quarta-feira, 20 de maio de 2020

135 - Cipriano de Cartago (210-258) A Unidade da Igreja – Partes 3 e 4



135
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Cipriano de Cartago (210-258)
A Unidade da Igreja – Partes 3 e 4

 São Cipriano de Cartago e São Cipriano de Antioquia: Não, eles não ...


III. A unidade e indivisibilidade da Igreja prefigurada nas Escrituras
A esposa do Cristo não suporta o adultério, ela é incorrupta e pudica. Conhece uma só casa; guarda, com casto pudor, a santidade de um único tálamo.
Ela nos conserva para Deus, entrega ao Reino os filhos que gerou. Quem se aparta da Igreja e se junta a uma meretriz separa-se também das promessas da Igreja; quem deixa a Igreja do Cristo não alcançará os prêmios do Cristo.
É um estranho, um profano, um inimigo. Não pode ter Deus por Pai quem não tem a Igreja por Mãe.
Quem estiver fora da Igreja só se salvaria se alguém dos que ficaram fora da arca de Noé tivesse escapado!
O Senhor nos admoesta e diz: “Quem não está comigo está contra mim; e quem não junta comigo, dispersa” [Mt 12.30].
Torna-se adversário de Cristo quem rompe a paz e a concórdia do Cristo; ajuntar fora da Igreja é dispersar a Igreja de Cristo.
O Senhor diz: “Eu e o Pai somos um”;[ Jo 10,30.] está ainda escrito do Pai, do Filho e do Espírito Santo: “E estes três são um”;[ 1Jo 5,7.] quem crê nessa verdade fundada na certeza divina e adere aos mistérios celestiais não abandona a Igreja ou dela se afasta por causa da diversidade das vontades que se entrechocam.
Quem não mantém esta unidade não mantém também a lei de Deus, a fé no Pai e no Filho, não conserva nem a vida nem a salvação.
Este sacramento da unidade, este vínculo da concórdia, que une inseparavelmente, se mostra no Evangelho pela túnica de Nosso Senhor Jesus Cristo, que não foi nem dividida nem rasgada: dentre os que disputavam por sorte a veste do Cristo, vestiria o Cristo quem a recebesse íntegra e a possuísse como túnica incorruptível e indivisível.
A Escritura divina declara isso dizendo: “Quanto à túnica porém, como era toda sem costura, tecida em uma só peça, disseram entre si: ‘Não a rasguemos, decidamos por sorte para ver de quem será’”.[ Jo 19,23-24.]
Ela trazia a unidade vinda do alto, isto é, do céu, do Pai, e que não pode ser quebrada por quem a recebe ou a possui, mas ganhada inteira e inseparavelmente radicada em sólido fundamento.
Quem rasga ou divide a Igreja do Cristo não pode possuir a veste do Cristo.
Por outro lado, enfim, quando Salomão estava para morrer e seu reino havia de ser dividido, o profeta Aías dirigiu-se no campo ao rei Jeroboão com suas vestes cindidas em doze trapos dizendo: “Tira para ti dez destes trapos, pois diz o Senhor: ‘Eis que divido o reino nas mãos de Salomão; dar-te-ei dez cetros, dois hão de ficar com ele em vista de Davi meu servo, e de Jerusalém, cidade santa onde colocarei meu nome’”.[ 1Rs 11,31-32.] O profeta Aías rasgou suas vestes porque deviam ser divididas as doze tribos de Israel.
Como, porém, o povo de Cristo não pode ser dividido, sua túnica tecida e coerente não é dividida pelos que a possuem; una, conjunta e indivisível, mostra a concórdia coesa do nosso povo que vestiu o Cristo.  No mistério e no sinal da veste a unidade da Igreja foi manifestada.
Quem há de tão ímpio e perverso, tão tresvariado pelo delírio da discórdia que julgue poder, que ouse dividir a unidade de Deus, a veste do Senhor, a Igreja do Cristo?
O próprio Senhor admoesta e ensina em seu Evangelho com estas palavras: “E haverá um único rebanho e um só pastor”;[ Jo 10,16.] pensa alguém que em um só lugar poderá haver muitos rebanhos e vários pastores?
Também o Apóstolo Paulo, nos insinuando esta mesma unidade, suplica, exorta e nos recomenda dizendo: “Eu vos rogo, irmãos, pelo nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, para que digais a mesma coisa e não haja cisões entre vós; sede propensos ao mesmo espírito e à mesma sentença”.[ 1Cor 1,10.]
Ainda outra vez diz: “Suportando-se mutuamente no amor da paz, tudo fazendo por conservar a unidade do espírito no laço da paz”.[ Ef 4,2-3.]
Acreditas que tu podes ficar em pé e viver afastado da Igreja, procurando para ti outras moradas?
Disseram a Raabe, que prefigurava a Igreja: “Reúne contigo, em tua casa, teu pai, tua mãe e irmãos e toda a tua família, e quem ultrapassar a porta de tua casa responderá por si”.[ Js 2,18-19.]
Do mesmo modo, como o mistério da Páscoa significa na lei do Êxodo a mesma unidade, o cordeiro que é morto figurando o Cristo deve ser comido em uma só casa; Deus o declarou, dizendo: “Há de comer-se numa só casa, não jogueis carne fora da casa”.[ Ex 12,46.]
A carne do Cristo, o Santo do Senhor, não pode ser lançada fora, nem há para os fiéis outra casa senão a Igreja.
O Espírito Santo, nos Salmos, designa e proclama esta casa, esta hospedaria da unanimidade, dizendo: “O Deus que os faz habitar unânimes em casa”.[ Sl 67,7.]
Perseveram habitando unânimes na casa de Deus, na Igreja, em concórdia e simplicidade. Eis por que o Espírito Santo vem como uma pomba:[ Cf. Mt 3,16; Mc 1,10; Jo 1,32.] é um animalzinho simples e ledo, sem o amargor do fel, sem a crueldade das mordeduras ou as violências das garras dilacerantes; é amante da hospedagem do homem, perseverante em uma única morada; quando choca, alimenta seus filhotes em comum; quando passeia, se une a seus semelhantes, passa a vida em comunidade, demonstrando pelo ósculo mútuo a concórdia pacífica; cumprindo, enfim, em tudo, a lei da unanimidade.
Eis, pois, a simplicidade que deve haver na Igreja, a caridade que deve ser mantida, para que o amor do convívio fraterno imite as pombas e se iguale, em mansidão e brandura, a cordeiros e ovelhas.
Que faz no peito cristão a ferocidade do lobo, a fúria dos cães, o veneno mortal das serpentes ou a sangrenta crueldade das feras?
Felicitemo-nos quando semelhantes homens se separam da Igreja, ao menos assim as pombas e ovelhas do Cristo não serão espoliadas com seu contágio envenenado e cruel.
O rancor não pode se associar ou se juntar à doçura, as trevas com a luz, a tempestade com a bonança, a luta com a paz, a esterilidade com a fecundidade, a sequidão com as nascentes, a tormenta com a tranquilidade.
Ninguém pense que os bons podem sair da Igreja. O vento não levanta o trigo, nem o temporal abala a árvore de sólida raiz, só as fracas se quebram com a vinda do turbilhão.
João, o apóstolo, maldiz e estigmatiza estes últimos dizendo: “Afastaram-se de nós; não eram, porém, dos nossos. Se fossem dos nossos ficariam conosco”.[ 1Jo 2,19.]

