segunda-feira, 25 de março de 2019

89 - Tertuliano de Cartago (155-220) Apologia (Capítulo 24 - 27)



89
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Tertuliano de Cartago (155-220)
Apologia (Capítulo 24 - 27)


 CAPÍTULO XXIV A explanação inteira desse assunto pelas quais se deduz que eles não são deuses, e que não existe senão um Deus - o Deus que adoramos - é perfeitamente suficiente para nos isentar do crime de traição, principalmente contra a religião romana. Pois, se está claro que tais deuses não existem, não há religião, no caso. Se não existe religião - porque esses deuses não existem - somos certamente inocentes de qualquer ofensa contra a religião.
Em vez disso, a responsabilidade recai sobre vós. Por adorardes uma mentira, sois de fato culpados do crime de que nos acusais, não simplesmente porque recusais a verdadeira religião do verdadeiro Deus, mas porque ousais perseguí-Lo.
Mas, concedendo que esses seres objetos de vossa adoração sejam realmente divindades, não se deve reconhecer universalmente que há um Deus mais elevado e mais poderoso, como ordenador principal do mundo, dotado de poder e majestade absolutos?
De modo usual, se atribui a Deus um poder imperial e supremo, enquanto suas tarefas são distribuídas por muitas divindades, como Platão descreve a respeito do supremo Júpiter habitando nos céus, cercado por uma organização de divindades e demônios.
Convém-nos, portanto, mostrar igual respeito aos procuradores, prefeitos e governadores do Império divino. E por maior crime que alguém cometa, quando, entre nós, uma transgressão capital está restrita à apelação da mais alta autoridade, ninguém além de César, tal pessoa delega seus esforços e suas esperanças a outro, com o objetivo de obter um maior favor do Imperador. Ele não sai declarando que o apelo a Deus ou ao Imperador depende somente do Supremo Senhor.
Que um homem adore Deus, outro a Júpiter; que um levante as mãos suplicantes para os céus, outro para o altar de Fides; outro (se tendes esse ponto de vista) faça sua prece às nuvens, outro aos objetos do teto; que um consagre sua própria vida a seu Deus, e outro a uma cabra. Por ver que não dais importante valor à acusação de irreligião, proibindo a liberdade religiosa ou a escolha livre de uma divindade, não sei como não posso adorar de acordo com minha inclinação, mas sou obrigado a adorar contra ela.
Nem também um ser humano gostaria de receber homenagem prestada a contragosto, e assim os próprios egípcios receberam permissão para o uso legal de sua ridícula superstição, liberdade para fazer de pássaros e feras seus deuses, assim como para condenar à morte quem quer que mate um deus dessa espécie.
Mesmo cada província e cada cidade tem seu deus. A Síria tem Astartéia, a Arábia tem Dusares, os Nórdicos têm Beleno, a África tem sua Celeste, a Mauritânia também suas próprias dignidades.
Eu falei, penso, das Províncias Romanas, e contudo não falei que seus deuses são romanos. Pois que eles não são adorados em Roma, tanto quanto outros que são listadas como divindades em toda a própria Itália por consagração municipal, como Delventino de Cassino, Visidiano de Narnia, Ancária de Áusculo, Nórcia de Orvieto, Valência de Ocrículo, Hóstia de Sátrio, o Pai Curls de Falisco, em honra do qual, também, Juno recebeu seu sobrenome.
De fato, somente nós somos proibidos de ter uma religião própria nossa. Ofendemos aos romanos, somos excluídos de direitos e de privilégios dos romanos porque não adoramos os deuses de Roma. Seria bom que houvesse um único Deus para todos, do qual todos fôssemos adoradores, quiséssemos ou não.
Mas com vossa liberalidade permitis adorar qualquer deus exceto o verdadeiro Deus, como se Ele não fosse o Deus que todos devessem adorar, ao qual todos pertencem. »

