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Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Cipriano de Cartago (210-258)
A
Conduta das Virgens – 5 a 7
5.
A inconveniência de certos ornamentos
O luxo de ornamentos e vestes e a sedução das for mas só
convêm às prostitutas e às mulheres impudicas, e ordinariamente não há vestes
mais preciosas do que as daquelas cujo pudor é vil. Assim, as Sagradas
Escrituras, pelas quais o Senhor quis instruir-nos e admoestar-nos, descrevem a
cidade meretriz ricamente ornada e ataviada, destinada a perecer com os seus
atavios, ou, antes, por causa deles: “E veio um dos sete
anjos
que tinham as sete taças, e se aproximou de mim dizendo: Vem, que te mostrarei
a condenação da grande meretriz sentada à beira das grandes águas, com a qual
praticaram luxúrias os reis da terra. E conduziu-me em espírito, e vi uma
mulher montada numa fera. E a mulher estava revestida de um manto purpúreo e
escarlate, adornada de ouro, pedras preciosas e pérolas, trazendo na mão uma
taça de ouro repleta das abominações, da imundície e da fornicação de toda a
terra”.[ Ap
17,1-4.]
As castas e modestas virgens fujam do luxo das impuras, do
vestuário das impudicas, dos ornatos dos prostíbulos, dos enfeites das
meretrizes. Também Isaías exclama, cheio do Espírito Santo, e repreende as
filhas de Sião corrompidas pelo ouro, pela prata e pelas vestes, e censura as
que possuem em abundância riquezas perniciosas, afastando-se de Deus pelos
prazeres do século: “As filhas de Sião se elevaram e andaram com o pescoço
emproado, fazendo aceno com os olhos, arrastando as túnicas com andar afetado,
e ao mesmo tempo saltitando.
O Senhor humilhará as principais filhas de Sião e lhes
arrebatará as vestes. O Senhor tirará a glória das suas vestes e os seus
ornamentos, os seus cabelos, os seus cabelos anelados, as lúnulas, as fitas de
cabelo, os braceletes, os toucados, as cadeias de ouro, os anéis, os brincos,
os vestidos de festa tecidos de ouro e jacinto, e em lugar de cheiro suave, poeira,
e por cinta te cingirás de corda e por ornamento áureo da cabeça terás a
calvície”. [Is
3,16.]
Isto é o que Deus repreende, isto é o que indica: a
corrupção delas consiste em todas essas coisas; é isso que ele declara; esse é
o motivo de se afastarem do ornato verdadeiro e divino. Exaltadas, decaíram; pelos
seus atavios, mereceram ignominiosa fealdade. Cobertas de seda e púrpura, não
podem revestir-se do Cristo; adornadas de ouro, pérolas e joias, perderam os
ornatos da alma e do coração.
Quem não abominaria e evitaria o que foi ruína para outros?
Quem desejaria e tomaria [para si] o que foi para a morte de outras qual espada
e seta mortal? Se depois de tomar uma bebida alguém morresse, saberias ser
veneno o que bebeu; se, ao ingerir um alimento alguém sucumbisse, saberias ter
sido mortal o que, uma vez recebido, pôde tirar a vida; não ousarias comer nem
beber daquilo que, antes, viste matar a outros. Portanto, quanta ignorância da
verdade, quanta loucura de espírito em querer o que sempre prejudicou e
prejudica e julgar que não hás de perecer onde sabes terem outros encontrado a
perdição.
Deus não fez as ovelhas escarlates ou purpúreas, nem ensinou
a tingir e colorir a lã com o suco de ervas e púrpuras. Não ensinou a fabricar
joias engastando no ouro pedras preciosas ou pérolas numa sucessão compacta e
encadeadas por numerosas ligações, para ocultares a cabeça por ele criada,
cobrindo-se o que formou no homem e ostentando-se, por cima, o que o demônio
inventou. Porventura quis Deus que se fizessem incisões nas orelhas e que por
meio delas se torturasse a infância inocente e ainda ignorante do mal deste
mundo, a fim de que, em seguida, das cicatrizes e orifícios pendessem pedras
preciosas, pesadas ainda que não pelo tamanho, mas pelo seu elevado preço?
Os anjos pecadores e apóstatas exibiram tudo isso por seus
artifícios, quando, precipitados nos contágios terrestres, se afastaram da
força celeste. Eles ensinaram a pintar os olhos contornando-os de preto, a
colorir as faces com falso rubor, a metamorfosear a cabeleira por meio de
coloridos falsificados e a destruir toda a verdade da boca e da cabeça pelo
ataque de sua corrupção. Neste ponto, pelo temor que a fé nos sugere, pelo amor
que a fraternidade exige, julgo dever exortar não só as virgens ou as viúvas,
mas também as casadas e todas as [demais] mulheres a não corromperem de modo
algum o trabalho de Deus, as suas obras e modelos, aplicando-lhes a cor loura,
pó negro ou vermelho, ou qualquer preparado que falsifique os traços naturais.
