quinta-feira, 16 de junho de 2016

40 - História Eclesiástica de Eusébio de Cesareia Livro VI – Capítulos 32-41

40
História Eclesiástica de Eusébio de Cesareia
Livro VI – Capítulos 32-41

XXXII - Que comentários escreveu Orígenes em Cesaréia da Palestina
XXXIII - Sobre o descaminho de Berilo
XXXIV - O ocorrido no tempo de Felipe
XXXV - (De como Dionísio sucedeu Heraclas no episcopado
XXXVI - Que outras obras escreveu Orígenes
XXXVII - Da discórdia dos árabes
XXXVIII - Da heresia dos helcesaítas
XXXIX - Dos tempos de Décio
XL - Do acontecido a Dionísio
XLI - Dos que sofreram martírio na mesma Alexandria

 Texto Bíblico: ISAIÁS 30.6

XXXII - Que comentários escreveu Orígenes em Cesaréia da Palestina
1.     Orígenes, por este tempo, compunha os Comentários a Isaías, como também, pelas mesmas datas, os Comentários a Ezequiel. Deles chegaram a nós trinta tomos do comentário à terceira parte de Isaías, até a visão dos quadrúpedes no deserto[1], e dos Comentários a Ezequiel, vinte e cinco tomos, que são os únicos que já foram feitos sobre o profeta inteiro[2].
2.     Estando por esta época em Atenas, dá o arremate aos Comentários a Ezequiel e começa os do Cantar dos Cantares, continuando-os ali mesmo até o livro quinto. Regressou logo a Cesaréia e os terminou; dez no total.
3. E para que fazer aqui um catálogo das obras deste homem, que necessitaria um estudo especial? Nós já o incluímos na relação da vida do santo mártir de nossos dias Panfilo; ao demonstrar nela como era grande o zelo de Panfilo pelas coisas divinas, citei as listas da biblioteca por ele reunida com base nas obras de Orígenes que chegaram até nós. Mas agora devemos seguir com o fio de nossa história.

XXXIII - Sobre o descaminho de Berilo
1.            Berilo, o bispo de Bostra, mencionado pouco acima, pervertia a regra eclesiástica e tratava de introduzir ensinamentos estranhos à fé, atrevendo-se a dizer que nosso Salvador e Senhor não preexistia com individualidade própria antes de residir entre os homens, e que tampouco possuía divindade própria, mas unicamente a do Pai, que habita nele.
2.            Ante isto, muitos bispos foram interrogar Berilo e dialogar com ele; Orígenes foi chamado e lá foi. Começou conversando com Berilo para saber o quê pensava, e quando também soube o que dizia, comprovou que não opinava corretamente e, persuadindo-o com a razão, colocou-o na verdade acerca da doutrina e o restabeleceu em sua primeira e sã opinião.
3.            E até hoje subsistem escritos de Berilo e do sínodo que houve por sua causa, escritos que contêm, junto com as perguntas que Orígenes lhe fez e os diá­logos havidos em sua própria comunidade, tudo de que se tratou naquela ocasião.
4.     Sobre Orígenes, por fim, os mais velhos de nossa geração transmitiram a memória de outros inumeráveis casos que haveremos de omitir, parece-me, por não caber à presente obra. Mas tudo o que era necessário conhe­cer do que a ele se refere pode-se consultar na Apologia que elaboramos em sua defesa o santo mártir de nosso tempo Panfilo e nós, obra que após penoso esforço realizamos juntos com grande diligencia, por causa dos insistentes.

XXXIV - O ocorrido no tempo de Felipe
1. Ao terminar Gordiano seu reinado de seis anos completos sobre os romanos, sucedeu-o no principado Felipe, junto com seu filho Felipe. Dele conta uma tradição que, como era cristão, quis tomar parte com a multidão nas orações que se faziam na Igreja no dia da última vigília da Páscoa, mas o que presidia naquela ocasião não permitiu que entrasse sem antes fazer a confissão e inscrever-se com os que se classificava como pecadores e ocupavam o lugar da penitência, porque se não fizesse isto nunca o receberia de outra maneira, por causa das muitas tarefas que tinha. E diz-se que ao menos obedeceu com bom ânimo e demonstrou com obras a sinceridade e piedade de sua disposição a respeito do temor a Deus.