CAPÍTULO XXV Eu penso que ofereci prova suficiente sobre a questão da falsa e da verdadeira divindade, mostrando que a prova está não simplesmente fundamentada em debate ou argumento, mas no testemunho dos próprios seres em quem pondes a vossa fé, de modo que esse assunto não precisa mais de discussão.
Contudo, tendo começado a naturalmente falar dos romanos, não posso evitar a controvérsia que é provocada pela divulgada afirmação daqueles que afirmam que, como uma recompensa de sua singular homenagem à religião, os romanos progrediram a tais alturas de poder que se tornaram senhores do mundo.
E, portanto, são certamente divinas os deuses que adoram, porque prosperam acima dos outros aqueles que sobrepujam todos os outros na honra às divindades. Isso, certamente, é o preço que os deuses pagaram aos romanos por sua devoção.
O progresso do Império deve ser atribuído a Estérculo, a Mutuno e Larentina. Pois que dificilmente poderia pensar que deuses estrangeiros estivessem dispostos a favorecer mais uma raça estrangeira do que à sua própria, e entregar sua própria terra, na qual nasceram, na qual se tornaram adultos, ficaram famosos, e, enfim, foram enterrados, em benefício de invasores do outras plagas.
Assim Cibele, se põe suas afeições na cidade de Roma, como herdeira da progênie troiana salva dos exércitos da Grécia, ela própria sendo, certamente, da raça troiana - como se previsse sua transferência para o povo vingador pelo qual a Grécia, conquistadora da Frígia, seria subjugada, e o preferisse mais do que a seu país natal conquistado pela Grécia.
Por que, igualmente, em nossos dias, a Mãe Magna (Cibele) deu uma notável prova de sua grandeza, conferindo como que uma dádiva à cidade, quando, logo após a perda da estátua de Marco Aurélio, em Sírmio, no dia 17 antes das Calendas de Abril, o mais sagrado de seus sacerdotes havia oferecido, uma semana depois, libações impuras de sangue retirado de seus próprios braços, e ordenado que preces usuais deveriam ser feitas pela saúde do imperador, já morto.
Ó mensageiros tardios! Ó correio dorminhoco! Por cuja falta Cibele não recebeu uma notícia atualizada da morte imperial, para que os cristãos não tivessem oportunidade de ridicularizar uma divindade tão indigna. Júpiter, de novo, nunca deveria ter permitido que sua própria Creta caísse, de repente, diante das forças romanas, esquecido totalmente daquele caverna amada e dos címbalos das festas de Cibele, e do doce odor daquela que ali o amamentou.
Não queria Júpiter que seu próprio túmulo fosse exaltado sobre o Capitólio inteiro, porque, preferencialmente, a terra que cobriu suas cinzas poderia vir a ser a senhora do mundo? Desejaria Juno a destruição da cidade Púnica, amada a ponto de negligenciar Samos, e isso por uma nação primitiva? Sim, eu sei, "aqui estavam seus exércitos, aqui estava sua carruagem, este reino, porque permitam os fados, a deusa desejava e sonhava ser a senhora das nações".
A malfadada mulher e irmã de Júpiter não tinha poder para prevalecer contra os fados! "Júpiter mesmo foi ajudado pelo fado". E contudo os romanos nunca prestaram tal homenagem aos fados!
Eles que lhes deram Cartago contra o propósito e a vontade de Juno, assim como da abandonada meretriz Larentina. É indubitável que senão poucos de vossos deuses tiveram poder na terra como reis. Se, então, eles agora possuem mais poder de agraciar um Império do que quando eles mesmos eram reis, de quem receberam suas honras reais?
A quem Júpiter e Saturno adoravam? A um Estérculo, suponho. Mas, os romanos primitivos junto com os nativos adoraram depois também a quem nunca tinha sido rei? Nesse caso, então, estavam sob o reinado de outros, a quem nunca sujeitaram, já que não se elevaram à liderança divina. Esta, então, pertencia a outros, que podiam presentear os reinos, já que havia reis antes daqueles deuses terem tido seus nomes no rol das divindades.
Mas que loucura agora é atribuir a grandeza do nome romano aos méritos da religião, já que foi depois que Roma se tornou um Império, ou, se quiserdes, um reinado, que a religião que ela professa promoveu seu imenso progresso! É agora o caso?
Foi sua religião a fonte da prosperidade de Roma? Embora Numa Pompílio tenha estabelecido com ardor observâncias supersticiosas, contudo a religião entre os romanos não constava, contudo, de imagens ou templos.
Era frugal em seus modos, seus ritos eram simples, não havia capitólios ascendendo aos céus; mas os altares eram improvisados de turfa, os vasos sagrados eram utensílios de barro do Sâmnio, deles vinha o odor de rosa, e não se viam imagens de Deus. Naquele tempo a habilidade dos Gregos e Toscanos na confecção de imagens não tinha ainda chegado à cidade com os produtos de sua arte.
Os romanos, portanto, não foram conhecidos por sua devoção aos deuses antes de terem alcançado a grandeza. Assim, sua grandeza não foi resultado de sua religião. Como poderia a religião tornar grande um povo que deveu sua grandeza à sua irreligião? Pois que, se não estou errado, reinos e impérios são adquiridos pelas guerras, e são ampliados por vitórias. Mais do que isso, vós não podeis conquistar guerras e vitórias sem a presa e muitas vezes a destruição de cidades. Isto é uma calamidade na qual os deuses têm sua parte de responsabilidade.
Casas e templos sofreram, por isso, igualmente. Há um indiscriminado morticínio de sacerdotes e cidadãos. A mão da rapina se dirige igualmente ao tesouro sagrado e ao tesouro do povo. Assim os sacrilégios dos romanos são tão numerosos como seus troféus. Eles se vangloriam tanto de triunfos sobre os deuses como sobre as nações.
Apropriam-se tanto de despojos de batalha, como de imagens das divindades cativas. Os pobres deuses se submetem a ser adorados por seus inimigos, e ainda proporcionam um Império ilimitado àqueles de cujas mãos receberam por retribuição mais injúrias do que homenagem simulada. Mas as divindades inconscientes são desonradas impunemente, exatamente como são em vão adoradas.
Certamente nunca podeis acreditar que a devoção à religião fez evidentemente progredir a grandeza um povo que, como disse, cresceu seja por injuriar a religião, seja ter uma religião injuriada por seu crescimento. Igualmente, aqueles cujos reinos se tornaram parte desse grande todo que é o Império do Romano, não eram sem religião, quando seus reinos lhes foram tomados. »

