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Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Aristides de Atenas (+130)
Apologia de Aristides – (Cap I ao
VII)
Aristides de Atenas (ou
Aristides, o ateniense, Santo Aristides ou Marcianus Aristides) foi um autor
cristão grego do século II dC que é primordialmente conhecido por sua obra Apologia de Aristides.
Vida e obra
São muito escassos os dados
disponíveis acerca de Aristides: é sabido que escreveu, enquanto vivia em
Atenas no fim do segundo século II, uma apologia dirigida ao Imperador Adriano
ou, talvez, ao seu sucessor, Antonino Pio (138-161).
Segundo a História Eclesiástica
de Eusébio, o Imperador Adriano ter-se-ia convertido a uma religião mistérica
quando da sua estadia na Grécia (123-127) e, na sequência de uma explosão de
zelo por parte de fieis pagãos, assistiu a uma dramática perseguição à alguns
cristãos. Nessa ocasião dois textos apologéticos surgiram: o de Quadrado e o de
Aristides.
A apologia de Aristides visa a
mostrar que os cristãos são os únicos detentores da verdadeira noção de Deus,
demonstrando as inconsistências das concepções dos Caldeus, Gregos e Egípcios.
Demonstra, ainda, o caráter elevado da vida moral cristã em profundo contraste
com as corruptas práticas pagãs. O tom é nobre e calmo e procura testemunhar a
razoabilidade do cristianismo mais por um apelo aos fatos do que por subtis
argumentações.
Pouco se sabia sobre ele, até que
em 1878, monges mequitaritas publicaram partes de um manuscrito de sua
Apologia, em Veneza, junto com a tradução em latim.
Em 1889 foi
descoberta, no mosteiro de Santa Catarina no monte Sinai, uma tradução siríaca
completa pelo americano Rendel Harris.
Mais tarde, foram
também publicados dois fragmentos gregos mais extensos, que demonstraram que a
obra de Aristides influíra na literatura medieval através da lenda "Vida
de Barlaão e Josafá", de autoria de São João Damasceno, que contém em seus
capítulos 26 e 27 boa parte do texto grego, ainda que livremente retocado.
A Apologia ataca
severamente as religiões politeístas dos caldeus, gregos e egípcios, e, embora
admita que os judeus cultuam o verdadeiro Deus, acusa-os de terem desprezado a
salvação do gênero humano, trazida por Jesus, por não lhe reconhecer a messianidade.
Desta forma, consequentemente, os cristãos possuem o verdadeiro conhecimento de
Deus e podem ser distinguidos de todos os demais pela pureza de seus costumes.
Índice do Livro:
I-II.
Introdução
III-VII. Os
falsos deuses dos Caldeus
VIII-XI. Os
falsos deuses dos Gregos
XII. Os
falsos deuses dos Egípcios
XIII.
Conclusão sobre a falsa religião politeísta
XIV. O Deus
dos Judeus e seus desvios da verdade
XV. O Deus
vivo dos Cristãos e seus comportamentos
XVI-XVII.
Conclusão
Obra: Apologia de Aristides
INTRODUÇÃO
I. Eu - ó Rei - por providência de
Deus, vim a este mundo e, tendo contemplado o céu, a terra e o mar, o sol, a
lua e todo o resto, fiquei maravilhado por sua ordem. Porém, vendo que o mundo
e tudo o que nele há se move por necessidade, compreendi que Aquele que os move
e os mantém [em movimento] é mais que estes. Afirmo, pois, ser Deus que ordenou
tudo e o mantém fortemente assim. [Ele] não teve princípio e é eterno; imortal
e sem necessidades; acima de todas as paixões e defeitos, da ira, do
esquecimento, da ignorância e tudo o mais. Por Ele, todavia, subsiste tudo. Não
precisa de sacrifício, nem libação, nem de nada do que existe; porém, tudo
necessita Dele.
II. Ditas estas coisas a respeito de
Deus, da forma como consegui falar sobre Ele, passemos também ao gênero humano,
para saber quais dentre os homens participam da verdade e quais [participam] do
erro, pois, para nós - ó Rei - é evidente que há três tipos de homens neste
mundo: os adoradores daquilo que vocês chamam "deuses"; os judeus; e
os cristãos. Por sua vez, os que adoram muitos deuses se subdividem em também
em três gêneros: os caldeus, os gregos e os egípcios, porque estes foram os
guias e mestres das demais nações no culto e adoração dos deuses de muitos
homens.
