segunda-feira, 7 de setembro de 2020

145 - Cipriano de Cartago (210-258) - O Bem da Paciência – 1 - 3

 Arte Bizantina – Ícones (parte I) | Ramos de Cultura

145

Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra

Cipriano de Cartago (210-258)

O Bem da Paciência – 1 - 3

 


Introdução:

– De bono patientiae (O bem da paciência) foi Inspirada no De patientia de Tertuliano, essa obra pode ter sido escrita em 256, durante a polêmica com Estêvão de Roma sobre o batismo. É um convite a imitar a paciência – que não se confunde com indiferença – de Deus, do Cristo e dos patriarcas.

 

O BEM DA PACIÊNCIA

Cipriano de Cartago

 

1. A paciência, o melhor caminho

Indo falar da paciência, caríssimos irmãos, e pregar sobre sua utilidade e vantagens, por onde melhor começarei, senão pelo que vejo nesse momento, que a paciência vos é necessária também para ouvir-me? Sem paciência, não podeis fazer o que ouvis e aprendeis. Então, só se assimila eficazmente a palavra e a doutrina da salvação se se ouve pacientemente o que é dito.

Não encontro, irmãos caríssimos, entre os demais caminhos da disciplina celeste – pelos quais a comunidade da nossa fé e da nossa esperança é por Deus conduzida para alcançar o prêmio –, um que seja mais útil para a vida ou mais necessário para a glória de nós que nos firmamos nos preceitos do Senhor, com o obséquio do temor e da devoção, do que principalmente conservar a paciência com todo o cuidado.

 

2. A falsa paciência

Também os filósofos professam [ter] a paciência. Mas neles a paciência é tão falsa quanto é falsa a [sua] sabedoria. Com efeito, como poderá ser sábio ou paciente quem não conhece nem a sabedoria nem a paciência de Deus?

Pois ele mesmo, referindo-se aos que se julgam sábios no mundo, admoesta e diz: “Destruirei a sabedoria dos sábios, e rejeitarei a prudência dos prudentes”.[ Is 29,14.]

Igualmente, o bem-aventurado apóstolo Paulo, repleto do Espírito Santo e enviado para converter e instruir os gentios, testemunha e ensina, dizendo: “Estai de sobreaviso para que ninguém vos prejudique com filosofia e com vão engano, segundo a tradição dos homens, segundo os elementos do mundo, e não segundo o Cristo, pois nele habita toda a plenitude da divindade”.[ Cl 2,8-9.]

E noutro lugar, diz: “Que ninguém se iluda. Se entre vós alguém pensa que é sábio, faça-se tolo em relação a este mundo, a fim de se tornar sábio.

Com efeito, a sabedoria deste mundo é tolice diante de Deus. Pois está escrito: ‘Apanharei os sábios na sua própria astúcia’”. E ainda: “O Senhor conhece os pensamentos dos sábios, que são tolos”.[ 1Cor 3,18-20]

Por conseguinte, se sua sabedoria não é verdadeira, verdadeira também não pode ser a paciência.

Pois, se paciente é aquele que é humilde e manso, e vemos que os filósofos não são nem humildes nem mansos, mas muito cheios de si – e desagradam a Deus por isso mesmo, porque se comprazem em si próprios –, é evidente que não se encontra a paciência onde existe o insolente atrevimento de uma liberdade afetada e a imodesta ostentação de um peito descoberto e seminu.

 

3. O cristão imite a paciência de Deus

Nós, porém, irmãos diletíssimos, que somos filósofos não de boca, mas de fato – nós, que trazemos a sabedoria [mostrando-a] não no traje, mas na verdade; que estamos mais habituados à consciência das virtudes que à sua ostentação; que não falamos grandes coisas, mas as vivemos –, demonstremos, em obséquios espirituais, como servos e adoradores de Deus, a paciência que aprendemos nos celestiais ensinamentos.

Com efeito, essa virtude nos é comum com Deus, em quem se origina a paciência, em quem tem início a sua glória e dignidade. A origem e grandeza da paciência procedem da autoria de Deus. Uma coisa que é cara a Deus é para o homem algo que deve ser amado; a majestade divina recomenda o bem que ama.