CAPÍTULO XXVI Examinai e vede se Ele não é o dispenseiro dos reinos, aquele que é simultaneamente o Senhor do mundo, por quem é governado, e que governa os próprios homens; se Ele não fez as mudanças de dinastias, com suas indicadas seqüências, que existiu antes de todos os tempos e determinou no mundo uma continuidade de tempos.
Se o soerguimento e a queda dos países não são Sua obra, sob cuja soberania a raça humana primitivamente existiu sem nenhuma país. Como explicais que incidis em tal erro? Porque a Roma de simplicidade rural dos tempos primitivos é mais velha do que muitos de seus deuses. Ela reinou antes que seu orgulhoso e imenso Capitólio fosse construído.
Os babilônios também se constituíram em Império antes dos dias dos pontífices, e os medas antes dos qüindecênviros. Os egípcios antes dos sálios.
A Assíria antes de Lupércio, e as amazonas antes das Virgens Vestais. E para acrescentar outro ponto: se as religiões de Roma lhe proporcionaram um Império, a antiga Judéia nunca teve um, desprezando-o como fez com um e todos aqueles ídolos divinizados; a Judéia cujo Deus, vós, romanos, certa vez honraram com vítimas, com presentes de seu Templo, e com tratados de seu povo, ela nunca esteve sob vosso cetro, senão por ocasião dessa última e final ofensa contra Deus, quando rejeitaram e crucificaram Cristo. »

