terça-feira, 29 de outubro de 2019

117 - Orígenes de Alexandria (185-253) As Homilias sobre São Lucas (Homilia 29)


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117
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Orígenes de Alexandria (185-253)
As Homilias sobre São Lucas (Homilia 29)


HOMILIA 29 - Lc 4.1-4.
Sobre o que está escrito: “Jesus, porém, cheio do Espírito Santo, voltou” e sobre sua primeira tentação.

Jesus conduzido pelo Espírito Santo
Quando lês no Evangelho: “Jesus, porém, cheio do Espírito Santo, voltou”, e, nos Atos dos Apóstolos, onde está escrito a respeito daqueles que “ficaram cheios do Espírito Santo”, não penses que os Apóstolos são iguais ao Salvador.
Sabe que Jesus, os Apóstolos e qualquer outro dentre os santos são cheios do Espírito Santo, mas segundo a medida de sua capacidade; como se dissesses, por exemplo: “estes recipientes estão cheios de vinho ou de óleo”, [mas] não indicas imediatamente que estejam cheios numa igual quantidade – um pode, com efeito, conter um sextário, o outro, uma urna; o outro, uma ânfora –, (Um sextário equivale a meio litro; a urna, a treze litros; e a ânfora vale duas urnas) do mesmo modo, também Jesus e Paulo eram cheios do Espírito Santo; mas o vaso de Paulo era muito menor que o vaso de Jesus.
Entretanto, um e outro estavam completos segundo a medida deles.
Assim, uma vez recebido o batismo, o Salvador cheio do Espírito Santo, que sobre ele viera dos céus “sob a forma de uma pomba”, “era conduzido pelo Espírito”.
Pois, porque “todos quantos são conduzidos pelo Espírito de Deus, estes são filhos de Deus”.
Ele, porém, à exceção de todos, era propriamente dito o Filho de Deus; assim, era necessário que também fosse conduzido pelo Espírito Santo.
É, com efeito, o que está escrito: “ele era conduzido pelo Espírito durante quarenta dias, e era tentado pelo diabo”.
Durante quarenta dias, Jesus é tentado. Não sabemos quais tenham sido as tentações. Talvez por isso tenham sido omitidas, porque eram muito fortes para serem confiadas à Escritura.
E se foi necessário dizer que “o mundo não teria podido conter todos os livros” que tivessem sido escritos com todos os ensinamentos e ações de Jesus, assim o mundo não teria a força de suportar as tentações dos quarenta dias, durante os quais o Senhor foi tentado pelo diabo, se a Escritura no-lo tivesse ensinado.
Basta-nos apenas saber isto: que “durante quarenta dias esteve no deserto e era tentado pelo diabo e não comeu nada durante aqueles dias”, pois mortificava o desejo da carne com um jejum assíduo e contínuo.

