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História
Eclesiástica de Eusébio de Cesaréia
Livro IV
– Capítulos 15 e 16
São Policarpo e São Justino Mártir
XV - De como, nos tempos de
Vero, Policarpo sofreu o martírio junto com outros da cidade de Esmirna
XVI - De como Justino o
Filósofo, sendo de avançada idade, sofreu martírio pela doutrina de Cristo na cidade
de Roma
XV - De
como, nos tempos de Vero, Policarpo sofreu o martírio junto com outros da
cidade de Esmirna
1.
Neste tempo[1] morreu mártir
Policarpo, quando enormes perseguições estavam perturbando
a Ásia. Creio ser muito necessário incluir na narrativa da presente
história o relato de seu fim, ainda conservado por escrito.
2. A carta está escrita em nome da Igreja que ele governava, para as igrejas
de (todo)[2] lugar e declara
o que se refere a ele nos seguintes termos:
3.
"A igreja de Deus que peregrina[3] em Esmirna à
igreja de Deus que reside como forasteira em Filomelio e a todas as comunidades
da santa Igreja católica, forasteiras em
todo lugar: a misericórdia, a paz e o amor de Deus Pai e de nosso Senhor Jesus
Cristo se multipliquem. Nós vos escrevemos, irmãos, o que se refere aos
que sofreram martírio e ao bem-aventurado Policarpo,
que com seu martírio, como se houvesse posto seu selo, fez cessar a
perseguição."
4.
Em continuação, e antes de referir-se a Policarpo, narram o
referente aos mártires e descrevem a
constância que mostraram ante os tormentos, pois contam que foram motivo de
assombro para os que formavam círculo em torno deles e os contemplavam,
ora dilacerados por açoites até o mais profundo
de suas veias e artérias, de forma que podiam observar os órgãos de seus
corpos, suas entranhas e seus membros, ora a outros, estendidos sobre conchas marinhas e pontas afiadas, e
entregues por fim como pasto às feras, depois de ter passado por
castigos e tormentos de toda espécie.
5.
E contam que distinguiu-se especialmente o nobilíssimo
Germânico, que com a ajuda da graça divina
sobrepôs-se à covardia natural ante a morte do corpo. O Procônsul queria persuadi-lo e alegava como pretexto sua
idade, e suplicava-lhe que, já que
estava na flor da juventude, tivesse compaixão de si mesmo; mas ele não
vacilou, mas valentemente atraiu para si as feras, quase forçando-as e atiçando-as, para poder afastar-se mais rapidamente
da vida injusta e criminosa daqueles.
6.
Ante a gloriosa morte deste homem, a multidão toda pasmou-se
vendo a valentia do mártir divino e a virtude
de toda a linhagem dos cristãos, e todos a uma voz começaram a gritar: "Morram os ateus! Que se busque
Policarpo!"
7. Tendo-se criado com a gritaria uma grande confusão, certo homem da Frigia,
chamado Quinto, recentemente chegado da Frigia, ao ver as
feras e tudo o mais que o ameaçava, sentiu enfraquecer-se
a alma presa do medo e terminou por abandonar sua salvação.
8.
Mas o relato do escrito acima
demonstra que este homem lançou-se ante o tribunal de forma demasiado precipitada e
sem a devida cautela. Assim pois, uma vez preso, proporcionou a todos um
exemplo manifesto de que não é lícito
arriscar-se em tais empresas temerária e incautamente. Assim terminava o
que se referia a estes homens.
9.
Quanto ao admirável Policarpo,
quando ouviu estas coisas não se perturbou; seguiu observando
firme e imutável seus costumes e queria permanecer ali, na cidade. Mas
persuadido pelas súplicas dos que o rodeavam e pelos que o exortavam a afastar-se secretamente, retirou-se a uma propriedade não
muito distante da cidade, e ali passava seu tempo em
companhia de uns poucos, não fazendo outra coisa, noite e dia, que perseverar na
oração ao Senhor. Nela pedia e suplicava
pela paz, pedindo-a para as igrejas de todo o universo, o que aliás
sempre fora costume seu.
10. E foi enquanto
orava, numa visão que teve à noite três dias antes de sua prisão, quando viu que o travesseiro de sua
cabeceira se consumia completamente abrasado pelo fogo. Despertado pelo
fato, logo interpretou para os presentes o ocorrido, quase adivinhando o
futuro, e anunciou claramente aos circunstantes que ele haveria de morrer por
Cristo no fogo.
