quarta-feira, 5 de agosto de 2020

144 - Cipriano de Cartago (210-258) A Conduta das Virgens – 5 a 7

Publicada Instrução sobre a Ordo virginum - Província Carmelitana ...

144

Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra

Cipriano de Cartago (210-258)

A Conduta das Virgens – 5 a 7

 


5. A inconveniência de certos ornamentos

O luxo de ornamentos e vestes e a sedução das for mas só convêm às prostitutas e às mulheres impudicas, e ordinariamente não há vestes mais preciosas do que as daquelas cujo pudor é vil. Assim, as Sagradas Escrituras, pelas quais o Senhor quis instruir-nos e admoestar-nos, descrevem a cidade meretriz ricamente ornada e ataviada, destinada a perecer com os seus atavios, ou, antes, por causa deles: “E veio um dos sete

anjos que tinham as sete taças, e se aproximou de mim dizendo: Vem, que te mostrarei a condenação da grande meretriz sentada à beira das grandes águas, com a qual praticaram luxúrias os reis da terra. E conduziu-me em espírito, e vi uma mulher montada numa fera. E a mulher estava revestida de um manto purpúreo e escarlate, adornada de ouro, pedras preciosas e pérolas, trazendo na mão uma taça de ouro repleta das abominações, da imundície e da fornicação de toda a terra”.[ Ap 17,1-4.]

As castas e modestas virgens fujam do luxo das impuras, do vestuário das impudicas, dos ornatos dos prostíbulos, dos enfeites das meretrizes. Também Isaías exclama, cheio do Espírito Santo, e repreende as filhas de Sião corrompidas pelo ouro, pela prata e pelas vestes, e censura as que possuem em abundância riquezas perniciosas, afastando-se de Deus pelos prazeres do século: “As filhas de Sião se elevaram e andaram com o pescoço emproado, fazendo aceno com os olhos, arrastando as túnicas com andar afetado, e ao mesmo tempo saltitando.

O Senhor humilhará as principais filhas de Sião e lhes arrebatará as vestes. O Senhor tirará a glória das suas vestes e os seus ornamentos, os seus cabelos, os seus cabelos anelados, as lúnulas, as fitas de cabelo, os braceletes, os toucados, as cadeias de ouro, os anéis, os brincos, os vestidos de festa tecidos de ouro e jacinto, e em lugar de cheiro suave, poeira, e por cinta te cingirás de corda e por ornamento áureo da cabeça terás a calvície”. [Is 3,16.]

Isto é o que Deus repreende, isto é o que indica: a corrupção delas consiste em todas essas coisas; é isso que ele declara; esse é o motivo de se afastarem do ornato verdadeiro e divino. Exaltadas, decaíram; pelos seus atavios, mereceram ignominiosa fealdade. Cobertas de seda e púrpura, não podem revestir-se do Cristo; adornadas de ouro, pérolas e joias, perderam os ornatos da alma e do coração.

Quem não abominaria e evitaria o que foi ruína para outros? Quem desejaria e tomaria [para si] o que foi para a morte de outras qual espada e seta mortal? Se depois de tomar uma bebida alguém morresse, saberias ser veneno o que bebeu; se, ao ingerir um alimento alguém sucumbisse, saberias ter sido mortal o que, uma vez recebido, pôde tirar a vida; não ousarias comer nem beber daquilo que, antes, viste matar a outros. Portanto, quanta ignorância da verdade, quanta loucura de espírito em querer o que sempre prejudicou e prejudica e julgar que não hás de perecer onde sabes terem outros encontrado a perdição.

Deus não fez as ovelhas escarlates ou purpúreas, nem ensinou a tingir e colorir a lã com o suco de ervas e púrpuras. Não ensinou a fabricar joias engastando no ouro pedras preciosas ou pérolas numa sucessão compacta e encadeadas por numerosas ligações, para ocultares a cabeça por ele criada, cobrindo-se o que formou no homem e ostentando-se, por cima, o que o demônio inventou. Porventura quis Deus que se fizessem incisões nas orelhas e que por meio delas se torturasse a infância inocente e ainda ignorante do mal deste mundo, a fim de que, em seguida, das cicatrizes e orifícios pendessem pedras preciosas, pesadas ainda que não pelo tamanho, mas pelo seu elevado preço?

