros vícios e pecados, e, com esses, ameaçam a unidade e a paz da Igreja mediante desobediências, cismas, heresias. 

– Ad Fortunatum (A Fortunato): 
Exortação a perseverar na fidelidade ao Cristo até o extremo, isto é, a abraçar o martírio – o que é evidente pelo acréscimo de alguns manuscritos ao título: de exhortatione martyrii –, a obra, dedicada ao bispo Fortunato, constitui-se de uma seleção de passagens (florilégio) bíblicas sobre idolatria, perseguição, perseverança e a sorte dos mártires. 

III. Martírio de Cipriano
No dia décimo oitavo das calendas de outubro pela manhã, grande multidão se reuniu no campo de Sexto, conforme a determinação do procônsul Galério Máximo. Este, presidindo no átrio Saucíolo, no mesmo dia ordenou que lhe trouxessem Cipriano. Chegado este, o procônsul interrogou-o: "És tu Táscio Cipriano?" O bispo Cipriano respondeu: "Sou".
O procônsul Galério Máximo: "Tu te apresentastes aos homens como papa do sacrílego intento?" Respondeu o bispo Cipriano: "Sim".
O procônsul Galério Máximo disse: "Os augustíssimos imperadores te ordenaram que te sujeites às cerimônias". Cipriano respondeu: "Não faço".
Galério Máximo disse: "Pensa bem!" O bispo Cipriano respondeu: "Cumpre o que te foi mandado; em causa tão justa, não há que discutir".
São Cipriano, detalhe de um mosaico do século VI que representa a procissão dos mártires, na Basílica de Santo Apolinário Novo, Ravena
Galério Máximo deliberou com o seu conselho e, com muita dificuldade, pronunciou a sentença, com esta palavras: "Viveste por muito tempo nesta sacrílega idéia e agregaste muitos homens nesta ímpia conspiração. Tu te fizeste inimigo dos deuses romanos e das sacras religiões, e nem os piedosos e sagrados augustos príncipes Valeriano e Galieno, nem Valeriano, o nobilíssimo César, puderam te reconduzir à prática de seus ritos religiosos. Por esta razão, por seres acusado de autor e guia de crimes execráveis, tu te tornarás uma advertência para aqueles que agregaste a ti em teu crime: com teu sangue ficará salva a disciplina". Dito isto, leu a sentença: "Apraz que Tarcísio Cipriano seja degolado à espada". O bispo Cipriano respondeu: "Graças a Deus!"
Após a sentença, o grupo dos irmãos dizia: "Sejamos também nós degolados com ele". Por isto houve tumulto entre os irmãos e grande multidão o acompanhou. E assim Cipriano foi conduzido ao campo de Sexto. Ali tirou o manto e o capuz, dobrou os joelhos e prostrou-se em oração ao Senhor. Retirou depois a dalmática, entregando-a aos diáconos e ficou de alva de linho e aguardou o carrasco, a quem, quando chegou, mandou que os seus lhe dessem vinte e cinco moedas de ouro. Os irmãos estenderam diante de Cipriano pano de linho e toalha. O bem-aventurado quis vendar os olhos com as próprias mãos. Não conseguindo amarrar as pontas, o presbítero Juliano e o subdiácono Juliano o fizeram.
Desde modo morreu o bem-aventurado Cipriano. Seu corpo, por causa da curiosidade dos pagãos, foi colocado ali perto, de onde, à noite, foi retirado e, com círios e tochas, hinos e em grande triunfo, levado ao cemitério de Macróbio Candiano, administrador, existente na via Mapaliense, junto das piscinas. Poucos dias depois, morreu o procônsul Galério Máximo.
Mártir santíssimo Cipriano foi morto, no dia décimo oitavo das calendas de outubro, sob Valeriano e Galieno imperadores, reinando, porém, nosso Senhor Jesus Cristo, a quem a honra e a glória pelos séculos dos séculos. Amém.

