A vida de Francisco de
Assis a partir de Tomás de Celano
Ir. Edson Cortasio
Sardinha
Partes 3 e 4
Aprovação da Igreja e Viagens e
Expansão
3. Aprovação da Igreja
Francisco desejava viver
integralmente o Evangelho. Como o número de discípulos aumentava, “escreveu
para si e para seus irmãos, presentes e futuros, com simplicidade e com poucas
palavras, uma forma e Regra de vida, usando, principalmente, expressões do
santo Evangelho” (1Cel 13.32.1). Depois da Regra pronta, levou-a, com os seus
discípulos, a Roma, para que o Papa Inocêncio III a aprovasse. Era o ano
de 1209.
Nesta época, o amigo e bispo de Assis, Guido,
estava em Roma; num primeiro momento, Guido não “gostou” da presença de
Francisco e seus amigos em Roma, pois achava que estavam abandonando Assis.
Para Tomás de Celano, o motivo do desagrado estava no fato de que o bispo
desejava muito o trabalho de Francisco e seus discípulos em Assis (1Cel
13.32.5,6): “Gostava muito de ter esses homens de valor em sua diocese e
esperava muito de sua vida e de seus bons costumes”. Contudo, quando soube o
motivo da ida a Roma, ficou alegre e prometeu “seu apoio e influência”.
Francisco também teve o apoio do bispo de Sabina, João de São Paulo,
homem que se destacava de “entre os outros príncipes e dignitários da Cúria
Romana”; contudo, Bispo João também tentou persuadi-lo a passar para a vida
monástica ou eremítica...
Como Francisco permaneceu firme em seu
propósito, “procurou apoiar sua causa diante do Papa” (1Cel 13.33.4). No
primeiro encontro com o Papa, este achou sua vida muito dura e difícil e lhe
disse: “Meu filho, pede a Cristo que nos manifeste sua vontade, para que,
conhecendo-a, possamos concordar com maior segurança com os teus piedosos
desejos” (2Cel 16.1). Francisco foi orar e Deus lhe deu uma parábola para falar
ao Papa:
Francisco,
dirás isto ao Papa: uma mulher pobrezinha, mas bonita, morava em um deserto. Um
rei se apaixonou por ela por causa de sua grande formosura, desposou-a todo
feliz e teve com ela filhos belíssimos. Quando já estavam adultos e nobremente
educados, a mãe lhes disse: “Não vos envergonheis, meus queridos, porque sois
pobres, pois sois todos filhos daquele grande rei. Ide com alegria para sua
corte, e pedi-lhe tudo que precisais’. Apresentaram-se ousadamente ao rei, sem
temer o rosto que era parecido com o deles.
Vendo neles essa semelhança, o rei perguntou, admirado, de quem eram
filhos. Quando disseram que eram filhos
daquela mulher pobrezinha do deserto, o rei os abraçou dizendo: ‘Sois meus
filhos e meus herdeiros, não tenhais medo!
Se até estranhos comem à minha mesa será muito mais justo que eu
alimente aqueles a quem está destinada por direito a minha herança toda’. Por
isso o rei mandou que a mulher levasse todos os seus filhos para serem
alimentados em sua corte (2Cel 16.4-13).
Quando o Papa recebeu esta palavra, lembrou-se
de um sonho que teve, onde tinha visto a Basílica de Latrão prestes a ruir, mas
sendo sustentada por um religioso, homem pequeno e desprezível, que a
sustentava com seu ombro para não cair. “E disse: ‘Na verdade, este é o homem
que, por sua obra e por sua doutrina, haverá de sustentar a Igreja’” (2Cel
17.5). O Papa entendeu que a obra era de Cristo e confirmou a Regra de Vida de
Francisco.
Aceitou
o pedido e deu-lhe despacho. Tendo-lhes feito muitas exortações e admoestações,
abençoou São Francisco e seus irmãos e lhes disse: “Ide com Deus, irmãos, e
conforme o Senhor se dignar inspirar-vos, pregai a todos o arrependimento.
Quando o Senhor vos tiver enriquecido em número e graça, vinde referir-me tudo
com alegria, e eu vos concederei mais do que agora e, com maior segurança, vos
confiarei encargos maiores” (1Cel 13.33.7,8).
