terça-feira, 28 de julho de 2020

143 - Cipriano de Cartago (210-258) A Conduta das Virgens - 1 a 4


Santa Agnes, por Domenichino
Agnes de Roma (291-304)

143
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Cipriano de Cartago (210-258)
A Conduta das Virgens - 1 a 4


Introdução:
Talvez este tratado seja anterior a seu episcopado (248-249). O texto é uma exortação às consagradas a estarem atentas à vaidade e aos vícios pagãos. Uma verdadeira vida ascética manifesta-se no portar-se e no que se porta. A obra é inspirada no De cultu feminarum de Tertuliano.

1. Vantagens, utilidade e fim da disciplina
A disciplina, guarda da esperança, laço da fé, guia no caminho da salvação, incentivo e alimento da boa índole, mestra da virtude, faz permanecer no Cristo, viver sempre e continuamente para Deus, faz obter as promessas celestes e os prêmios divinos. Segui-la  é salutar; desviar-se dela, negligenciá-la, é mortal. Nos Salmos, diz o Espírito Santo: “Abraçai a disciplina, para que o Senhor não se ire, e não pereçais fora do caminho reto, quando daqui a pouco se incendiar contra vós a sua ira”.[ Sl 2,12.] E, de novo: “Mas ao pecador disse Deus: Por que falas tu dos meus mandamentos, e tens a minha aliança na tua boca? Tu que aborreces a disciplina e rejeitaste as minhas palavras”.[ Sl 50(49),16-17.]
E, mais uma vez, lemos: “É desgraçado aquele que rejeita a disciplina”.[ Sb 3,11.] Também de Salomão recebemos as [mesmas] recomendações de sabedoria: “Não rejeites, meu filho, a correção do Senhor, nem caias no desânimo quando ele te castiga, porque o Senhor castiga aquele a quem ama”.[ Pv 3,11-12.] Por conseguinte, se Deus castiga a quem ama, e castiga para que se corrija, também os irmãos e, principalmente, os sacerdotes não odeiam, mas amam aqueles mesmos que estes castigam para que se emendem, visto que o próprio Deus, por Jeremias, prenunciou os nossos tempos, quando disse: “E vos darei pastores segundo o meu coração, os quais vos apascentarão com a disciplina”.[ Jr 3,15.]
Se a Sagrada Escritura frequentemente e em diversas passagens recomenda a disciplina, e se o fundamento da religião e da fé começa pela observância e pelo temor, que mais ardentemente desejar, que mais nos convém querer e possuir do que – lançando raízes mais profundas e consolidando as nossas moradas com forte edificação sobre a pedra – permanecermos inabaláveis diante das procelas e tempestades do século e alcançarmos os dons de Deus pela observância de seus preceitos?
Consideremos e reconheçamos que os nossos membros, purificados de todo vestígio do antigo contágio pela santificação do batismo vivificante, são templos de Deus, e que não nos é lícito violá-los ou maculá-los, pois quem os profana será também profanado. Somos os adoradores e os pontífices desses templos; sirvamos àquele de quem já começamos a ser propriedade.
Diz São Paulo em suas epístolas, onde nos instruiu com os divinos ensinamentos para a carreira da vida: “Não pertenceis a vós mesmos: fostes comprados por alto preço; glorificai e trazei a Deus no vosso corpo”.[ 2Cor 6,19-20.]
Glorifiquemos e tenhamos a Deus num corpo imaculado e puro, e com melhores costumes. Remidos pelo sangue de Cristo, obedeçamos ao mandato do Redentor com total submissão e acautelemo-nos para que não se introduza algo de impuro ou profano no templo de Deus, para que ele, ofendido, não venha a abandonar a sua morada. “Olha, que foste curado; não tornes a pecar, para que não te suceda coisa pior”,[ Jo 5,14.] são palavras do Senhor, que salva, ensina, cura e aconselha.
Depois de haver concedido a saúde, dá a vida temente a Deus, a lei da inocência e, ameaçando com mais pesada escravidão, não permite vaguearem a rédeas soltas os que antes sanara. Pois é menor a culpa de teres pecado antes de conhecer a disciplina de Deus, [mas] nem mesmo é possível admitir que se peque depois que se começa a conhecê-lo.
A isto atentem tanto os homens quanto as mulheres, os moços e as moças, qualquer sexo ou idade, e, pela religião e fé devidas a Deus, cuidem em conservar com temor não menos sólido o dom santo e puro recebido da misericórdia do Senhor.