1.  O que você destaca no texto? 
2. Como ele serve para sua espiritualidade?



Estudo da OESI sobre o texto que apresentamos acima. 


sábado, 14 de março de 2020

127 - Cipriano de Cartago (?-258) Biografia


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127
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Cipriano de Cartago (?-258)
Biografia



I. A Vida de Cipriano[1]
Táscio Cecílio Cipriano nasceu de uma família pagã, abastada e com membros no governo municipal, provavelmente em Cartago (nas proximidades da atual Túnis, Tunísia), capital da África Proconsular, entre os anos 200 e 210.
Era um honestior (nobre), talvez pertencente, como mínimo, à ordem dos equites
(cavaleiros).
Embora seus escritos, sobremaneira as cartas, e as Atas de seu martírio sejam rica e confiável fonte de informações sobre sua vida a partir do episcopado, notícias anteriores a sua conversão são escassas.
Sabe-se que foi educado em Cartago. Teve sólida formação em latim, grego, direito, retórica. De fato, era mestre de oratória quando, por intermédio do presbítero Ceciliano, chegou à fé cristã. Seu batismo data, provavelmente, de 246, já que no opúsculo Ad Donatum, espécie de autobiografia normalmente datada também de 246, em que Cipriano narra a mudança que o batismo acarretara na sua vida, diz que sua conversão é recente.
Convertido, doa parte de suas propriedades para os pobres e parte põe à disposição da Igreja. Entre 248/249, é ordenado presbítero e, logo após, torna-se bispo da sua cidade natal. O consenso popular, que pedira sua ordenação, pode ter visto nele um patronus, considerando-se sua posição social precedente, seu possível raio de influência e sua generosa doação de bens. Sua ordenação episcopal, porém, não foi consensualmente aceita entre o clero cartaginês. Com efeito, cinco presbíteros locais
ou por considerá-lo neófito ou por serem possíveis ambiciosos da posição que Cipriano estava por assumir – se opuseram, sem sucesso, a sua eleição para a Sé de Cartago.
A Sé metropolitana de Cartago tinha grande importância. Seu bispo exercia certo primado sobre o episcopado e toda a África latina. A cidade, um dos principais centros do Império Romano e um dos maiores portos do Mediterrâneo, não perdia em nada para as outras duas metrópoles do Império, Roma e Alexandria.
Uma vez bispo, Cipriano se viu a braços com dificuldades e problemas que, sucedendo-se quase ininterruptamente, encheram o seu pontificado. Por ocasião da perseguição de Décio (250), quando foram confiscados os bens que tinha posto a serviço da Igreja, Cipriano achou preferível retirar-se de sua sede antes mesmo que o Edito fosse publicado, o que não foi unanimemente bem aceito. Com efeito, quando a Igreja de Roma noticiava o martírio de Bispo Fabiano, aí já se sabia, e se admirava, que Cipriano estivesse ausente de sua sede.
Sentindo-se obrigado a dar razão de sua atitude, ele diz que o fizera – sem negligenciar as tarefas de seu posto, mantendo contato frequente com seu povo e seu clero – tendo em vista o bem da sua Igreja, para não aumentar, com a presença de sua personalidade eminente, a violência do conflito.
Quanto à cura das almas sob sua responsabilidade, de fato, a correspondência desse período – bem como uma doação de bens para suprir as necessidades dos perseguidos – evidencia o zelo do pastor para com seu rebanho e seu empenho em manter a ordem e administrar a disciplina de sua comunidade.
A questão disciplinar ocupa não pouco espaço em seu epistolário, particularmente porque, durante a ausência de Cipriano, os presbíteros que se haviam oposto a sua eleição puseram-se a afirmar que ele fugira covardemente, a tomar decisões contrárias às do bispo e a nutrir divisões internas. Cipriano teria voltado a sua sede assim que cessaram as perseguições, mas as referidas divisões impediram que retornasse logo. Seu retorno só foi possível depois da Páscoa de 251.
O fim da perseguição, naquela primavera, porém, não tornou a administração de Cipriano mais fácil, pois deveria voltar a afrontar a questão disciplinar – que surgira um ano antes e dividia sua comunidade – da readmissão dos lapsi, daqueles que, durante a perseguição, tinham apostatado.