Deus disse: “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança”;[ Gn 1,26.] e
alguém ousaria transformar e mudar o que Deus fez! Atacam ao próprio Deus
quando se aplicam a reformar e transmutar o que ele formou, ignorando ser obra
de Deus tudo o que é natural, e do demônio tudo o que é alterado. Se um artista
fixasse numa a fisionomia de alguém, exprimindo adequadamente a [sua] aparência
e os [seus] traços, e, uma vez terminado e pronto o trabalho, um outro resolvesse
pôr a mão em seu quadro para reformar o que já fora delineado e pintado, como
se fosse mais qualificado, essa ação pareceria um grave insulto ao primeiro
artista e causa de justa indignação; e crês que cometerás impunemente a tão
perversa e temerária audácia de teres ofendido ao Deus criador? Embora por tais
disfarces sedutores não sejas impudica e impura em relação aos homens, és pior
que uma adúltera, corrompendo, assim, e violando o que é de Deus.
O que pensas ser adorno, o que pensas ser enfeite é atentado
contra a obra divina, é prevaricação da verdade. “Lançai fora o velho fermento,
para que sejais uma massa nova, como sais ázimos. Porquanto o Cristo, a nossa
Páscoa, foi imolado. Celebremos, portanto, a nossa festa, não no fermento
velho, nem no fermento da malícia e da iniquidade, mas nos ázimos da
sinceridade e da verdade”,[ 1Cor 5,7.]
são as palavras de exortação do
Apóstolo.
Porventura a sinceridade e a verdade persistem, quando o que
é autêntico é maculado pela adulteração das cores, e o que é verdadeiro se
transforma em mentira pelos disfarces dos preparados? O teu Senhor diz: “Não
podes tornar branco ou preto um só fio de cabelo”.[ Mt 5,36.]
E tu, para sobrepujar a palavra do
Senhor, queres ser mais poderosa, ungindo os teus cabelos numa tentativa audaz
e com desprezo sacrílego!
Com mau presságio do futuro, já vaticinas teus cabelos
vermelho-fogo e pecas – ó crime – contra a
tua cabeça, isto é, a parte mais nobre do corpo. Pois está escrito [a respeito]
do Senhor: “Tinha a cabeça e os cabelos brancos como a lã ou a neve”;[ Ap 1,14.] e
tu abominas as cãs, detestas a brancura que tem semelhança com a cabeça do
Senhor! Tu que assim procedes, pergunto, não receias que, quando chegar o dia
da ressurreição, o teu Criador não te reconheça? Que, quando vieres para
receber os prêmios prometidos, ele te afaste e exclua?
Que, repreendendo-te com energia de censor e juiz, diga:
“Isto não é minha obra, nem é nossa imagem”? Sujaste a cútis com falsos
preparados, modificaste a cabeleira adulterando-lhe a cor, tua face foi vencida
pelo disfarce, teu rosto foi poluído, tornou-se estranho o teu semblante.
Não poderás ver a Deus, porque os teus olhos não são os que
Deus fez, mas os que o demônio desfez. Tu o seguiste, imitaste os vermelhos e
tingidos olhos da serpente; ornada à custa do teu inimigo, arderás juntamente
com ele. Tudo isso, pergunto, não deve ser pensado pelas servas de Deus? Não
deve ser temido sempre, dia e noite? Vejam como as esposas, pelo zelo de
agradar, se lisonjeiam com a satisfação do marido e, apresentando-o para sua
desculpa, o associam à participação de um criminoso consentimento. Por certo,
as virgens – a quem no momento se dirigem
estas palavras – que se ataviam com tais artifícios não devem ser contadas
entre as virgens.
Mas, como ovelhas contaminadas e animais doentes, devem ser
afastadas do santo e puro rebanho da virgindade, para que não manchem as demais
com seu contágio vivendo em comum, para que as que pereceram não percam as
demais.
6.
Frequentações inconvenientes
E uma vez que buscamos o bem da continência, evitemos tudo
quanto lhe é contrário e pernicioso. Não omito aqueles usos que, introduzidos
pelo relaxamento, usurparam o título de liceidade, embora contrários aos
costumes sóbrios e modestos. A algumas [virgens] não causa vergonha estar entre
os consortes e, naquela liberdade de conversações lascivas, travar colóquios
torpes, ouvir palavras inconvenientes, dizer o que não é permitido, observar e
presenciar discursos desonestos e festins licenciosos, nos quais se inflama o
incentivo das paixões, em que a noiva é impelida à tolerância do defloramento e
o noivo à petulância [de deflorá-la].