Mais tarde, Francisco teve um sonho,
que entendeu ser uma revelação de Deus. No Senhor, ele crescia e ficava da
altura de uma árvore de grande porte. Uma árvore bela e forte, grossa e muito
alta. Francisco, com suas mãos, conseguia “vergá-la facilmente até o chão”. Ele
entendeu que esta árvore era o Papa Inocêncio III que, sendo poderoso,
se inclinou com benignidade e atendeu à sua vontade. Em Roma, aproveitaram para
visitar o Túmulo de São Pedro e, depois, retornaram para o Vale de Espoleto. No
caminho, discutiam sobre a vida da nova Ordem que nascia, de acordo com o
Evangelho. Chegaram a um lugar solitário e não tinham nada para comer. Um homem
os encontrou e lhes deu pão e se foi. Viram este gesto como um milagre da
providência divina. Finalmente, chegaram a um lugar perto de Orte, e “ali
ficaram quase quinze dias”. Para terem o que comer, iam à cidade e pediam, de
porta em porta, alimentos. Os alimentos que sobravam guardavam em um sepulcro
para comerem depois (1Cel 14.34).
Essas experiências levaram os
discípulos e Francisco a louvarem a Deus por nada possuírem: a pobreza era uma
liberdade espiritual. “Pondo de lado toda solicitude pelos bens terrenos, só
lhes interessava a consolação de Deus. Por isso, resolveram, com firmeza, não
se apartar dos braços da pobreza, por maiores que fossem as tribulações e
tentações” (1Cel 14.35). Certa vez, tentou destruir uma casa em Porciúncula,
que estava sendo levantada para a reunião do Capítulo dos Irmãos Menores.
Quando
o santo voltou e viu a casa, levando a mal, não sofreu pouco. Levantou-se para
ser o primeiro a eliminar o edifício. Subiu ao telhado e pôs abaixo telhas e
cobertura com mão forte. Mandou os frades subirem também para acabar de uma vez
com aquele monstro contrário à pobreza. Porque dizia que logo se haveria de
espalhar pela Ordem e ser tomado por exemplo tudo que se visse de mais
pretensioso naquele lugar. Teria acabado de uma vez com o prédio se os soldados
que lá estavam não tivessem feito frente ao seu fervor dizendo que ele
pertencia à comuna e não aos frades. (2Cel 57.1-6).
Com a autorização de Roma, Francisco
teve mais vigor para pregar o Evangelho e exortar o povo cristão à conversão.
Sua pregação era direta e vigorosa.
Valoroso
soldado de Cristo, Francisco percorria as cidades e povoados anunciando o reino
de Deus, proclamando a paz, pregando a salvação e a penitência para a remissão
dos pecados, sem usar os argumentos da sabedoria humana, mas a doutrina e a
força do Espírito. Apoiado na autorização apostólica que lhe fora concedida,
agia em tudo destemidamente, sem adular nem tentar seduzir ninguém com moleza.
Não sabia lisonjear as culpas de ninguém, mas pungi-las. Não tentava desculpar
a vida dos pecadores, mas atacava-os com áspera reprimenda, tanto mais que
tinha posto primeiro em prática as coisas que aconselhava aos outros. Sem medo
de que o repreendessem, anunciava a verdade destemidamente, de maneira que até
os homens mais letrados, que gozavam de renome e dignidade, admiravam seus
sermões e em sua presença sentiam-se possuídos de temor salutar. (1Cel
15.36.1-3)
Não apenas leigos, mas também
clérigos, procuravam ouvir os sermões de Francisco. Tinha tanta persuasão, que
suas mensagens pareciam “fluir de uma luz” vinda de Deus. “Brilhava como uma
estrela fulgente na escuridão da noite e como a aurora que se estende sobre as
trevas” (1Cel 14.37). Ocorreram, assim, muitas conversões em toda a região, de
nobres e plebeus, sacerdotes e leigos, homens e mulheres – pessoas de toda
parte desejavam seguir este novo modo de vida.
A Ordem cresceu e passou a ser chamada
de “Ordem dos Frades Menores”: foi o próprio Francisco que lhe deu o nome.
