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História
Eclesiástica de Eusébio de Cesaréia
Livro
II - Capítulos 8 a 16
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Texto Bíblico: Atos 12.1,2,13-17
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VIII - Da fome nos tempos de Cláudio
IX - Martírio do apóstolo Tiago
X - De como
Agripa, também chamado Herodes, perseguiu os apóstolos e logo sentiu a vingança
divina
XI - Do impostor Teudas
XII - De Elena, rainha de Adiabene
XIII - De Simão Mago
XV - Do evangelho de Marcos
XVI - De como Marcos foi o primeiro a pregar aos egípcios o
conhecimento de Cristo
VIII - Da fome nos tempos de Cláudio
1.
Caio, porém, não chegou a cumprir os
quatro anos de exercício do comando. Sucedeu-o como
imperador Cláudio, sob o qual se abateu sobre o mundo uma grande fome (e
isto nos transmitem em suas histórias mesmo os escritores mais alheios a nossa doutrina) e cumpriu-se a predição do
profeta Ágabo, segundo os Atos dos Apóstolos, de que era iminente
uma grande fome sobre todo o mundo.
2.
Lucas descreveu nos Atos a
grande fome dos tempos de Cláudio, e depois de narrar como os irmãos de Antioquia enviaram
socorro aos irmãos da Judéia por meio de
Paulo e Barnabé, cada qual segundo suas possibilidades, acrescenta:
IX - Martírio do apóstolo Tiago
1.
Naquele tempo - evidentemente o de Cláudio -o rei Herodes pôs-se a maltratar alguns da Igreja. E matou Tiago, o irmão de João, com a espada[1].
2.
Acerca deste Tiago, Clemente, no
livro VII de suas Hypotyposeis, acrescenta um relato digno de menção, afirmando tê-lo tomado de uma tradição anterior a ele. Diz
que aquele que o introduziu ante o tribunal, comovido ao vê-lo dar testemunho,
confessou que também ele era cristão.
3. "Ambos pois, diz Clemente, foram levados juntos dali, e no caminho
pediu que Tiago o perdoasse, e este, depois de olhá-lo um
instante, disse: A paz esteja contigo, e beijou-o. E assim
é que ambos foram decapitados ao mesmo tempo."
4.
Então, como diz a divina Escritura[2],
vendo Herodes que sua façanha de assassinar
Tiago tinha agradado aos judeus, tentou-o também contra Pedro, encarcerou-o
e pouco faltou para que o executassem também se um anjo, por aparição divina,
não houvesse aparecido a ele durante a noite e não o tivesse retirado milagrosamente da prisão, deixando-o livre para o
ministério da pregação. Esta foi a
providência disposição no que diz respeito a Pedro.
X - De como
Agripa, também chamado Herodes, perseguiu os apóstolos e logo sentiu a vingança
divina
1. O merecido pelos atentados do rei contra os apóstolos
não demorou, e o ministro vingador da
justiça divina alcançou-o em seguida. Imediatamente depois da conspiração contra os apóstolos, segundo
narra o livro dos Atos, pôs-se a caminho de Cesaréia, e ali, estando
adornado com esplêndidas e regias
vestimentas e colocado no alto diante de uma tribuna, dirigiu a palavra ao povo. Todo o povo aplaudiu seu discurso, como
se fosse voz de Deus e não de homem, e neste mesmo instante - narra a
Escritura - um anjo do Senhor o feriu, e
convertido em pasto para os vermes, morreu[3].
2.
É de se admirar como também
concordam quanto a este estranho acontecimento a Escritura divina e a narrativa de
Josefo. É evidente que Josefo atesta a
verdade no livro XIX de suas Antigüidades, onde explica o ocorrido com
as palavras que se seguem:
3. "Havia terminado o terceiro ano de seu reinado sobre toda a Judéia e
ele se achava na cidade de Cesaréia, antes chamada Torre de
Stráton. Estava ali celebrando jogos públicos em honra de
César, por cuja saúde sabia ele que se realizavam estas festas. A eles tinha
comparecido grande multidão de autoridades e dignitários da província.
4. No segundo dia da
festa, havendo posto um traje todo feito de prata, que resultava num tecido
admirável, entrou no teatro ao raiar do dia, então a prata, iluminada pelos
primeiros raios do sol, refulgia admiravelmente e lançava reflexos que
atemorizavam e faziam estremecer a todos que colocavam suas vistas sobre ele.