A primeira tentação
E quando esses dias foram completados, ele teve fome. Disse-lhe, porém, o diabo: “Se tu és o Filho de Deus, diz a esta pedra que se torne pão”.
Ele disse: “Diz a esta pedra”. Mas a qual pedra? Sem dúvida, aquela que mostrava o diabo e que queria que se tornasse pão.
Qual é, pois, essa tentação? “Um pai a quem seu filho pede pão não vai lhe dar uma pedra”, e esse, como adversário sorrateiro e enganador, daria uma pedra em vez de pão?
Isto é tudo o que o diabo quis, que a pedra se tornasse pão e que os homens se alimentassem não de pão, mas da pedra que o diabo mostrara em lugar do pão?
Eu penso que até hoje o diabo mostra a pedra e exorta cada um a dizer: “Diz a esta pedra que se torne pão”.
Com toda espécie de tentação, com que os homens deviam ser tentados, o Senhor foi o primeiro a ser tentado segundo a carne que assumiu.
Ele é tentado, porém, por causa disto: para que nós possamos vencer também por sua vitória.
Talvez o que digo fique obscuro, se não se fizer mais claro com um exemplo. Se vês os hereges comerem, em lugar do pão, a mentira de suas doutrinas, saberás que a pedra deles é o discurso que o diabo mostra, mas não penses que ele tenha uma única pedra.
Ele possui várias pedras, as quais são apresentadas por [São] Mateus dizendo: “Ordena a estas pedras que se tornem pão”.
Marcião deu essa ordem e a pedra do diabo se tornou seu pão. Valentino deu a mesma ordem e outra pedra se transformou em pão.
Basílides e todos os outros hereges tinham pão dessa espécie. Assim, é preciso precaver-se para que não nos aconteça de comer a pedra do diabo, acreditando nos alimentar com o pão de Deus.
Aliás, onde estava a tentação no caso de uma pedra transformada em pão e comida pelo Salvador?
Imaginemos que, estando o diabo a propor, o Senhor tenha transformado a pedra em pão e tenha comido aquilo que ele teria realizado por seu próprio poder e tenha saciado sua fome: onde estaria a tentação, onde estaria a vitória sobre o diabo, se tudo isso fosse escrito simploriamente?
Como dissemos, um exame aprofundado dos fatos mostra que houve tanto a tentação, na hipótese em que a oferta podia ter-se cumprido, como também a vitória, porque [a tentação] foi, de fato, desprezada.
É-nos mostrado, ao mesmo tempo, que esse pão feito a partir de uma pedra não é a Palavra de Deus que alimenta o homem e do qual está escrito: “O homem não viverá somente de pão, mas de toda palavra que sair pela boca de Deus o homem viverá”.
Respondo-te, ó ser sorrateiro e malvado, que não temes tentar-me: há outro pão, o da Palavra de Deus, que faz o homem viver.
E vejamos, igualmente, que não é o Filho de Deus que fala assim, mas o homem que o Filho de Deus dignou-se assumir (Fórmula que gerou muita polêmica em séculos posteriores ao de Orígenes. O “assumptus homo” (recebeu uma) em Orígenes encontra, pelo menos, o seguinte eco: ele reconhece a unidade e a distinção das naturezas).
É em sua qualidade de homem que responde, dizendo: “Está escrito: O homem não viverá somente de pão”, o que mostra claramente que não é Deus, mas o homem que foi tentado.
Examinando com cuidado o sentido da Escritura, creio descobrir a razão pela qual João não contou a tentação do Salvador, mencionada somente por Mateus, Lucas e Marcos.
João, com efeito, como havia feito um prólogo a partir de Deus, dizendo: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus, e o Verbo era Deus”, não pudera compor a ordem da geração divina, mas somente havia expressado que ele era de Deus e, com Deus, acrescentou: “E o Verbo se fez carne”.
E porque o Deus do qual tinha de falar não pode ser tentado, não o mostrou sendo tentado pelo diabo.
Ao contrário, o Evangelho de Mateus apresenta “o livro da genealogia de Jesus Cristo”,homem que havia nascido de Maria; em Lucas, sua geração é descrita; em Marcos, é o homem que é tentado.
Por isso é reportada uma resposta semelhante de Jesus: “O homem não vive somente de pão”.
Se, portanto, o Filho de Deus, verdadeiramente Deus, tornou-se homem por ti e é tentado, tu, que por natureza és homem, não te deves indignar, se por acaso és tentado.
Mas se na tentação tiveres imitado aquele homem que por ti foi tentado, e tiveres vencido a tentação, terás esperança com ele, que então foi homem, agora, porém, deixou a condição humana.
Pois aquele que outrora era homem, depois que foi tentado e que “distanciou-se dele o diabo até o tempo” de sua morte, “ressurgindo dentre os mortos, daí em diante não morre mais”.
Ora, todo homem está sujeito à morte; este, portanto, que não morre mais, já não é um homem, mas é Deus.
Mas se é Deus aquele que outrora foi homem, e se deves tornar-te semelhante a ele, quando “formos semelhantes a ele e o virmos, tal como é”, será necessário que tu também te tornes deus no Cristo Jesus (Trata-se da semelhança reservada à beatitude final e à divinização perfeita. O progresso espiritual é a passagem da imagem à semelhança), “a quem pertencem a glória e o poder nos séculos dos séculos. Amém”.

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116 - Orígenes de Alexandria (185-253) As Homilias sobre São Lucas (Homilia 28)


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Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Orígenes de Alexandria (185-253)
As Homilias sobre São Lucas (Homilia 28)


HOMILIA 28 - Lc 3.23-28; Mt 1.1-17.
Sobre a genealogia do Salvador e as divergências entre Mateus e Lucas a respeito dos ancestrais de Cristo.

