quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Livro V - Capítulos 2 a 7

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História Eclesiástica de Eusébio de Cesareia
Livro V – Capítulos 2 a 7

Texto Bíblico: Efésios 2.1-6

II - De como os mártires, amados de Deus, acolhiam e cuidavam dos que haviam falhado na perseguição
III - Que aparição teve em sonhos o mártir Atalo
IV - De como os mártires recomendavam Irineu em sua carta
V - De como Deus atendeu as orações dos nossos e fez chover do céu para o imperador Marco Aurélio
VI - Lista dos bispos de Roma
VII - De como inclusive até aqueles tempos realizavam-se por meio dos fiéis grandiosos milagres

 II - De como os mártires, amados de Deus, acolhiam e cuidavam dos que haviam falhado na perseguição
1.            Isto foi o que, sob o mencionado imperador, aconteceu às igrejas de Cristo, e partindo disto pode-se também conjeturar num cálculo razoável o que ocorreu nas demais províncias; será conveniente juntar ao que foi dito mais algumas passagens do mesmo documento, nas quais se descreve a suavi­dade e humanidade dos citados mártires com estas mesmas palavras:
2.            "Os quais, no zelo e imitação de Cristo, que subsistindo em forma de Deus não considerou usurpação o ser igual a Deus[1], chegaram a tão alto grau que, apesar de sua glória e de terem dado testemunho, não uma vez ou duas, mas muitas vezes mais, e de terem sido retirados das feras e de estarem cobertos por toda parte de queimaduras, equimoses e feridas, nem eles próprios se proclamaram mártires nem a nós mesmos permitiram que os chamássemos por este nome; mas antes, se algum de nós por carta ou por palavra se dirigia a eles como a mártires, repreendiam-no severamente.
3.            E compraziam-se em ceder o título do martírio a Cristo, o fiel e verdadeiro mártir, primogênito dos mortos e autor da vida de Deus, e recordando os mártires que já haviam partido, inclusive diziam: 'Aqueles sim é que são mártires, posto que Cristo teve por bem levá-los consigo em sua confissão e selou seus martírios com suas mortes; nós porém somos uns confessores medianos e sem expressão'; e com lágrimas exortavam os irmãos pedindo-lhes que se fizessem assíduas orações para lograr sua consumação.
4.            E com seu trabalho demonstravam a força de seu martírio, dirigindo a palavra com inteira liberdade aos pagãos, e manifestavam sua nobreza mediante sua paciência, sua integridade e sua impavidez; mas o título de mártires dado pelos irmãos eles rechaçavam, repletos do temor de Deus."
5.            E logo, pouco mais adiante, dizem:
"Humilhavam-se sob a mão poderosa que agora os tem grandemente exal­tados. E então defendiam a todos e não condenavam a ninguém, desatavam a todos e não atavam ninguém, e como Estevão, o mártir perfeito, rogavam pelos que lhes infligiam os tormentos: Senhor, não lhes imputes este pecado. E se rogava pelos que o apedrejavam, quanto mais não faria pelos irmãos?"
6.   E novamente, depois de outros detalhes, dizem:
"Porque este foi para eles seu maior combate contra ele[2], pela verdade de seu amor, para que a besta se engasgasse e vomitasse vivos os que primeiro pensava ter engolido. Efetivamente, não se mostraram arrogantes frente aos caídos, mas sim, com entranhas maternas, acudiam em socorro dos necessitados com sua própria abundância e, derramando muitas lágrimas por eles ao Pai, pediam vida e para eles a davam.
7.      Também a repartiam aos demais quando, vencedores em tudo, marchavam para Deus. Sempre amaram a paz, e em paz emigraram para Deus recomendando-nos a paz, não deixando para trás trabalhos para a mãe[3] nem revolta e guerra para os irmãos, mas alegria, paz, concórdia e amor."
8.      O dito sobre o amor daqueles bem-aventurados para com os irmãos caídos poderá ser útil, por causa da atitude desumana e inclemente daqueles que, depois disto, tornaram-se implacáveis nos membros de Cristo.

III - Que aparição teve em sonhos o mártir Atalo
1. O mesmo escrito sobre os citados mártires contém ainda outro relato digno de menção e não haverá inconveniente em que eu o proponha ao conheci­mento dos leitores. É assim:
2.             Alcibíades, um deles, levava uma vida austera até a miséria. A princípio não recebia nada em absoluto, nada ingerindo além de pão e água. Inclu­sive no cárcere tratava de seguir o mesmo regime. Mas a Atalo, depois de seu primeiro combate travado no anfiteatro, foi revelado que Alcibíades não fazia bem não usando das criaturas de Deus e deixando para os outros um exemplo de escândalo[4].
3.      Alcibíades, persuadido, começou a tomar de tudo sem reservas e dava graças a Deus[5]. A graça de Deus não se descuidava deles, mas antes, o Espírito Santo era seu conselheiro. E baste assim destes casos.
4.      Como foi justamente então que os partidários de Montano, Alcibíades[6] e Teodoto, começaram a dar a conhecer entre muitos na Frígia sua opinião sobre a profecia (pois os muitos outros milagres do carisma de Deus, que até então ainda vinham se realizando pelas diversas igrejas, produziam em muitos a crença de que também aqueles eram profetas), havendo surgido discrepâncias por sua causa, novamente os irmãos da Gália formularam seu próprio juízo, precavido e inteiramente ortodoxo, sobre eles, expondo também diferentes cartas dos mártires consumados entre eles, cartas que, estando ainda no cárcere, haviam escrito aos irmãos da Frígia, e não somente a eles, mas também a Eleutério, então bispo de Roma, como embaixadores em favor da paz das igrejas.

IV - De como os mártires recomendavam Irineu em sua carta
1.             Os mesmos mártires recomendavam Irineu, que já então era presbítero da igreja de Lion[7], ao mencionado bispo de Roma, dando sobre ele numerosos testemunhos, como demonstram as palavras seguintes:
2.             "De novo e sempre rogamos que gozes de saúde em Deus, pai Eleutério. Estimulamos nosso irmão e companheiro Irineu para que te leve esta carta, e te rogamos que o tenhas por recomendado, zelador como é do testamento de Cristo, porque, sabendo que um cargo confere justiça a alguém, desde o primeiro momento o recomendaríamos como presbítero da Igreja, o que precisamente é."
3.      Que necessidade há de transcrever a lista dos mártires, assim dos que mor­reram por decapitação como dos que foram lançados como pasto para as feras, como também dos que morreram no cárcere e o número dos confessores sobreviventes até aquele momento? Para quem goste, será fácil repassar detalhadamente estas listas se tomar em mãos o escrito que, como já disse, encontra-se recolhido em nossa Recompilação de martírios. Mas isto foi o ocorrido sob Antonino[8].

V - De como Deus atendeu as orações dos nossos e fez chover do céu para o imperador Marco Aurélio
1.            E tradição que o irmão deste, Marco Aurélio César, estando em ordem de batalha frente aos germânicos e aos sármatas, passava grande dificuldade por causa da sede que castigava seu exército. Mas os soldados que serviam sob a assim chamada legião de Melitene[9] - que por sua fé subsiste desde então até hoje -, formados frente ao inimigo, puseram seus joelhos no chão, segundo nosso familiar costume de orar, e dirigiram suas súplicas a Deus.
2.     Tal espetáculo pareceu, na verdade, muito estranho aos inimigos, mas outro documento conta que no mesmo instante foram surpreendidos por outro espetáculo ainda mais estranho: um furacão punha em fuga e aniquilava os inimigos, enquanto que a chuva caía sobre o exército dos que haviam invocado o socorro divino e o reanimava quando já estava todo ele a ponto de perecer pela sede.
3.            O relato conserva-se inclusive entre os escritores alheios a nossa doutrina que se preocuparam em escrever sobre aqueles tempos. Também os nossos o dão a conhecer. No entanto, os historiadores de fora, alheios a nossa fé, expõe o prodígio mas não confessam que este se realizou pelas orações dos nossos; já os nossos, como amantes da verdade, transmitem o ocorrido com simplicidade e sem malícia.
4.      Destes poderia ser também Apolinário, que afirma que a legião autora do prodígio por sua oração recebeu do imperador, a partir de então, um nome adequado ao sucedido, que em língua latina se diz Fulmínea.
5.      Testemunha destes fatos, digno de crédito, poderia também ser Tertuliano, que dirigiu ao senado a Apologia latina em favor da fé, da qual fizemos menção mais acima[10], e confirma o relato com uma demonstração mais ampla e mais clara.
6.      Escreve pois também ele e diz que até agora conservam-se cartas de Marco, o imperador mais sábio, nas quais ele mesmo atesta que, estando seu exército a ponto de perecer na Germania e por falta de água, salvou-se pelas orações dos cristãos. E segue dizendo Tertuliano que o imperador ameaçou inclu­sive com a pena de morte aos que tentassem acusar-nos.
7.   A tudo isso o mesmo autor junta o seguinte:
"Que tipo de leis são estas então, ímpias, injustas e cruéis, seguidas somente contra nós? Vespasiano não as observou, apesar de ter vencido os judeus; Trajano teve-as em parte como nada, ao impedir que se perseguissem os cristãos, e Adriano, apesar de ocupar-se com muita curiosidade com muitas coisas, não as sancionou, como tampouco o que é chamado Pio." Mas isto, que cada um o deixe onde quiser.
8.             Nós, por nossa parte, voltemos ao fio do que se segue. Quando Potino, com seus noventa anos cumpridos, morreu em companhia dos mártires da Gália, Irineu recebeu em sucessão o episcopado da igreja de Lion, que Potino havia regido. Sabemos que ele, em sua juventude, foi ouvinte de Policarpo.
9.      No livro terceiro de sua obra Contra as heresias expõe a sucessão dos bispos de Roma até Eleutério, de cuja época também investigamos os aconteci­mentos, e estabelece a lista como se, de fato, sua obra fosse composta nos tempos deste; escreve como segue:

VI - Lista dos bispos de Roma
1.            "Os bem-aventurados apóstolos, depois de haverem fundado e edificado a Igreja, puseram o ministério do episcopado em mãos de Lino. Este Lino é mencionado por Paulo em sua carta a Timóteo[11].
2.            Sucede-o Anacleto, e depois deste, em terceiro lugar a partir dos apóstolos, obtém o episcopado Clemente, que também havia visto os bem-aventurados apóstolos e tratado com eles, e tinha ainda ressoando-lhe nos ouvidos a pregação dos apóstolos e diante dos olhos sua tradição. E não apenas ele, porque então ainda sobreviviam muitos que haviam sido instruídos pelos apóstolos.
3.            Quando nos tempos deste Clemente surgiu entre os irmãos de Corinto uma não pequena dissensão, a igreja de Roma escreveu aos Coríntios uma carta importantíssima tentando reconciliá-los na paz e renovar sua fé e a tradição que tinham recebido dos apóstolos."
E depois de breve espaço diz:
4.   "A este Clemente sucede Evaristo, e a Evaristo, Alexandre; depois é insti­tuído Sixto, o sexto portanto a partir dos apóstolos; e depois deste, Telésforo, que também sofreu gloriosamente o martírio; logo Higinio; depois Pio, e depois deste, Aniceto; havendo Sotero sucedido a Aniceto, agora é Eleutério que ocupa o cargo do episcopado, em décimo segundo lugar a partir dos apóstolos.
5.   Pela mesma ordem e com a mesma sucessão chegaram até nós a tradição e a pregação da verdade que procederam dos apóstolos na Igreja.

VII - De como inclusive até aqueles tempos realizavam-se por meio dos fiéis grandiosos milagres
1.            Irineu, coincidindo com as narrações que discutimos anteriormente nos livros que, em número de cinco, intitulou Refutação e destruição da falsamente chamada gnosis, esboça também estas coisas. No livro segundo da mesma obra assinala que, em algumas igrejas, persistiram inclusive até ele manifestações do maravilhoso poder divino. Ele o diz com estas palavras:
2.            "Muito lhes falta para ressuscitar um morto[12], como fizeram o Senhor e os apóstolos mediante a oração e como se deu na comunidade de irmãos muitas vezes: por causa da necessidade, a igreja toda do lugar estava rogando com jejuns e repetidas súplicas, e o espírito do morto voltou, e o homem recebeu o favor pela graça das orações dos santos."
E de novo, depois de outras coisas, diz:
3.            "Mas se chegam a dizer que o Senhor fez tais prodígios apenas em aparência, então os faremos recorrer aos escritos proféticos e por estes lhes demons­traremos que assim está previsto sobre Ele, e que assim sucedeu com segu­rança e que somente Ele é o Filho de Deus. Por isso, também em seu nome os que são verdadeiramente seus discípulos recebem d'Ele a graça e a utilizaram em benefício dos demais homens, segundo o dom que cada um recebeu d'Ele[13].
4.     Uns, efetivamente, expulsam firme e verdadeiramente os demônios, de modo que muitas vezes aqueles mesmos que foram purificados dos maus espíritos crêem e estão na Igreja; outros têm conhecimento antecipado do porvir, assim como visões e declarações proféticas; outros ainda, curam os enfer­mos mediante a imposição das mãos e os restituem sãos; mais ainda, como dissemos, inclusive mortos foram ressuscitados e permaneceram conosco muitos anos. E para que mais?
5. Não é possível dizer o número de graças que por todo o mundo a Igreja recebeu de Deus em nome de Jesus Cristo crucificado sob Pôncio Pilatos e que cada dia utiliza em benefício dos pagãos, sem nunca enganar ninguém nem despojá-lo de seu dinheiro, porque gratuitamente o recebeu de Deus e gratuitamente o serve."
6.   E em outro lugar escreve o mesmo:
"Assim como também ouvimos que há muitos irmãos na Igreja que têm carismas proféticos e que por meio do Espírito falam em todo tipo de línguas, que põe a descoberto os segredos dos homens quando é proveitoso e que explicam os mistérios de Deus."
Isto é o que há sobre a permanência dos diferentes carismas até os tempos mencionados entre os que deles eram dignos.



1. O que mais te chamou a atenção neste texto?
2. O que o texto contribui para a sua espiritualidade?







[1] Fp 2:6.
[2] Devido ao corte da citação, não aparece a quem se refere, mas trata-se sem dúvida do demônio.
[3] A Igreja.
[4] O estilo de vida de Alcibíades não indica que fosse necessariamente um montanista.
[5] 1 Tm 4:3-4.
[6] Não o mesmo Alcibíades mencionado acima, mas um companheiro de Montano.
[7] Entre 174 e 178.
[8] Marco Aurélio.
[9] Importante cidade da Capadócia, sede da XII legião. Não é estranho que tivesse em suas fileiras bom número de cristãos, ainda que não fossem a maioria.
[10] Vide II:2:4; 25:4; III:33:3. O Apologeticum. não foi dirigido ao senado, mas aos governadores.
[11] 2 Tm 4:21.
[12] Aos seguidores de Simão e Carpócrates.
[13] Ef 4:7.

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