terça-feira, 13 de outubro de 2020

149 - Cipriano de Cartago (210-258) O Bem da Paciência – 13-14

 


149

Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra

Cipriano de Cartago (210-258)

O Bem da Paciência – 13-14

 


 

13. O cristão não se apressa em defender-se, sua paciência perdure até o último dia

Sei de muitos, irmãos diletíssimos, que desejam ser depressa defendidos, seja por causa do peso de injúrias angustiantes, seja por ressentimento contra as coisas que investem e se assanham contra si.

Eis por que, no fim de tudo, não se pode deixar de dizer que – colocados nestas tempestades de um mundo agitado e sujeitos também às perseguições de judeus, gentios e hereges – devemos esperar pacientemente o dia da retribuição, e não ter pressa da vindicação dos nossos sofrimentos com impertinente precipitação, pois está escrito:

“Espera por mim, diz o Senhor, no dia de minha ressurreição para o testemunho, porque a minha sentença é para reunir as nações, a fim de pôr de parte os reis e derramar sobre eles a minha ira”.[ Sf 3,8.]

O Senhor nos manda esperar o dia da futura vindicação com infatigável paciência, e fala, no Apocalipse, dizendo: “Não seles as palavras da profecia deste livro, porque o tempo já está próximo, a fim de que aqueles que perseveram em fazer o mal o façam, e o que está nas imundícies ainda se suje; que o justo, porém, faça obras mais justas, e, semelhantemente, aquele que é santo [faça] obras mais santas.

Eis que venho logo, e a minha recompensa está comigo, para retribuir a cada qual segundo as suas obras”.[ Ap 22,10-12.]

Por conseguinte, também os mártires – que clamam e que, irrompendo a dor, têm pressa da vindicação – recebem a ordem de ainda esperar e ter paciência, [em consideração] pelos tempos que se devem consumar e pelos mártires que se devem completar:

“E quando abriu o quinto selo, vi, debaixo do altar de Deus, as almas dos que tinham sido mortos por causa da palavra de Deus e do seu testemunho, e clamaram em alta voz dizendo: ‘Até quando, Senhor, santo e verdadeiro, não julgas e reclamas o nosso sangue dos que moram na terra?’. E foram dadas a cada um deles vestes brancas, e foi-lhes dito que descansassem ainda por um pouco de tempo, até que se completasse o número dos seus conservos e irmãos que seriam depois mortos ao exemplo deles”.[ Ap 6,9-11.]

Mas o Espírito Santo dá a conhecer, pelo profeta Malaquias, quando virá a vindicação divina do sangue justo, dizendo: “Eis que o dia do Senhor vem queimando como um forno; e todos os soberbos e todos os iníquos serão como palha, e o dia que está para vir os incendiará, diz o Senhor”.[ Ml 3,19.]

É o que também lemos nos Salmos, onde se anuncia a vinda de Deus como juiz, a qual deve ser venerada pela majestade do seu julgamento: “Deus, o nosso Deus, virá manifesto, e não se calará. Diante dele arderá fogo, e em torno dele uma grande tempestade.

Convocará em cima o céu e, embaixo, a terra, a fim de separar o seu povo. Reuni para ele os seus justos, os que firmam aliança com ele nos sacrifícios; e os céus anunciarão a sua justiça, porque Deus é o Juiz”.[ Sl 50(49),3-6.]

Também Isaías prenuncia as mesmas coisas, dizendo: “Eis que o Senhor virá como fogo e a sua carruagem como a borrasca, tomar vingança na ira. Serão, com efeito, julgados no fogo do Senhor, e feridos com a sua espada!”.[ Is 66,15.]

E novamente: “O Senhor Deus dos exércitos aparecerá e despedaçará a guerra, provocará um combate e clamará com força sobre os inimigos: ‘Tenho-me calado, por acaso sempre me hei de calar?’”.[ Is 42,13-14.]

