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Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Cipriano de Cartago (210-258)
O
Bem da Paciência – 1 - 3
Introdução:
– De bono patientiae (O bem da paciência) foi Inspirada
no De patientia de Tertuliano, essa obra pode ter sido escrita em 256,
durante a polêmica com Estêvão de Roma sobre o batismo. É um convite a imitar a
paciência – que não se confunde com indiferença – de Deus, do Cristo e dos
patriarcas.
O BEM DA PACIÊNCIA
Cipriano de Cartago
1. A paciência, o melhor caminho
Indo falar da
paciência, caríssimos irmãos, e pregar sobre sua utilidade e vantagens, por
onde melhor começarei, senão pelo que vejo nesse momento, que a paciência vos é
necessária também para ouvir-me? Sem paciência, não podeis fazer o que ouvis e aprendeis.
Então, só se assimila eficazmente a palavra e a doutrina da salvação se se ouve
pacientemente o que é dito.
Não encontro, irmãos
caríssimos, entre os demais caminhos da disciplina celeste – pelos quais a
comunidade da nossa fé e da nossa esperança é por Deus conduzida para alcançar
o prêmio –, um que seja mais útil para a vida ou mais necessário para a glória
de nós que nos firmamos nos preceitos do Senhor, com o obséquio do temor e da
devoção, do que principalmente conservar a paciência com todo o cuidado.
2. A falsa paciência
Também os filósofos
professam [ter] a paciência. Mas neles a paciência é tão falsa quanto é falsa a
[sua] sabedoria. Com efeito, como poderá ser sábio ou paciente quem não conhece
nem a sabedoria nem a paciência de Deus?
Pois ele mesmo, referindo-se
aos que se julgam sábios no mundo, admoesta e diz: “Destruirei a sabedoria dos
sábios, e rejeitarei a prudência dos prudentes”.[ Is 29,14.]
Igualmente, o
bem-aventurado apóstolo Paulo, repleto do Espírito Santo e enviado para
converter e instruir os gentios, testemunha e ensina, dizendo: “Estai de
sobreaviso para que ninguém vos prejudique com filosofia e com vão engano, segundo
a tradição dos homens, segundo os elementos do mundo, e não segundo o Cristo,
pois nele habita toda a plenitude da divindade”.[ Cl 2,8-9.]
E noutro lugar, diz:
“Que ninguém se iluda. Se entre vós alguém pensa que é sábio, faça-se tolo em
relação a este mundo, a fim de se tornar sábio.
Com efeito, a
sabedoria deste mundo é tolice diante de Deus. Pois está escrito: ‘Apanharei os
sábios na sua própria astúcia’”. E ainda: “O Senhor conhece os pensamentos dos
sábios, que são tolos”.[ 1Cor 3,18-20]
Por conseguinte, se
sua sabedoria não é verdadeira, verdadeira também não pode ser a paciência.
Pois, se paciente é
aquele que é humilde e manso, e vemos que os filósofos não são nem humildes nem
mansos, mas muito cheios de si – e desagradam a Deus por isso mesmo, porque se
comprazem em si próprios –, é evidente que não se encontra a paciência onde
existe o insolente atrevimento de uma liberdade afetada e a imodesta ostentação
de um peito descoberto e seminu.
3. O cristão imite a paciência de Deus
Nós, porém, irmãos
diletíssimos, que somos filósofos não de boca, mas de fato – nós, que trazemos
a sabedoria [mostrando-a] não no traje, mas na verdade; que estamos mais
habituados à consciência das virtudes que à sua ostentação; que não falamos
grandes coisas, mas as vivemos –, demonstremos, em obséquios espirituais, como
servos e adoradores de Deus, a paciência que aprendemos nos celestiais ensinamentos.
Com efeito, essa
virtude nos é comum com Deus, em quem se origina a paciência, em quem tem
início a sua glória e dignidade. A origem e grandeza da paciência procedem da
autoria de Deus. Uma coisa que é cara a Deus é para o homem algo que deve ser amado;
a majestade divina recomenda o bem que ama.
Se Deus é nosso
Senhor e Pai, imitemos a paciência tanto do Senhor como do Pai, pois cabe aos servos
serem obedientes, e aos filhos não convém serem degenerados.
Mas qual e quão
grande é a paciência em Deus, que pacientissimamente suporta os tempos
profanos, os ídolos feitos de pó e os ritos sacrílegos instituídos pelos homens
em afronta à sua majestade e à sua honra: ele faz o dia nascer e a luz do sol
levantar igualmente sobre os bons e os maus; e, quando rega a terra com as
chuvas, ninguém é excluído de seus benefícios, mas concede de igual maneira as
mesmas chuvas aos justos
e injustos.
Vemos que, por
determinação de Deus, as estações se submetem e os elementos servem tanto aos
culpados como aos inocentes, aos religiosos como aos ímpios, aos agradecidos
como aos ingratos; os ventos sopram, as fontes jorram, crescem as riquezas das
colheitas, crescem os frutos dos vinhedos, carregam-se as árvores de frutos, frondejam
os bosques, florescem os prados [para uns como para outros] numa ininterrupta
continuidade de paciência.
E ainda que Deus
seja provocado por frequentes, ou melhor, por contínuas ofensas, ele modera sua
indignação e aguarda pacientemente o dia, determinado [para] uma única vez, do
ajuste de contas.
E ainda que tenha a
vingança em seu poder, prefere conservar a paciência por muito tempo, isto é,
suportando clementemente e contemporizando; para que, assim, a maldade por
muito prolongada, sendo possível, algum dia se mude; e o homem, despojado da
contaminação dos erros e dos crimes, se volte enfim para Deus, que admoesta,
dizendo: “Não quero a morte do pecador, mas que se converta e viva”.[ Ez 33,11.]
E de novo: “Voltai
ao Senhor vosso Deus, porque é misericordioso, benigno, paciente, de muita
compaixão, abranda a sentença infligida contra as maldades”.[ Jl 2,13.]
O bem-aventurado
Apóstolo Paulo também propõe o mesmo; admoestando e chamando o pecador à
penitência, diz: “Por acaso desprezas a longanimidade, a paciência e a
opulência de sua bondade, ignorando que a paciência e bondade de Deus te conduzem
à penitência? Tu, porém, conforme a tua obstinação e o teu coração impenitente,
entesouras a ira para ti no dia da ira e da revelação do justo Juízo de Deus, que
dará o devido a cada um segundo as suas obras”.[ Rm 2,4-6.]
Disse que o Juízo de
Deus é justo por ser tardio, porque é diferido por muito tempo, de modo que,
pela dilatada paciência de Deus, o homem se beneficie para a vida. O castigo,
então, será aplicado ao ímpio e ao pecador quando já não puder valer o
arrependimento do pecado.
E para que possamos
compreender melhor, irmãos diletíssimos, que a paciência é realidade divina, e
que quem é afável, paciente e brando é imitador de Deus Pai, o Senhor – quando
dava, no seu Evangelho, os preceitos para a salvação, e, proferindo divinas
advertências, instruía os discípulos na perfeição – determinou, dizendo:
“Ouvistes o que foi
dito: Amarás o teu próximo e odiarás teu inimigo. Eu, porém, vos digo: Amai os vossos
inimigos e orai por aqueles que vos perseguem, para que sejais filhos do vosso Pai
que está nos céus, que faz o seu sol levantar-se sobre os bons e os maus, e faz
chover sobre os justos e os injustos. Se, pois, amardes aqueles que vos amam,
que recompensa tereis? Os publicanos também não fazem assim? E se saudardes
somente os vossos irmãos? Que fazeis a mais? Os gentios não fazem também o
mesmo? Sede, pois, vós perfeitos, como o vosso Pai celeste é perfeito”.[ Mt 5,43-48.]
Disse que os filhos
de Deus assim se tornam perfeitos, mostrou e ensinou que assim os regenerados
pela natividade celestial são consumados: se a paciência de Deus Pai permanece
em nós, se a semelhança divina, que Adão perdera pelo pecado, se manifesta e
brilha nas nossas ações.
Que glória em se
tornar semelhante a Deus! Qual e quão grande felicidade em se possuir em
virtudes algo que possa ser equiparado aos louvores divinos!
O que você destaca no texto?
Como ele serve para sua espiritualidade?
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