XXXV - (De como Dionísio sucedeu Heraclas no episcopado
1. Era o terceiro ano deste[3], quando morreu Heraclas, depois de presidir durante uns dezesseis anos as igrejas de Alexandria, recebeu o episcopado Dionísio.

XXXVI - Que outras obras escreveu Orígenes
1.            Foi então, como também era natural, enquanto a fé se multiplicava e nossa doutrina se expressava com liberdade por todas as partes, quando Orígenes, segundo dizem, tendo passado dos sessenta anos e tendo já reunido uma grande experiência com sua longa preparação, permitiu aos taquígrafos transcrever as conferências tidas por ele em público, sendo que nunca antes tinha consentido que isto se fizesse.
2.            Também compôs neste tempo os oito livros contra a obra do epicúreo Celso[4] contra nós, intitulada Doutrina verdadeira, assim como os vinte e cinco tomos Sobre o Evangelho de Mateus e os tomos Sobre os doze profetas, dos quais encontramos apenas vinte e cinco[5].
3.            Conserva-se dele ainda uma carta ao próprio imperador Felipe e outra a sua mulher Severa, assim como muitas outras a diferentes pessoas. Delas temos recolhido em volumes próprios, para que não andem mais espalhadas, todas que pudemos reunir, conservadas aqui e acolá entre diferentes pessoas. Ultrapassam o número de cem.
4.            Escreveu também a Fabiano, o bispo de Roma, e a muitos outros chefes de igrejas, sobre sua própria ortodoxia. Tens provas disso no livro sexto da Apologia que escrevemos sobre este homem.

XXXVII - Da discórdia dos árabes
1. Pela mesma época de que falamos surgiram novamente na Arábia outros introdutores de uma doutrina alheia à verdade, os quais diziam que a alma humana, enquanto durar o tempo presente, morre no transe derradeiro juntamente com os corpos e com eles se corrompe, mas que um dia reviverá novamente com eles no momento da ressurreição. Pois bem, também então reuniu-se um concilio de bom tamanho e novamente chamou-se a Orígenes, que teve alguns discursos em público sobre o assunto debatido, e de tal for­ma se conduziu que aqueles que primeiro haviam sido enganados mudaram suas opiniões.

XXXVIII - Da heresia dos helcesaítas
1. Também então deu início a uma nova perversão a heresia chamada dos hel­cesaítas, que se extinguiu logo depois de nascida. E mencionada por Orígenes em uma homilia sobre o salmo 82, que pronunciou em público, e diz assim: "Veio recentemente um que se gloria de poder ser embaixador de uma doutrina atéia e ímpia por demais, chamada dos helcesaítas, que se levantou recentemente contra as igrejas. Quais são as maldades que profere esta doutrina, vou expô-las, para que não vos capture. Rechaça algumas coisas de toda a Escritura; utiliza no entanto passagens tomadas de todo o Antigo Testamento e dos Evangelhos; rechaça por inteiro o Apóstolo. Diz que renegar a fé é coisa indiferente, e que o homem atento, em caso de necessi­dade, renegará com a boca, ainda que não com o coração. E possuem um livro do qual dizem que caiu do céu e que quem o ouça e tenha fé receberá perdão de seus pecados, um perdão diferente do que Cristo Jesus deu."