5.
Logo começaram os aduladores, por
todos os lados, a levantar suas vozes, que para ele de nada
valiam, chamando-o deus e dizendo: Sede-nos propício! Se até aqui nós o
tememos como a um homem, desde agora confessamos que és superior à natureza
mortal.
6. O rei não os repreendeu nem tentou rechaçar a ímpia adulação. Mas pouco depois, levantando os olhos viu um anjo[4] planando sobre
sua cabeça, e em seguida pensou que aquele anjo seria causa
de males como por algum tempo fora de bens. A angústia oprimiu-lhe o coração.
7.
E sobreveio-lhe uma repentina dor no ventre, que começou com
grande intensidade. Pondo os olhos sobre os
amigos, disse: Eu, vosso deus, recebi a ordem de devolver a vida. O
destino se apressou em desmentir vossas vozes
mentirosas de agora a pouco. Eu, que vocês chamavam imortal, sou agora conduzido à morte. Devo aceitar o destino
como Deus o quis, porque de forma alguma vivi mal, mas com grande
ventura.
8. Enquanto
dizia isto, a força da dor o esgotava. Dirigiu-se pois com cuidado para
dentro do palácio.
A todos foi chegando o rumor de que irremediavelmente
morreria em pouco tempo. Mas a multidão, com suas mulheres e
seus filhos, logo veio a prostrar-se segundo os
costumes pátrios e começou a suplicar pelo rei. Os choros e lamentos enchiam
tudo, e o rei, deitado no dormitório do alto, vendo-os embaixo inclinados,
prostrados, também não pôde conter as lágrimas.
9.
Acabado pela dor intestinal de uns cinco dias contínuos,
morreu aos cinqüenta e quatro anos de idade,
no sétimo de seu reinado. Reinou quatro anos sob César Caio, governou as
tetrarquias de Felipe durante três e no quarto
recebeu também a de Herodes. Reinou ainda três anos sob o império de
César Cláudio."
10. Estou admirado de
como Josefo, neste e em outros pontos, confirma a verdade das divinas Escrituras. É certo que para alguns poderia parecer
que discordam quanto ao nome do rei[5], mas o tempo e
o modo de agir mostram que se trata
do mesmo, devendo-se a troca de nome a um erro de escrita ou a que um mesmo tivesse dois nomes, como ocorre
com muitos outros.
XI - Do impostor Teudas
1.
Já que Lucas, nos Atos[6],
apresenta Gamaliel dizendo, na sentença sobre os apóstolos, que no tempo assinalado surgiu Teudas, que dizia ser alguém, e que ao ser eliminado todos os que nele creram se dispersaram, comparemos também o que Josefo escreve sobre isto, pois efetivamente, na obra citada há pouco, narra
isto textualmente como segue:
2.
"Sendo Fado procurador da Judéia, certo impostor chamado
Teudas conseguiu persuadir uma grande multidão a que tomassem seus bens e o seguissem até o rio Jordão, pois dizia que era
profeta e afirmava que com seu comando separaria o rio para fazê-lo mais
facilmente transponível. Enganou muitos falando assim.
3.
"Fado não lhes permitiu
saborear sua loucura, mas enviou contra eles um esquadrão de cavalaria que
caiu-lhes em cima de surpresa, e deu morte a muitos
e capturou muitos vivos. O próprio Teudas foi pego vivo, cortaram-lhe a
cabeça e a levaram a Jerusalém."
Em continuação a isto, Josefo menciona também a grande fome que houve nos tempos de
Cláudio, como segue:
XII - De Elena, rainha de Adiabene
1.
"Neste tempo ocorreu que houve a grande fome na Judéia.
Durante esta, a rainha Elena gastou muito
dinheiro na compra de trigo egípcio, que distribuía aos
necessitados."
2.
Vemos que também isto concorda com o
texto dos Atos dos Apóstolos, que relata como os discípulos de Antioquia
decidiram enviar algo, cada um segundo suas possibilidades, em socorro dos que
habitavam na Judéia; o que fizeram
enviando-o aos anciãos por mãos de Barnabé e Paulo[7].
3.
Desta Elena mencionada pelo escritor ainda hoje vêem-se
esplêndidas colunas nos subúrbios da atual
Elia. Dizia-se que havia sido rainha do povo de Adiabene.