 

14. Deus, oculto na humilhação, é juiz e defensor que virá com poder; tenha-se sempre presente, com esperança, a paciência de Cristo

Quem, pois, é este que diz ter-se calado antes, e que não se calará sempre? Sem dúvida é aquele que, como uma ovelha, foi conduzido à imolação e que, como um cordeiro sem balido, não abriu a sua boca diante de quem o tosquiava.[ Cf. Is 53,7.]

Sem dúvida é aquele que não gritou, e cuja voz não foi ouvida nas praças.[ Cf. Is 42,2.] Sem dúvida é aquele que não foi recalcitrante nem protestou quando expôs as suas costas aos açoites e as suas faces às bofetadas, e que não desviou o seu rosto da imundície dos escarros.[ Cf. Mc 15,15; 14,65.]

Sem dúvida é aquele que, enquanto era acusado pelos sacerdotes e anciãos, nada respondia e que, à admiração de Pilatos, conservou um pacientíssimo silêncio.[ Cf. Mc 14,60-61; Mt 27,12-14.]

É esse que, tendo se calado na paixão, não se calará mais tarde no castigo. Esse é o nosso Deus, isto é, não de todos, mas o Deus dos fiéis e dos crentes, que não se calará quando vier manifesto no segundo advento, pois, tendo antes estado oculto na humildade, virá manifesto com poder.

Esperemos, irmãos diletíssimos, por esse nosso juiz e defensor, que juntamente consigo há de vindicar o povo da sua Igreja e a multidão de todos os justos desde o início do mundo.

Aquele que demasiadamente se precipita e se apressa pela própria vindicação considere que nem ele mesmo, que se vindica, foi vindicado.

No Apocalipse, o anjo resiste e diz a João que o queria adorar: “Olha, não o faças, pois sou um conservo teu e de teus irmãos. Adora o Senhor Jesus”.[ Ap 22,9.]

Como é o Senhor Jesus e quão grande a sua paciência, que, ainda não sendo vindicado na terra, é adorado nos céus!

Nos nossos sofrimentos e perseguições, irmãos diletíssimos, pensemos na sua paciência. Prestemos ao seu advento um obséquio cheio de esperança. Não nos apressemos, com ímpia e atrevida precipitação, em sermos defendidos, nós servos, antes do Senhor.

Ao contrário, fiquemos firmes; trabalhemos e observemos os preceitos do Senhor, vigiando de todo o coração e permanecendo inabaláveis em tudo o que aguentamos; a fim de que não sejamos castigados com os ímpios e pecadores quando vier aquele dia de ira e de reivindicação, mas, com os justos e os que temem a Deus, nós o glorifiquemos.

 

O que você destaca no texto?

Como ele serve para sua espiritualidade?

 

terça-feira, 6 de outubro de 2020

148 - Cipriano de Cartago (210-258) O Bem da Paciência – 11-12

 


148

Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra

Cipriano de Cartago (210-258)

O Bem da Paciência – 11-12

 


11. Exemplos de caridade paciente

O que se requer para que não jures[Cf. Mt 5,34ss.] e não amaldiçoes?[ Cf. Rm 12,14.] Para que, tendo recebido uma bofetada, apresentes a outra face ao agressor?[ Cf. Lc 6,29.]

Para que perdoes ao irmão que peca contra ti, não somente setenta vezes sete,[ Cf. Mt 18,22.] mas todos os pecados sem exceção? Para que ames os teus inimigos? Para que rezes pelos adversários e perseguidores?[ Cf. Mt 5,44.] Poderás cumprir estas coisas sem que possuas firmeza de paciência e de tolerância?

Vemos [tudo] isso praticado por Estêvão, que, ao ser morto pelos Judeus com violência e a pedradas,[ At 7,58-59.] não pedia vingança para si, mas o perdão para os assassinos, dizendo: “Senhor, não lhes leves em conta este pecado”.[ At 7,60.]