“Quando estavam escrevendo na Regra: ‘e sejam menores’, ao ouvir essas palavras
disse: ‘Quero que esta fraternidade seja chamada Ordem dos Frades Menores’
(1Cel 14.38). O nome “Menor” estava ligado ao fato de que a espiritualidade da
Ordem foi baseada na verdadeira humildade: sempre procurava os piores lugares e
fazer o que os outros detestavam. O carisma da Ordem era servir a Deus e ao
próximo com um coração verdadeiramente pobre. A Ordem estava baseada na
alegria, na comunhão de seus membros e na obediência. Não tinham nada e nada
desejavam: eram contentes com suas
únicas túnicas – algumas vezes, remendadas por dentro e por fora. “Cingiam-se
com uma corda e usavam calças de pano rude” (1Cel 14.39.7). Não possuíam
abrigos contra o frio; durante o dia, trabalhavam e serviam aos leprosos.
Preferiam trabalhar em lugares onde eram perseguidos. “Foram muitas vezes
cobertos de opróbrios e de ofensas, despidos, açoitados, amarrados,
encarcerados, sem recorrer à proteção de ninguém, e suportavam tudo
varonilmente, vindo à sua boca apenas a voz do louvor e da ação de graças”
(1Cel 14.40).
Para permanecerem em oração durante
a noite, se apoiavam em cordas suspensas; uns usavam cilícios de metal e outros
amarravam madeiras na cintura para mantê-los alertas. Lutavam, também, contra
os apelos da carne: “Punham tanto esforço em reprimir as tentações da carne,
que, muitas vezes, não se horrorizavam de despir-se no gelo mais frio, nem de
molhar o corpo todo com o sangue derramado por duros espinhos” (1Cel 14.40).
4. Viagens e Expansão
Francisco e
seus discípulos se recolheram em um lugar perto de Assis, chamado Rivotorto, no
ano de 1210. Passaram a viver numa cabana abandonada e, neste lugar, viveram
muitas privações. Esta casa passou a ser um lugar de discipulado e busca da
perfeição cristã para Francisco e seus discípulos. A “cabana dos Irmãos
Menores” ficava na beira da estrada; o Imperador Otão passou em frente à
cabana para receber a coroa do Império e, “apesar do enorme ruído e pompa, o
santo pai e seus companheiros, cuja cabana ficava à beira do caminho, nem
saíram para vê-lo, nem permitiram que ninguém olhasse, a não ser um, a quem
mandou para anunciar-lhe repetidamente que sua glória ia durar pouco” (1Cel
16.44). Francisco “sentia-se investido
de autoridade apostólica e, por isso, se recusava absolutamente a bajular reis
e príncipes”.
A cabana era muito estreita e
Francisco teve que escrever o nome dos irmãos nos caibros da cabana, para que
cada um soubesse seu lugar, “quando quisesse orar ou repousar, e não se
perturbasse o silêncio espiritual pela estreiteza do ambiente”. Certa vez,
apareceu um camponês que intencionava reformar a cabana e construir casas para
os frades. Francisco ficou tão chocado com a ideia, que resolveu abandonar o
lugar. Deixou Rivotorto e foi morar em
Porciúncula, onde havia reparado uma igreja. Francisco entendia que, para
possuir tudo no Senhor, em maior plenitude, precisava abrir mão de tudo e não
possuir propriedade nenhuma. Em Porciúncula, os discípulos de Francisco pediram
para que ele os ensinasse a orar e Francisco respondeu-lhes: “Quando orardes,
dizei: ‘Pai nosso’ e ‘Nós vos adoramos, ó Cristo, em todas as vossas igrejas
que estão pelo mundo inteiro, e vos bendizemos, porque por vossa santa cruz
remistes o mundo” (1Cel 17.45). Esta oração passou a ser praticada pelos seus frades
diariamente: em qualquer lugar onde houvesse uma igreja, mesmo que não
entrassem nela, contanto que a pudessem ver de longe, prostravam-se por terra
na sua direção e, inclinados de corpo e alma, adoravam o Todo-Poderoso,
dizendo: “Nós vos adoramos, ó Cristo, em todas as vossas igrejas, porque pela
sua santa cruz remistes o mundo”. “E, o que não é menos para se admirar, faziam
o mesmo onde quer que vissem uma cruz ou seu sinal: no chão, numa parede, nas
árvores ou nas cercas do caminho” (1Cel 17.45).
Em Porciúncula, existia um padre de
má fama. Eles procuravam o padre regularmente, para confessarem seus pecados.