Cipriano, sem se situar nos extremos do negar a readmissão e o concedê-la sem mais, propõe medidas ponderadas que servirão de base para concílios posteriores e para a normativa da readmissão de apóstatas.
No ano seguinte, 252, e até 254, uma peste assola o Império e deixa sua região em estado de calamidade material e moral. O flagelo da peste fez as divisões caírem no olvido e dispôs o bispo de Cartago a prestar todo auxílio possível à população cristã e a empenhar-se também em favor dos pagãos da metrópole, da qual ele se torna a alma, com um verdadeiro sistema de beneficência.
Contudo, quando o imperador Treboniano Galo (251-253), sem ocasionar propriamente uma perseguição, emanou um edito determinando que a população fizesse sacrifícios, provavelmente ao deus Apolo, de quem esperava socorro para a situação, houve quem quisesse que Cipriano fosse jogado aos leões.
O bispo, todavia, não deixa de fazer o bem e exortar seus fiéis a que também o façam. A peste sendo contornada, pelo final de 254 – e até seu martírio –, Cipriano enfrenta a polêmica, em oposição a Estêvão de Roma (254-256), sobre o batismo administrado por hereges e cismáticos.
As divisões ocasionadas pela questão em torno à readmissão ou não dos lapsos, após a perseguição de Décio, deixaram grupos cismáticos como consequência. Nesses grupos havia bispos e presbíteros.
Cipriano e seus coepíscopos, nos passos de seus predecessores, insistiam que o batismo administrado por aqueles que se separaram da Igreja não é valido; e quem vem à Igreja de um grupo dissidente deve ser batizado mesmo que tivesse sido batizado pelos cismáticos.
Não se trata de rebatismo, afirmam os africanos, mas de batismo verdadeiro e próprio, já que entre hereges não há verdadeiro sacramento.
Estêvão, em linha com uma tradição distinta, opõe-se fortemente a essa prática, considerando-a uma inovação. A polêmica tornava-se mais áspera a cada troca de cartas entre os principais envolvidos.
Embora não pouco se conjeture a respeito, não sabemos que fim teria tido a controvérsia entre ambos, já que foi interrompida por outra perseguição, a do imperador Valeriano (253-260), iniciada em agosto de 257.
Diversamente da perseguição de Décio, que visava indivíduos, Valeriano, temendo a cristianização do império, golpeou diretamente a instituição: deixando de lado os leigos, bispos e presbíteros seriam exilados, vigiados e proibidos de presidir qualquer cerimônia; quem desobedecesse seria executado.
No dia 30 daquele mesmo mês, isto é, agosto de 257, Cipriano, tendo-se recusado a “reconhecer as práticas romanas” (romanas caerimonias recognoscere), isto é, a admitir que tais práticas fossem úteis para a salvação do Império, foi exilado em Cúrubis (atual Korba, Tunísia). Nesse período, prepara textos que animem sua comunidade a perseverar na fé, a não desfalecer diante do martírio.
Em agosto do ano seguinte (258), Valeriano emite um novo decreto, desta vez determinando a proibição do uso dos edifícios de culto – que poderiam ser confiscados –, o confisco dos bens de leigos ilustres, particularmente do senado e da corte, e seu exílio – com sua subsequente execução, se insistissem em professar a fé cristã – e a execução de todos os bispos, presbíteros e diáconos. Informado da decisão imperial, Cipriano esconde-se novamente. Desta vez, porém, ele o faz de modo a ser encontrado, pois pretendia que o procônsul o julgasse em Cartago, sua cidade, e não em outro lugar.
Em 14 de setembro daquele ano, tendo sido processado, Cipriano, decapitado no campo de certo Sexto, recebe a graça do martírio, tornando-se o primeiro bispo africano mártir.
Cipriano, é, cronologicamente, o segundo grande nome do cristianismo africano, e um dos maiores Pais da Igreja nos três primeiros séculos. Até Agostinho, foi ele a maior autoridade na Igreja latina.
As suas obras eram muitíssimo estimadas e consideradas quase como canônicas; assim se compreende o elevado número de manuscritos que no-las transmitiram.
A maioria das suas obras foi escrita para atender a questões de toda espécie que surgiam uma após outra. É, com efeito, o caráter eminentemente prático dos escritos de Cipriano que o torna muito precioso e acessível, muito necessária aos nossos dias.