Haverá lugar em [tais] núpcias para aquela cujo propósito
não são as núpcias? Ou, que prazer e alegria pode haver aí, quando tão diversos
são os gostos e anelos? O que aí se aprende ou o que se vê? Quão mais impudica
se retira aquela que chegara pura!
Embora possa permanecer virgem no corpo e no espírito, a
virgindade que possuía diminui nos olhos, nos ouvidos e na língua. O que dizer
das que frequentam banhos promíscuos, que expõem a olhos curiosos e sensuais os
corpos consagrados ao pudor e à pureza? Quando algumas veem torpemente os
homens [nus], e por eles são vistas despidas, não apresentam elas mesmas uma
sedução para os vícios? Não solicitam e atraem para sua corrupção e desonra os desejos
dos presentes? “Veja cada uma”, dizes, “com que disposição vai a tal lugar.
Quanto a mim, vou apenas refrescar e lavar o corpo”. Essa
defesa não te purifica, nem desculpa o [teu] pecado de lascívia e descaramento.
Essa ablução mancha, não lava; não limpa os membros, macula-os. Podes não olhar
a ninguém impudicamente, mas és contemplada impudicamente pelos outros.
Podes não profanar teus olhos em vergonhoso deleite;
contudo, te contaminas quando a outros divertes. Fazes do banho um espetáculo;
vais a lugares mais indecorosos do que o teatro. Despe-se aí toda a vergonha;
juntamente com a veste, se depõe a honra e o pudor do corpo; a virgindade se
desnuda a fim de ser observada e contemplada. Considera agora se és pudica
entre os homens quando estás vestida, tu a quem a audácia da nudez convida ao
despudor.
Assim, pois, frequentemente a Igreja lamenta as suas
virgens; assim chora as suas desacreditadas e detestáveis histórias. Assim se
extingue a flor das virgens, desaparece a glória e o pudor da continência, é
profanada toda honra e dignidade. Assim o inimigo conquistador se insinua por
suas astúcias. Assim o demônio, às ocultas, se intromete com enganosas ciladas.
Assim, querendo ornar-se com maior luxo, vaguear com mais liberdade, deixam de
ser virgens – corrompidas por furtiva desonra, viúvas antes de serem desposadas,
adúlteras não em relação ao marido, mas a Cristo – aquelas que tinham sido,
como virgens, destinadas a imensas recompensas; e tão grandes suplícios hão de
sofrer pela virgindade perdida.
7.
Exortação à coerência
Ouvi-me, pois, ó virgens, como a um pai. Ouvi, eu vos rogo,
aquele que vos reverencia e, ao mesmo tempo, vos admoesta. Ouvi a quem
fielmente provê aos vossos interesses e vantagens. Sede tais como Deus criador
vos fez. Sede tais como vos plasmou a mão do Pai. Permaneça em vós a face
impoluta, a cabeça não adornada, a beleza sem artifício.
Não se abram chagas em vossas orelhas, nem a cadeia preciosa
de pulseiras e colares vos aperte os braços ou o pescoço. Estejam os pés livres
de áureos grilhões, não se tinjam os vossos cabelos, os olhos sejam dignos de
contemplar a Deus. Frequentem-se os banhos em companhia de mulheres entre as
quais o banho seja a modéstia para convosco.
Evitem-se as inconvenientes festas nupciais e os banquetes lascivos,
cuja participação é perigosa. Tu que és virgem, sê superior às vestes. Tu que
vences a carne e o mundo, vence
também
o ouro. Não convém ser invencível nas coisas maiores e deixar-se superar nas menores.
Áspero e estreito é o caminho que conduz à vida, dura e árdua a estrada que leva
à glória.
Por essa trilha caminham os mártires, adiantam-se as
virgens, seguem todos os justos. Evitai os caminhos largos, espaçosos, onde se
encontram funestas seduções e mortíferos prazeres: aí o demônio lisonjeia para
enganar, sorri para prejudicar, seduz para matar. O primeiro fruto, de cem [por
um], é dos mártires; o segundo, de sessenta [por um], é o vosso.[ Cf. Mt 4,3-8.] Assim
como não é próprio dos mártires pensar nem na carne nem no mundo, nem é pequeno
ou fácil seu combate, assim entre vós, a quem é atribuído o segundo prêmio da
graça, haja sempre força à altura do padecimento. Não é fácil a ascensão às
grandes coisas.
Quanto suor, quanto trabalho nos custa quando tentamos subir
as montanhas e galgar os cumes dos montes! Qual será, então, [o suor] para subirmos
ao céu? Se consideras a recompensa prometida, tornar-se-á menor a fadiga. Aos
perseverantes é concedida a imortalidade, prometida a vida eterna e oferecido o
Reino pelo Senhor. Conservai, ó virgens, conservai o que começastes a ser;
conservai o que sereis. Aguarda-vos grande recompensa, o prêmio sublime da
virtude, o dom máximo da castidade.