2. A beleza da virgindade
Agora falamos às virgens, a quem devemos tanto maior cuidado quanto mais sublime é a sua glória. São elas a flor da semente da Igreja, beleza e honra da graça espiritual, índole feliz, obra íntegra e incorrupta, digna de louvor e estima, imagem de Deus correspondendo à santidade do Senhor, a mais ilustre porção do rebanho de Cristo.
Alegra-se por elas, e nelas profusamente floresce a gloriosa fecundidade da Igreja, nossa mãe, e quanto mais cresce o número das virgens, tanto maior é o gáudio da mãe. Falamos às virgens, exortamo-las mais por afeto do que em razão de nosso poder; não que, sendo os últimos e os menores, conscientes de nossa abjeção, reivindiquemos algum direito de censurar os abusos, mas porque, quanto mais prudentes somos em nossa solicitude, mais receamos o ataque do demônio.
Não é vã essa precaução, nem inútil esse receio que velam pelo caminho da salvação, guardam os preceitos vivificantes do Senhor, a fim de que aquelas que se dedicaram ao Cristo e – renunciando à concupiscência carnal – consagraram a Deus seu corpo e sua alma consumam a sua obra destinada a grande recompensa.
E, assim, não mais se apliquem a ornar-se, nem a agradar a quem quer que seja, a não ser ao seu Senhor, do qual esperam a recompensa de sua virgindade, porquanto ele mesmo diz: “Nem todos compreendem essa palavra, mas só aqueles a quem foi dado compreendê-la: há eunucos que assim nasceram do seio materno, há eunucos que a isso foram reduzidos pelos homens, e há eunucos que se castraram a si mesmos por causa do reino dos céus”.[ Mt 19,11-12.]
Enfim, o valor da continência é também manifestado por estas palavras do anjo, pregando a virgindade: “Estes são os que não se mancharam com mulheres: são virgens e seguem o Cordeiro aonde quer que ele vá”.[ Ap 14,4.]
E Deus não prometeu a graça da continência somente aos homens, negligenciando as mulheres; mas porque a mulher é uma parte do homem e porque dele é tirada e formada,[ Cf. Gn 2,21-22.] em quase todas as Escrituras Deus se dirige àquele que foi formado primeiro, por serem dois numa só carne,[ Cf. Gn 2,24; Mt 19,6.] e pelo masculino se designa também a mulher.