II. Obras de Cipriano
Suas obras e cartas miravam questões pontuais práticas. Estas são as obras que conhecemos pelas citações dos outros Pais da Igreja.

– O epistolário de Cipriano.
Contém 81 cartas autênticas. Nem todas, porém, são propriamente suas: de algumas, de remetentes vários, ele é destinatário; de outras, como epístolas sinodais, ele é redator. Como suas obras, as cartas dizem respeito a questões práticas com as quais teve de lidar ao longo de seus cerca de dez anos de episcopado.

– Ad Donatum (A Donato):
É a primeira das obras cipriânicas. Composta depois de seu batismo (ca. 246), Cipriano a endereça e dedica a seu amigo Donato, a quem conta de sua conversão, do abandono de um mundo em decadência, das transformações da graça batismal e da paz e da felicidade a que chegou pela fé. De estilo prolixo, é a obra que mais demonstra sua formação clássica.

– De habitu virginarum (A conduta das consagradas):
Talvez anterior a seu episcopado (248-249), o texto é uma exortação às consagradas a estarem atentas à vaidade e aos vícios pagãos: uma verdadeira vida ascética manifesta-se no portar-se e no que se porta. A obra é indubitavelmente inspirada no De cultu feminarum de Tertuliano.

– De lapsis (Os lapsos):
Durante a perseguição de Décio, em 250-251, muitos cristãos negaram a própria fé, ofereceram ou o sacrifício ou o incenso aos deuses, enquanto outros, sem de fato terem oferecido um ou outro, obtiveram ilicitamente um atestado de tê-lo feito. Pelo fato de terem decaído na fé, embora em graus distintos, estes não devem ser readmitidos na comunidade sem a devida penitência. Cipriano admoesta a não dar aos lapsos bilhetes de perdão indistintamente, pois a administração da disciplina eclesiástica cabe ao bispo somente. Composta em 251, a obra motiva e reflete as deliberações do Concílio de Cartago daquele ano.

– De ecclesiae catholicae unitate (A unidade da Igreja católica):
Composta também em 251, imediatamente depois do De lapsis, provavelmente seja a obra cipriânica de maior influência, reprodução e discussão ao longo dos tempos. Cipriano exorta os fiéis a não abandonarem o único rebanho de Cristo para seguir aqueles que deste se separaram, criando comunidades próprias, iludindo-se e iludindo seus seguidores. É neste único rebanho, a Igreja, que está a vida do Espírito; e sua unidade, fundada no Cristo, expressa-se na comunhão dos e com os apóstolos. Os bispos são os zeladores dessa unidade. Esse é o primeiro tratado – mesmo se não no senso contemporâneo do termo – de eclesiologia da história da Igreja.

– De dominica oratione (A oração do Senhor):
Inspirada no De oratione de Tertuliano, superando este último ao desenvolver com mais profundidade a matéria, a obra, datada no período entre o final de 251 e o início de 252, é um comentário ao Pai-Nosso, considerado síntese da fé cristã, com indicação de quando orar e dos requisitos necessários para, na unidade dos fiéis batizados, orar bem.

– Ad Demetrianum (A Demetriano):
Texto apologético, normalmente datado de 252 (no início de uma epidemia). Demetriano deve ter sido um personagem de relevo entre os pagãos, cuja voz difunde, acusando os cristãos de serem responsáveis pelas calamidades do Império. Ele considera tais calamidades como punição dos deuses pelo fato de os cristãos os terem abandonado. Para Cipriano, os pecados dos pagãos, sua idolatria e as perseguições que instauraram contra os cristãos é que são causa dos males que padecem. O que há de salvá-los não será o retorno dos cristãos aos deuses pagãos, mas a conversão dos pagãos ao único e verdadeiro Deus, cultuado na única verdadeira religião.

– De mortalitate (A mortalidade):
Em 252, uma peste deixava mortos em quase todos os lares, pagãos e cristãos; morte era comum a ambos, e o que distinguia um de outro era o modo como era afrontada. Cipriano convida os cristãos a não temê-la, porque é partida para o encontro com o Cristo que chama a entrar na imortalidade e na felicidade eterna. Mesmo que a obra não seja de grandes proporções, é o primeiro tratado – embora não no senso técnico contemporâneo do termo – na história do cristianismo a propor uma teologia da morte.

– De opere et eleemosynis (As boas obras e a esmola):
A peste surgida em 252 levou muitos à pobreza ou a distanciar-se dos doentes. Por isso, no mesmo ano em que publicou a obra precedente – ou pouco depois, talvez 253 –, Cipriano viu a necessidade de mover seus fiéis, particularmente os mais abastados, a fazer o bem. A salvação recebida deve desdobrar-se em caridade constante; e essa caridade não é feita tanto a um nosso par, mas ao próprio Deus. Por isso a assistência aos necessitados não é insignificante para a salvação.

– De bono patientiae (O bem da paciência):
Inspirada no De patientia de Tertuliano, essa obra pode ter sido posta por escrita ca. 256, durante a polêmica com Estêvão de Roma sobre o batismo. É um convite a imitar a paciência – que não se confunde com indiferença – de Deus, do Cristo e dos patriarcas.