CAPÍTULO XXVII Bastante já foi dito nessas explicações para refutar a acusação de traição contra vossa religião e porque não podemos ser considerados prejudiciais àqueles que não existem... Portanto, quando somos convidados a sacrificar, recusamos resolutamente, apoiados no conhecimento que temos, pelo qual estamos certos sobre a realidade dos seres aos quais esses sacrifícios são oferecidos, sob a profanação de imagens e a deificação de seres humanos.
Muitos, de fato, julgam isso um ato de insanidade, pois estando em nosso poder oferecer logo o sacrifício e nos livrarmos do castigo, mantemos nossas convicções; é que preferimos uma persistência obstinada em nossa confissão, para nossa salvação. Vós nos avisais, é certo, que assim estamos tirando vantagens de vós, mas sabemos de quem procedem tais sugestões, quem está por trás disso, querendo vencer nossa constância, e como faz todo esforço, agora com manhosa persuasão e depois com perseguição sem piedade.
Não é outro senão o espírito, meio demônio, meio anjo que, nos odiando por causa de sua própria separação de Deus, levado pela inveja do favor que Deus nos tem demonstrado, vira vossas mentes contra nós com influências ocultas, moldando-as e instigando-as a todas as perversidades no julgamento, e àquela crueldade indevida que mencionamos no começo de nosso trabalho, quando iniciamos esta discussão.
Porque, embora todo o poder dos demônios e maus espíritos nos esteja sujeito, contudo, como escravos, indispostos muitas vezes, estão cheios de medo: assim são eles também. Por medo, também inspiram ódio.
Além disso, em sua condição desesperada, já que estão condenados, causa-lhes algum conforto quando adiam o castigo e usufruem de suas disposições malignas.
No entanto, quando nossas mãos são levantadas contra eles, ficam subjugados de repente, submissos a seu lugar; e àqueles a quem se opõem à distância, reservadamente pedem misericórdia.
Assim, nas sedes rebeladas, em prisões ou minas, ou em qualquer um desses locais para penas escravas, são aqueles que se revoltam contra nós, seus senhores, sabendo sempre que não são ameaça para nós e, exatamente por isso, de fato, se entregam mais renhidamente à destruição.
Nós lhes resistimos a contragosto, como se fossem nossos iguais, e os enfrentamos perseverando naquilo que eles atacam. Nosso triunfo sobre eles nunca é mais completo do que quando somos condenados pela resoluta adesão à nossa fé. »

O que você destaca no texto?
Como ele serviu para sua espiritualidade?


segunda-feira, 11 de março de 2019

88 - Tertuliano de Cartago (155-220) Apologia (Capítulo 22-23)


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88
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Tertuliano de Cartago (155-220)
Apologia (Capítulo 22-23)


