terça-feira, 14 de julho de 2020

142 - Cipriano de Cartago (210-258) Os Lapsos – Partes 10 a 12





142
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Cipriano de Cartago (210-258)
Os Lapsos – Partes 10 a 12



10. Exortação à verdadeira penitência
Cada um, peço-vos, irmãos, confesse o seu pecado enquanto quem pecou ainda está nesta vida, enquanto a sua confissão pode ser recebida, enquanto a penitência e a remissão pelas mãos dos sacerdotes é grata junto a Deus. Convertamo-nos ao Senhor com toda a mente e, exprimindo o arrependimento do pecado com palavras verdadeiras, imploremos a misericórdia de Deus.
 A ele a alma se prosterne, a Ele a tristeza dê satisfação, a ele a esperança se incline. Ele próprio nos diz como devemos rogar: “Retornai a mim com todo o vosso coração e ao mesmo tempo com jejum e choro e pranto, e rasgai vossos corações, não vossas vestes”.[Mc 8,38.]
Voltemos ao Senhor com todo o coração: aplaquemos a sua ira e a ofensa [que cometemos], como ele próprio recomenda, com jejuns, choros e prantos. Podemos, por acaso, considerar que lamenta de todo coração com jejuns, choros e prantos e intercede ao Senhor aquele que, a partir do primeiro dia do pecado, começa a frequentar os banhos públicos; aquele que, empanturrado em iguarias abundantes e espraiado em gordura maior ainda, arrota no dia seguinte as suas indigestões, e não partilha com a necessidade dos pobres seus alimentos e suas bebidas?
Como pode chorar a sua morte aquele que anda alegre e contente? E, mesmo estando escrito: “Não corrompais o aspecto de vossa barba”,[ Lv 19,27.] corta a barba e cobre o rosto de cabelos longos, e procura agradar a todos aquele que desagrada a Deus? Ou, por acaso, se entristece e chora aquela mulher a quem falta vestir o culto da veste preciosa e a veste de Cristo que ela perdeu, aquela mulher que aceita ornamentos preciosos e colares rebuscados, e não chora as perdas dos ornamentos divinos e celestes? Tu, mesmo vestindo indumentárias exóticas e vestes de seda, estás nua; mesmo que te adornes de ouro, de pérolas e joias, és deforme sem o decoro de Cristo.
Tu, que tinges os teus cabelos, pelo menos agora em meio às dores deixa de fazê-lo! Tu, que pintas os lineamentos do olho com o traçado de pós negros, pelo menos agora lava os olhos com lágrimas. Se tivesses perdido algum dos teus queridos em razão do término da sua vida mortal, gemerias de dor e chorarias; mostrarias indícios de aflição mediante a face descuidada, o vestido diverso, o cabelo transcurado, o rosto anuviado, a boca abatida. Perdeste, ó infeliz, a tua alma; morta espiritualmente, começaste a sobreviver aqui para ti e a carregar tu mesma, andando, o teu funeral.
 Por que não choras acremente, não gemes continuamente, não te escondes pela vergonha do pecado ou pela continuidade do lamento? Estas são as feridas piores que o pecado, estas as culpas
maiores: ter pecado e não ter expiado, ter errado e não chorar as culpas. Ananias, Azarias e Misael, meninos ilustres e nobres, nem entre as chamas e os fogos de um caminho ardente deixaram de fazer a confissão de Deus.
Mesmo em boa consciência e frequentemente merecedores de Deus pelo obséquio da fé e do temor, nem entre as penas gloriosas de suas virtudes, deixaram de manter a humildade e agradar ao Senhor. Diz a Escritura Divina: “Estando em pé, Azarias orou e abriu a sua boca, e confessava a Deus com os seus amigos no meio do fogo”.[ Dn 3,25.] Daniel, mesmo após a multíplice graça de sua fé e inocência, mesmo após a repetida benignidade do Senhor acerca de suas virtudes e seus louvores, ainda se esforça por merecer a Deus com jejuns. Envolvido em saco e cinza, faz a confissão com aflição e diz: “Senhor, Deus grande e forte e tremendo, que respeitas o juramento e a misericórdia com aqueles que te amam e guardam os teus mandamentos, pecamos, cometemos a iniquidade, fomos ímpios, transgredimos e abandonamos os teus preceitos e julgamentos.
Não temos escutado dos teus servos profetas as coisas que falaram no teu nome sobre os nossos reis e sobre todos os povos e sobre toda a terra. A ti, Senhor, a ti a justiça, mas a nós a confusão”.[ Dn 9,4-7.] Essas coisas fizeram os mansos, os simples, os inocentes, para merecer a majestade de Deus. Nestes nossos tempos, porém, aqueles que negaram o Senhor recusam-se a fazer penitência e a suplicar ao Senhor. Peço-vos, irmãos, comprazei-vos com os remédios salutares, obedecei aos melhores conselhos. Uni vossas lágrimas às nossas lágrimas, juntai vossos lamentos aos nossos lamentos.
Rogamo-vos de modo que possamos rogar a Deus por vós; endereçamos primeiramente a vós as mesmas preces com as quais suplicamos a Deus que tenha misericórdia de vós. Fazei uma penitência plena, mostrai as aflições de um coração que se aflige e lamenta.

