Divisão do Tratado
O Tratado está dividido em 12
livros.
O
livro I começa autobiografia. Refere-se às heresias e apresenta um plano geral
do trabalho.
O
livro II é um resumo da doutrina da Trindade.
O
livro III trata do mistério da distinção e unidade do Pai e do Filho.
No
livro IV o autor apresenta a carta de Ário a Alexandre de Alexandria e
demonstra a divindade de Filho a partir de citações tiradas do Antigo
Testamento.
O
livro V também cita o Antigo Testamento para demonstrar a divindade do Filho,
que não é um outro Deus ao lado do Pai.
O
livro VI refere-se novamente à carta de Ário e argumenta a partir do Novo
Testamento.
Capítulo 29.
1.
Vem em nosso auxílio, para que se
compreenda o sentido desta verdade, o fogo.
2.
Este tem em si o fogo, e o fogo
permanece no fogo. Nele existem o esplendor da luz, o calor da sua natureza, o poder
de queimar, a leveza da chama e no entanto tudo é fogo e todas estas coisas são
uma só natureza. Tem, na verdade, a fraqueza de subsistir e viver pela matéria
e de morrer com ela, da qual vivia.
3.
O que é incomparável em Deus, nós o conhecemos
em parte por comparação, para que não seja inacreditável em Deus o que, de
alguma forma, se encontra nos elementos terrenos.
4.
Pergunto, agora, se há separação e divisão
de ambos quando o fogo vem do fogo. Ou acaso se divide a sua natureza, de modo
a não permanecer, ou não continua presente a natureza, quando uma luz é acesa por
outra luz, como que por uma espécie de nascimento, sem que haja corte, mas sim uma
luz vinda da luz?
5.
Acaso não permanece nela o que, vindo
dela, subsiste sem divisão? Não continua esta naquela da qual não foi separada,
mas saiu, permanecendo na unidade da substância natural? Indago: não serão uma
só luz, se a luz não é separável da luz nem pela divisão, nem pela diversidade
de natureza?
Capítulo 30.
6.
Estas comparações, como disse, servem
somente para facilitar o entendimento da fé. Não convêm à dignidade de Deus
exemplos de coisas corpóreas para poder entender as coisas invisíveis. Nenhuma
comparação pode, como exemplo, refletir algo da natureza de Deus.
7.
É digno e justo crer no que Deus atesta
de si mesmo. Mas, porque a loucura herética perturbava a fé dos mais simples,
dizendo que não se devia crer nas coisas difíceis a respeito de Deus, a não ser
que pudessem ser entendidas mediante uma comparação corporal, de acordo com o
já referido dito do Senhor: o que
nasce da carne é carne, mas o que nasce do Espírito, é espírito. Deus é
Espírito (Jo 3,6), julgamos
útil inserir alguns exemplos, de modo que não se pense que nos enganou na sua
revelação, quando exemplos tirados da natureza das criaturas nos permitem
compreender, de alguma forma, o divino testemunho.
Capítulo 31.
8.
O Filho de Deus, o Vivente nascido do
que vive, Deus, nascido de Deus, revelando a unidade da inseparável e
indiscernível natureza e o mistério da natividade, diz: Eu e o Pai somos Um. E como se considerava, falsamente, ser insolente este dito,
para demonstrar com mais força a certeza de sua natureza, acrescentou: Dizeis que blasfemei, porque disse: Sou Filho de Deus
(Jo 10,36).
9.
Atestava, assim, existir a unidade de
natureza que lhe vem da natividade.
10. E, para afirmar com certeza a fé na natividade, sem que a
confissão da natividade introduzisse divisão na natureza, completou, com
perfeição, sua resposta: Crede
nas obras, porque o Pai está em mim, e Eu no Pai (Jo 10,38).
11. No mistério da natividade, que aqui se demonstra, que pode
haver que não seja natural e próprio? Estão um no outro, já que não há
natividade, a não ser vinda do Pai, e nenhuma natureza alheia ou dessemelhante
tem uma subsistência pessoal como Deus.
12. Sendo Deus, vindo de Deus, não lhe vem de outra parte ser
Deus. Se aparecer a ocasião, apresenta dois deuses na fé da Igreja ou defende,
com falsos argumentos, a mentira de um Deus solitário. Distingue, se puderes, o
Filho do Pai, sem confessar a verdade do nascimento. O Filho está no Pai, e o
Pai está no Filho, não por mútua transfusão ou por uma nova fusão, mas pela
perfeita natividade da natureza vivente.
13. No Deus Pai e no Deus Filho não enumerarás dois deuses,
porque ambos são Um, nem pregarás um solitário, porque os dois não são uma só pessoa.
14. A fé apostólica não conhece dois deuses, porque também não
confessa dois Pais, nem dois Filhos. Confessando o Pai, confessa o Filho,
crendo no Filho, crê também no Pai, porque o nome do Pai já tem em si o nome do
Filho, pois é pelo Filho que Ele é Pai.