CAPÍTULO XXII Também afirmamos, com certeza, a existência de certos seres espirituais, cujos nomes não vos são desconhecidos. Os filósofos admitem que existem demônios.
O próprio Sócrates esperou pela vontade de um demônio. Por que não? Uma vez que se diz que um espírito mau estava especialmente ao seu lado desde sua juventude - que, sem dúvidas, desviava sua mente do que era bom.
Todos os poetas estão, também, de acordo com a existência dos demônios. Mesmo o povo comum, ignorante, costuma chamá-los quando praguejam. De fato, o povo chama por Satanás, o líder dos demônios, em suas execrações, como se dele tivesse um conhecimento instintivo. Platão admite a existência de anjos.
Os que praticam a magia, se apresentam como testemunhas da existência de ambas as espécies de espíritos. Somos instruídos, ainda, por nossos livros sagrados, de como certos anjos, que se degradaram por sua própria liberdade, originaram uma família de anjos maus, condenados por Deus juntamente com os promotores dessa degradação.
A tal líder, acima já nos referimos. Isso seria suficiente para o momento, contudo, temos alguns relatos de suas obras. A grande tarefa deles é levar à ruína os homens de boa vontade. Assim, por sua própria maldade espiritual procuram nossa destruição. Nesse sentido, infligem males a nossos corpos e outras calamidades mortais, quando com violentos ataques impelem a alma a repentinos e enormes excessos.
Sua prodigiosa sutileza e espiritualidade lhes dão acesso a ambas as partes de nossa natureza. Como espíritos, não podem nos ferir; e porque, invisíveis e intangíveis, não tomamos conhecimento de suas ações exceto por seus efeitos, assim como quando algum desconhecido veneno na brisa arruína as maçãs e os grãos quando ainda em floração, ou os matam no botão, ou os destroem quando alcançam a maturidade, como se fosse por uma atmosfera corrompida por meios desconhecidos, espalhando por toda a parte suas exalações pestilenciais.
De semelhante modo, também, por uma influência igualmente obscura, os demônios sopram dentro das almas e as incitam à corrupções com paixões furiosas e excessos vis, ou com cruéis concupiscências, acompanhadas de vários erros, dos quais o pior é aquele empenho pelos quais tais espíritos se dedicam a enganar e iludir os seres humanos para obterem seu próprio alimento de carne, vapores e sangue que são oferecidos às imagens dos ídolos.
Que alimento mais perverso para o espírito do mal do que afastar as mentes humanas do verdadeiro Deus com as ilusões de sua falsa divindade? Aqui vos exponho como tais ilusões são realizadas. Esses espíritos possuem asas. Essa é uma propriedade comum tanto aos anjos como aos demônios.
Assim, eles estão em todo lugar, a cada momento; o mundo todo é um único lugar para eles. Tudo o que é feito no espaço do mundo, para eles se torna fácil tanto de conhecer como de relatar. Sua sutileza de movimento é tomada como coisa divina, porque sua natureza é desconhecida. Assim eles são tidos, muitas vezes, como autores de coisas que então proclamam. Muitas vezes, não há dúvida, as coisas ruins são de sua autoria, nunca o bem.
Os propósitos de Deus, igualmente, eles souberam pelos pronunciamentos dos profetas, logo que eles os faziam. Eles os espionam ainda através de suas obras, quando os ouvem ler em voz alta. Então, obtendo por essa fonte algumas afirmações sobre o futuro, se posicionam como próprios rivais do Deus verdadeiro, enquanto se apropriam do conhecimento divino.
Vossos Creso e Pirro bem conhecem a habilidade com as quais suas respostas parecem prever os acontecimentos. É assim que explicamos porque Píton estava apto a declarar que eles estavam cozinhando uma tartaruga com a carne de um cordeiro. Num segundo, ele estava na Lídia.
Porque moram nos ares e por causa de sua proximidade das estrelas e suas comunicações com as nuvens, eles têm meios de saber os processos preparatórios que ascendem a essas elevadas regiões e, assim, podem prometer as chuvas, das quais já tinham conhecimento. Muito hábeis, também, não há dúvidas, são com respeito a curar as doenças. Primeiramente, eles vos fazem adoecer. Depois, para demonstrar um milagre, ordenam a aplicação de remédios seja um remédio novo, seja um inabitual, e rapidamente retirando sua influência mal-sã, se tornam conhecidos como realizadores de uma cura.
Que necessidade, então, de falar de seus outros artifícios ou poderes ilusórios que possuem como espíritos, como daquelas aparições de Castor, da água carregada numa peneira, de um navio que ultrapassa uma barreira, da barba irritada por um toque, tudo feito com o propósito de mostrar que os homens deveriam acreditar na divindade de pedras, e não procurar o único Deus verdadeiro? »