As genealogias do Cristo
Muito mais superior a Melquisedec, cuja genealogia a Escritura não registrou, foi Nosso Senhor e Salvador, nascido de uma linhagem de ancestrais que a Escritura nos reporta.
Ora, como a sua divindade não está submetida a um nascimento humano, é por causa de ti, que nasceste na carne, que ele quis nascer.
Todavia, a sua genealogia não é narrada de modo igual pelos evangelistas, situação que a muitos intensamente conturbou.
Mateus, com efeito, começando a compor a série de sua ancestralidade a partir de Abraão até chegar àquele versículo em que diz: “O nascimento de Jesus, porém, aconteceu deste modo”, descreve não aquele que foi batizado, mas aquele que veio ao mundo.
Mas Lucas, expondo a sua genealogia, não faz descer dos mais antigos para os mais novos, mas, como havia dito antes o que foi batizado, chega até o próprio Deus.
Além disso, não há os mesmos personagens na genealogia do Cristo, seja quando se descende seja quando se ascende.
Mateus, que o mostra descendendo dos seres celestiais, introduz também mulheres; não quaisquer mulheres, mas pecadoras, que a Escritura havia repreendido;
Lucas, que fala do Cristo depois de seu batismo, não faz menção a nenhuma mulher.
Em Mateus, portanto, como dissemos, é nomeada Tamar, que, por astúcia, tornou-se concubina de seu sogro; e Rute, a moabita, que não era da raça de Israel; Raab, que não sei de onde tenha sido tirada; e a esposa de Urias, que violou o leito conjugal.
Porque, com efeito, Nosso Senhor e Salvador tinha vindo para isto, tomar sobre si os pecados dos homens – e Deus “tornou pecado para nós aquele que não havia cometido pecado” –; descendo para o mundo, assumiu o papel dos homens pecadores e viciosos, e quis nascer da estirpe de Salomão, cujos pecados foram reportados pela Escritura, e de Roboão, cujos delitos são relatados, e de outros, dentre os quais “muitos praticaram o mal aos olhos do Senhor”.
Mas quando sobe do banho batismal e, em seguida, é descrita sua origem, ele nasce não da linhagem de Salomão, mas da de Natã, que reprovou a seu pai a morte de Urias e o nascimento de Salomão.
Mas em Mateus está sempre presente o verbo “gerar”; já em Lucas é totalmente silenciado.
Em Mateus, com efeito, está escrito: “Abraão gerou Isaque; Isaque gerou Jacó; Jacó gerou Judá e seus irmãos, Judá gerou, de Tamar, Farés e Zara”; e até o final sempre a palavra “gerou” é colocada.
Mas em Lucas, Jesus, que se eleva do banho batismal, é dito “considerado o filho de José”; e, numa sequência tão longa de nomes, em nenhuma parte, a palavra “geração” é empregada, salvo [que é subentendida] nesta frase: “considerado filho de José”.
Em Mateus não está escrito: “Ele iniciava”; mas em Lucas, porque ele havia de subir a partir do batismo, lê-se “ele começava”, segundo o relato da Escritura: “O próprio Jesus estava no início [de seu ministério]”.
Porque, com efeito, recebeu o batismo e assumiu o mistério do segundo nascimento – para que tu destruas também teu nascimento anterior e nasças de novo numa segunda geração – pode-se,
então, dizer que “Ele iniciava”.
E como o povo judeu, quando estava no Egito, não tinha o hábito de considerar um mês como o primeiro do ano; mas, assim que saiu do Egito, então foi dito a ele: “Este mês será como início da sequência dos meses e será para vós o
primeiro dos meses do ano”.
Assim [também aconteceu] com o Cristo, de quem não é narrado “que ele tenha iniciado” enquanto não tinha sido batizado.
Não é sem razão, acreditemos, que às palavras: “O próprio Jesus estava” é acrescentado “no início”.

José, prefiguração do Cristo
Examinemos agora esta frase: “Com cerca de trinta anos”, “José tinha trinta anos”, quando foi libertado da prisão e, tendo interpretado o sonho do Faraó do Egito – foi nomeado intendente do Egito – armazenou trigo no tempo da abundância, para que tivesse o que distribuir no tempo da fome.
Eu penso que os trinta anos de José tenham
precedido em figura os trinta anos do Salvador.
Pois, o segundo José, que é Jesus, não armazenou o mesmo trigo, tal qual no Egito aquele José, mas o frumento verdadeiro e celestial, para que tivesse, como o trigo armazenado no tempo da abundância, o que distribuir, quando a fome fosse enviada para o Egito, “não a fome de pão nem a sede de água, mas a fome de ouvir a palavra de Deus”.
E assim Jesus recolhe na Lei, nos escritos dos Profetas e nos dos Apóstolos as palavras do tempo da abundância, para que – quando já não se escreverem mais livros, nem se concluir mais alguma nova aliança, nem forem enviados mais apóstolos – se possa distribuir então aquelas palavras que foram levadas por Jesus para os depósitos dos apóstolos, isto é, para as suas almas e as de todos os santos, e assim possa nutrir o Egito ameaçado de fome e, sobretudo, seus irmãos, dos quais está escrito: “Eu narrarei teu nome a meus irmãos; no meio da assembleia, eu te cantarei”.
Outros homens também têm palavras de paciência, e palavras de justiça e palavras das demais virtudes; é esse trigo que José distribuiu aos egípcios.
Mas é outro o frumento que Jesus dá aos irmãos, isto é, a seus discípulos, vindos da terra de Gessen, daquela terra que volta seu olhar para o oriente: é o frumento evangélico, o frumento apostólico.
Desse frumento devemos fazer pães, porém, evitando que não sejam misturados ao “velho fermento” e que tenhamos o pão novo do trigo e da farinha das Escrituras, moído em Cristo Jesus: “a quem pertencem a glória e o poder nos séculos dos séculos. Amém”.