XIII - De Simão Mago
1.
No entanto, havendo-se propagado a
fé em nosso Salvador e Senhor Jesus Cristo a todos os homens, o inimigo da
salvação dos homens já tramava antecipar-se na captura da cidade imperial e
para lá conduziu Simão, de quem já falamos
acima[8]. De fato,
seguindo as hábeis artes deste homem, ganhou para o erro muitos
habitantes de Roma.
2.
Isto é demonstrado por Justino, que se distinguiu em nossa
doutrina não muito tempo depois dos
apóstolos e de quem exporemos oportunamente o que seja conveniente. Em sua
primeira Apologia, dirigida a Antonino, em favor de nossa fé,
escreve como segue:
3.
"E depois da ascensão do Senhor ao céu, os demônios
levaram alguns homens a dizer que eram
deuses, e estes não somente não foram perseguidos por vós, mas até foram
considerados dignos de honras. Um tal Simão, samaritano, originário da aldeia
chamada Giton, que em tempos do César Cláudio
realizou mágicos prodígios em vossa imperial cidade, Roma, por arte dos demônios que nele operavam, foi tido por
deus, e como a um deus foi honrado por vós com uma estátua no rio Tibre,
entre as duas pontes, com a inscrição latina
seguinte: SIMONIDEO SANCTO[9], ou seja: A
Simão, o Deus santo.
4. E quase todos os
Samaritanos, além de uns poucos de outras nações, proclamam-no e adoram-no como ao Deus primeiro. E a uma certa Elena, que na época andava com ele, e que primeiro
estava num prostíbulo -em Tiro da Fenícia -,
chamavam-na o Primeiro Pensamento nascido dele".
5.
Isto segundo Justino. Também Irineu
concorda com ele quando, no primeiro de seus livros Contra as heresias, traça
um retrato deste homem e de sua ímpia e nefasta doutrina. Expô-la em detalhe
nesta minha obra seria supérfluo, podendo os
que o queiram informar-se também da origem, vida e princípios das falsas doutrinas dos heresiarcas que depois dele foram
se sucedendo um após outro, assim como de suas práticas, meticulosamente transmitido
no mencionado livro de Irineu.
6.
Recebemos pois por tradição que
Simão foi o primeiro autor de toda heresia. Dele até hoje aqueles que, participando de
sua heresia fingem a filosofia dos cristãos, sóbria e celebrada universalmente
por sua pureza de vida, chegam de novo à
superstição idólatra da qual pareciam estar livres, pois se prosternam
diante de escritos e de imagens do próprio Simão e de sua companheira, a já
citada Elena, e se esforçam em render-lhes culto com incenso, sacrifícios e
libações.
7.
Mas suas mais secretas práticas, das quais se diz que quem
pela primeira vez as escuta fica estupefato e, segundo uma expressão escrita
que corre entre eles, espantado,
verdadeiramente estão cheias de espanto, de frenesi e de loucura, e são tais
que não somente não podem ser colocadas por escrito, mas que nem sequer com os lábios pode um homem
sensato pronunciar o mínimo, pelo exagero de obscenidade e costumes
infames.
8.
Porque tudo quanto se possa pensar
de mais impuro e vergonhoso fica bem superado pela abominável heresia destes
homens, que abusam de mulheres miseráveis e carregadas verdadeiramente de males de
todo tipo.
XIV - Da pregação do apóstolo Pedro em Roma
1.
A este Simão, pai e autor de tão
grandes males, o poder malvado e odiento de todo bem, inimigo da salvação dos
homens, destacou-o naquele tempo como grande adversário dos grandes e divinos
apóstolos de nosso Salvador.
2.
No entanto a graça divina e
celestial veio em socorro de seus servidores, e somente com a aparição e presença
destes extinguiu rapidamente o fogo ateado
pelo maligno, e por meio deles humilhou e abateu toda altivez que se
levanta contra o conhecimento de Deus[10].
3. Por isso nenhuma
maquinação, nem de Simão nem de nenhum outro dos que então proliferavam, prevaleceu naqueles tempos apostólicos: a luz
da verdade e o próprio Verbo divino,
que recentemente tinha brilhado sobre os homens, florescendo sobre a terra e convivendo com seus próprios
apóstolos, triunfava sobre tudo e dominava tudo.
4.