Os anjos pecadores e apóstatas exibiram tudo isso por seus artifícios, quando, precipitados nos contágios terrestres, se afastaram da força celeste. Eles ensinaram a pintar os olhos contornando-os de preto, a colorir as faces com falso rubor, a metamorfosear a cabeleira por meio de coloridos falsificados e a destruir toda a verdade da boca e da cabeça pelo ataque de sua corrupção. Neste ponto, pelo temor que a fé nos sugere, pelo amor que a fraternidade exige, julgo dever exortar não só as virgens ou as viúvas, mas também as casadas e todas as [demais] mulheres a não corromperem de modo algum o trabalho de Deus, as suas obras e modelos, aplicando-lhes a cor loura, pó negro ou vermelho, ou qualquer preparado que falsifique os traços naturais.

Deus disse: “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança”;[ Gn 1,26.] e alguém ousaria transformar e mudar o que Deus fez! Atacam ao próprio Deus quando se aplicam a reformar e transmutar o que ele formou, ignorando ser obra de Deus tudo o que é natural, e do demônio tudo o que é alterado. Se um artista fixasse numa a fisionomia de alguém, exprimindo adequadamente a [sua] aparência e os [seus] traços, e, uma vez terminado e pronto o trabalho, um outro resolvesse pôr a mão em seu quadro para reformar o que já fora delineado e pintado, como se fosse mais qualificado, essa ação pareceria um grave insulto ao primeiro artista e causa de justa indignação; e crês que cometerás impunemente a tão perversa e temerária audácia de teres ofendido ao Deus criador? Embora por tais disfarces sedutores não sejas impudica e impura em relação aos homens, és pior que uma adúltera, corrompendo, assim, e violando o que é de Deus.

O que pensas ser adorno, o que pensas ser enfeite é atentado contra a obra divina, é prevaricação da verdade. “Lançai fora o velho fermento, para que sejais uma massa nova, como sais ázimos. Porquanto o Cristo, a nossa Páscoa, foi imolado. Celebremos, portanto, a nossa festa, não no fermento velho, nem no fermento da malícia e da iniquidade, mas nos ázimos da sinceridade e da verdade”,[ 1Cor 5,7.] são as palavras de exortação do Apóstolo.

Porventura a sinceridade e a verdade persistem, quando o que é autêntico é maculado pela adulteração das cores, e o que é verdadeiro se transforma em mentira pelos disfarces dos preparados? O teu Senhor diz: “Não podes tornar branco ou preto um só fio de cabelo”.[ Mt 5,36.] E tu, para sobrepujar a palavra do Senhor, queres ser mais poderosa, ungindo os teus cabelos numa tentativa audaz e com desprezo sacrílego!

Com mau presságio do futuro, já vaticinas teus cabelos vermelho-fogo e pecas – ó crime – contra a tua cabeça, isto é, a parte mais nobre do corpo. Pois está escrito [a respeito] do Senhor: “Tinha a cabeça e os cabelos brancos como a lã ou a neve”;[ Ap 1,14.] e tu abominas as cãs, detestas a brancura que tem semelhança com a cabeça do Senhor! Tu que assim procedes, pergunto, não receias que, quando chegar o dia da ressurreição, o teu Criador não te reconheça? Que, quando vieres para receber os prêmios prometidos, ele te afaste e exclua?

Que, repreendendo-te com energia de censor e juiz, diga: “Isto não é minha obra, nem é nossa imagem”? Sujaste a cútis com falsos preparados, modificaste a cabeleira adulterando-lhe a cor, tua face foi vencida pelo disfarce, teu rosto foi poluído, tornou-se estranho o teu semblante.

Não poderás ver a Deus, porque os teus olhos não são os que Deus fez, mas os que o demônio desfez. Tu o seguiste, imitaste os vermelhos e tingidos olhos da serpente; ornada à custa do teu inimigo, arderás juntamente com ele. Tudo isso, pergunto, não deve ser pensado pelas servas de Deus? Não deve ser temido sempre, dia e noite? Vejam como as esposas, pelo zelo de agradar, se lisonjeiam com a satisfação do marido e, apresentando-o para sua desculpa, o associam à participação de um criminoso consentimento. Por certo, as virgens – a quem no momento se dirigem estas palavras – que se ataviam com tais artifícios não devem ser contadas entre as virgens.

Mas, como ovelhas contaminadas e animais doentes, devem ser afastadas do santo e puro rebanho da virgindade, para que não manchem as demais com seu contágio vivendo em comum, para que as que pereceram não percam as demais.

 

6. Frequentações inconvenientes

E uma vez que buscamos o bem da continência, evitemos tudo quanto lhe é contrário e pernicioso. Não omito aqueles usos que, introduzidos pelo relaxamento, usurparam o título de liceidade, embora contrários aos costumes sóbrios e modestos. A algumas [virgens] não causa vergonha estar entre os consortes e, naquela liberdade de conversações lascivas, travar colóquios torpes, ouvir palavras inconvenientes, dizer o que não é permitido, observar e presenciar discursos desonestos e festins licenciosos, nos quais se inflama o incentivo das paixões, em que a noiva é impelida à tolerância do defloramento e o noivo à petulância [de deflorá-la].