11.
Assim pois, quando os que o
procuravam com toda presteza já se achavam próximos, diz-se que
ele se mudou para outro sítio, forçado novamente pela disposição e o amor dos
irmãos, e ali apareceram pouco depois os perseguidores, que
detiveram dois criados. Submeteram um deles a torturas e assim chegaram ao
paradeiro de Policarpo.
12. Como chegaram a uma hora tardia, encontraram-no deitado num cômodo do piso
superior, de onde era possível passar para outra casa; mas ele não quis fazê-lo e
disse: "Cumpra-se a vontade de Deus."
13. Efetivamente, quando soube que estavam ali - como diz o relato —, desceu e pôs-se a conversar com eles, com o rosto radiante e cheio de suavidade,
de forma que aqueles que antes não o conheciam acreditavam estar vendo um prodígio, ao considerar sua avançada idade e seu porte venerável e
firme, e se admiravam de tanto esforço para prender um ancião.
14. Mas ele, sem
tardar, manda que lhes ponham a mesa; logo convida-os a participar de abundante
jantar e pede-lhes apenas uma hora para orar tranqüilo. Como eles o permitiram,
levantou-se e pôs-se a orar, cheio da graça
de Deus. Os presentes estavam assombrados ouvindo-o rezar, e muitos deles
arrependeram-se já de que tivesse que ser executado um ancião tão venerável e
digno de Deus.
15. Depois do que foi dito, o escrito que trata dele continua a narrativa
literalmente como segue:
"Quando terminou sua oração, depois de fazer memória de todos com
quem havia tratado em sua vida, pequenos e grandes,
ilustres e plebeus, e de toda a Igreja católica espalhada por toda a terra
habitada, quando chegou a hora de partir, sentaram-no no lombo de um asno e
conduziram-no à cidade. Era dia de grande sábado. Foram ao
encontro do irenarca[4] Herodes e seu
pai, Nicetas, fizeram-no subir em seu carro, sentaram-no a
seu lado e trataram de persuadi-lo dizendo: "Mas que há de mal em dizer:
César é o Senhor! E em sacrificar, e com isto salvar a vida?"
16. "Policarpo a
princípio não respondia, mas como insistissem, disse: "Não tenho intenção de fazer o que me aconselhais.'
Como não conseguiram seu intento,
começaram a dizer-lhe palavras terríveis e fizeram-no descer a toda pressa, tanto que ao descer do carro arranhou a
perna. Mas ele, sem virar-se, como se nada tivesse lhe acontecido, pôs-se
animadamente a caminhar com pressa, conduzido ao estádio.
17. Era tal o ruído no estádio, que muitos não podiam ouvir. Entrando
Policarpo no estádio, sobreveio uma voz do céu: 'Sê forte,
Policarpo, e porta-te como homem.' Ninguém viu quem falou, mas muitos dos
nossos ouviram a voz.
18.
Quando o 'conduziam armou-se grande tumulto por parte dos que
perceberam que haviam prendido Policarpo.
Logo, quando se aproximou, perguntou-lhe
o procônsul se ele era Policarpo. Tendo ele confessado, aquele tentou
persuadi-lo a que renegasse, dizendo: 'Tenha consideração a tua idade', e outras coisas parecidas a estas, como
tem costume de dizer: 'Jura pelo gênio do César. Muda de pensar.' Diga:
'Morram os ateus!'
19. Mas Policarpo olhou com rosto severo a toda a turba que se encontrava no estádio, agitou
para eles sua mão e, entre soluços e levantando a vista ao céu, disse: 'Morram
os ateus!'
20. Mas quando o
governador lhe pediu e disse: 'Jura e te soltarei; maldiz a Cristo', Policarpo
disse: 'Oitenta e sei anos venho servindo-o e nenhum mal me fez. Como posso
blasfemar contra meu rei, que me salvou?'
21. Como o procônsul
insistisse novamente e dissesse: 'Jura pela sorte do César', Policarpo respondeu: "Se abrigas a vã pretensão de que eu
jure pelo gênio do César, como dizes, fingindo que ignoras quem sou eu,
com franqueza, escuta: sou cristão. Mas se
é que queres aprender a doutrina do cristianismo, dá-me um dia e
escuta".
22. Disse o procônsul: "Convence ao povo". Policarpo replicou:
"A ti considero digno do meu discurso, pois nos é ensinado render as honras
devidas às autoridades e potestades
estabelecidas por Deus[5], enquanto não
seja em detrimento nosso; mas a
estes não os considero dignos de que me defenda perante eles.'