Convinha que, assim, o primeiro mártir do Cristo, que, precedendo os mártires futuros com morte gloriosa, não apenas seria um arauto da paixão do Senhor, mas também um imitador de sua pacientíssima brandura.

O que direi da ira, da discórdia, da inimizade, que não devem existir num cristão?

Haja paciência no coração, e essas coisas lá não encontrarão lugar; ou se elas tentarem penetrar [aí], logo sairão expulsas, de modo a que se conserve no coração um domicílio pacífico onde o Deus da paz se compraza em habitar.

O Apóstolo, por fim, exorta e ensina, dizendo: “Não contristes o Espírito Santo de Deus, no qual fostes marcados para o dia da redenção. Que qualquer amargor, ira, indignação, clamor e blasfêmia sejam extirpados dentre vós”.[ Ef 4,30-31.]

Com efeito, se o cristão se afastou da cólera e da contenda carnal, como de turbilhões do mar, e se, tranquilo e brando, já está no porto do Cristo, também não deve dar acesso, no coração, nem à ira nem à discórdia, uma vez que não lhe é lícito nem pagar o mal com o mal,[ Cf. 1Ts 5,15.] nem odiar.[ Cf 1Jo 3,15.]

A paciência é também necessária para enfrentar os vários incômodos da carne e os frequentes e duros tormentos do corpo, pelos quais o gênero humano é cotidianamente perseguido e sacudido.

Com efeito, como, naquela primeira transgressão do preceito, a força do corpo e a imortalidade se foram e, com a morte, veio a fraqueza – e como a força não pode ser reavida enquanto a imortalidade não for também recuperada –, é necessário, [mesmo] em meio a essa fraqueza e enfermidade corporal, lutar sempre e combater. Luta e combate que só podem ser sustentados pelas forças da paciência.

Para nos examinar e provar, diversos sofrimentos nos são ocasionados, e vasto gênero de tentações nos são infligidas quanto à perda dos bens, aos ardores das febres, às dores das feridas, à perda dos caros.

Nada separa mais os injustos dos justos quanto o fato de que, nas adversidades, o injusto se queixa e blasfema por impaciência, ao passo que o justo é provado na paciência, conforme está escrito: “Aguenta na dor e tem paciência na tua humilhação, porque com o fogo se experimenta o ouro e a prata”.[ Ecl 2,4-5.]

Destarte foi Jó examinado e provado, e, pela virtu de da paciência, elevado ao sumo grau da glória.[ Cf. Jó 1-2.] Quantos dardos do diabo lançados contra ele, quantos sofrimentos acarretados!

A perda do patrimônio lhe é infligida, a privação de uma numerosa prole lhe é imposta. Senhor rico em haveres e pai mais rico em filhos, de repente não é mais nem senhor nem pai. Soma-se [a isso] a devastação das feridas, e ainda a dor devoradora dos vermes consome as articulações definhadas e débeis.

E para que não faltasse absolutamente nada que Jó não experimentasse em suas tentações, o diabo, usando daquele antigo engenho de sua maldade, arma também a esposa, como se pudesse enganar e iludir a todos por meio da mulher, como o fizera no início do mundo.[3Cf. Gn 3,12.]

Jó, contudo, não é abatido pelos pecados e cerrados combates; pelo contrário, com a vitória da paciência, o louvor de Deus é proclamado no meio daquelas [suas] angústias e tribulações.

Da mesma forma Tobias, depois das magníficas obras de sua justiça e misericórdia, tentado pela perda da vista,[ Cf. Tb 2,3-10.] na mesma medida em que suportou pacientemente a cegueira, pelo mérito da paciência se tornou grandemente digno de Deus.[ Cf. Tb 3,5-6.16-17.]