 11. Evitem-se o exemplo dos que não se arrependerame sua companhia
Não vos perturbe o erro imprudente ou o entorpeci mento vão de alguns; os quais, mesmo reféns de um grave pecado, foram feridos pela cegueira da alma, de modo a não entender nem lamentar os pecados. Esta punição de um Deus que se indigna é maior, como está escrito: “E Deus lhes deu o espírito da morte”.[ Is 29,10.] E ainda: “Não receberam o amor da verdade para que sejam salvos; e por isso Deus lhes manda a operação do erro, para que creiam na mentira, para que sejam julgados todos aqueles que não acreditam na verdade, mas se comprazem na injustiça”.[ 2Ts 2,10-12.]
Aqueles que se comprazem indevidamente de si mesmos e enlouquecem no delírio da mente vacilante desprezam os ensinamentos do Senhor, negligenciam a medicina da ferida, se recusam a fazer penitência. Imprudentes diante do pecado cometido, obstinados após o erro, não estáveis antes e não súplices depois, caíram quando deviam estar firmes e acham que devem estar de pé quando deveriam cair e se prosternar a Deus.
Seduzidos por uma falsa promessa e unidos aos apóstatas e aos maus, eles deram a si a paz por si mesmos, sem que outrem a desse; tomam o erro por verdade, reputam justa a comunhão dos que não estão em comunhão: creem nos homens contra Deus aqueles que contra os homens não creram em Deus. Fugi de homens deste tipo o máximo que puderdes, evitai com sã cautela os que aderem aos contatos perniciosos.
O discurso deles serpeia como um câncer, a conversação se espalha como um contágio, a persuasão nociva e venenosa mata, pior que a própria perseguição. Nesse caso, só resta a penitência reparadora, mas aqueles que eliminam a penitência do pecado fecham o caminho da reparação. E assim acontece que, enquanto uma salvação falsa é prometida, ou até mesmo aceita em razão da ousadia de alguns, é tolhida a esperança da salvação verdadeira.

12. Pela penitência e a prática da caridade, busque-se sempre a misericórdia divina
Mas vós, irmãos, cujo temor de Deus é pronto e cujo ânimo, ainda que no erro, reconhece seu próprio mal, olhai os vossos pecados com penitência e com arrependimento, reconhecei o erro gravíssimo da consciência, abri os olhos do coração para o reconhecimento do vosso pecado, não desesperando da misericórdia do Senhor, mas também não exigindo de imediato o perdão. Deus, o quanto é sempre indulgente e bom por sua piedade de pai, tanto deve ser temido pela majestade de juiz.
Quão grandemente pecamos, tão grandemente choremos: para uma ferida profunda não falte uma cura diligente e longa, o arrependimento não seja menor que o pecado. Achas que podes logo aplacar a Deus, que renegaste com palavras pérfidas, a quem preferiste
prepor o patrimônio, cujo templo violaste com contágio sacrílego? Achas que ele tem facilmente misericórdia de ti, tu que disseste que ele não era teu Deus?
É necessário orar e suplicar mais intensamente, transcorrer o dia em luto, passar as
noites em vigílias e prantos, ocupar todo o tempo em lamentações lacrimosas, estender-se pelo solo e espargir-se de cinza, envolver-se com o cilício e as vestes de luto, não querer um vestido depois de ter perdido a indumentária de Cristo, preferir o jejum depois de ter tomado o alimento do diabo, dedicar-se às boas obras com as quais os pecados são purgados, persistir frequentemente nas esmolas com as quais as almas são liberadas da
morte. Aquilo que o adversário tirava, receba-o Cristo, e o patrimônio não deve ser mais possuído nem amado, pois por causa dele foste enganado e vencido.
O patrimônio deve ser evitado como se fosse um inimigo, banido como se fosse um ladrão, temido pelos possuidores como se fosse uma espada e um veneno. Aquilo que restou dele serve somente para que por ele o pecado e a culpa sejam quitados; essa obra deve ser feita sem demora e com prodigalidade, toda a riqueza deve ser despendida em remédio da ferida: o Senhor, que irá nos julgar, receba em empréstimo as nossas riquezas e propriedades. Assim vigorou a fé sob os apóstolos. Assim a primeira comunidade dos crentes observou os ensinamentos de Cristo.
Eram prontos, eram generosos, davam tudo aos apóstolos para ser distribuído, e, mesmo assim, não como resgate para tais pecados. Se alguém rezar com todo o coração, se suspirar com lamentações verdadeiras de penitência e com lágrimas, se inclinar o Senhor ao perdão de seu pecado com obras justas e contínuas, o Senhor pode ter misericórdia disso tudo, ele que manifestou a sua misericórdia dizendo: “Quando, convertido, gemerdes, aí serás salvo e saberás onde foste”.[ Is 30,15.] E ainda: “Não quero a morte de quem está morrendo, mas que volte e viva”. [Ez 18,32.]
E o profeta Joel declara a piedade do Senhor, com o próprio Senhor falando: “Voltai ao Senhor vosso Deus, pois ele é misericordioso, pio, paciente e de muita comiseração, ele que muda a sentença lançada contra as iniquidades”.[ Jl 2,13.] Ele pode mostrar indulgência, ele pode mudar a sua sentença; ele pode perdoar com clemência o penitente, o atuante e o suplicante; ele pode considerar como aceito em favor desses tais tudo aquilo que os mártires pedirem e que os sacerdotes fizerem.
E se alguém o mover ainda mais com suas reparações, se aplacar com justa súplica a sua ira e a ofensa que o indignou, ele dará de volta também as armas com as quais o vencido possa se armar; ele reparará e corroborará as forças com as quais a fé restabelecida se revigorará. Repetirá a luta o seu soldado, retomará a batalha; e, realmente, aquele que pela dor se tornou mais forte para o combate provocará o inimigo.
Quem assim tiver satisfeito Deus, quem, pela penitência do seu agir e pela vergonha da sua culpa, tiver engendrado mais virtude e mais fé a partir da própria dor do seu lapso, este, ouvido e ajudado pelo Senhor, fará alegre a Igreja que tinha recentemente contristado, e não merecerá somente o perdão, mas também a coroa de Deus.

O que você destaca no texto?
Como ele serve para sua espiritualidade?



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