Quereis saber de quanto mal está livre a virtude da
continência e quanto bem encerra? “Multiplicarei”, diz Deus à mulher, “as tuas
tristezas e os teus gemidos. Na tristeza darás filhos à luz, a paixão te fará
buscar o teu esposo e ele te dominará”.[ Gn 3,16.]
Quanto a vós, estais livres dessa
sentença, não temeis as tristezas e os gemidos das mulheres e nenhum receio
tendes pelo nascimento de filhos. Não tendes homem por marido, e, à semelhança
e em vez de marido, tendes por Senhor e cabeça o Cristo, cuja sorte e condição
partilhais. Esta é palavra do Senhor: “Os filhos deste mundo geram e são
gerados.
Aqueles, porém, que forem julgados dignos do outro mundo e
da ressurreição dos mortos não se casam nem contraem matrimônio. Nem poderão
mais morrer. São iguais aos anjos de Deus, sendo filhos da ressurreição”.[ Lc 20,34-36.] O
que seremos, vós já começastes a ser. Já possuís neste mundo a glória da ressurreição;
atravessais o mundo sem o contágio do mundo. Perseverando castas e virgens,
sois iguais aos anjos de Deus, contanto que a virgindade permaneça sempre
intacta e ilesa; e continue sem cessar, com a mesma força do início; sem buscar
ornamentos de joias ou de vestes, mas os dos [bons] costumes; contemple a Deus
e o céu, e não abaixe para a concupiscência da carne e do mundo os olhos fixos
no alto, nem os volva para as coisas terrenas.
O primeiro decreto [divino] mandou crescer e gerar; o
segundo aconselhou a continência. Assim, enquanto o mundo ainda estava vazio e
inculto, gerando, fomos propagados com copiosa fecundidade e crescemos para
aumento do gênero humano. Agora, já que o orbe se acha povoado e o mundo
repleto, os que podem assumir [o preceito da] incontinência, vivendo como
eunucos, se castram para o Reino.[ Cf. Mt 19,10-12.]
O Senhor, todavia, não o ordena, mas exorta [a assumi-lo];
não o impõe como jugo forçado, visto que permanece o livre-arbítrio da vontade.
Tendo, porém, declarado haver muitas moradas na casa de seu Pai,[ Cf. Jo 14,2.] aponta
os aposentos da melhor mansão. Essas melhores mansões vós as buscais;
reprimindo os desejos da carne, alcançais no céu prêmio de maior graça.
Com efeito, todos os que, pela santificação do batismo,
chegam ao dom e à herança divinos, aí se despojam do velho homem pela graça do
lavacro de salvação; e, renovados pelo Espírito Santo, purificam-se das máculas
do antigo contágio num segundo nascimento. Mas a maior santidade e verdade
desse novo nascimento cabem a vós, que já não tendes os desejos da carne e do
corpo. Em vós só permaneceu o que se refere à virtude e ao Espírito para a
glória.
É palavra do Apóstolo a quem o Senhor chamou instrumento de
sua escolha,[ Cf.
2Cor 3,3] enviando-o a promulgar os celestes preceitos: “O primeiro
homem”, diz ele, “vem do limo da terra, o segundo homem, do céu; qual o
terrestre, tais são os homens terrestres, e qual o celeste, tais os celestes.
Assim como trouxemos em nós a imagem do que é terrestre, assim também havemos
de trazer a imagem do que é celeste”.[ 1Cor 15,47.]
A virgindade traz em si essa imagem, a integridade a guarda;
reproduzem-na a santidade e a verdade; trazem-na em si aquelas que, lembradas
da disciplina divina, observam a justiça unida à religião, firmes na fé,
humildes no temor, fortes para tudo sofrer, mansas ao suportar as ofensas,
propensas a usar de misericórdia, unânimes e concordes em paz fraterna. Deveis
observar, amar e praticar cada uma dessas virtudes, ó boas virgens, que, progredindo
para o Senhor, vos consagrastes a Deus e ao Cristo e vos antecipais [a nós] na
maior e melhor parte.
As mais adiantadas em anos ensinem as mais jovens; as moças
estimulem as suas companheiras. Inflamai-vos mutua mente com exortações;
rivalizando em provas de virtude, animai-vos à glória. Perseverai
corajosamente, progredi espiritualmente, alcançai o feliz termo. Lembrai-vos,
porém, de nós, quando se revelar a glória da vossa virgindade.
·
O que destaco no texto?
·
Como este texto é útil para a minha
espiritualidade?
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