terça-feira, 3 de janeiro de 2023

221 - Hilário de Poitiers (315-368) - O Tratado da Santíssima Trindade - Livro Sétimo (Capítulos 29 - 34).

 


221

Hilário de Poitiers (315-368)

O Tratado da Santíssima Trindade

Livro Sétimo (Capítulos 29 - 34)


Divisão do Tratado

O Tratado está dividido em 12 livros.

O livro I começa autobiografia. Refere-se às heresias e apresenta um plano geral do trabalho.

O livro II é um resumo da doutrina da Trindade.

O livro III trata do mistério da distinção e unidade do Pai e do Filho.

No livro IV o autor apresenta a carta de Ário a Alexandre de Alexandria e demonstra a divindade de Filho a partir de citações tiradas do Antigo Testamento.

O livro V também cita o Antigo Testamento para demonstrar a divindade do Filho, que não é um outro Deus ao lado do Pai.

O livro VI refere-se novamente à carta de Ário e argumenta a partir do Novo Testamento.

O livro VII demonstra, também a partir do testemunho da Escritura, que o Pai e o Filho são um só Deus porque têm a mesma natureza.

 

Capítulo 29.

1.     Vem em nosso auxílio, para que se compreenda o sentido desta verdade, o fogo.

2.     Este tem em si o fogo, e o fogo permanece no fogo. Nele existem o esplendor da luz, o calor da sua natureza, o poder de queimar, a leveza da chama e no entanto tudo é fogo e todas estas coisas são uma só natureza. Tem, na verdade, a fraqueza de subsistir e viver pela matéria e de morrer com ela, da qual vivia.

3.     O que é incomparável em Deus, nós o conhecemos em parte por comparação, para que não seja inacreditável em Deus o que, de alguma forma, se encontra nos elementos terrenos.

4.     Pergunto, agora, se há separação e divisão de ambos quando o fogo vem do fogo. Ou acaso se divide a sua natureza, de modo a não permanecer, ou não continua presente a natureza, quando uma luz é acesa por outra luz, como que por uma espécie de nascimento, sem que haja corte, mas sim uma luz vinda da luz?

5.     Acaso não permanece nela o que, vindo dela, subsiste sem divisão? Não continua esta naquela da qual não foi separada, mas saiu, permanecendo na unidade da substância natural? Indago: não serão uma só luz, se a luz não é separável da luz nem pela divisão, nem pela diversidade de natureza?

 

Capítulo 30.

6.     Estas comparações, como disse, servem somente para facilitar o entendimento da fé. Não convêm à dignidade de Deus exemplos de coisas corpóreas para poder entender as coisas invisíveis. Nenhuma comparação pode, como exemplo, refletir algo da natureza de Deus.

7.     É digno e justo crer no que Deus atesta de si mesmo. Mas, porque a loucura herética perturbava a fé dos mais simples, dizendo que não se devia crer nas coisas difíceis a respeito de Deus, a não ser que pudessem ser entendidas mediante uma comparação corporal, de acordo com o já referido dito do Senhor: o que nasce da carne é carne, mas o que nasce do Espírito, é espírito. Deus é Espírito (Jo 3,6), julgamos útil inserir alguns exemplos, de modo que não se pense que nos enganou na sua revelação, quando exemplos tirados da natureza das criaturas nos permitem compreender, de alguma forma, o divino testemunho.

 

Capítulo 31.

8.     O Filho de Deus, o Vivente nascido do que vive, Deus, nascido de Deus, revelando a unidade da inseparável e indiscernível natureza e o mistério da natividade, diz: Eu e o Pai somos Um. E como se considerava, falsamente, ser insolente este dito, para demonstrar com mais força a certeza de sua natureza, acrescentou: Dizeis que blasfemei, porque disse: Sou Filho de Deus (Jo 10,36).

9.     Atestava, assim, existir a unidade de natureza que lhe vem da natividade.

10. E, para afirmar com certeza a fé na natividade, sem que a confissão da natividade introduzisse divisão na natureza, completou, com perfeição, sua resposta: Crede nas obras, porque o Pai está em mim, e Eu no Pai (Jo 10,38).

11. No mistério da natividade, que aqui se demonstra, que pode haver que não seja natural e próprio? Estão um no outro, já que não há natividade, a não ser vinda do Pai, e nenhuma natureza alheia ou dessemelhante tem uma subsistência pessoal como Deus.

12. Sendo Deus, vindo de Deus, não lhe vem de outra parte ser Deus. Se aparecer a ocasião, apresenta dois deuses na fé da Igreja ou defende, com falsos argumentos, a mentira de um Deus solitário. Distingue, se puderes, o Filho do Pai, sem confessar a verdade do nascimento. O Filho está no Pai, e o Pai está no Filho, não por mútua transfusão ou por uma nova fusão, mas pela perfeita natividade da natureza vivente.

13. No Deus Pai e no Deus Filho não enumerarás dois deuses, porque ambos são Um, nem pregarás um solitário, porque os dois não são uma só pessoa.

