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Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e
Obra
Orígenes de Alexandria (185-253)
As Homilias
sobre São Lucas (Homilia 34)
HOMILIA 34 - Lc
10.25-37
Sobre o que está
escrito: “Mestre, que devo fazer para possuir a vida eterna?” até aquela
passagem em que é dito: “Vá, e tu também faz o mesmo”.
A
parábola do bom samaritano
Embora haja
muitos preceitos na Lei, o Salvador colocou no Evangelho apenas estes que, em
uma espécie de resumo, conduzissem os que os observam à vida eterna.
É a isso, com
efeito, que se refere uma pergunta que lhe havia dirigido um doutor da Lei, dizendo:
“Mestre, que devo fazer para possuir a vida eterna?” Essa leitura segundo [São]
Lucas vos foi recitada hoje. Jesus respondeu: “O que está escrito na Lei? O que
lês lá?
Tu amarás ao
Senhor teu Deus de todo o teu coração, com todas as tuas forças, de toda a tua
alma; e a teu próximo como a ti mesmo”.
E em seguida,
Jesus diz: “Respondeste bem, faz isto e viverás”. Sem
nenhuma dúvida, se trata da vida eterna, sobre a qual também o doutor da Lei
havia interrogado e que havia sido o conteúdo das palavras do Salvador.
Ao mesmo tempo,
somos instruídos de modo totalmente claro pelo preceito da Lei a amarmos a
Deus.
No Deuteronômio,
Deus nos fala: “Escuta, Israel, o Senhor teu Deus é o único Deus”, e “Amarás o
Senhor teu Deus de todo o teu coração” e a sequência, e “ao próximo como a ti
mesmo”.
E o Salvador
prestou testemunho a essas verdades, dizendo: “Destes dois mandamentos dependem
toda a Lei e os profetas”.
O doutor da Lei,
porém, “querendo justificar-se a si mesmo” e mostrar que ninguém era seu
próximo, diz: “Quem é meu próximo?”.
O Senhor, então,
apresentou a parábola, cujo início é: “Um certo homem descia de Jerusalém para
Jericó”, e a sequência. E ensina que aquele que descia não foi próximo de
ninguém, senão daquele que quis guardar os mandamentos e preparar-se para ser o
próximo de todo homem que necessita de auxílio.
É isso, com
efeito, que é colocado no fim, depois da parábola: “Qual destes três te parece
ser o próximo daquele que caiu na mão dos ladrões?” Com efeito, nem o
sacerdote, nem o levita foram seus próximos, mas, como o próprio doutor da Lei
também respondeu, foi seu próximo “aquele que praticou a misericórdia”.
Daí também é
dito pelo Salvador: “Vai, faz tu também de modo semelhante”.
Interpretação
tradicional da parábola
Dizia alguém
entre os presbíteros, querendo interpretar a
parábola, que o homem que descia representa Adão; Jerusalém, o paraíso; Jericó,
o mundo; os ladrões, as potências inimigas; o sacerdote, a Lei; o levita, os
profetas; o samaritano, o Cristo.
Mas as feridas
devem ser interpretadas como a desobediência; a montaria, o corpo do Senhor; o
“pandochium”, isto é, o albergue que acolhe a todos os que querem aí entrar, a
Igreja.
Além disso, os
dois denários devem ser entendidos como o Pai e o Filho; o albergueiro, o chefe
da Igreja, a quem é confiada a sua administração.
Mas quanto à promessa
feita pelo samaritano de voltar, era a figura do segundo advento do Salvador.
Sentido
cristológico
Ainda que essas
interpretações sejam enunciadas de modo espiritual e sedutor, não se deve, porém,
considerar que elas possam se aplicar a qualquer homem.
Com efeito, nem
todo homem “descia de Jerusalém para Jericó”, porque nem todos os homens vivem
no século presente, mesmo se o Cristo, que “foi enviado, tenha vindo por causa
das ovelhas perdidas da casa de Israel”.
Portanto, o
homem que “desceu de Jerusalém para Jericó” “caiu na mão dos ladrões”, porque ele próprio quis descer.
Os ladrões,
porém, não são ninguém mais senão aqueles dos quais diz o Salvador: “Todos os que
vieram antes de mim foram ladrões e bandidos”.
Entretanto ele
não cai na mão de ladrões, mas na mão de “bandidos” muito mais malvados que os
ladrões, que, estando ele a descer “de Jerusalém”, quando havia caído na mão
deles, “o roubaram e o cobriram de ferimentos”.
Quais são esses
ferimentos, quais as feridas com as quais o homem estava coberto? Os vícios e
os pecados.
Em seguida,
porque os bandidos, que o espancaram mais de uma vez, o despojaram de suas
vestes e o cobriram de feridas, não o socorrem em sua nudez e o abandonam, a
Escritura diz: “Tendo-o despojado e coberto de feridas, foram embora e o abandonaram”
não morto, mas semimorto.
Sucedeu, porém,
que desciam, pela mesma estrada, primeiramente “um sacerdote”, depois “um
levita”, que talvez havia feito algum bem a outros homens, não, porém, àquele
que havia descido “de Jerusalém para Jericó”.