IV. Cismas, ocasionados por discórdia e ambição.
Por isso, enquanto a alma perversa não guardar a paz, enquanto a perfídia discordante não mantiver a unidade, frequentemente surgirão heresias.
O Senhor o permite e o suporta, sem violar o arbítrio da liberdade individual, para que a fé íntegra dos experimentados brilhe em luz manifesta, enquanto o juízo da verdade põe à prova nossas almas e corações.
O Espírito Santo adverte pelo Apóstolo dizendo: “É necessário que haja heresias para que entre nós se manifestem os experimentados”.[ 1Cor 11,19.]
Desse modo os fiéis são provados e os infiéis revelados e, já antes do dia do juízo, ainda aqui, as almas dos justos são apartadas das dos injustos, a palha é separada do grão.
Todos estes que de antemão se constituem, sem disposição divina, na presidência de agrupamentos temerários, que se fazem chefes sem qualquer lei de ordenação, que assumem o nome de bispos sem de ninguém receberem o episcopado, estes mesmos são os designados nos Salmos, pelo Espírito Santo, como aqueles que se assentam na cadeira da corrupção.[ Cf. Sl 1,1.]
Peste e flagelo da fé, mentirosos com boca de serpente, operários da corrupção da verdade, que vomitam por línguas pestíferas venenos mortais, cuja palavra, contagiosa como o câncer, cuja doutrina inocula veneno mortal em cada peito, em cada coração.
Contra eles o Senhor brada, refreia e chama para longe deles seu povo hesitante dizendo: “Não ouçais os discursos dos pseudoprofetas, as visões de seus corações os iludem. Falam, mas não da boca do Senhor. Eles dizem aos que rejeitam a palavra de Deus: ‘Vós, e todos que seguem suas próprias vontades, obtereis a paz. Todo aquele que andar no erro de seu coração não experimentará castigo’. Eu não lhes falei e eles profetizaram. Se se mantivessem em minha herança e ouvissem minhas palavras, se ensinassem a meu povo, convertê-los-ia de seus maus pensamentos”.[ Jr 23,16-17.21-22.]
Ainda outra vez o Senhor os aponta e os caracteriza dizendo: “Abandonaram-me, fonte de água viva, e cavaram para si poços estragados, incapazes de conter água”.[ Jr 2,13.]
Embora não possa haver mais de um batismo, creem poder batizar; prometem a graça da água vivificante e salutar tendo abandonado a fonte da vida. Ali, com eles, os homens não são lavados, mas se mancham; os crimes não são purificados, mas acrescidos.
Aquele nascimento [que oferecem] não é para Deus, mas gera filhos para o diabo. Os nascidos da mentira não alcançam as promessas da verdade, os filhos da infidelidade perdem a graça da fé.
Quem rompeu a paz do Senhor, discordando furiosamente, não pode alcançar o prêmio da paz.

O que você destaca no texto?
Como ele serve para sua espiritualidade?

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