4. Os perigos das vaidades
Mas, se a continência segue o Cristo e a virgindade é destinada ao Reino de Deus, o que têm elas a ver com os cuidados mundanos e os ornamentos, pelos quais procuram agradar aos homens e ofendem a Deus? Não refletem na predição [do profeta]: “os que agradam aos homens foram confundidos porque Deus os reduziu a nada”?[ Sl 53(52),6.] Nem na pregação sublime e gloriosa de Paulo: “Se procurasse agradar aos homens, não seria servo do Cristo”?[ Gl 1,10.]
De fato, continência e pureza não consistem apenas na integridade da carne, mas também na dignidade e no pudor dos costumes e dos ornamentos, a fim de que, segundo diz o Apóstolo, a mulher não casada seja santa de corpo e de alma. Ensina São Paulo: “Quem não é casado cuida das coisas do Senhor e procura agradar a Deus; mas quem contraiu matrimônio cuida das coisas deste mundo e procura agradar à mulher.
Destarte, a virgem e a mulher não casada cuidam das coisas do Senhor e procuram ser santas de corpo e alma”.[ 1Cor 7,32ss.] A virgem não deve simplesmente ser virgem, mas conhecida e acreditada como tal.
Que ninguém, ao ver uma virgem, possa duvidar da sua virgindade. Mostre-se igualmente a integridade em todas as coisas, e os cuidados do corpo não desonrem o bem da alma. Por que se apresenta ornada, ataviada como se tivesse marido ou como se o procurasse?
Se é virgem, antes receie agradar [aos outros pelos ornamentos]; não incorra nesse risco aquela que se guarda para realidades melhores e divinas. Aquela que não tem esposo, a quem pretenda agradar, persevere íntegra e pura, não só corporal, mas também espiritualmente. Não é permitido a uma virgem ornar-se para parecer mais bela ou gloriar-se do corpo e de sua beleza, pois ela não tem luta maior que aquela contra a carne, nem certame mais pertinaz senão para vencer e domar o corpo.
Paulo proclama em alto e bom som: “Longe de mim gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, por quem o mundo está crucificado para mim e eu para o mundo”;[ Gl 6,14.] e a virgem na Igreja se gloria da formosura da carne e da beleza do corpo! Paulo acrescenta: “Os que são de Cristo crucificaram a sua carne com as paixões e as concupiscências”;[1Gl 5,24.] e aquela que professa haver renunciado às concupiscências e vícios da carne é encontrada nessas mesmas coisas a que renunciara! Foste surpreendida, ó virgem, foste descoberta: te vanglorias de uma coisa e procuras outra.
Manchas-te com as nódoas da concupiscência carnal, embora te apresentes à integridade e ao pudor. “Clama”, diz Deus a Isaías, “toda carne é feno e toda sua glória é como a flor do feno! O feno secou, e a flor caiu, mas a palavra do Senhor permanece eternamente”.[Is 40,6ss.] A nenhum cristão convém, muito menos a uma virgem, contar com algum brilho e honra da carne, mas só desejar a palavra de Deus, alcançar os bens que hão de permanecer para sempre.
Se há motivo de gloriar-se na carne, seja então quando ela é atormentada na confissão do nome [do Senhor], quando a mulher se torna mais forte do que os homens que a torturam, quando suporta o fogo, as cruzes, a espada ou as feras, a fim de ser coroada.
Essas são as joias preciosas da carne, são estes os seus melhores ornamentos do corpo. Existem, porém, algumas, ricas e opulentas pela abundância de bens, que ostentam as suas riquezas e afirmam que devem fazer uso delas. Saibam, antes de tudo, que é rico quem o é em Deus, que é opulento quem o é no Cristo; que os verdadeiros bens são os divinos, os espirituais, os celestes, que nos levam a Deus e que permanecem conosco na posse eterna junto dele.
Quaisquer outros bens terrenos, recebidos neste mundo e que hão de ficar com este mundo, devem ser desprezados na mesma medida em que se despreza o mundo, a cujas pompas e delícias já renunciamos quando, por melhor caminho, voltamos a Deus. São João nos desperta e exorta com voz espiritual e celeste, afirmando: “Não ameis o mundo, nem o que há no mundo.
Quem ama o mundo não tem em si o amor do Pai; porque tudo o que há no mundo é concupiscência da carne, concupiscência dos olhos e soberba da vida, e isso não vem do Pai, mas da concupiscência do mundo.
Passará o mundo e a sua concupiscência, mas quem fizer a vontade de Deus permanece eternamente, como também Deus permanece para sempre”.[ 1Jo 2,15-17.] Por conseguinte, devemos desejar as realidades divinas e eternas, e fazer tudo o que for da vontade de Deus, a fim de seguir os passos e os ensinamentos de nosso Senhor, que advertiu dizendo: “Não desci do céu para cumprir a minha vontade, mas sim a vontade daquele que me enviou”;[ Jo 6,38.] e se o servo não é maior que o seu senhor e se o liberto deve obséquio ao seu libertador, os que desejamos ser cristãos devemos imitar o que o Cristo disse.
Está escrito e lê-se e ouve-se e, para exemplo nosso, repete-se pela boca da Igreja: “Quem afirma estar no Cristo deve também caminhar assim como ele caminhou”.[ 1Jo 11,6.] Devemos caminhar com passos iguais, esforçar-nos por imitar-lhe o andar. Então, à fé expressa corresponderá a sequela da verdade e o prêmio será dado ao crente, se pratica aquilo em que crê.