15. A indicação de Filho é demonstração do Pai, porque o Filho
não vem senão do Pai. Portanto, ao confessar um Deus, não se fala de uma só
pessoa, pois o Filho dá ao Pai a plenitude, e a natividade do Filho vem do Pai.
Pela natividade não se altera a natureza, de modo a não ser a mesma segundo a
semelhança do seu gênero. É a mesma natureza, porém, de tal forma que, pela
natividade e pela geração, se deve confessar um e outro como uma única natureza
e não como um sozinho.
Capítulo 32.
16. Pode pregar dois deuses quem pode pregar um sem que o que é
um seja um, ou pode ensinar um Deus solitário aquele que nega que um está no
outro pelo poder da natureza e pelo mistério da geração e da natividade.
17. Atribua também natureza diversa a ambos quem não sabe que o
Pai e o Filho são louvados como Um. Eliminem os hereges a profissão evangélica
do Filho sobre si mesmo: Eu
estou no Pai, e o Pai está em mim, para
que possam pregar, ou dois deuses, ou um solitário.
18. Não há indicações de naturezas diferentes na confissão da
única natureza que lhes é própria. Da verdade de Deus nascido de Deus não
resulta que haja dois deuses, e a natividade de Deus não permite supor um Deus
sozinho. Também não deixam de ser um só os que são um no outro, porque um
procede de um. Um não deu ao outro, por geração, outra coisa senão o que é seu.
19. O que é Um não recebe, pela natividade, outra coisa, a não
ser o que é daquele que é Um.
20. A fé apostólica, ao pregar o Pai, prega o Deus único e, ao
confessar o Filho, confessa o Deus único.
21. A mesma e idêntica natureza de Deus está em ambos, e, como o
Pai é Deus e o Filho é Deus, e é um só o nome da natureza dos dois, um só Deus significa
que um e outro são Um. Deus de Deus ou Deus em Deus não faz com que haja dois
deuses, já que o que é Um, nascido do que é Um, permanece na unidade da natureza
e do nome. Também não significa que Deus seja solitário, pois um e um não pode
significar um ser solitário.
Capítulo 33.
22. O Senhor não entregou uma doutrina incerta ou duvidosa sobre
tão grande mistério, nem nos deixou no erro de uma compreensão ambígua.
23. Ouçamos, quando revela o conhecimento desta fé aos
Apóstolos: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a
Vida; ninguém vem ao Pai a não ser por mim. Se me conheceis, conheceis também
meu Pai; e já o conheceis, e o vistes”. Disse-lhe Filipe: “Senhor, mostra-nos o
Pai, e isto nos basta”. Disse-lhe Jesus: “Há tanto tempo estou convosco, e não
me conheces? Filipe, quem me vê, vê também o Pai. Como tu dizes, mostra-nos o
Pai? Não crês que estou no Pai e o Pai está em mim? As palavras que eu vos
digo, não as digo por mim mesmo; mas o Pai que permanece em mim realiza as suas
obras. Crede em mim: eu estou no Pai e o Pai está em mim. Crede-o, ao menos,
por causa destas obras” (Jo 14,6-12).
24. Não nos leva por caminhos errados e impraticáveis Aquele que
é o Caminho, nem engana com falsidades o que é a Verdade, nem abandona no erro
da morte o que é a Vida.
25. Ele próprio indicou estes nomes benignos de sua Economia
para nossa salvação, para que, como Caminho, nos conduza à Verdade e, como
Verdade, nos dê a Vida.
26. Devemos conhecer o mistério que nos revela para que tenhamos
a vida: Ninguém vai ao Pai a não ser por
mim (Jo 14,6). O caminho do Pai é pelo
Filho. E pode-se perguntar se pelo ensino da doutrina ou pela fé na natureza,
porque poderíamos pensar que se pode chegar ao Pai mais pelo ensinamento do
Filho do que pela confissão de que nele está a divindade paterna.
27. Empreguemos a capacidade da inteligência no que se segue,
pois a fé não deve fundar-se em nosso arbítrio, mas na força das palavras.
Capítulo 34.
28. Assim continua: Se
me conheceis, também conheceis o meu Pai. O
Homem Jesus Cristo pode ser visto. E como é conhecido, será conhecido também o
Pai. E como o Pai será conhecido como Ele é conhecido, se os Apóstolos o vêem
no aspecto de sua natureza, isto é, de sua humanidade e a Deus devem reconhecer
como isento da fraqueza corporal?
29. Confirmando o Senhor que, no mistério do corpo assumido,
está a natureza da paterna divindade, seguiu determinada ordem, separando o
tempo da visão do tempo do conhecimento, ao dizer: Se me conheceis, conheceis também meu Pai, e já o conhecestes,
e o vistes (Jo 14,7).
30. Pois disse que Aquele que devia ser conhecido já fora visto,
para que recebessem o conhecimento da natureza, que já antes tinham visto nele,
no momento desta revelação.
O que você destaca no texto?
Como ele serve para sua
espiritualidade?