– De zelo et livore (O ciúme e a inveja):
251-252 ou 256-257. Enquanto o paciente imita Deus, o ciumento e invejoso imita o próprio diabo. O ciúme e a inveja são males perigosos, levam a outros vícios e pecados, e, com esses, ameaçam a unidade e a paz da Igreja mediante desobediências, cismas, heresias.

Ad Fortunatum (A Fortunato):
Exortação a perseverar na fidelidade ao Cristo até o extremo, isto é, a abraçar o martírio – o que é evidente pelo acréscimo de alguns manuscritos ao título: de exhortatione martyrii –, a obra, dedicada ao bispo Fortunato, constitui-se de uma seleção de passagens (florilégio) bíblicas sobre idolatria, perseguição, perseverança e a sorte dos mártires.

III. Martírio de Cipriano
No dia décimo oitavo das calendas de outubro pela manhã, grande multidão se reuniu no campo de Sexto, conforme a determinação do procônsul Galério Máximo. Este, presidindo no átrio Saucíolo, no mesmo dia ordenou que lhe trouxessem Cipriano. Chegado este, o procônsul interrogou-o: "És tu Táscio Cipriano?" O bispo Cipriano respondeu: "Sou".
O procônsul Galério Máximo: "Tu te apresentastes aos homens como papa do sacrílego intento?" Respondeu o bispo Cipriano: "Sim".
O procônsul Galério Máximo disse: "Os augustíssimos imperadores te ordenaram que te sujeites às cerimônias". Cipriano respondeu: "Não faço".
Galério Máximo disse: "Pensa bem!" O bispo Cipriano respondeu: "Cumpre o que te foi mandado; em causa tão justa, não há que discutir".
São Cipriano, detalhe de um mosaico do século VI que representa a procissão dos mártires, na Basílica de Santo Apolinário Novo, Ravena
Galério Máximo deliberou com o seu conselho e, com muita dificuldade, pronunciou a sentença, com esta palavras: "Viveste por muito tempo nesta sacrílega idéia e agregaste muitos homens nesta ímpia conspiração. Tu te fizeste inimigo dos deuses romanos e das sacras religiões, e nem os piedosos e sagrados augustos príncipes Valeriano e Galieno, nem Valeriano, o nobilíssimo César, puderam te reconduzir à prática de seus ritos religiosos. Por esta razão, por seres acusado de autor e guia de crimes execráveis, tu te tornarás uma advertência para aqueles que agregaste a ti em teu crime: com teu sangue ficará salva a disciplina". Dito isto, leu a sentença: "Apraz que Tarcísio Cipriano seja degolado à espada". O bispo Cipriano respondeu: "Graças a Deus!"
Após a sentença, o grupo dos irmãos dizia: "Sejamos também nós degolados com ele". Por isto houve tumulto entre os irmãos e grande multidão o acompanhou. E assim Cipriano foi conduzido ao campo de Sexto. Ali tirou o manto e o capuz, dobrou os joelhos e prostrou-se em oração ao Senhor. Retirou depois a dalmática, entregando-a aos diáconos e ficou de alva de linho e aguardou o carrasco, a quem, quando chegou, mandou que os seus lhe dessem vinte e cinco moedas de ouro. Os irmãos estenderam diante de Cipriano pano de linho e toalha. O bem-aventurado quis vendar os olhos com as próprias mãos. Não conseguindo amarrar as pontas, o presbítero Juliano e o subdiácono Juliano o fizeram.
Desde modo morreu o bem-aventurado Cipriano. Seu corpo, por causa da curiosidade dos pagãos, foi colocado ali perto, de onde, à noite, foi retirado e, com círios e tochas, hinos e em grande triunfo, levado ao cemitério de Macróbio Candiano, administrador, existente na via Mapaliense, junto das piscinas. Poucos dias depois, morreu o procônsul Galério Máximo.
Mártir santíssimo Cipriano foi morto, no dia décimo oitavo das calendas de outubro, sob Valeriano e Galieno imperadores, reinando, porém, nosso Senhor Jesus Cristo, a quem a honra e a glória pelos séculos dos séculos. Amém.



1.  O que você destaca no texto?
2. Como ele serve para sua espiritualidade?






[1] Texto baseado na introdução escrita pelas Monjas Beneditinas da Abadia de N. S. das Graças - Belo Horizonte, MG na Obra sobre São Cipriano, Coleção Patrística da Editora Paulus.