XXXIX - Dos tempos de Décio
1.            Agora pois, a Felipe, que havia imperado por sete anos, sucede Décio, que por ódio a Felipe suscitou uma perseguição contra as igrejas. Nela Fabiano consumou seu martírio em Roma e Cornélio o sucedeu no episcopado.
2.            E na Palestina, Alexandre, bispo da igreja de Jerusalém, novamente com­parece por Cristo ante os tribunais do governador em Cesaréia, e depois de distinguir-se nesta segunda confissão de fé, experimenta o cárcere apesar de estar já coroado com os veneráveis cabelos brancos de sua esplêndida velhice.
3.            Morto na prisão, depois de dar brilhante e claríssimo testemunho ante os tribunais do governador, proclama-se Mazabanes seu sucessor no episcopado de Jerusalém.
4.            De modo semelhante a Alexandre morreu Babilas na prisão em Antioquia depois de sua confissão de fé, e Fábio pôs-se à frente daquela igreja.
5.     Quanto a Orígenes, quantas e quais coisas lhe aconteceram na perseguição e o fim que tiveram, sendo que assim o malvado demônio havia posto contra ele todo seu exército e lutava contra ele com todos seus meios, e todo seu poder, e se abatia sobre ele de modo distinto do que sobre os demais a quem fazia então a guerra; e logo quantos e quais sofrimentos teve que suportar aquele homem pela doutrina de Cristo: correntes e torturas, os suplícios físicos, os suplícios pelo ferro e os suplícios na escuridão do cárcere; e como tendo seus pés durante muitos dias estendidos no cepo até o quarto furo e depois de ser ameaçado com o fogo, suportou ainda com integridade muitos outros tormentos que seus inimigos lhe infligiam; e em que deu tudo isto, já que o juiz se esforçava com todas suas forças para que não se lhe tirassem a vida; e depois de tudo isto, que classe de sentenças deixou atrás de si, cheias também elas de proveito para os que necessitam recuperar-se: tudo isto está contido nas numerosas cartas deste homem, com tanta verdade quanto exatidão[6].

XL - Do acontecido a Dionísio
1.            O que se refere a Dionísio vou apresentar tomando-o de sua Carta contra Germano, onde, falando de si mesmo, conta o que segue: "Eu, de minha parte, também estou falando diante de Deus e ele sabe se estou mentindo. Não empreendi a fuga baseado em mim mesmo e sem ajuda de Deus,
2.            "mas antes, declarada a perseguição de Décio, na mesma hora Sabino[7] enviou um frumentário[8] em busca de mim. Eu permaneci quatro dias em minha casa esperando a chegada do frumentário, mas ele andou dando voltas esquadrinhando tudo, os caminhos, os rios, os campos, onde ele suspeitava que eu me ocultava ou andava; mas estava afetado de cegueira e não encon­trava a casa, pois não acreditava que eu, sendo perseguido, permanecesse em casa.
3.            E somente depois do quarto dia, porque Deus me ordenava trasladar-me e milagrosamente nos abria caminho, saímos juntos eu e meus filhos[9] e muitos irmãos. E que isto foi obra da providência de Deus é provado pelos aconteci­mentos exteriores em que por acaso fomos de proveito para alguns".
4.            Logo, depois de interpor alguma outra coisa, manifesta o que lhe aconteceu depois de sua fuga, acrescentando o que segue:
"Eu, de minha parte, até o pôr-do-sol, caí efetivamente nas mãos dos soldados, junto com meus acompanhantes, e fui conduzido a Taposiris, enquanto que Timóteo[10], pela providência de Deus, por acaso não se achava presente e não foi detido. Quando regressou mais tarde, encontrou a casa deserta e alguns servidores guardando-a, e quanto a nós, soube que nos tinham capturado."
5.   E depois de outras coisas diz:
"E qual foi a forma de sua admirável disposição providencial? Porque há que se dizer a verdade. Um camponês saiu ao encontro de Timóteo, que fugia perturbado, e perguntou-lhe a causa daquela precipitação.
6.            Este lhe disse a verdade, e aquele, quando o ouviu (ia a um banquete de bodas, pois têm o costume de passar toda a noite em semelhantes ocasiões), não fez mais que entrar e contá-lo aos que estavam à mesa. Todos eles, como a um sinal convencionado e por impulso unânime, puseram-se em pé e a toda pressa logo chegaram; caíram sobre nós com grande gritaria e, tendo fugido os soldados que nos guardavam, acercaram-se de nós como estávamos, largados sobre uns estrados sem cobertores.
7.            Eu então - sabe Deus que na hora os tomei por salteadores vindos para roubar e pilhar - permaneci no leito, desnudo como estava, com a simples camisa de linho, e as demais roupas que estavam junto de mim eu lhas oferecia. Mas eles nos ordenaram levantar-nos e sair a toda pressa.
8.     Então compreendi por que estavam ali e comecei a gritar pedindo-lhes e suplicando-lhes que fossem e nos deixassem e, se queriam fazer algo proveitoso, eu lhes rogava que se antecipassem aos que me conduziam e que eles mesmos me cortassem a cabeça. E enquanto eu dizia isto a gritos, como sabem meus companheiros e co-partícipes de toda esta peripécia, levantaram-nos à força. Eu então me joguei de costas ao chão, mas eles, agarrando-me pelas mãos e pelos pés tiraram-me arrastado.
9.   Seguiam-me as testemunhas de tudo isto: Caio, Fausto, Pedro, Paulo, os quais puxando-me às pressas, tiraram-me do povoado, e fazendo-me montar em pelo sobre um asno, levaram-me."
Isto conta Dionísio sobre si mesmo.