CAPÍTULO XXIII Ainda mais, se feiticeiras invocam espíritos, e mesmo fazem que apareçam as almas dos mortos, se matam crianças com o propósito de obterem uma resposta dos oráculos, se com suas ilusões de prestidigitação têm a pretensão de fazerem vários milagres, se iludem com sonhos a cabeça do povo pelo poder de demônios, cuja ajuda pediram, por cuja influência, igualmente, cabras e mesas se tornam algo divino - quanto mais não é este poder do mal zeloso em fazer com todas as suas capacidades, a favor de seu próprio propósito, e por seus próprios meios, o que serve aos objetivos de outros!
Ora se anjos e demônios fazem exatamente o que vossos deuses fazem, onde nesse caso está a preeminência da divindade, a quem devemos considerar estar acima de todos em poder?
Não seria, então, mais razoável afirmar que esses espíritos se fazem de deuses, apresentando como apresentam, provas reais que exaltam vossos deuses, do que afirmar que os deuses são iguais aos anjos e demônios?
Fazeis uma distinção de lugares, suponho, olhando como deuses em seus templo aqueles cuja divindade não reconheceis de modo algum. E observe-se a loucura de considerar como diferentes um homem que sai dos templos sagrados e um outro que sai do templo ao lado. E de se considerar sob domínio de um furor diferente aquele que corta seus braços e intimidades e aquele que corta sua garganta.
O resultado da loucura é o mesmo e a forma de instigação também. Mas há tempo estamos argumentando somente com palavras. Agora trataremos de apresentar provas dos fatos, pelas quais mostraremos que sob diferentes nomes tendes uma mesma e real identidade. Leve-se uma pessoa que está inquestionavelmente sob possessão demoníaca, ante vossos tribunais.
O espírito mau ordenado a falar por um seguidor de Cristo prontamente fará a confissão verdadeira de que ele é um demônio, assim como, de outro modo, ele falsamente afirmará que é uma divindade. Ou, se quereis assim, que a pessoa seja possuída por uma divindade, como supondes que seja, a qual aspirando junto ao altar recebeu a divindade pelos vapores, quando estava em ânsias de vômito, em espasmos de respiração.
Vede se a própria Celeste, a prometera de chuva, que Esculápio descobridor de remédios pronto a prolongar a vida de Socórdio, Tanácio e Asclepiódolo, agora no além, se eles não confessariam, perante o sangue derramado do mais indigno seguidor de Cristo, em seu medo de mentir a um cristão, que são demônios.
O que seria mais evidente do que uma tal comprovação? O que mais verdadeiro do que tal prova? A simplicidade da verdade será então comprovada. Sua própria dignidade a sustentará. Não haverá mais lugar para a mínima suspeita. Direis que isso será feito por mágica, ou por algum truque - mas de que sorte?
Não podereis dizer nada disso, se vos permitirdes o uso de vossos ouvidos e olhos. Que argumento podereis levantar contra uma coisa que é exibida aos olhos em sua realidade nua? Se, por outro lado, eles são realmente deuses, porque pretendem ser demônios? É por medo de nós?
Nesse caso, vossa divindade está sob sujeição dos cristãos, e certamente nunca podeis chamar de divindade àquela que está sob a autoridade do homem e de seu próprios inimigos (mesmo levando em conta a desgraça da possessão). Se, por outro lado, eles são demônios ou anjos maus, por que sem provas para isso, ousam se promoverem agindo com as prerrogativas dos deuses?
E como seres que se promovem como divindades, não poderiam nunca de boa vontade se confessarem demônios, se fossem de fato divindades, porque não poderiam abdicar de sua dignidade. Esses que sabeis ser não mais do que demônios, não ousariam agir como deuses, se aqueles de cujos nomes se apropriam, usando-os, fossem realmente divinos.