Haverá lugar em [tais] núpcias para aquela cujo propósito não são as núpcias? Ou, que prazer e alegria pode haver aí, quando tão diversos são os gostos e anelos? O que aí se aprende ou o que se vê? Quão mais impudica se retira aquela que chegara pura!

Embora possa permanecer virgem no corpo e no espírito, a virgindade que possuía diminui nos olhos, nos ouvidos e na língua. O que dizer das que frequentam banhos promíscuos, que expõem a olhos curiosos e sensuais os corpos consagrados ao pudor e à pureza? Quando algumas veem torpemente os homens [nus], e por eles são vistas despidas, não apresentam elas mesmas uma sedução para os vícios? Não solicitam e atraem para sua corrupção e desonra os desejos dos presentes? “Veja cada uma”, dizes, “com que disposição vai a tal lugar.

Quanto a mim, vou apenas refrescar e lavar o corpo”. Essa defesa não te purifica, nem desculpa o [teu] pecado de lascívia e descaramento. Essa ablução mancha, não lava; não limpa os membros, macula-os. Podes não olhar a ninguém impudicamente, mas és contemplada impudicamente pelos outros.

Podes não profanar teus olhos em vergonhoso deleite; contudo, te contaminas quando a outros divertes. Fazes do banho um espetáculo; vais a lugares mais indecorosos do que o teatro. Despe-se aí toda a vergonha; juntamente com a veste, se depõe a honra e o pudor do corpo; a virgindade se desnuda a fim de ser observada e contemplada. Considera agora se és pudica entre os homens quando estás vestida, tu a quem a audácia da nudez convida ao despudor.

Assim, pois, frequentemente a Igreja lamenta as suas virgens; assim chora as suas desacreditadas e detestáveis histórias. Assim se extingue a flor das virgens, desaparece a glória e o pudor da continência, é profanada toda honra e dignidade. Assim o inimigo conquistador se insinua por suas astúcias. Assim o demônio, às ocultas, se intromete com enganosas ciladas. Assim, querendo ornar-se com maior luxo, vaguear com mais liberdade, deixam de ser virgens – corrompidas por furtiva desonra, viúvas antes de serem desposadas, adúlteras não em relação ao marido, mas a Cristo – aquelas que tinham sido, como virgens, destinadas a imensas recompensas; e tão grandes suplícios hão de sofrer pela virgindade perdida.

 

7. Exortação à coerência

Ouvi-me, pois, ó virgens, como a um pai. Ouvi, eu vos rogo, aquele que vos reverencia e, ao mesmo tempo, vos admoesta. Ouvi a quem fielmente provê aos vossos interesses e vantagens. Sede tais como Deus criador vos fez. Sede tais como vos plasmou a mão do Pai. Permaneça em vós a face impoluta, a cabeça não adornada, a beleza sem artifício.

Não se abram chagas em vossas orelhas, nem a cadeia preciosa de pulseiras e colares vos aperte os braços ou o pescoço. Estejam os pés livres de áureos grilhões, não se tinjam os vossos cabelos, os olhos sejam dignos de contemplar a Deus. Frequentem-se os banhos em companhia de mulheres entre as quais o banho seja a modéstia para convosco.

Evitem-se as inconvenientes festas nupciais e os banquetes lascivos, cuja participação é perigosa. Tu que és virgem, sê superior às vestes. Tu que vences a carne e o mundo, vence

também o ouro. Não convém ser invencível nas coisas maiores e deixar-se superar nas menores. Áspero e estreito é o caminho que conduz à vida, dura e árdua a estrada que leva à glória.

Por essa trilha caminham os mártires, adiantam-se as virgens, seguem todos os justos. Evitai os caminhos largos, espaçosos, onde se encontram funestas seduções e mortíferos prazeres: aí o demônio lisonjeia para enganar, sorri para prejudicar, seduz para matar. O primeiro fruto, de cem [por um], é dos mártires; o segundo, de sessenta [por um], é o vosso.[ Cf. Mt 4,3-8.] Assim como não é próprio dos mártires pensar nem na carne nem no mundo, nem é pequeno ou fácil seu combate, assim entre vós, a quem é atribuído o segundo prêmio da graça, haja sempre força à altura do padecimento. Não é fácil a ascensão às grandes coisas.