OS FALSOS DEUSES DOS CALDEUS
III. Vejamos, pois, quais destes
[homens] participam da verdade e quais [participam] do erro. Os caldeus, com
efeito, por não conhecerem a Deus, se extraviaram por detrás dos astros e
passaram a adorar as criaturas no lugar d'Aquele que os havia criado; e fazendo
daqueles [astros] certas representações, passaram a clamar às imagens do céu e
da terra, do sol, da lua e dos demais astros ou luminares; e, confinando-os em
templos, os adoram, dando-lhes nome de deuses, guardando-os com toda a
segurança, para que não sejam roubados por ladrões, sem perceber que os que
guardam são superiores aos guardados, e os que constroem são superiores às suas
próprias obras. Assim, se os seus deuses são impotentes para sua própria
salvação, como poderiam oferecer a salvação aos outros? Logo, se extraviaram os
caldeus, prestando culto a imagens mortas e inúteis.
E fico maravilhado - ó Rei - como
aqueles que são, entre eles, chamados de "filósofos" não perceberam
absolutamente que também esses mesmos astros são corruptíveis. Sim, e se os
astros são corruptíveis e dominados pelas necessidades, como podem ser deuses?
E se os astros não são deuses, como poderiam ser [deuses] as imagens feitas em
honra deles?
IV. Passemos, portanto - ó Rei - aos
próprios elementos, para provar que não são deuses, mas sim corruptíveis e
mutáveis, desprovidos de tudo por ordem do Deus verdadeiro, Aquele que é
incorruptível, imutável e invisível. Ele tudo vê, tudo muda e transforma como
quer. Que posso então dizer dos astros?
Os que creem que a terra é Deusa se
enganam, pois a vemos incomodada e dominada pelos homens, cavada e
emporcalhada, tornando-se inútil, porque se não a aduba, converte-se em
infértil como uma telha, onde nada nasce. Só que, se for regada em demasia,
corrompe-se ela mesma bem como os seus frutos. Ela também é pisada pelos homens
e pelos animais; se mancha com os sangues dos assassinatos; é cavada para
receber os cadáveres e, assim, se converte em depósito de mortos. Sendo assim,
não é possível que a terra seja deusa, mas obra de Deus, para utilidade dos
homens.
V. Os que pensam que a água é Deus
erram, pois também ela foi feita para a utilidade dos homens e por eles é
dominada; fica suja e se corrompe; se altera quando é servida, muda de cor e
congela com o frio; é levada para lavar todas as imundícies... Por isso, é
impossível que a água seja Deus, mas é obra de Deus.
Os que creem que o fogo é Deus estão
equivocados, pois o fogo foi feito para a utilidade dos homens e por eles é
dominado; é levado de um lugar para outros para cozer e assar toda espécie de
carnes e até mesmo para cremar cadáveres. Além disso, se corrompe de várias
maneiras ao ser apagado pelos homens. Por isso, não é possível que o fogo seja
Deus, mas obra de Deus.
Os que creem que o sopro dos ventos é
Deus se equivocam, pois é óbvio que está a serviço de outro e que foi preparado
por Deus, em graça aos homens, para mover os navios, transportando os
alimentos, e atender às suas demais necessidades; fora isso, aumenta ou cessa
pela ordem de Deus. Portanto, não é possível pensar que o vento seja Deus, mas
obra de Deus.
VI. Os que creem que o sol é Deus se
equivocam, pois vemos que ele se move por necessidade, muda e altera de signo,
pondo-se e nascendo para desenvolver as plantas e ervas em utilidade aos homens;
vemos também que possui divisões com os demais astros, que é muito menor que o
céu, que sofre eclipses em sua luz e não goza de qualquer autonomia. Por isso,
não é possível pensar que o sol seja Deus, mas obra de Deus.
Os que pensam que a lua é Deusa se
equivocam, pois vemos que ela se move por necessidade e muda de fase, pondo-se
e nascendo para a utilidade dos homens; ela é menor que o sol, cresce, reduz e
sofre eclipses. Por isso, não é possível pensar que a lua seja deusa, mas obra
de Deus.
VII. Os que creem que o homem é Deus
erram, pois vemos que ele é concebido por necessidade, se alimenta e envelhece
ainda contra a sua vontade; às vezes está alegre, outras vezes está triste, e
precisa de comida, bebida e roupas; vemos, ainda, que ele guarda raiva, inveja
e ambição, muda seus propósitos e tem mil defeitos; corrompe-se também de
muitos modos em razão dos elementos, dos animais e da morte que lhe é imposta.
Não é, portanto, admissível que o homem seja Deus, mas obra de Deus.
Assim, os caldeus se extraviaram em
suas concupiscências, pois adoram os astros, elementos corruptíveis e às
imagens mortas, sem compreenderem o que divinizam.
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