O sacerdote, a
meu ver, figura da Lei, com efeito, o vê; o levita, que, em minha opinião, representa
a palavra profética, também o vê.
Mas depois que o
viram, passaram e o abandonaram. A Providência, porém, deixava aquele homem
semimorto aos cuidados daquele que era mais forte que a Lei e os Profetas, isto
é, ao Samaritano, cujo nome significa “guardião”.
É ele que “não
cochila nem dorme guardando Israel”.
Para socorrer o
semimorto, o samaritano pôs-se a caminho, descendo “de Jerusalém para Jericó”,
não como o sacerdote e o levita descem; se ele desce, desce para salvar o moribundo
e guardá-lo; mas os judeus lhe disseram: “Tu és um samaritano e és possuído por
um demônio”.
Depois de ter
negado que estivesse possuído por um demônio, Jesus não quis negar que ele
fosse samaritano, pois ele sabia que era um guardião.
Assim, depois de
ter vindo até o homem semimorto e tê-lo visto revolver-se em seu sangue, ele se
compadeceu e aproximou-se dele para se tornar o seu próximo, “apertou com
ligadura suas feridas, derramou óleo misturado ao vinho”, e não disse o que se
lê no Profeta: “Não há nem curativo, nem óleo, nem ataduras para aplicar”.
Esse é o
samaritano, de cujo cuidado e auxílio todos os que estão doentes necessitam, e
o
moribundo, aquele homem que, descendo
“de Jerusalém, havia caído na mão dos bandidos” e, ferido por eles, havia sido
abandonado meio morto, necessitava especialmente do auxílio desse samaritano.
Porém, para que
saibas que, segundo a Providência Divina, esse samaritano desceu para cuidar
daquele que “havia caído na mão dos bandidos”, claramente receberás a instrução
de que ele trazia consigo ligaduras, trazia consigo óleo, trazia consigo vinho,
o qual, evidentemente, penso que o samaritano carregava consigo não por causa
desse único semimorto, mas por causa de outros também, que, por várias causas,
tinham sido feridos e necessitavam de ligaduras e óleo e vinho.
Ele tinha o
óleo, do qual a Escritura diz: “Que o óleo faça o rosto alegrar-se”; e sem dúvida que é o rosto daquele que tinha
recebido o cuidado. Para acalmar a inflamação das feridas, ele as limpa com
óleo e com vinho misturado com algo amargo.
Depois, colocou
aquele que tinha sido ferido sobre sua montaria, isto é, seu próprio corpo,
junto ao qual se dignou assumir a humanidade.
Esse samaritano
“carrega nossos pecados” e sofre por nós,
carrega o semimorto e o conduz a um albergue, isto é, para a Igreja, que acolhe
todos os homens e não recusa seu socorro a ninguém, para a qual Jesus manda vir
a todos, dizendo: “Vinde a mim todos que estais cansados e sobrecarregados, e
eu vos aliviarei”.
E, tendo
conduzido o moribundo, não o deixa imediatamente, mas por um dia inteiro
persevera com ele, e cura suas feridas não apenas de dia, mas também à noite,
dedicando-lhe assim toda a sua solicitude e aplicação.
E quando, de
manhã, preparava-se para partir, de suas preciosas moedas de prata, de seu
precioso dinheiro, “ele apanha dois denários” e gratifica o albergueiro, que,
sem dúvida alguma, é o anjo da Igreja, a quem prescreve que cuide
diligentemente e conduza até a cura completa aquele que ele próprio também
havia cuidado por um tempo exíguo.
Quanto aos dois
denários dados ao anjo como salário para que cuide com toda diligência do homem
a ele confiado, eles representam, parece-me, o conhecimento do Pai e do Filho e
o conhecimento desse mistério, de como pode estar o Pai no Filho e o Filho no
Pai.
E é prometido ao
albergueiro o reembolso sem demora de tudo quanto tiver gasto de seu para a
cura do moribundo.
Este guardião
das almas apareceu verdadeiramente mais próximo que a Lei e os Profetas, ele
“que fez misericórdia àquele que havia caído na mão dos bandidos”, e mostrou-se
seu próximo não tanto em palavras, mas em atos.
É, pois,
possível, segundo o que é dito: “Sereis meus imitadores, como eu o sou de
Cristo”, que imitemos o Cristo e que nos
compadeçamos daqueles que “tenham caído na mão dos bandidos”; que nos
aproximemos deles, que ponhamos ataduras em suas feridas, que derramemos óleo e
vinho, que os coloquemos sobre nossa própria montaria e carreguemos seus
fardos.
E é por isso que
o Filho de Deus, exortando-nos a tais recomendações, se dirige não tanto ao
doutor da Lei quanto também a nós todos: “Vai tu também e faz de modo semelhante”.
Se tivermos
agido de modo igual, obteremos a vida eterna no Cristo Jesus: “a quem pertencem
a glória e o poder nos séculos dos séculos. Amém”.
O que você
deseja destacar no texto?
Como este texto
serviu para sua espiritualidade?