5. As vaidades alimentadas pela riqueza
Dizes que és rica e opulenta; mas Paulo opõe-se às tuas riquezas e com sua própria voz ordena que os teus cuidados e adornos devem ser moderados por um justo limite. “As mulheres” – diz ele – “ataviem-se com recato e modéstia, e não venham com cabelos frisados, adereços de ouro, pérolas e vestidos de luxo; mas com boa conversação, como convém a mulheres que fazem profissão de castidade”.[ 1Tm 3,9-10.]
Concordando com os mesmos preceitos, diz também Pedro: “Que não haja na mulher um adorno exterior de ouro ou de vestuário, mas antes o ornato do coração”.[ 1Pd 3,3.4.] Se eles advertem que devem ser corrigidas e levadas à disciplina eclesiástica por um viver religioso as mulheres que costumam apresentar o marido como desculpa dos seus cuidados exagerados, quanto mais justo é que a virgem o observe.
No seu caso, os atavios não encontram desculpa, nem o disfarce da culpa pode ser atribuído a outrem, mas permanece ela sozinha no delito. Dizes que és rica e opulenta; mas nem tudo o que se pode deve-se fazer, nem os desejos fúteis ou provenientes de ambição mundana devem ultrapassar a honra e o pudor da virgindade, porque está escrito: “Tudo é permitido, mas nem tudo convém. Tudo é permitido, mas nem tudo edifica”.[ 1Cor 10,23.]
De resto, se tu te penteias luxuosamente, se andas em público com ostentação, se seduzes os olhares dos jovens, se atrais os suspiros dos adolescentes, se nutres a paixão, se inflamas os incentivos do desejo, de modo que, embora não te percas, leves outros à perdição, oferecendo-te como gládio e como veneno aos que te contemplam, não te podes desculpar como sendo casta e pudica em espírito.
O luxo inconveniente e o ornato impudico acusam-te [de falsidade]. Já não podes ser contada entre as donzelas e virgens de Cristo, pois vives de modo a poder suscitar paixão. Dizes que és rica e opulenta; mas não convém à virgem gabar-se de suas riquezas, porquanto diz a Sagrada Escritura: “De que nos aproveitou a soberba? De que nos serviu a vã ostentação das riquezas?
Todas elas passaram como sombra”,[ Sb 5,8.] e o Apóstolo, além disso, adverte: “E os que compram sejam como se não comprassem, os que possuem como se não possuíssem, e os que usam deste mundo como se não usassem; porque passa a figura deste mundo”.[ 2Cor 7,30,] Pedro, por sua vez – a quem o Senhor confia o pastoreio e a guarda de suas ovelhas, sobre quem firmou e fundou a Igreja –, afirma não possuir ouro nem prata, porém ser rico da graça do Cristo, opulento na fé e na força dele, pelas quais milagrosamente faria numerosos prodígios, pelas quais abundaria em bens espirituais para a graça da glória.
Não pode possuir tais bens e riquezas aquela que prefere ser rica para o mundo a sê-lo para o Cristo. Dizes que és rica e opulenta, e julgas que deves usar das posses que Deus te concedeu. Usa-as, mas em coisas proveitosas. Usa-as, mas em boas obras. Faze uso delas, mas para o fim que Deus ordenou e que o Senhor manifestou: que os pobres reconheçam que és rica; os indigentes reconheçam que és opulenta; de teu patrimônio empresta a Deus com juros, alimenta o Cristo.[ Cf. Mt 25,34ss.]
Para que possas conservar até o fim a glória da virgindade e chegues a obter a recompensa do Senhor, roga com as orações de muitos. Deposita os teus bens lá onde nenhum ladrão os desenterre, onde nenhum salteador de emboscada faça irrupção. Junta de preferência riquezas celestiais, cujos lucros perenes, inesgotáveis e livres de qualquer influência prejudicial do século a ferrugem não gasta, o granizo não fere, o sol não queima, nem a chuva faz apodrecer. Pois pecas, e contra Deus, se julgas que ele te concedeu as riquezas para que delas fizesses um uso que não fosse salutar.
Com efeito, foi Deus quem deu a voz ao homem, mas nem por isso se deve cantar coisas dissolutas ou indignas. Deus quis que o ferro existisse para a cultura da terra e nem por isso se devem cometer homicídios. Ou, então, porque Deus criou o incenso, o vinho e o fogo deveis sacrificar aos ídolos? Ou imolar vítimas e holocaustos aos deuses porque abundam os rebanhos de ovelhas nos teus campos?
Na verdade, um grande patrimônio é uma tentação, se a fortuna não servir para boas obras, de modo que, cada qual, quanto mais rico for, tanto mais deve resgatar os pecados com o seu patrimônio, em vez de aumentá-los.

O que você destaca no texto?
Como é útil para sua espiritualidade?












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