23. E o procônsul disse: 'Tenho feras. A elas te lançarei se não mudas tua
posição.' Mas ele respondeu: 'Chama-as, porque para nós não é possível mudar de posição se é do melhor para o pior. O bom é mudar do mau para o justo.'
24. Insistiu o
procônsul: 'Como não te arrependes, farei com que o fogo te dome se desprezas as feras'. Policarpo disse:
"Ameaças com um fogo que arde algum tempo, mas depois de um pouco se
apaga. E ignoras o fogo do juízo
futuro e do castigo eterno, reservado aos ímpios. Mas, por que tardas? Traga
o que quiseres.'
25. Enquanto dizia
isto e muitas outras coisas mais, enchia-se de valor e de alegria, e seu rosto transbordava de graça, ao
ponto de que não somente não caiu em confusão pelas coisas que lhe
diziam, mas pelo contrário, foi o procônsul que ficou fora de si e chamou o
arauto para que no meio do estádio apregoasse três vezes: 'Policarpo confessou
que é cristão.'
26. Quando o arauto disse isso, toda a turba de gentios e de judeus que
habitavam Esmirna se pôs a gritar com ânimo exaltado e grande vozerio: 'Este é o
mestre da Ásia, o pai dos cristãos, o destruidor de nossos deuses, o que
ensinou a muitos a não sacrificar e a não adorar.'
27.
Enquanto diziam isto, gritavam mais
e mais, e pediam ao asiarca[6] Felipe que lançasse um
leão contra Policarpo. Disse ele que não podia, por estar terminado o combate
de feras. Então acharam por bem gritar juntos que Policarpo fosse queimado
vivo.
28. E devia cumprir-se
a visão que teve de seu travesseiro quando, enquanto orava, viu que se consumia abrasado, e voltando-se para os fiéis que
estavam com ele, disse-lhes em tom profético: 'Devo ser queimado vivo.'
29. Isto se fez mais
depressa do que foi dito. A turba arrancou das oficinas e dos banhos a madeira
e lenha miúda. Os mais entusiásticos em colaborar com a tarefa foram, como de
costume, os judeus.
30. Quando a fogueira estava pronta, Policarpo despojou-se de todas suas roupas e,
descingindo-se, tratou de soltar também seu calçado, coisa que antes não fazia
pois cada fiel sempre se esforçava para ser o primeiro a tocar sua pele; porque
a todo momento, antes mesmo de ter os cabelos brancos, havia sido honrado por
causa de sua santa vida.
31. Em seguida foram colocando a sua volta os instrumentos preparados para a fogueira, mas quando já iam pregá-lo, disse-lhes: "Deixai-me assim,
pois quem me dá esperar com pés firmes o fogo, me dará
também, sem que seja necessária a segurança de vossos pregos, o manter-me firme na
fogueira.' E não o pregaram, mas amarraram-no.
32. Com as mãos às
costas e amarrado como um carneiro escolhido que é tirado de um grande rebanho como holocausto aceitável a Deus Todo-poderoso,
disse:
33. 'Pai de teu amado
e bendito Filho Jesus Cristo, por quem recebemos o conhecimento acerca de ti, Deus dos anjos, das potestades, de toda a
criação e de toda a raça dos justos
que vivem em tua presença: Bendigo-te porque me julgaste digno deste dia e desta hora, para ter parte, entre o número
dos mártires, no cálice de teu Cristo para ressurreição na vida eterna,
tanto da alma como do corpo, na integridade
do Espírito Santo.
34. Oxalá seja eu recebido em tua presença hoje, com eles, em sacrifício pio e
aceitável!, segundo preparaste de antemão, como de antemão o
manifestaste e o cumpriste, ó Deus sem mentira e verdadeiro!
35. Por esta razão, e por todas as coisas, te louvo, te bendigo, te glorifico,
por meio do eterno e sumo sacerdote Jesus Cristo, teu Filho amado, pelo qual seja a glória a ti, com Ele no Espírito Santo, agora e nos séculos
vindouros. Amém.'
36. Quando pronunciou
o Amém e terminou sua oração, os encarregados do fogo acenderam-no, mas, fazendo-se uma grande chama, vimos um prodígio,
aqueles aos quais foi dado vê-lo e que fomos conservados para anunciar
aos demais o ocorrido.
37.