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domingo, 13 de outubro de 2019

115 - Orígenes de Alexandria (185-253) As Homilias sobre São Lucas (Homilia 27)


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115
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Orígenes de Alexandria (185-253)
As Homilias sobre São Lucas (Homilia 27)



HOMILIA 27 - Lc 3.18-22
Sobre o que está escrito: “E muitas outras exortações ele anunciava”, até aquela passagem que diz: “O Espírito Santo desceu sobre ele”.

O Evangelho anunciado por João
Quem ensina a linguagem do Evangelho não anuncia uma única coisa, mas várias.
Tal é o sentido desta passagem da Escritura: “Em suas exortações, João anunciava, por certo, muitas outras coisas”.
Assim João pregava ao povo também outras coisas que não foram escritas.
Quanto às coisas que foram escritas, considerai quão importantes foram: anunciou o Cristo, mostrou-o com o dedo, pregou o batismo do Espírito Santo, ensinou a salvação aos publicanos; aos soldados, os princípios de uma boa conduta; ele disse que era necessário limpar a eira, ceifar as árvores e o resto de que a história do
Evangelho narra.
Tiradas, portanto, as coisas que foram escritas, anunciou ainda outras coisas que não foram destinadas à Escritura, como mostram estas palavras: “Em suas exortações, ele anunciava, por certo, ao povo muitas outras coisas”.
E como é relatado no Evangelho segundo João, o Cristo disse muitas outras coisas “que não foram escritas neste livro”, a ponto de que, “se estas coisas fossem escritas, nosso próprio mundo, creio, não poderia conter os livros que seria necessário escrever”.
Do mesmo modo, também para nossa passagem, porque João Batista anunciava certas verdades muito elevadas para poder ser confiadas à Escritura, entende que Lucas se recusou a dizê-las expressamente, mas apenas sinalizou que foram ditas, e, por isso, disse: “Em suas exortações, João anunciava ao povo muitas outras
coisas”.
Admiremos João Batista, sobretudo por causa do testemunho seguinte: “Entre os filhos das mulheres, ninguém foi maior que João Batista”, e ele mereceu elevar-se a uma reputação de virtude tal que por muitas pessoas fosse considerado o Cristo.
Mas isto é muito mais admirável ainda: Herodes, o tetrarca, gozava do poder real e podia matá-lo quando quisesse.
Ora, como tivesse cometido uma ação injusta e contrária à lei de Moisés, tomando a esposa de seu irmão, que tinha uma filha de seu primeiro marido, João não o temeu, não fez acepção de pessoa, não pensou no poder real, como eu disse.
Sem se preocupar com a morte – pois sabia que, mesmo se não fosse um profeta, que, uma vez inquietado, [o rei] poderia matá-lo – quando soube, portanto, todas essas coisas, com a liberdade de um profeta, censurou Herodes e lhe reprovou o casamento incestuoso.
Por causa dessa audácia, encerrado na prisão, ele não se preocupava nem com a morte nem com um julgamento com resultado incerto; mas só cogitava, em suas cadeias, no Cristo, a quem havia anunciado.
Não podendo ir encontrá-lo pessoalmente, ele envia seus discípulos com a pergunta: “Tu és aquele que há de vir, ou devemos esperar outro?”
Nota bem que, mesmo na prisão, João ensinava. Pois donde vem que, mesmo aí, ele tinha discípulos, e por qual razão aí permaneciam, senão porque mesmo na prisão João cumpria seu dever de mestre e os instruía com conversas sobre Deus?
Nessas circunstâncias, o problema de Jesus havia nascido, João lhe envia alguns dos discípulos para perguntar ao Cristo: “Tu és aquele que deve vir, ou é necessário esperar um outro?”
Os discípulos voltam e anunciam ao mestre o que o Salvador havia ordenado que fosse anunciado.
Essa resposta é para João uma arma para enfrentar o combate: ele morre com segurança e com grande coragem se deixa decapitar, assegurado pela palavra do próprio Senhor de que aquele em quem ele cria era verdadeiramente o Filho de Deus.
Tal foi a liberdade de João Batista, tal foi a loucura de Herodes, que a muitos crimes acrescentou também este, primeiramente encerrar João no cárcere e, depois, o degolar.