Pois que não ousariam tratar com desrespeito a majestade suprema dos seres divinos, cujo desagrado lhes seria temível. Assim, essas vossas divindades não são divindades, porque se fossem não iriam querer passar por demônios, e não iriam querer ver negada sua divindade.
Mas desde que de ambas as partes há um conhecimento concorrente de que não são deuses, resta concluirmos que não formam senão uma única família, ou seja, a família dos demônios, a raça verdadeira de uns e outros. Procurai, então, doravante, deuses, pois que constatastes serem espíritos do mal aqueles que tínheis imaginado serem deuses.
A verdade é, então, como demonstramos de nosso próprio Deus, porque nem ele mesmo nem nenhum outro reivindica sua divindade. Igualmente, podereis ver, então, de uma vez por todas quem é realmente Deus, e se Ele é Aquele Único a quem nós cristãos servimos.
E, também, se estais dispostos a acreditar n'Ele e a adorá-Lo, como o fazemos em nossa fé e disciplina cristãs. Mas, então, dirão: Quem é este Cristo com suas fábulas? É um homem comum? É um feiticeiro? Foi seu corpo roubado por seus discípulos de seu túmulo?
Está agora nos reinos inferiores? Ou antes não está nos céus, de onde virá de novo, fazendo todo mundo tremer, enchendo a terra com mortais clamores, fazendo todos, exceto os cristãos, se lamentarem - como o Poder de Deus, o Espírito de Deus, a Palavra, a Razão, a Sabedoria, como o Filho de Deus? Zombai como gostais de fazer, mas juntai-vos aos demônios, se assim quereis, em vossas zombarias.
Que eles neguem que Cristo virá para julgar cada alma humana que já existiu desde o início do mundo, revestindo-os dos corpos deixados por ocasião da morte. Que eles declarem isso, digo, ante vosso tribunal, porque este poder tem sido atribuído a Minos e Radamanto, como Platão e os poetas afirmam. Que eles afastem de si pelo menos a marca da ignomínia e da condenação.
Eles discordam de que sejam espíritos impuros. Contudo temos isso como indubitavelmente provado por seu gosto pelo sangue, pelos vapores e carcaças fétidas de animais sacrificados, e mesmo pela linguagem vil de seus ministros.
Que eles neguem isso, porque por sua maldade já condenada, estão livres, de fato, daquele dia do julgamento, com todos os seus adoradores e todas as suas obras. Porque toda a autoridade e poder que temos sobre eles vem do nome de Cristo, nossa denominação, relembrando-lhes as desgraças com as quais Deus os ameaça pelas mãos de Cristo como Juiz, e com as quais os cristãos esperam um dia surpreendê-los.
Temendo Cristo em Deus, e Deus em Cristo, os cristãos se tornam submissos servos de Deus e Cristo. Assim, ao nosso toque e sopro, esmagados pelo pensamento e realização daquele fogo do julgamento, deixarão sob nosso comando seus corpos, contra a vontade e desamparados, diante de vossos próprios olhos expostos à vergonha pública. Acreditais neles quando eles mentem.
Dai crédito a eles quando falam a verdade acerca deles mesmos. Ninguém diz mentira para trazer desgraça sobre sua própria cabeça, mas antes pela salvação da honra. Estais mais prontos a afirmardes algo ao povo, mesmo fazendo confissões contra as divindades, do que a negardes algo em interesse do próprio povo.
Não é coisa rara que esses testemunhos de vossas divindades convertam os homens ao Cristianismo. Pois que acreditando plenamente neles, ficamos livres para acreditar em Cristo. Sim, vossos próprios deuses põem fé em nossas Escrituras, eles fizeram crescer nossa esperança.
Vós também os honrais, como sabemos, com o sangue dos cristãos. Despropositadamente perdem aqueles que lhes são tão úteis e tão temerosos deles, ansiosos mesmo que vos resistam, e a não ser num dia ou outro consigais desbaratá-los - como se sob o poder de um seguidor de Cristo que deseja vos provar a Verdade, lhes fosse possível de algum modo mentirem. »

O que você destaca neste texto?
Como ele serve para a sua espiritualidade?