Ocorreu que o fogo, formando uma
espécie de abóbada, como a vela de um navio enchida pelo
vento, protegeu o corpo do mártir como uma muralha em torno. E ele estava no meio, não como carne queimada, mas como ouro e prata candentes
no forno. E nós, em verdade, sentíamos uma fragrância tal, como exalada pelo
incenso ou por qualquer outro aroma precioso.
38. Ao fim, vendo aqueles ímpios que o corpo não podia ser consumido pelo fogo, ordenaram ao confector[7]
que se aproximasse e cravasse nele sua espada;
39. feito isto, brotou
um caudal de sangue tão grande que apagou o fogo e deixou assombrada a multidão
que via a grande diferença entre os infiéis e
os eleitos. Um destes foi este homem, admirável em demasia, mestre apostólico e profético de nossos dias, bispo que foi da
igreja católica de Esmirna. Efetivamente, toda palavra que saiu de sua boca se
cumpriu e se cumprirá.
40. Mas o rival e
invejoso maligno, adversário da raça dos justos, ao ver a grandeza de seu martírio e a vida irrepreensível
que havia levado desde o princípio e que já estava coroado com a coroa
da integridade e já tinha alcançado um
prêmio indiscutível, dispôs as coisas de tal maneira que nós não recolhemos seu
corpo, mesmo sendo muitos os que desejavam fazê-lo e ter parte em seus
santos despojos.
41. Alguns pois, sugeriram a Nicetas, pai de Herodes e irmão de Alce,
solicitar do governador que não entregasse o corpo do mártir, 'não ocorra que -disse
- deixando o crucificado, comecem a render culto a este'. E diziam isto por sugestão e por pressão dos judeus, que
também vigiavam quando nós íamos
recolhê-lo da fogueira. Pois ignoram que nós jamais poderemos abandonar a Cristo, que padeceu pela salvação de
todos os que no mundo inteiro se salvam, nem render culto a nenhum
outro.
42. Porque a este adoramos por ser Filho de Deus; aos mártires, por outro
lado, amamos justamente porque são discípulos e imitadores
do Senhor, por causa de sua insuperável benevolência para com
seu próprio rei e mestre. Oxalá também nós fôssemos partícipes de sua
sorte e seus condiscípulos!
43. Vendo pois o Centurião a insistência dos judeus, pôs o corpo no meio, como
de
costume, e queimou-o. E assim nós logo retiramos seus ossos, mais estimáveis
que as pedras preciosas e mais dourados do que o ouro, e os guardamos em lugar
conveniente.
44. Ali, reunidos enquanto nos seja possível, jubilosos e alegres, o Senhor
nos concederá
celebrar o aniversário de seu martírio, para memória dos que lutaram e para
exercício e preparação dos que terão que lutar.
45. Este foi o final
do bem-aventurado Policarpo. Ainda que sejam doze o número dos martirizados em
Esmirna, junto com os de Filadélfia, ele é o único
de quem todos mais se recordam, ao ponto de que inclusive os pagãos estão
falando dele em todas as partes."
46. Deste final fez-se digno o admirável e apostólico Policarpo, cujo relato
foi exposto pelos irmãos da igreja de Esmirna na carta
deles que citamos. Neste mesmo escrito que trata dele estão juntos outros
martírios que tiveram lugar na mesma Esmirna na mesma época que
o martírio de Policarpo. Com eles pereceu também, entregue às chamas,
Metrodoro, que se acredita que fosse presbítero da seita de Márcion.
47. Mas o mártir mais
famoso dos de então foi Pionio. Suas sucessivas confissões, sua liberdade de
expressão, suas apologias da fé em presença do povo e das autoridades, seus
discursos didáticos ao povo e ainda sua amável
acolhida aos que haviam sucumbido na prova da perseguição, assim como as
exortações que, estando no cárcere, dirigia aos irmãos que a ele acudiam, e
também os tormentos que depois sofreu, os suplícios que se juntaram, seu encravamento, sua integridade na
fogueira e, depois de todas estas
maravilhas, sua morte: tudo isto está contido de maneira muito completa no escrito que dele trata[8]. A ele
remetemos quem se interessar: acha-se incluído entre os martírios dos
antigos, por nós recompilados.
48. Conservam-se também as atas de outros mártires que foram martirizados em Pérgamo, cidade da Ásia: Carpo, Papilo e uma mulher, Agatonice, que acabaram
gloriosamente depois de muitas e ilustres confissões.