A presença do Espírito Santo
Mas porque o Senhor recebeu o batismo, e os céus se abriram, “O Espírito Santo desceu” sobre ele e uma voz vinda do céu, como um trovão, disse: “Eis meu Filho bem-amado em quem eu pus minha complacência”.
Assim, deve-se dizer que, graças ao batismo de Jesus, o céu se abriu para outorgar a remissão dos pecados – não àquele “que não tinha cometido pecado e em cuja boca não se encontrou nenhuma falsidade”, mas ao mundo inteiro –; os céus se abriram e o Espírito Santo desceu, para que, depois de “ter subido nas alturas, levando prisioneiros”, o Senhor nos concedesse o Espírito que tinha vindo a ele [em seu batismo]; e, de fato, ele no-lo deu, uma vez ressuscitado, pronunciando essas palavras: “Recebei o Espírito Santo.
Aquele a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados, e aquele a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos”.
“O Espírito Santo desceu sobre o Salvador sob a forma de uma pomba”, a ave afável, inocente e simples.
Assim é-nos prescrito imitar “a inocência das pombas”. Tal é o Espírito Santo, puro, alado, elevando-se nos céus.
É por isso que dizemos esta oração: “Quem me dará asas como as das pombas, eu voarei e me repousarei?”, isto é: “Quem me dará as asas do Espírito Santo?”
E em outra passagem, uma profecia contém esta promessa: “Se repousais entre os muros do aprisco, as asas da Pomba se cobrem de prata e as penas de seu dorso com o brilho do ouro verde”.
De fato, “se nós repousamos entre os muros” do Antigo e do Novo Testamento, receberemos “as asas prateadas da pomba”, isto é, a Palavra de Deus e “as penas de seu dorso com o brilho do ouro verde”.
Nosso pensamento encontrará, assim, sua plenitude nos pensamentos do Espírito Santo, isto é, nossa linguagem e nossa inteligência encontrarão sua plenitude em sua vinda.
Não diremos e não pensaremos nada que não nos tenha sido sugerido; e toda santidade, a do coração como a de nossas palavras e de nossos atos, virá do Espírito Santo no Cristo Jesus, “a quem pertencem a glória e o poder nos séculos dos séculos. Amém”.

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terça-feira, 8 de outubro de 2019

114 - Orígenes de Alexandria (185-253) As Homilias sobre São Lucas (Homilia 26)

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Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Orígenes de Alexandria (185-253)
As Homilias sobre São Lucas (Homilia 26)


HOMILIA 26 - Lc 3.17
Sobre o que está escrito: “A joeira está em sua mão e ele limpará a sua eira”, até a passagem que diz: “E recolherá o trigo em seu celeiro”.

O julgamento de Deus
“Deus é espírito e os que o adoram devem adorá-lo em espírito e em verdade”.
Nosso Deus é também “um fogo devorante”. Deus recebe, portanto, dois nomes: “espírito” e “fogo”; espírito para os justos, fogo para os pecadores.
Mas os anjos são também chamados “espírito” e “fogo”: “Ele que faz de seus anjos espíritos”, diz a Escritura, “e de seus servidores, um fogo ardente”.
Os anjos são “espírito” para todos os santos; mas os que merecem ser supliciados, eles os submetem ao fogo e ao abrasamento.
Nesse sentido, nosso Senhor e Salvador, porque é “espírito”, “veio pôr fogo sobre a terra”. Ele é “espírito”, segundo aquilo que consta na Escritura: “Quando tu te terás convertido ao Senhor, porém, o véu será retirado”, e: “O senhor é o espírito”.
Porém, “ele veio pôr fogo” não sobre o céu, mas “sobre a terra”, como ele próprio demonstra dizendo: “vim pôr fogo sobre a terra, e como eu gostaria que ele já ardesse!”
Pois, “se tu te tiveres convertido ao Senhor”, que é “espírito”, Cristo será “espírito” para ti e, para ti, ele não “veio pôr fogo sobre a terra”.
Mas se, ao contrário, te recusas a te converteres a ele, e se possuis a terra e seus frutos, “ele veio pôr fogo sobre a terra” que está em ti.
A Escritura diz, também de Deus, em termos análogos: “O fogo de minha cólera se acendeu” não até o céu, mas “até o fundo da mansão dos mortos” e “ele consumará” não o céu, mas “a terra e seus produtos”.

Batismo e julgamento
Com qual propósito lembrei todas essas coisas? Porque o batismo de Jesus é também um batismo “no Espírito Santo e no fogo”.
Lembro-me das coisas que há pouco falei e não me esqueci da explicação dada acima, mas quero trazer uma nova interpretação.
Se fores santo, serás batizado no Espírito Santo; se fores pecador, serás lançado no fogo.
O único e mesmo batismo se tornará condenação e fogo para os pecadores indignos; mas para aqueles que são santos e com toda fé se converterem ao Senhor, receberão a graça do Espírito Santo e a salvação.
“Aquele que batiza no Espírito Santo e no fogo”, como diz a Escritura, tem “em sua mão a joeira e vai limpar a sua eira; e recolherá o seu trigo no celeiro, e queimará a palha no fogo que não se apaga”.
Eu quero descobrir quais motivos tem nosso Senhor para segurar “a joeira”, e por qual sopro a palha leve é levada para cá e para lá, enquanto o trigo mais pesado cai no mesmo lugar, pois, na ausência do vento, não se pode separar o trigo e a palha.
O vento, eu creio, designa aqui as tentações, que, no monte confuso dos que creem, revela que uns são palha, os outros, trigo.
Pois, quando vossa alma deixou-se dominar por alguma tentação, não é a tentação que te transformou em palha, mas porque tu eras palha, isto é, leve e sem fé, a tentação te desvelou tua natureza oculta.
Ao contrário, porém, quando enfrentas corajosamente a tentação, não é a tentação que te faz fiel e paciente, mas ela revela à luz do dia as virtudes de paciência e de força presentes em ti, mas que estavam ocultas.
“Pois, diz o Senhor, tu pensas que eu tinha um outro fim, falando-te assim, senão que te fazer parecer justo?”
E em outra parte: “Eu te afligi e te atingi com a penúria, para que se tornassem manifestas as coisas que havia em teu coração”.
Desse modo, também a tempestade não permite que um edifício construído sobre a areia resista, mas, se queres edificar, construa “sobre a rocha”.
A tempestade, uma vez começada, não poderá derrubar o que foi alicerçado “sobre a rocha”, mas ela faz ver a fragilidade dos alicerces da casa que vacila “sobre a areia”.
Assim, antes que a tempestade surja, antes que o soprar dos ventos se eleve, antes que se encham até as bordas os rios, enquanto até agora todas as coisas estão calmas, vamos trazer todo o nosso esforço para as fundações das edificações; edifiquemos a nossa casa com as pedras sólidas e variadas que são os mandamentos de Deus; e, quando a perseguição enfurecer-se contra os cristãos e o terrível turbilhão se levantar, mostremos que nós temos um edifício “sobre a rocha” que é o Cristo Jesus.
Mas se alguém o renegar então – longe de nós essa desgraça –, que esse alguém o saiba bem, não é no instante de sua renegação que renegou o Cristo, mas trazia em si sementes e raízes de renegação já antigas; o que estava nele se revelou naquele momento e manifestou-se em pleno dia.
Assim, peçamos ao Senhor para que sejamos um edifício sólido que nenhuma tempestade possa derrubar, “alicerçado sobre a rocha”, sobre nosso Senhor Jesus Cristo, “a quem pertencem a glória e o poder nos séculos dos séculos. Amém”.

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terça-feira, 1 de outubro de 2019

113 - Orígenes de Alexandria (185-253) As Homilias sobre São Lucas (Homilia 24, 25)


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113
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Orígenes de Alexandria (185-253)
As Homilias sobre São Lucas (Homilia 24, 25)


HOMILIA 24 - Lc 3.16
Sobre o que está escrito: “Quanto a mim, evidentemente vos batizo na água” até aquela passagem que diz: “Ele vos batizará no Espírito Santo e no fogo”.

O mistério do batismo
O povo acolheu João, que era menor que o Cristo, pensando e imaginando que ele talvez fosse o Cristo.
Mas não recebeu aquele que tinha vindo e que era maior que João. Queres saber a causa? Ei-la: o povo via o batismo de João, [mas] o batismo de Cristo era invisível.
“Pois eu, dizia João, vos batizo na água; quem vem, porém, depois de mim, é maior que eu, esse vos batizará no Espírito Santo e no fogo.
Quando Jesus batiza “no Espírito Santo”, e quando, por outro lado, batiza “no fogo”? É num só e mesmo instante que ele batiza “no Espírito Santo e no fogo”, ou é em momentos distintos e diferentes?
“Vós sereis batizados no Espírito Santo não daqui a muitos dias”. Os apóstolos foram batizados “no Espírito Santo” depois da sua ascensão aos céus, mas a Escritura não menciona que eles tenham sido batizados “no fogo”.
Mas do mesmo modo que João, às margens do Jordão, esperava os que vinham receber o batismo e enxotava os outros com estas palavras: “Raça de víboras”, e o que se segue, enquanto admitia os que confessavam seus vícios e seus pecados, assim o Senhor Jesus estará de pé no rio de fogo.
Aí ele estará com a “espada flamejante”, de modo que quem quer que seja que, saindo desta vida, deseje passar para o paraíso e tenha necessidade de purificação, ele o batiza neste rio e o faz chegar ao lugar de seu desejo.
Mas aquele que não traz o signo dos batismos anteriores, ele não o batizará no banho de fogo. Pois é necessário ser primeiramente batizado “na água e no Espírito”, para poder, chegando ao rio de fogo, mostrar que se conservaram as purificações “da água e do Espírito” e, desde então, merecer receber também o batismo do fogo no Cristo Jesus “a quem pertencem a glória e o poder nos séculos dos séculos. Amém”.

HOMILIA 25 - Lc 3.15
Sobre a dúvida que o povo tinha a respeito de João, “se não era ele próprio o Cristo?”

Caridade ordenada
Mesmo o amor oferece um perigo, se ultrapassa a medida. Aquele que ama alguém deve, com efeito, considerar a natureza e os motivos do amor e não amar alguém mais do que ele merece.
Pois se transcender a medida e a conveniência na caridade, tanto aquele que ama quanto aquele que é amado estarão em pecado.
Para que isso se torne mais claro, citemos como exemplo João.
O povo o admirava e o amava; e certamente ele – que havia vivido de modo tão diferente de todos os mortais – era digno de admiração e de que se lhe fosse concedida mais admiração do que a outros homens.
Nós todos não nos contentamos com uma comida simples, sem tempero, mas buscamos o prazer de uma alimentação variada; um único vinho para beber não nos basta, mas compramos vinhos de diferentes gostos.
Mas João se alimentava sempre “de gafanhotos”, sempre “de mel silvestre”; e contentava-se com uma simples e frugal comida, para que não engordasse seu corpo com iguarias muito gordurosas nem se tornasse pesado com refeições muito refinadas.
Porque nossos corpos são de uma natureza tal que se tornam pesados com uma alimentação supérflua; e, quando o corpo tiver sido tornado pesado, a alma também – difusa pelo corpo inteiro e sujeita aos seus achaques – sofrerá esse ônus.
Por isso, com razão é preceituado àqueles que o podem observar: “É bom não comer carne nem beber vinho e nada fazer que possa escandalizar teu irmão”.
Portanto, a vida de João era admirável e muito diferente do modo de vida dos outros homens. Ele não possuía nem bolsa, nem servo, nem mesmo uma miserável choupana.
Ele morava no deserto, não apenas “até o dia de sua manifestação a Israel”, mas também naquele tempo em que pregava a conversão ao povo, estava ainda no deserto da Judeia e desalterava-se com água clara, para que fosse diferente dos outros até na escolha de sua bebida.
Nós que vivemos nas cidades, que estamos no meio das multidões, buscamos a elegância no vestuário, na alimentação e na moradia. Mas aquele que morava no deserto, vede com qual vestimenta se vestiu: tinha feito para si uma túnica “com pelos de camelos”, e estava cingido “com um cinto de couro”.
Todas as coisas, portanto, nele eram inéditas, e por causa de sua extraordinária vida, todos os que o viam se admiravam dele e, admirando-o, cultuavam-no com muita paixão em todas as coisas, porque batizava “para a remissão dos pecados” os que se arrependiam.

Os excessos do amor
Por tudo isso, evidentemente, eles o amavam com muito bons motivos. Mas em sua caridade, não guardavam uma justa medida: cogitavam, com efeito, “se por acaso ele não era o Cristo”.
Precavendo-se contra esse amor desordenado e não espiritual, o apóstolo Paulo dizia a respeito de si mesmo: “Temo, porém, que alguém faça de mim uma ideia superior ao que se vê ou se ouve de mim; e que a grandeza das revelações não me encha de orgulho”, e o que se segue.
Temendo incorrer também ele próprio nesse defeito, Paulo não queria revelar de si mesmo tudo o que sabia, para que alguém não tivesse dele um julgamento superior ao que pudesse observar e que, excedendo a medida da honra, dissesse o que fora dito sobre João: “Que ele fosse o Cristo”.
É o que, evidentemente, vários disseram também de Dositeu, heresiarca dos samaritanos; mas outros também o disseram de Judas, o galileu.
 Finalmente, alguns prorromperam, em tamanho excesso no amor que imaginaram a respeito de Paulo, extravagâncias inauditas e sem precedentes.
Alguns dizem, com efeito, que o que está escrito, “sentar-se à direita e à esquerda do Salvador”, se aplica a Paulo e a Marcião: Paulo se assentaria à direita, Marcião se assentaria à esquerda.
Em seguida, outros que leem: “Eu vos enviarei um intercessor, o Espírito da verdade”, não querem ver nisso a terceira pessoa, distinta do Pai e do Filho, e a sublimidade da natureza divina, mas o Apóstolo Paulo.
Acaso todos não te parecem ter amado mais do que convém e, enquanto admiram a virtude de um e de outro, ter perdido a medida do amor?
Por certo, nós sofremos desse excesso em nossa Igreja: enquanto muitos amam-nos mais do que merecemos, proferem a torto e a direito essas coisas, louvando nossos discursos e nossa doutrina, julgamentos que nossa consciência não aceita.
Seguramente outros caluniam nossas homilias e nos incriminam de professar opiniões que nunca soubemos ter professado.
Mas nem aqueles que nos amam nos amam em excesso, nem aqueles que nos odeiam guardam a regra da verdade; e, uns através do amor, outros através do ódio, mentem.
Por isso, é necessário pôr um freio também ao amor, tanto para não lhe permitir a liberdade de vagar errante quanto para que não se arruíne no despenhadeiro. Está escrito no Eclesiastes: “Não sejas excessivamente justo, não cogites pensamentos assaz vastos, para que não fiques talvez de boca aberta”.
Seguindo esse exemplo, posso dizer algo similar: não ames um homem “de todo o teu coração e com toda a tua alma e com todas as tuas forças”; não ames um anjo “de todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças”; mas, segundo a palavra do Senhor, reserva este preceito para Deus unicamente: “Tu amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e com todas as tuas forças”.

O preceito do Senhor
Alguém me responderia e diria: “O Salvador preceituou: ‘Tu amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, com todas as tuas forças, e a teu próximo como a ti mesmo’. Quero amar também o Cristo; ensina-me, portanto, como amá-lo, pois, se o amo ‘de todo o meu coração, de toda a minha alma, com todas as minhas forças’, ajo contra o mandamento, amando assim outro diferente do único Deus. Se, ao contrário, amo o Cristo menos que o Pai todo-poderoso, temo ser identificado como ímpio e irreligioso contra ‘o primogênito de toda a criação’. Ensina-me e mostra-me a maneira como devo amar o Cristo, andando em meio aos dois extremos”.

Queres saber com qual amor Cristo deve ser amado?
Escuta brevemente! “Ama o Senhor teu Deus” em Cristo, e não penses que tu podes ter um amor diferente, um para com o Pai, outro para com o Filho.
Ama ao mesmo tempo Deus e o Cristo. Ama o Pai no Filho e o Filho no Pai, “de todo o teu coração, de toda a tua alma, com todas as tuas forças”.
Pois se alguém te interroga e diz: “prova isso que asseveras por meio da Escritura”, que ele ouça o apóstolo Paulo, que tinha um amor espiritual, dizendo: “Eu estou certo, com efeito, que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem as potestades, nem os principados, nem o presente, nem o futuro, nem o poder, nem a altura, nem a profundidade, nem nenhuma outra criatura poderá me separar do amor de Deus que está em Cristo Jesus, nosso Senhor e Salvador”: “a quem pertencem a glória e o poder nos séculos dos séculos. Amém”.

O que você destaca no texto?
Como ele serve para sua espiritualidade?