XLI - Dos que sofreram martírio na mesma Alexandria
1.            E ele mesmo, em sua carta a Fábio, bispo de Antioquia, narra como segue os combates dos que sofreram martírio em Alexandria sob Décio: "Entre nós a perseguição não começou pelo edito imperial, mas antecipou-se um ano inteiro. Tomando a dianteira nesta cidade o adivinho e autor de males, quem quer este fosse, agitou e excitou contra nós as turbas de pagãos reavivando seu zelo pela superstição do país.
2.            Excitados por ele e tomando toda liberdade para sua ímpia obra, começa­ram a pensar que somente era religião este ato de culto demoníaco: assas­sinar-nos.
3.            O primeiro a quem lançaram mão foi um velho chamado Metras; intimaram-no a dizer palavras ímpias, e como ele não obedecia, bateram-no por todo o corpo e espetaram seu rosto e seus olhos com varas pontiagudas; levaram-no ao arraial e ali o apedrejaram.
4.             Depois foi uma mulher crente, chamada Quinta; conduziram-na ao templo dos ídolos e queriam forçá-la a adorar, mas como ela se virou horrorizada, ataram-lhe os pés e a arrastaram por toda a cidade sobre o áspero calçamento, batendo contra as lajes enquanto a açoitavam, e voltando ao mesmo lugar, apedrejaram-na.
5.             Em seguida todos de uma vez lançaram-se contra as casas dos fiéis, e caindo sobre os que cada um conhecia, seus vizinhos, levavam-nos e se entregavam ao saque e à pilhagem. Separando para si os objetos mais valiosos e jogando os mais vulgares e feitos de madeira para queimá-los nas ruas, ofereciam o espetáculo de uma cidade tomada por inimigos.
6.             Quanto aos irmãos, deixavam-nos fazer, retiravam-se às escondidas e aceitavam com alegria o roubo de seus bens, assim como aqueles de quem Paulo deu testemunho[11]. E não sei de nenhum até agora que tenha renegado o Senhor, a não ser, talvez, um que caiu em suas mãos.
7.             Mas ainda há mais; prenderam também então a anciã Apolonia, virgem admirável. Ao golpeá-la nas faces fizeram saltar-lhe todos os dentes, e erguendo uma fogueira diante da cidade, ameaçaram queimá-la viva se não proferisse, junto com eles, os votos da impiedade. Ela então pediu um pequeno espaço e, uma vez solta, lançou-se de um forte salto ao fogo e ficou completamente queimada.
8.             Serapion foi preso em casa, e depois de maltratá-lo com duros tormentos e torcer-lhe todos os membros, lançaram-no de cabeça do andar superior. Nem por caminhos, nem por trilhas, nem pelas ruas podíamos transitar, nem de noite nem de dia, sem que a toda hora e em toda parte gritassem que quem não cantasse as palavras blasfemas devia ser arrastado e queimado.
9.            Este estado de coisa se manteve assim por muito tempo, mas depois que a revolta se apoderou dos miseráveis e a guerra civil[12] voltou contra eles mesmos a crueldade que antes empregavam contra nós, pudemos por fim respirar um pouco aproveitando sua falta de tempo para se irritarem contra nós. Mas em seguida anunciou-se a troca daquele reinado, tão favorável para nós, e espalhou-se um grande temor pelo que nos ameaçava.
10.     E assim é que ali estava o edito, quase idêntico ao previsto por nosso Senhor, o mais terrível ou pouco menos, tanto que, sendo possível, até os próprios eleitos tropeçariam[13].