Se Deus é nosso Senhor e Pai, imitemos a paciência tanto do Senhor como do Pai, pois cabe aos servos serem obedientes, e aos filhos não convém serem degenerados.

Mas qual e quão grande é a paciência em Deus, que pacientissimamente suporta os tempos profanos, os ídolos feitos de pó e os ritos sacrílegos instituídos pelos homens em afronta à sua majestade e à sua honra: ele faz o dia nascer e a luz do sol levantar igualmente sobre os bons e os maus; e, quando rega a terra com as chuvas, ninguém é excluído de seus benefícios, mas concede de igual maneira as mesmas chuvas aos justos

e injustos.

Vemos que, por determinação de Deus, as estações se submetem e os elementos servem tanto aos culpados como aos inocentes, aos religiosos como aos ímpios, aos agradecidos como aos ingratos; os ventos sopram, as fontes jorram, crescem as riquezas das colheitas, crescem os frutos dos vinhedos, carregam-se as árvores de frutos, frondejam os bosques, florescem os prados [para uns como para outros] numa ininterrupta continuidade de paciência.

E ainda que Deus seja provocado por frequentes, ou melhor, por contínuas ofensas, ele modera sua indignação e aguarda pacientemente o dia, determinado [para] uma única vez, do ajuste de contas.

E ainda que tenha a vingança em seu poder, prefere conservar a paciência por muito tempo, isto é, suportando clementemente e contemporizando; para que, assim, a maldade por muito prolongada, sendo possível, algum dia se mude; e o homem, despojado da contaminação dos erros e dos crimes, se volte enfim para Deus, que admoesta, dizendo: “Não quero a morte do pecador, mas que se converta e viva”.[ Ez 33,11.]

E de novo: “Voltai ao Senhor vosso Deus, porque é misericordioso, benigno, paciente, de muita compaixão, abranda a sentença infligida contra as maldades”.[ Jl 2,13.]

O bem-aventurado Apóstolo Paulo também propõe o mesmo; admoestando e chamando o pecador à penitência, diz: “Por acaso desprezas a longanimidade, a paciência e a opulência de sua bondade, ignorando que a paciência e bondade de Deus te conduzem à penitência? Tu, porém, conforme a tua obstinação e o teu coração impenitente, entesouras a ira para ti no dia da ira e da revelação do justo Juízo de Deus, que dará o devido a cada um segundo as suas obras”.[ Rm 2,4-6.]

Disse que o Juízo de Deus é justo por ser tardio, porque é diferido por muito tempo, de modo que, pela dilatada paciência de Deus, o homem se beneficie para a vida. O castigo, então, será aplicado ao ímpio e ao pecador quando já não puder valer o arrependimento do pecado.

E para que possamos compreender melhor, irmãos diletíssimos, que a paciência é realidade divina, e que quem é afável, paciente e brando é imitador de Deus Pai, o Senhor – quando dava, no seu Evangelho, os preceitos para a salvação, e, proferindo divinas advertências, instruía os discípulos na perfeição – determinou, dizendo:

“Ouvistes o que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás teu inimigo. Eu, porém, vos digo: Amai os vossos inimigos e orai por aqueles que vos perseguem, para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus, que faz o seu sol levantar-se sobre os bons e os maus, e faz chover sobre os justos e os injustos. Se, pois, amardes aqueles que vos amam, que recompensa tereis? Os publicanos também não fazem assim? E se saudardes somente os vossos irmãos? Que fazeis a mais? Os gentios não fazem também o mesmo? Sede, pois, vós perfeitos, como o vosso Pai celeste é perfeito”.[ Mt 5,43-48.]

Disse que os filhos de Deus assim se tornam perfeitos, mostrou e ensinou que assim os regenerados pela natividade celestial são consumados: se a paciência de Deus Pai permanece em nós, se a semelhança divina, que Adão perdera pelo pecado, se manifesta e brilha nas nossas ações.

Que glória em se tornar semelhante a Deus! Qual e quão grande felicidade em se possuir em virtudes algo que possa ser equiparado aos louvores divinos!

 

O que você destaca no texto?

Como ele serve para sua espiritualidade?

 

 

 

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