 

12. Os males da impaciência

E para que o bem da paciência brilhe ainda mais, irmãos caríssimos, consideremos, por outro lado, o que a impaciência acarreta de mau. Pois, como a paciência é um bem do Cristo, assim a impaciência é, em oposição, um mal do diabo. E como aquele em quem o Cristo habita e permanece se mostra paciente, do mesmo modo aquele cuja mente é possuída pela maldade do diabo é sempre impaciente. Vejamos [isso], com efeito, no início mesmo.

O diabo sofreu impacientemente com o fato de o homem ter sido feito à imagem de Deus, por isso foi o primeiro que pereceu e que pôs a perder [outros].

Já Adão, impaciente por obter, contra o preceito celestial, o alimento mortífero, incorreu na morte[Cf. Gn 2,16-17; 3,1.6ss.] e não conservou sob a guarda da paciência a graça divina recebida. E Caim, para matar o irmão, bastou ficar impaciente com o seu sacrifício e a sua dádiva.[ Cf. Gn 4,3ss.]

E Esaú desceu [do direito] dos maiores para o dos menores, porque perdeu sua primogenitura pela impaciência de comer da lentilha.[ Cf. Gn 25,29ss.] E por que foi o povo judaico infiel e ingrato para com os benefícios divinos?

Não foi um crime de impaciência aquele pelo qual se afastou de Deus pela primeira vez? Por não poder suportar a demora de Moisés, que conversava com Deus, ousou pedir deuses profanos, a fim de instituir como guias de sua viagem um chefe bovino e uma estátua da terra.[ Cf. Ex 32,1ss.]

E nunca se apartou da mesma impaciência, mas, pelo contrário, sempre impaciente contra a bondade e a admoestação divinas, matou os seus profetas e justos, até que se atirasse por fim à cruz e ao sangue do Senhor.

Também na Igreja a impaciência cria os hereges, e, à semelhança dos judeus, leva os que se rebelam contra a paz e a caridade do Cristo a agressivos e furiosos ódios.

E para que não se torne longo enumerar coisa por coisa, tudo, sem exceção, que a paciência, por suas obras, edifica para a glória, a impaciência destrói para a ruína.

Por isso, irmãos diletíssimos, [uma vez] diligente mente ponderados tanto o bem da paciência quanto o mal da impaciência, abracemos com plena observância a paciência, pela qual permanecemos no Cristo, a fim de que possamos ir com o Cristo para Deus.

A paciência é copiosa e variada, não se encerra em estreitos confins, nem se restringe a acanhados limites. A força da paciência se manifesta ao longe; a sua fertilidade e a sua largueza fluem da fonte de um único nome, mas, transbordando os canais, se difundem por muitos caminhos de glórias; e não pode ser de algum proveito aos nossos atos para a perfeição do louvor, a não ser que daí receba a solidez da perfeição.

É a paciência que nos recomenda e nos conserva para Deus. É ela que modera a ira, refreia a língua, governa a mente, guarda a paz, rege a disciplina; quebra o ímpeto das paixões, reprime a violência do orgulho, apaga o ardor da rivalidade; restringe o poder dos ricos, alivia a indigência dos pobres; conserva nas virgens a integridade ditosa, nas viúvas a custosa castidade, nos que estão unidos e casados o amor indiviso.

A paciência torna humilde na prosperidade, forte nas adversidades, manso em relação às injúrias e às afrontas. Ensina a perdoar prontamente aos pecadores; mas, se és tu, porém, quem pecas, ela ensina a suplicar muito e por muito tempo [o perdão].

Ela combate as tentações, aguenta as perseguições, leva à perfeição os suplícios e os martírios. É ela que sustenta com firmeza os fundamentos da nossa fé; é ela que sublimemente promove o crescimento da esperança.

É ela que dirige a [nossa] ação, a fim de podermos trilhar o caminho do Cristo, na medida em que andamos segundo a sua tolerância; ela faz que perseveremos na filiação divina, enquanto imitamos a paciência do Pai.

 

O que você destaca no texto?

Como ele serve para sua espiritualidade?