11. Certo é que estavam todos aterrados, e muitos dos mais conspícuos, uns compareciam logo, mortos de medo; outros, com cargos públicos, viam-se levados por suas próprias funções, e outros eram arrastados pelos amigos. Chamados pelo nome, aproximavam-se dos impuros e profanos sacrifícios, pálidos e trêmulos, como se não fossem sacrificar, mas serem eles mesmos sacrifícios e vítimas para os ídolos, tanto que o numeroso público que os rodeava zombava deles, pois era evidente que para tudo eram uns covardes, para morrer e para sacrificar;
12.     Alguns outros, por outro lado, corriam mais resolutos aos altares e levavam sua audácia ao ponto de sustentar que jamais anteriormente tinham sido cristãos. A eles se refere a muito verdadeira pregação do Senhor: que dificil­mente se salvarão[14]. Dos restantes, uns seguiam a um ou outro dos grupos mencionados, e os outros fugiam.
13.     Quanto aos que foram presos, alguns, depois de terem chegado até as cor­rentes e ao cárcere - alguns inclusive estiveram encerrados vários dias -, logo renegaram, ainda antes de chegar ao tribunal, e outros, depois de se manterem firmes algum tempo nos tormentos, negaram-se a seguir adiante.
14.     Mas os sólidos e abençoados pilares do Senhor, fortalecidos por ele e com uma força e constância adequadas e dignas de sua fé robusta, converteram-se em testemunhos admiráveis de seu reino.
15.     O primeiro deles, Juliano, um homem sofrendo de gota, incapaz de ficar em pé ou de caminhar, que foi conduzido junto com outros dois que o levavam; um destes renegou em seguida, enquanto que o outro, chamado Cronion e apelidado Eunus, assim como o próprio ancião Juliano, confessaram o Senhor, e depois de serem levados sobre camelos por toda a cidade, que eram enorme, como sabeis, enquanto os açoitavam lá em cima, por último, com todo o povo acotovelando-se em torno, queimaram-nos com cal viva.
16.     E um soldado que os escoltava quando eram conduzidos ao suplício enfrentou-se com os que lançavam seus insultos, mas eles puseram-se a gritar, e o valentíssimo campeão de Deus, Besas, foi conduzido ao tribunal, de depois de sobressair no grande combate pela religião, foi decapitado.
17.     E outro ainda, de nacionalidade líbia, e verdadeiro Mácar por seu nome e por bênção divina[15], como o juiz insistisse em exortá-lo a renegar, não se deixou seduzir, e o queimaram vivo. E depois destes, Epímaco e Alexandre, que depois de ficarem presos longo tempo sofrendo incontáveis sofrimentos de ganchos e açoites, foram também metidos em cal viva.
18. E com estes, quatro mulheres. A Ammonaria, uma santa virgem, o juiz mandou torturá-la com toda sanha e força por ter feito constar de antemão que não diria uma só palavra que ele ordenasse, e como ela cumprisse a promessa, conduziram-na ao suplício. Quanto às outras, a venerável anciã Mercuria, e Dionisia, mãe de muitos filhos, aos quais, no entanto, não amou mais do que ao Senhor, sentindo-se o juiz envergonhado ante a ineficácia de suas torturas, e para não ser vencido por umas mulheres, fez com que morressem pela espada e não provassem mais tormentos; de fato Ammonaria os tinha suportado por todas elas, como um paladino seu.