Quanto suor, quanto trabalho nos custa quando tentamos subir as montanhas e galgar os cumes dos montes! Qual será, então, [o suor] para subirmos ao céu? Se consideras a recompensa prometida, tornar-se-á menor a fadiga. Aos perseverantes é concedida a imortalidade, prometida a vida eterna e oferecido o Reino pelo Senhor. Conservai, ó virgens, conservai o que começastes a ser; conservai o que sereis. Aguarda-vos grande recompensa, o prêmio sublime da virtude, o dom máximo da castidade.

Quereis saber de quanto mal está livre a virtude da continência e quanto bem encerra? “Multiplicarei”, diz Deus à mulher, “as tuas tristezas e os teus gemidos. Na tristeza darás filhos à luz, a paixão te fará buscar o teu esposo e ele te dominará”.[ Gn 3,16.] Quanto a vós, estais livres dessa sentença, não temeis as tristezas e os gemidos das mulheres e nenhum receio tendes pelo nascimento de filhos. Não tendes homem por marido, e, à semelhança e em vez de marido, tendes por Senhor e cabeça o Cristo, cuja sorte e condição partilhais. Esta é palavra do Senhor: “Os filhos deste mundo geram e são gerados.

Aqueles, porém, que forem julgados dignos do outro mundo e da ressurreição dos mortos não se casam nem contraem matrimônio. Nem poderão mais morrer. São iguais aos anjos de Deus, sendo filhos da ressurreição”.[ Lc 20,34-36.] O que seremos, vós já começastes a ser. Já possuís neste mundo a glória da ressurreição; atravessais o mundo sem o contágio do mundo. Perseverando castas e virgens, sois iguais aos anjos de Deus, contanto que a virgindade permaneça sempre intacta e ilesa; e continue sem cessar, com a mesma força do início; sem buscar ornamentos de joias ou de vestes, mas os dos [bons] costumes; contemple a Deus e o céu, e não abaixe para a concupiscência da carne e do mundo os olhos fixos no alto, nem os volva para as coisas terrenas.

O primeiro decreto [divino] mandou crescer e gerar; o segundo aconselhou a continência. Assim, enquanto o mundo ainda estava vazio e inculto, gerando, fomos propagados com copiosa fecundidade e crescemos para aumento do gênero humano. Agora, já que o orbe se acha povoado e o mundo repleto, os que podem assumir [o preceito da] incontinência, vivendo como eunucos, se castram para o Reino.[ Cf. Mt 19,10-12.]

O Senhor, todavia, não o ordena, mas exorta [a assumi-lo]; não o impõe como jugo forçado, visto que permanece o livre-arbítrio da vontade. Tendo, porém, declarado haver muitas moradas na casa de seu Pai,[ Cf. Jo 14,2.] aponta os aposentos da melhor mansão. Essas melhores mansões vós as buscais; reprimindo os desejos da carne, alcançais no céu prêmio de maior graça.

Com efeito, todos os que, pela santificação do batismo, chegam ao dom e à herança divinos, aí se despojam do velho homem pela graça do lavacro de salvação; e, renovados pelo Espírito Santo, purificam-se das máculas do antigo contágio num segundo nascimento. Mas a maior santidade e verdade desse novo nascimento cabem a vós, que já não tendes os desejos da carne e do corpo. Em vós só permaneceu o que se refere à virtude e ao Espírito para a glória.

É palavra do Apóstolo a quem o Senhor chamou instrumento de sua escolha,[ Cf. 2Cor 3,3] enviando-o a promulgar os celestes preceitos: “O primeiro homem”, diz ele, “vem do limo da terra, o segundo homem, do céu; qual o terrestre, tais são os homens terrestres, e qual o celeste, tais os celestes. Assim como trouxemos em nós a imagem do que é terrestre, assim também havemos de trazer a imagem do que é celeste”.[ 1Cor 15,47.]

A virgindade traz em si essa imagem, a integridade a guarda; reproduzem-na a santidade e a verdade; trazem-na em si aquelas que, lembradas da disciplina divina, observam a justiça unida à religião, firmes na fé, humildes no temor, fortes para tudo sofrer, mansas ao suportar as ofensas, propensas a usar de misericórdia, unânimes e concordes em paz fraterna. Deveis observar, amar e praticar cada uma dessas virtudes, ó boas virgens, que, progredindo para o Senhor, vos consagrastes a Deus e ao Cristo e vos antecipais [a nós] na maior e melhor parte.

As mais adiantadas em anos ensinem as mais jovens; as moças estimulem as suas companheiras. Inflamai-vos mutua mente com exortações; rivalizando em provas de virtude, animai-vos à glória. Perseverai corajosamente, progredi espiritualmente, alcançai o feliz termo. Lembrai-vos, porém, de nós, quando se revelar a glória da vossa virgindade.

 

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