Apesar de serem alertados pela população sobre a conduta má do padre, eles,
simplesmente, se recusaram a acreditar e continuaram honrando o padre e
confessando a ele seus pecados. Certa noite, durante a oração do Pai Nosso
cantada, Francisco teve um êxtase: quando chegou a meia noite, “entrou pela
pequena porta um rutilante carro de fogo, deu duas ou três voltas para cá e
para lá na casa, tendo, sobre ele, um globo enorme, que era parecido com o sol,
e iluminou a noite” (1Cel 18.47). Os frades entenderam que era uma graça
especial de Deus concedida a Francisco, que estava em êxtase de oração.
Francisco recebeu de Deus o dom da
revelação e da profecia: Deus lhe revelava a vida secreta dos frades e
anunciava eventos vindouros; com isso, podia orientar seus discípulos com
relação à disciplina cristã. Passou a ter uma vida com muito rigor ascético:
proibia seus discípulos de possuir objetos – até mesmo um prato ou uma caneca.
Quando ia dormir na casa de alguém, recusava cobertores e preferia dormir no
chão. Certa vez, doente, comeu carne de galinha; ao se recuperar da doença, foi
até Assis e, chegando à porta da cidade, mandou o frade que o acompanhava que
lhe amarrasse uma corda no pescoço e o conduzisse assim, feito um ladrão, por
toda a cidade, clamando como um pregoeiro:
‘Vejam o
comilão, que engordou com carne de galinha, que comeu sem vocês saberem’ ” (1Cel
19.52). Este gesto estranho causou a conversão de muitas pessoas em Assis.
Francisco “sentia uma dor imensa quando era venerado por todos e, para se
livrar da consideração humana, encarregava alguém de o insultar” (1Cel 19.53).
Quando cometia alguma falta,
confessava-a publicamente, durante sua pregação.
No sexto ano de sua conversão,
desejando o martírio, navegou para a Síria com a intenção de pregar o Evangelho
aos sarracenos. Contudo, por causa da tempestade no mar, foi parar na
Esclavônia. Soube que alguns marinheiros iriam para Ancona e aproveitou para
embarcar junto; como não poderia pagar e não conseguiu a passagem, resolveu, em
oração, entrar escondido no navio com um companheiro. Um desconhecido passou a
dar as provisões necessárias para a viagem, sem que ninguém soubesse. O navio
enfrentou uma grande tempestade e a provisão que Francisco recebeu foi
multiplicada, ao ponto de suprir a necessidade de todos. Quando chegaram em
Ancona, os marinheiros descobriram que foi por causa da intercessão de
Francisco que o navio não naufragou e agradeceram a Deus.
Ao chegar em Ancona, Francisco pregou o
Evangelho e aconteceram muitas conversões entre leigos e clérigos. Algum tempo
depois, empreendeu uma viagem a Marrocos, para pregar o Evangelho de Cristo ao Miramolim
e a seus sequazes. “Seu entusiasmo era tanto, que, às vezes, deixava para trás
seu companheiro de viagem, na pressa de realizar seu intento, com verdadeira
embriaguez espiritual” (1Cel 20.56). Mas, por causa de uma doença, foi impedido
de seguir viagem; nesta ocasião, encontrou seu discípulo e primeiro biógrafo
Tomás de Celano. Este diz:
Mas
o bom Deus lembrou-se, em sua misericórdia, de mim e de muitos outros, e se
opôs frontalmente a ele quando já tinha chegado à Espanha, impedindo-o de continuar
o caminho, por uma doença que o fez voltar atrás. Não fazia muito tempo que
tinha voltado a Santa Maria da Porciúncula, quando alguns homens de letras e
alguns nobres juntaram-se a ele com grande satisfação. A estes, sempre educado
e discreto, tratou com respeito e dignidade, servindo piedosamente a cada um,
conforme lhe cabia (1Cel 20.56 e 57).
Francisco retornou para Porciúncula
e, no décimo terceiro ano de sua conversão, foi para a Síria. Nesta época,
estava ocorrendo uma grande batalha entre os cristãos e os mulçumanos; contudo,
não teve medo de se apresentar ao sultão dos sarracenos, levando um
companheiro. Francisco foi açoitado, mas permaneceu sereno. O Sultão o recebeu
muito bem; tentou lhe dar presentes, mas, quando percebeu que Francisco
recusava tudo, ficou muito admirado e honrou Francisco. Não ocorreram
conversões, mas testemunharam o Evangelho. Logo após, Francisco retornou para
sua terra.
O que
você destaca no texto?
Como serve
para sua espiritualidade?
Nenhum comentário:
Postar um comentário