terça-feira, 6 de outubro de 2020

148 - Cipriano de Cartago (210-258) O Bem da Paciência – 11-12

 


148

Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra

Cipriano de Cartago (210-258)

O Bem da Paciência – 11-12

 


11. Exemplos de caridade paciente

O que se requer para que não jures[Cf. Mt 5,34ss.] e não amaldiçoes?[ Cf. Rm 12,14.] Para que, tendo recebido uma bofetada, apresentes a outra face ao agressor?[ Cf. Lc 6,29.]

Para que perdoes ao irmão que peca contra ti, não somente setenta vezes sete,[ Cf. Mt 18,22.] mas todos os pecados sem exceção? Para que ames os teus inimigos? Para que rezes pelos adversários e perseguidores?[ Cf. Mt 5,44.] Poderás cumprir estas coisas sem que possuas firmeza de paciência e de tolerância?

Vemos [tudo] isso praticado por Estêvão, que, ao ser morto pelos Judeus com violência e a pedradas,[ At 7,58-59.] não pedia vingança para si, mas o perdão para os assassinos, dizendo: “Senhor, não lhes leves em conta este pecado”.[ At 7,60.]

Convinha que, assim, o primeiro mártir do Cristo, que, precedendo os mártires futuros com morte gloriosa, não apenas seria um arauto da paixão do Senhor, mas também um imitador de sua pacientíssima brandura.

O que direi da ira, da discórdia, da inimizade, que não devem existir num cristão?

Haja paciência no coração, e essas coisas lá não encontrarão lugar; ou se elas tentarem penetrar [aí], logo sairão expulsas, de modo a que se conserve no coração um domicílio pacífico onde o Deus da paz se compraza em habitar.

O Apóstolo, por fim, exorta e ensina, dizendo: “Não contristes o Espírito Santo de Deus, no qual fostes marcados para o dia da redenção. Que qualquer amargor, ira, indignação, clamor e blasfêmia sejam extirpados dentre vós”.[ Ef 4,30-31.]

Com efeito, se o cristão se afastou da cólera e da contenda carnal, como de turbilhões do mar, e se, tranquilo e brando, já está no porto do Cristo, também não deve dar acesso, no coração, nem à ira nem à discórdia, uma vez que não lhe é lícito nem pagar o mal com o mal,[ Cf. 1Ts 5,15.] nem odiar.[ Cf 1Jo 3,15.]

A paciência é também necessária para enfrentar os vários incômodos da carne e os frequentes e duros tormentos do corpo, pelos quais o gênero humano é cotidianamente perseguido e sacudido.

Com efeito, como, naquela primeira transgressão do preceito, a força do corpo e a imortalidade se foram e, com a morte, veio a fraqueza – e como a força não pode ser reavida enquanto a imortalidade não for também recuperada –, é necessário, [mesmo] em meio a essa fraqueza e enfermidade corporal, lutar sempre e combater. Luta e combate que só podem ser sustentados pelas forças da paciência.

Para nos examinar e provar, diversos sofrimentos nos são ocasionados, e vasto gênero de tentações nos são infligidas quanto à perda dos bens, aos ardores das febres, às dores das feridas, à perda dos caros.

Nada separa mais os injustos dos justos quanto o fato de que, nas adversidades, o injusto se queixa e blasfema por impaciência, ao passo que o justo é provado na paciência, conforme está escrito: “Aguenta na dor e tem paciência na tua humilhação, porque com o fogo se experimenta o ouro e a prata”.[ Ecl 2,4-5.]

Destarte foi Jó examinado e provado, e, pela virtu de da paciência, elevado ao sumo grau da glória.[ Cf. Jó 1-2.] Quantos dardos do diabo lançados contra ele, quantos sofrimentos acarretados!

A perda do patrimônio lhe é infligida, a privação de uma numerosa prole lhe é imposta. Senhor rico em haveres e pai mais rico em filhos, de repente não é mais nem senhor nem pai. Soma-se [a isso] a devastação das feridas, e ainda a dor devoradora dos vermes consome as articulações definhadas e débeis.

E para que não faltasse absolutamente nada que Jó não experimentasse em suas tentações, o diabo, usando daquele antigo engenho de sua maldade, arma também a esposa, como se pudesse enganar e iludir a todos por meio da mulher, como o fizera no início do mundo.[3Cf. Gn 3,12.]

Jó, contudo, não é abatido pelos pecados e cerrados combates; pelo contrário, com a vitória da paciência, o louvor de Deus é proclamado no meio daquelas [suas] angústias e tribulações.

