terça-feira, 29 de outubro de 2019

117 - Orígenes de Alexandria (185-253) As Homilias sobre São Lucas (Homilia 29)


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117
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Orígenes de Alexandria (185-253)
As Homilias sobre São Lucas (Homilia 29)


HOMILIA 29 - Lc 4.1-4.
Sobre o que está escrito: “Jesus, porém, cheio do Espírito Santo, voltou” e sobre sua primeira tentação.

Jesus conduzido pelo Espírito Santo
Quando lês no Evangelho: “Jesus, porém, cheio do Espírito Santo, voltou”, e, nos Atos dos Apóstolos, onde está escrito a respeito daqueles que “ficaram cheios do Espírito Santo”, não penses que os Apóstolos são iguais ao Salvador.
Sabe que Jesus, os Apóstolos e qualquer outro dentre os santos são cheios do Espírito Santo, mas segundo a medida de sua capacidade; como se dissesses, por exemplo: “estes recipientes estão cheios de vinho ou de óleo”, [mas] não indicas imediatamente que estejam cheios numa igual quantidade – um pode, com efeito, conter um sextário, o outro, uma urna; o outro, uma ânfora –, (Um sextário equivale a meio litro; a urna, a treze litros; e a ânfora vale duas urnas) do mesmo modo, também Jesus e Paulo eram cheios do Espírito Santo; mas o vaso de Paulo era muito menor que o vaso de Jesus.
Entretanto, um e outro estavam completos segundo a medida deles.
Assim, uma vez recebido o batismo, o Salvador cheio do Espírito Santo, que sobre ele viera dos céus “sob a forma de uma pomba”, “era conduzido pelo Espírito”.
Pois, porque “todos quantos são conduzidos pelo Espírito de Deus, estes são filhos de Deus”.
Ele, porém, à exceção de todos, era propriamente dito o Filho de Deus; assim, era necessário que também fosse conduzido pelo Espírito Santo.
É, com efeito, o que está escrito: “ele era conduzido pelo Espírito durante quarenta dias, e era tentado pelo diabo”.
Durante quarenta dias, Jesus é tentado. Não sabemos quais tenham sido as tentações. Talvez por isso tenham sido omitidas, porque eram muito fortes para serem confiadas à Escritura.
E se foi necessário dizer que “o mundo não teria podido conter todos os livros” que tivessem sido escritos com todos os ensinamentos e ações de Jesus, assim o mundo não teria a força de suportar as tentações dos quarenta dias, durante os quais o Senhor foi tentado pelo diabo, se a Escritura no-lo tivesse ensinado.
Basta-nos apenas saber isto: que “durante quarenta dias esteve no deserto e era tentado pelo diabo e não comeu nada durante aqueles dias”, pois mortificava o desejo da carne com um jejum assíduo e contínuo.

A primeira tentação
E quando esses dias foram completados, ele teve fome. Disse-lhe, porém, o diabo: “Se tu és o Filho de Deus, diz a esta pedra que se torne pão”.
Ele disse: “Diz a esta pedra”. Mas a qual pedra? Sem dúvida, aquela que mostrava o diabo e que queria que se tornasse pão.
Qual é, pois, essa tentação? “Um pai a quem seu filho pede pão não vai lhe dar uma pedra”, e esse, como adversário sorrateiro e enganador, daria uma pedra em vez de pão?
Isto é tudo o que o diabo quis, que a pedra se tornasse pão e que os homens se alimentassem não de pão, mas da pedra que o diabo mostrara em lugar do pão?
Eu penso que até hoje o diabo mostra a pedra e exorta cada um a dizer: “Diz a esta pedra que se torne pão”.
Com toda espécie de tentação, com que os homens deviam ser tentados, o Senhor foi o primeiro a ser tentado segundo a carne que assumiu.
Ele é tentado, porém, por causa disto: para que nós possamos vencer também por sua vitória.
Talvez o que digo fique obscuro, se não se fizer mais claro com um exemplo. Se vês os hereges comerem, em lugar do pão, a mentira de suas doutrinas, saberás que a pedra deles é o discurso que o diabo mostra, mas não penses que ele tenha uma única pedra.
Ele possui várias pedras, as quais são apresentadas por [São] Mateus dizendo: “Ordena a estas pedras que se tornem pão”.
Marcião deu essa ordem e a pedra do diabo se tornou seu pão. Valentino deu a mesma ordem e outra pedra se transformou em pão.
Basílides e todos os outros hereges tinham pão dessa espécie. Assim, é preciso precaver-se para que não nos aconteça de comer a pedra do diabo, acreditando nos alimentar com o pão de Deus.
Aliás, onde estava a tentação no caso de uma pedra transformada em pão e comida pelo Salvador?
Imaginemos que, estando o diabo a propor, o Senhor tenha transformado a pedra em pão e tenha comido aquilo que ele teria realizado por seu próprio poder e tenha saciado sua fome: onde estaria a tentação, onde estaria a vitória sobre o diabo, se tudo isso fosse escrito simploriamente?
Como dissemos, um exame aprofundado dos fatos mostra que houve tanto a tentação, na hipótese em que a oferta podia ter-se cumprido, como também a vitória, porque [a tentação] foi, de fato, desprezada.
É-nos mostrado, ao mesmo tempo, que esse pão feito a partir de uma pedra não é a Palavra de Deus que alimenta o homem e do qual está escrito: “O homem não viverá somente de pão, mas de toda palavra que sair pela boca de Deus o homem viverá”.
Respondo-te, ó ser sorrateiro e malvado, que não temes tentar-me: há outro pão, o da Palavra de Deus, que faz o homem viver.
E vejamos, igualmente, que não é o Filho de Deus que fala assim, mas o homem que o Filho de Deus dignou-se assumir (Fórmula que gerou muita polêmica em séculos posteriores ao de Orígenes. O “assumptus homo” (recebeu uma) em Orígenes encontra, pelo menos, o seguinte eco: ele reconhece a unidade e a distinção das naturezas).
É em sua qualidade de homem que responde, dizendo: “Está escrito: O homem não viverá somente de pão”, o que mostra claramente que não é Deus, mas o homem que foi tentado.
Examinando com cuidado o sentido da Escritura, creio descobrir a razão pela qual João não contou a tentação do Salvador, mencionada somente por Mateus, Lucas e Marcos.
João, com efeito, como havia feito um prólogo a partir de Deus, dizendo: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus, e o Verbo era Deus”, não pudera compor a ordem da geração divina, mas somente havia expressado que ele era de Deus e, com Deus, acrescentou: “E o Verbo se fez carne”.
E porque o Deus do qual tinha de falar não pode ser tentado, não o mostrou sendo tentado pelo diabo.
Ao contrário, o Evangelho de Mateus apresenta “o livro da genealogia de Jesus Cristo”,homem que havia nascido de Maria; em Lucas, sua geração é descrita; em Marcos, é o homem que é tentado.
Por isso é reportada uma resposta semelhante de Jesus: “O homem não vive somente de pão”.
Se, portanto, o Filho de Deus, verdadeiramente Deus, tornou-se homem por ti e é tentado, tu, que por natureza és homem, não te deves indignar, se por acaso és tentado.
Mas se na tentação tiveres imitado aquele homem que por ti foi tentado, e tiveres vencido a tentação, terás esperança com ele, que então foi homem, agora, porém, deixou a condição humana.
Pois aquele que outrora era homem, depois que foi tentado e que “distanciou-se dele o diabo até o tempo” de sua morte, “ressurgindo dentre os mortos, daí em diante não morre mais”.
Ora, todo homem está sujeito à morte; este, portanto, que não morre mais, já não é um homem, mas é Deus.
Mas se é Deus aquele que outrora foi homem, e se deves tornar-te semelhante a ele, quando “formos semelhantes a ele e o virmos, tal como é”, será necessário que tu também te tornes deus no Cristo Jesus (Trata-se da semelhança reservada à beatitude final e à divinização perfeita. O progresso espiritual é a passagem da imagem à semelhança), “a quem pertencem a glória e o poder nos séculos dos séculos. Amém”.

O que você deseja destacar no texto?
Como este texto serviu para sua espiritualidade?

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