14. A fé apostólica não conhece dois deuses, porque também não confessa dois Pais, nem dois Filhos. Confessando o Pai, confessa o Filho, crendo no Filho, crê também no Pai, porque o nome do Pai já tem em si o nome do Filho, pois é pelo Filho que Ele é Pai.

15. A indicação de Filho é demonstração do Pai, porque o Filho não vem senão do Pai. Portanto, ao confessar um Deus, não se fala de uma só pessoa, pois o Filho dá ao Pai a plenitude, e a natividade do Filho vem do Pai. Pela natividade não se altera a natureza, de modo a não ser a mesma segundo a semelhança do seu gênero. É a mesma natureza, porém, de tal forma que, pela natividade e pela geração, se deve confessar um e outro como uma única natureza e não como um sozinho.

 

Capítulo 32.

16. Pode pregar dois deuses quem pode pregar um sem que o que é um seja um, ou pode ensinar um Deus solitário aquele que nega que um está no outro pelo poder da natureza e pelo mistério da geração e da natividade.

17. Atribua também natureza diversa a ambos quem não sabe que o Pai e o Filho são louvados como Um. Eliminem os hereges a profissão evangélica do Filho sobre si mesmo: Eu estou no Pai, e o Pai está em mim, para que possam pregar, ou dois deuses, ou um solitário.

18. Não há indicações de naturezas diferentes na confissão da única natureza que lhes é própria. Da verdade de Deus nascido de Deus não resulta que haja dois deuses, e a natividade de Deus não permite supor um Deus sozinho. Também não deixam de ser um só os que são um no outro, porque um procede de um. Um não deu ao outro, por geração, outra coisa senão o que é seu.

19. O que é Um não recebe, pela natividade, outra coisa, a não ser o que é daquele que é Um.

20. A fé apostólica, ao pregar o Pai, prega o Deus único e, ao confessar o Filho, confessa o Deus único.

21. A mesma e idêntica natureza de Deus está em ambos, e, como o Pai é Deus e o Filho é Deus, e é um só o nome da natureza dos dois, um só Deus significa que um e outro são Um. Deus de Deus ou Deus em Deus não faz com que haja dois deuses, já que o que é Um, nascido do que é Um, permanece na unidade da natureza e do nome. Também não significa que Deus seja solitário, pois um e um não pode significar um ser solitário.

 

 

Capítulo 33.

22. O Senhor não entregou uma doutrina incerta ou duvidosa sobre tão grande mistério, nem nos deixou no erro de uma compreensão ambígua.

23. Ouçamos, quando revela o conhecimento desta fé aos Apóstolos: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida; ninguém vem ao Pai a não ser por mim. Se me conheceis, conheceis também meu Pai; e já o conheceis, e o vistes”. Disse-lhe Filipe: “Senhor, mostra-nos o Pai, e isto nos basta”. Disse-lhe Jesus: “Há tanto tempo estou convosco, e não me conheces? Filipe, quem me vê, vê também o Pai. Como tu dizes, mostra-nos o Pai? Não crês que estou no Pai e o Pai está em mim? As palavras que eu vos digo, não as digo por mim mesmo; mas o Pai que permanece em mim realiza as suas obras. Crede em mim: eu estou no Pai e o Pai está em mim. Crede-o, ao menos, por causa destas obras” (Jo 14,6-12).

24. Não nos leva por caminhos errados e impraticáveis Aquele que é o Caminho, nem engana com falsidades o que é a Verdade, nem abandona no erro da morte o que é a Vida.

25. Ele próprio indicou estes nomes benignos de sua Economia para nossa salvação, para que, como Caminho, nos conduza à Verdade e, como Verdade, nos dê a Vida.

26. Devemos conhecer o mistério que nos revela para que tenhamos a vida: Ninguém vai ao Pai a não ser por mim (Jo 14,6). O caminho do Pai é pelo Filho. E pode-se perguntar se pelo ensino da doutrina ou pela fé na natureza, porque poderíamos pensar que se pode chegar ao Pai mais pelo ensinamento do Filho do que pela confissão de que nele está a divindade paterna.

27. Empreguemos a capacidade da inteligência no que se segue, pois a fé não deve fundar-se em nosso arbítrio, mas na força das palavras.

 

 

Capítulo 34.

28. Assim continua: Se me conheceis, também conheceis o meu Pai. O Homem Jesus Cristo pode ser visto. E como é conhecido, será conhecido também o Pai. E como o Pai será conhecido como Ele é conhecido, se os Apóstolos o vêem no aspecto de sua natureza, isto é, de sua humanidade e a Deus devem reconhecer como isento da fraqueza corporal?

29. Confirmando o Senhor que, no mistério do corpo assumido, está a natureza da paterna divindade, seguiu determinada ordem, separando o tempo da visão do tempo do conhecimento, ao dizer: Se me conheceis, conheceis também meu Pai, e já o conhecestes, e o vistes (Jo 14,7).

30. Pois disse que Aquele que devia ser conhecido já fora visto, para que recebessem o conhecimento da natureza, que já antes tinham visto nele, no momento desta revelação.

 

 

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