XVI - De
como Justino o Filósofo, sendo de avançada idade, sofreu martírio pela doutrina
de Cristo na cidade de Roma
1.
Por este mesmo tempo[9], Justino,
mencionado há pouco, depois de dedicar aos supracitados imperadores seu segundo
livro em defesa de nossas doutrinas, foi
adornado com o sagrado martírio. O responsável pela conspiração foi o
filósofo Crescente - homem que se esforçava em levar uma vida e uma conduta bem adequadas ao cognome de
cínico[10] -, pois
Justino o havia repreendido muitas vezes em presença de seus ouvintes.
Justino, com seu martírio acabou cingindo o prêmio da vitória da verdade da
qual era embaixador.
2. Também isto foi
previsto por ele mesmo, consumado filósofo que era, na mencionada Apologia, e tão claramente como de fato haveria de
suceder-lhe. Estes são seus termos:
3.
"E eu mesmo espero ser vítima da conspiração de algum
dos nomeados e ser agrilhoado ao cepo. Talvez por obra de Crescente, o amigo,
não da sabedoria, mas da ruidosa jactância,
já que não é justo chamar de filósofo um homem que em público atesta o
que ignora, como quando diz que os cristãos são ateus e ímpios, fazendo assim
para graça e gosto do vulgo extraviado no erro.
4.
Porque, se é que nos ataca sem ter lido os ensinamentos de
Cristo, é dos mais malvados e muito pior do que os ignorantes, os quais muitas
vezes evitam conversar e atestar falsamente sobre o que ignoram. E se é que os
leu sem entender a grandeza que há neles, ou se os entendeu, mas faz assim para
não ser suspeito de ser cristão, então é muito mais ignóbil e malvado, escravo
de uma opinião, ignorante e irracional, e do medo.
5.
Porque quero que saibais que, havendo-lhe já proposto e feito
perguntas deste gênero, dei-me conta e o convenci de que verdadeiramente não
sabe nada. E como prova de que digo a verdade, se é que não vos remeteram os
informes da discussão, estou disposto a fazer novamente as perguntas inclusive
em vossa presença, tarefa que também seria digna de um imperador.
6.
Mas se já vos são conhecidas minhas perguntas e as respostas
daquele, tereis visto bem claramente que nada sabe de nossas coisas. Ou se o
sabe, mas não se atreve a dizê-lo por causa dos ouvintes, como disse antes, não
mostra ser um homem amante do saber, mas amante da opinião e depreciador da
sentença de Sócrates[11],
digníssima de todo apreço".
7.
Isto diz Justino. Segundo sua previsão, morreu vítima das
maquinações de Crescente. Taciano, varão que em seus primeiros tempos professou
as ciências helênicas, nas quais alcançou não pequena fama, e deixou em seus
escritos muitos monumentos de seu engenho, narra em seu Discurso aos gregos como
segue:
"E o admirável Justino exclamou com toda justiça que os
supracitados pareciam bandidos."
8. Depois de acrescentar algumas coisas sobre os
filósofos, continua dizendo o que segue:
"Crescente,
pois, o que se aninhou na grande cidade, a todos suplantava como pederasta e
estava inteiramente entregue ao amor do dinheiro.
9. Quem aconselhava a desprezar a morte, ele
mesmo temia a morte de tal maneira que arranjou para precipitar Justino na
morte, como num grande mal, porque este, pregando a verdade, havia provado que
os filósofos eram uns glutões e embusteiros." Esta foi a causa do martírio
de Justino.
O que mais te chamou atenção neste texto?
O que o texto contribuiu para sua espiritualidade?
[1]
Tempos de Marco Aurélio.
[2] O
original não tem a palavra "todo", mas esta aparece no endereçamento
da carta abaixo.
[3]
Usa-se o termo "peregrino" ou "forasteiro" para expressar a
condição do cristão como estando de passagem por este mundo.
[4]
Espécie de comissário de polícia nomeado pelo procônsul para guardar a ordem
pública nas cidades.
[5] Rm
13:1; I Pe 2:13.
[6]
Presidente do concilio da província da Ásia, e como tal, sumo sacerdote e
diretor dos jogos públicos.
[7] O confector
era quem dava o golpe de misericórdia aos homens e às feras ao fim dos
combates.
[8] As
Atas de Pionio.
[9] Dos
imperadores Marco Aurélio e Lúcio Vero.
[10] De
"kíon" = cachorro.
[11]
"A verdade deve ser honrada mais do que o homem, ainda que este homem seja
Homero."