Da mesma forma Tobias, depois das magníficas obras de sua justiça e misericórdia, tentado pela perda da vista,[ Cf. Tb 2,3-10.] na mesma medida em que suportou pacientemente a cegueira, pelo mérito da paciência se tornou grandemente digno de Deus.[ Cf. Tb 3,5-6.16-17.]

 

12. Os males da impaciência

E para que o bem da paciência brilhe ainda mais, irmãos caríssimos, consideremos, por outro lado, o que a impaciência acarreta de mau. Pois, como a paciência é um bem do Cristo, assim a impaciência é, em oposição, um mal do diabo. E como aquele em quem o Cristo habita e permanece se mostra paciente, do mesmo modo aquele cuja mente é possuída pela maldade do diabo é sempre impaciente. Vejamos [isso], com efeito, no início mesmo.

O diabo sofreu impacientemente com o fato de o homem ter sido feito à imagem de Deus, por isso foi o primeiro que pereceu e que pôs a perder [outros].

Já Adão, impaciente por obter, contra o preceito celestial, o alimento mortífero, incorreu na morte[Cf. Gn 2,16-17; 3,1.6ss.] e não conservou sob a guarda da paciência a graça divina recebida. E Caim, para matar o irmão, bastou ficar impaciente com o seu sacrifício e a sua dádiva.[ Cf. Gn 4,3ss.]

E Esaú desceu [do direito] dos maiores para o dos menores, porque perdeu sua primogenitura pela impaciência de comer da lentilha.[ Cf. Gn 25,29ss.] E por que foi o povo judaico infiel e ingrato para com os benefícios divinos?

Não foi um crime de impaciência aquele pelo qual se afastou de Deus pela primeira vez? Por não poder suportar a demora de Moisés, que conversava com Deus, ousou pedir deuses profanos, a fim de instituir como guias de sua viagem um chefe bovino e uma estátua da terra.[ Cf. Ex 32,1ss.]

E nunca se apartou da mesma impaciência, mas, pelo contrário, sempre impaciente contra a bondade e a admoestação divinas, matou os seus profetas e justos, até que se atirasse por fim à cruz e ao sangue do Senhor.

Também na Igreja a impaciência cria os hereges, e, à semelhança dos judeus, leva os que se rebelam contra a paz e a caridade do Cristo a agressivos e furiosos ódios.

E para que não se torne longo enumerar coisa por coisa, tudo, sem exceção, que a paciência, por suas obras, edifica para a glória, a impaciência destrói para a ruína.

Por isso, irmãos diletíssimos, [uma vez] diligente mente ponderados tanto o bem da paciência quanto o mal da impaciência, abracemos com plena observância a paciência, pela qual permanecemos no Cristo, a fim de que possamos ir com o Cristo para Deus.

A paciência é copiosa e variada, não se encerra em estreitos confins, nem se restringe a acanhados limites. A força da paciência se manifesta ao longe; a sua fertilidade e a sua largueza fluem da fonte de um único nome, mas, transbordando os canais, se difundem por muitos caminhos de glórias; e não pode ser de algum proveito aos nossos atos para a perfeição do louvor, a não ser que daí receba a solidez da perfeição.

É a paciência que nos recomenda e nos conserva para Deus. É ela que modera a ira, refreia a língua, governa a mente, guarda a paz, rege a disciplina; quebra o ímpeto das paixões, reprime a violência do orgulho, apaga o ardor da rivalidade; restringe o poder dos ricos, alivia a indigência dos pobres; conserva nas virgens a integridade ditosa, nas viúvas a custosa castidade, nos que estão unidos e casados o amor indiviso.

A paciência torna humilde na prosperidade, forte nas adversidades, manso em relação às injúrias e às afrontas. Ensina a perdoar prontamente aos pecadores; mas, se és tu, porém, quem pecas, ela ensina a suplicar muito e por muito tempo [o perdão].

Ela combate as tentações, aguenta as perseguições, leva à perfeição os suplícios e os martírios. É ela que sustenta com firmeza os fundamentos da nossa fé; é ela que sublimemente promove o crescimento da esperança.

É ela que dirige a [nossa] ação, a fim de podermos trilhar o caminho do Cristo, na medida em que andamos segundo a sua tolerância; ela faz que perseveremos na filiação divina, enquanto imitamos a paciência do Pai.

 

O que você destaca no texto?

Como ele serve para sua espiritualidade?

Um comentário: