terça-feira, 15 de setembro de 2020

146 - Cipriano de Cartago (210-258) O Bem da Paciência – 4-6

 


146

Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra

Cipriano de Cartago (210-258)

O Bem da Paciência – 4-6

 


4. Cristo ensinou a paciência com palavras e obras

Jesus Cristo, irmãos diletíssimos, Senhor e Deus nosso, não ensinou isso somente por palavras, mas também o cumpriu em obras.

E porque dissera ter descido para isto, para fazer a vontade do Pai, entre outros admiráveis prodígios, pelos quais manifestou os sinais da majestade divina, conservou também a paciência paterna pela perseverança da tolerância.

Com efeito, todos os seus atos, a contar da própria chegada, são assinalados pela paciência que os acompanha. Primeiro, descendo daquela altura celeste para as coisas da terra, o Filho de Deus não desdenha revestir-se da carne do homem e, apesar de não ser ele pecador, assumir os pecados alheios. Posta de parte por algum tempo a imortalidade, consente também em se tornar mortal, a fim de, inocente, ser morto para a salvação dos culpados.

O Senhor é batizado pelo servo; e ele, que ia dar a remissão dos pecados, não desdenha lavar o corpo no lavacro da regeneração.

Jejua durante quarenta dias aquele pelo qual os outros são nutridos; sente e passa fome, para que sejam saturados com o pão celeste os que tinham fome da palavra e da graça. Luta com o diabo, que o tenta, e, contente com ter apenas vencido o inimigo, nada empreende além das palavras.

Não dirigiu os discípulos como servos, com domínio de Senhor, mas, benigno e brando, os amou com caridade fraterna.

Dignou-se também a lavar os pés dos Apóstolos, para, com o seu exemplo, já que o Senhor assim age em relação aos servos, ensinar de que modo um servo deve agir em relação aos seus companheiros e semelhantes.

Não é de admirar que se tenha ele mostrado assim entre os obedientes, quando, com longa paciência, pôde suportar Judas até o fim, tomar a refeição com o inimigo, conhecer o comensal hostil sem denunciá-lo claramente, e não recusar o beijo do traidor.

Quanta equanimidade e quanta paciência em tolerar os judeus! Em levar com persuasões os incrédulos para a fé, em acalentar os ingratos com obséquios, em responder afavelmente aos contraditores, em suportar clementemente os soberbos, em retirar-se humildemente diante dos perseguidores, em querer, até a hora da cruz e da paixão, ganhar os matadores dos profetas, sempre rebeldes contra Deus.

Durante a própria paixão e na cruz, antes que se chegasse à crueldade da morte e à efusão do sangue, quanta infâmia afrontosa pacientemente ouvida, quantas irrisões injuriosas toleradas! Recebeu as cusparadas dos que o insultavam aquele que, pouco antes, reconstituíra com a sua saliva os olhos do cego.

Aguentou os açoites aquele em cujo nome e por cujos servos é agora o diabo flagelado com os seus anjos. Foi coroado de espinhos aquele que coroa os mártires com flores eternas. Foi agredido no rosto pelas palmas zombeteiras aquele que dá aos vencedores as verdadeiras palmas.

Foi despojado das vestes terrenas aquele que reveste os outros com o indumento da imortalidade. Foi alimentado com fel aquele que deu um alimento celeste. Àquele que ofereceu o cálice da salvação deram vinagre para beber!

Ele, o inocente, ele, o justo, ou melhor, a própria inocência e a própria justiça, é contado entre os criminosos; a verdade é oprimida por falsos testemunhos; é julgado quem há de julgar; e a Palavra de Deus é conduzida calada para a imolação.

Diante da cruz do Senhor, enquanto os astros ficam desorientados – os elementos se perturbam: a terra treme, a noite põe termo ao dia; o sol, a fim de não ser obrigado a contemplar o crime dos judeus, esconde tanto os seus raios como os seus olhos –, ele não fala, não se move, nem ao menos durante a própria paixão dá a conhecer a sua majestade. Tudo é suportado até o fim com perseverança e sem interrupção, a fim de que a paciência plena

e perfeita seja consumada no Cristo.

Ainda assim, depois disso tudo, acolherá os seus matadores, se a ele voltarem arrependidos; benigno e paciente, com uma salutar paciência para poupar [os homens], a ninguém fecha a sua Igreja.

Mesmo àqueles adversários, àqueles blasfemadores, àqueles perpétuos inimigos de seu nome, se fizerem penitência do pecado, se reconhecerem o crime cometido, não somente dará acesso ao perdão do ato criminoso, mas também ao prêmio do reino celestial.

O que se pode imaginar de mais paciente e de mais benigno? É vivificado pelo sangue do Cristo mesmo aquele que derramou o sangue do Cristo. Tal e tanta é a paciência do Cristo que, se não fosse tal e tão grande, a Igreja nem mesmo teria Paulo como Apóstolo.

 

5. Imitemos o Cristo por estar nele

Ora, se estamos em Cristo, irmãos diletíssimos, se dele nos revestimos, se ele é o caminho da nossa salvação, nós, que seguimos o Cristo nas suas pegadas salutares, caminhemos pelos exemplos do Cristo, conforme o Apóstolo João ensina, dizendo: “Quem diz que permanece em Cristo, deve também caminhar como ele caminhou”.[ 1Jo 2,6.]

Pedro, sobre quem, por escolha do Senhor, foi fundada a Igreja, igualmente dispõe e diz na sua Epístola: “O Cristo padeceu por vós, deixando-vos o exemplo, a fim de que sigais as suas pegadas; ele que não cometeu pecado, e em cuja boca não se encontrou engano; ele que, quando era amaldiçoado, não respondia com maldições; quando padecia, não ameaçava; entregava-se, porém, a quem o julgava injustamente”.[ 1Pd 2,21-23.]

 

6. O exemplo dos patriarcas e dos profetas

Por fim, vemos que os patriarcas, os profetas e todos os justos – que traziam, qual imagem antecipada, a figura do Cristo, para louvor de suas virtudes – nada melhor observaram do que a conservação da paciência com infatigável e estável equanimidade.

Assim, Abel é o primeiro que, inaugurando e consagrando a origem do martírio e o sofrimento do justo, não resiste, nem luta contra o irmão fratricida; mas, humilde e brando, é assassinado pacientemente.

Do mesmo modo Abraão, crendo em Deus e sendo o primeiro a lançar a raiz e o fundamento da fé, tentado a propósito do filho, não duvida nem demora, mas atende aos preceitos de Deus com toda a paciência da devoção.

Também Isaac, prefigurado à semelhança da vítima divina, se revela paciente quando é oferecido pelo pai para ser imolado; e Jacó, expulso de sua terra pelo irmão, pacientemente se retira; e, depois, com a maior paciência, suplicando, leva à concórdia, por meio de dádivas pacíficas, o irmão que se tornara ainda mais ímpio e perseguidor.

José, relegado e vendido pelos irmãos, não só perdoa pacientemente, como também, com largueza e clemência, lhes dá trigo de graça quando a ele recorrem. Moisés é frequentemente desprezado e quase lapidado por um povo ingrato e pérfido; e, no entanto, brando e paciente, por eles roga ao Senhor. Já em Davi, de quem procede o nascimento do Cristo segundo a carne, quão grande, quão admirável e cristã paciência: teve muitas vezes ao seu alcance o poder de matar o rei Saul, que o perseguia e lhe queria tirar a vida; mas, apesar de ter Saul entregue a si e subjugado, preferiu poupá-lo; não pagou ao inimigo na mesma moeda, mas, ainda por cima, o vingou depois de morto!

Finalmente, tantos profetas exterminados, tantos mártires honrados com mortes gloriosas! Todos chegaram às coroas celestiais pela glória da paciência, pois não é possível receber a coroa das dores e dos sofrimentos, sem a precedência da paciência na dor e no sofrimento.

 

O que você destaca no texto?

Como ele serve para sua espiritualidade?

 

 


 

 

 

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