Em seguida o mencionado impostor[11], como ferido
nos olhos da mente por um ofuscamento divino e
extraordinário quando anteriormente o apóstolo Pedro pôs a descoberto suas
malvadas intenções na Judéia, empreendeu uma
longa viagem para além do mar, e foi-se fugindo de oriente a ocidente, convencido
de que somente ali seria possível viver segundo suas idéias.
5.
Chegou à cidade de Roma, e com a grande ajuda do poder que
nela se assenta[12], em pouco
tempo alcançou tamanho êxito em seu empreendimento, que os habitantes do lugar chegaram a honrá-lo como a um Deus, dedicando-lhe
uma estátua.
6.
Não chegaria muito longe esta prosperidade. De fato, pisando
em seus calcanhares, durante o próprio império de Cláudio, a providência universal,
santíssima e amantíssima dos homens, levava sua mão em direção a Roma, como contra um tão grande flagelo da vida,
o firme e grande apóstolo Pedro,
porta-voz de todos os outros devido a sua virtude. Como nobre capitão de Deus, equipado com as armas divinas[13], Pedro levava
do oriente aos homens do ocidente a apreciadíssima mercadoria da luz
espiritual, anunciando a boa nova da própria luz, da doutrina que salva as
almas: a proclamação do reino dos céus.
XV - Do evangelho de Marcos
1.
Assim foi que, por habitar entre
eles a doutrina divina, o poder de Simão se extinguiu e foi
reduzido a nada, junto com ele mesmo. Em troca, o resplendor da religião brilhou de tal maneira sobre as mentes dos ouvintes de Pedro, que não ficavam
satisfeitos apenas ouvindo-o uma vez, nem com o ensinamento não escrito da pregação divina, mas com todo tipo de pedidos
importunavam Marcos - de quem se diz que é o Evangelho e que era companheiro de Pedro - para que lhes deixasse
também um memorial escrito da
doutrina que de viva voz lhes era transmitida, e não o deixaram em paz até que o homem o tivesse terminado, e desta
forma tornaram-se a causa do texto chamado Evangelho de Marcos.
2.
E dizem que o apóstolo, quando por revelação do Espírito
soube o que tinha sido feito, alegrou-se pela boa vontade daquela gente e
aprovou o escrito para ser lido nas igrejas. Clemente cita o fato no livro VI
de suas Hypotyposeis[14],
e o bispo de Hierápolis chamado Papias apóia-o também com seu
testemunho. Marcos é mencionado por Pedro em sua primeira carta; dizem que esta foi escrita em Roma mesmo, e que isto se dá
a entender ao chamar a cidade, metaforicamente, de Babilônia, com estas palavras: Saúda-vos aquela que está em Babilônia,
eleita convosco, e meu filho Marcos.
XVI - De como Marcos foi o primeiro a pregar aos egípcios o
conhecimento de Cristo
1.
Dizem que este Marcos foi o primeiro a ser enviado ao Egito,
e que ali pregou o Evangelho que ele havia posto por escrito e fundou igrejas,
começando pela de Alexandria.
2.
E surgiu ali, na primeira tentativa, uma multidão de crentes,
homens e mulheres, tão grande e com um ascetismo tão conforme a filosofia e tão
ardente, que Fílon achou que era digno colocar por escrito suas práticas, suas
reuniões, suas refeições em comum e tudo o mais referente ao seu modo de vida.
O que mais te chamou a
atenção neste texto?
O que o texto contribui
para a sua espiritualidade?
[1] At
12:1-2.
[2] At
12:13-17.
[3] At
12:19, 21-23.
[4] Em
seus manuscritos Josefo fala de uma coruja.
[5] O
Novo Testamento chama-o Herodes, Josefo prefere Agripa; na realidade, tinha os
dois nomes.
[6] At
5:34-36.
[7] At
11:29-30.
[8] A
identificação de Simão o herege com Simão o Mago é duvidosa.
[9] A estátua, encontrada em 1574,
tem a inscrição: SEMONI SANCO DEO FIDIO SACRUM, sendo uma homenagem a um antigo
deus Sabino SEMO.
[10] 2
Co 10:5.
[11] At
8:18-23.
[12]
i.é. o demônio. Sobre a estátua, vide nota 123.
[13] Ef
6:14-17; 1Ts 5:8.
[14]
Clemente na verdade diz que Pedro "nem o impediu nem o estimulou".