19.     Foram entregues também os egípcios[16] Heron, Ater e Isidoro, e com eles um rapaz de uns quinze anos chamado Dióscoro. Primeiramente o juiz tentou seduzir o rapaz com palavras, pensando ser fácil de enganar, e forçá-lo com tormentos pensando ser fácil de ceder, mas Dióscoro nem se deixou persuadir nem cedeu.
20. Aos outros dilacerou ferozmente, e como seguissem firmes, também os entregou ao fogo. A Dióscoro, por outro lado, deixou seguir livre, admirado de como havia-se coberto de glória ante o público e que sábias respostas dera em seu próprio interrogatório, e disse que lhe dava aquela prorrogação para que se arrependesse. E agora, o divino Dióscoro está conosco, reservado para um combate mais longo e trabalhos mais duradouros.
21. E um tal Nemesion, também egípcio, foi injustamente acusado de viver com ladrões, e quando conseguiu desfazer tão absurda calúnia ante o Centu­rião, foi denunciado como cristão e veio acorrentado ante o governador. Este, muito injusto, maltratou-o com tormentos e açoites em quantidade dobrada da dos bandidos, e entre bandidos fez queimar o bem-aventurado, que assim via-se honrado com o exemplo de Cristo.
22. Todo um piquete de soldados: Ammon, Zenon, Ptolomeu e Ingenes, e com eles um ancião, Teófilo, achava-se de pé diante do tribunal. Estava-se julgan­do um homem por ser cristão, e quando ele ia se inclinando para a apostasia, aqueles, que estavam presentes, começaram a rilhar os dentes e faziam sinais com a cabeça, estendiam as mãos e gesticulavam com todo o corpo.
23. Todos se viraram para eles, e então, antes que os prendessem por outros motivos, eles mesmos se adiantaram correndo para o estrado dizendo que eram cristãos, com isto tanto o governador como seus assessores encheram-se de medo e parecia que, enquanto os réus se mostravam animadíssimos com o que iam padecer, os juízes se acovardavam. E assim aqueles soldados saíram em triunfo do tribunal transbordantes de alegria por seu testemunho: Deus os fazia triunfar gloriosamente.


1. O que mais te chamou a atenção neste texto?
2. O que o texto contribui para a sua espiritualidade?





[1] Is 30:6.
[2] Dos Comentários de Orígenes sobre os profetas restam fragmentos insignificantes.
[3] De Felipe, o Árabe.
[4] Contra Celso é a única obra de Orígenes conservada integralmente no texto original.
[5] Todos perdidos.
[6] Parece portanto que Orígenes sobreviveu aos tormentos da perseguição, ainda que mortalmente ferido. Infelizmente todas estas cartas se perderam.
[7] Prefeito do Egito.
[8] Originalmente um intendente militar, nessa época um tipo de investigador ou espião.
[9] Pode referir-se a filhos assim como a alunos ou aos criados.
[10] O filho de Dionísio, a que dedicou sua obra Sobre a natureza.
[11] Hb 10:34.
[12] Possivelmente uma extensão da disputa entre Décio e Felipe, antes de seu desenlace anunciado no fim do parágrafo.
[13] Mt 24:8-10; 24:24.
[14] Mt 19:23; Mc 10:23; Lc 18:24.
[15] Mácar significa feliz, afortunado.
[16] Os alexandrinos consideravam-se gregos, distintos étnica e culturalmente dos egípcios.

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