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Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Cipriano de Cartago (210-258)
O
Bem da Paciência – 11-12
11. Exemplos de caridade paciente
O que se requer para
que não jures[Cf. Mt
5,34ss.] e não amaldiçoes?[ Cf. Rm 12,14.] Para que, tendo recebido uma bofetada, apresentes a outra face ao
agressor?[ Cf. Lc
6,29.]
Para que perdoes ao irmão
que peca contra ti, não somente setenta vezes sete,[ Cf. Mt 18,22.] mas todos os pecados sem exceção? Para que ames
os teus inimigos? Para que rezes pelos adversários e perseguidores?[ Cf. Mt 5,44.] Poderás cumprir estas coisas sem que possuas
firmeza de paciência e de tolerância?
Vemos [tudo] isso
praticado por Estêvão, que, ao ser morto pelos Judeus com violência e a
pedradas,[ At
7,58-59.] não pedia vingança para si,
mas o perdão para os assassinos, dizendo: “Senhor, não lhes leves em conta este
pecado”.[ At 7,60.]
Convinha que, assim,
o primeiro mártir do Cristo, que, precedendo os mártires futuros com morte
gloriosa, não apenas seria um arauto da paixão do Senhor, mas também um
imitador de sua pacientíssima brandura.
O que direi da ira,
da discórdia, da inimizade, que não devem existir num cristão?
Haja paciência no
coração, e essas coisas lá não encontrarão lugar; ou se elas tentarem penetrar
[aí], logo sairão expulsas, de modo a que se conserve no coração um domicílio pacífico
onde o Deus da paz se compraza em habitar.
O Apóstolo, por fim,
exorta e ensina, dizendo: “Não contristes o Espírito Santo de Deus, no qual
fostes marcados para o dia da redenção. Que qualquer amargor, ira, indignação,
clamor e blasfêmia sejam extirpados dentre vós”.[ Ef 4,30-31.]
Com efeito, se o cristão
se afastou da cólera e da contenda carnal, como de turbilhões do mar, e se, tranquilo
e brando, já está no porto do Cristo, também não deve dar acesso, no coração, nem
à ira nem à discórdia, uma vez que não lhe é lícito nem pagar o mal com o mal,[ Cf. 1Ts 5,15.] nem odiar.[ Cf 1Jo 3,15.]
A paciência é também
necessária para enfrentar os vários incômodos da carne e os frequentes e duros
tormentos do corpo, pelos quais o gênero humano é cotidianamente perseguido e
sacudido.
Com efeito, como,
naquela primeira transgressão do preceito, a força do corpo e a imortalidade se
foram e, com a morte, veio a fraqueza – e como a força não pode ser reavida
enquanto a imortalidade não for também recuperada –, é necessário, [mesmo] em
meio a essa fraqueza e enfermidade corporal, lutar sempre e combater. Luta e
combate que só podem ser sustentados pelas forças da paciência.
Para nos examinar e
provar, diversos sofrimentos nos são ocasionados, e vasto gênero de tentações
nos são infligidas quanto à perda dos bens, aos ardores das febres, às dores das
feridas, à perda dos caros.
Nada separa mais os
injustos dos justos quanto o fato de que, nas adversidades, o injusto se queixa
e blasfema por impaciência, ao passo que o justo é provado na paciência,
conforme está escrito: “Aguenta na dor e tem paciência na tua humilhação,
porque com o fogo se experimenta o ouro e a prata”.[ Ecl 2,4-5.]
Destarte foi Jó
examinado e provado, e, pela virtu de da paciência, elevado ao sumo grau da
glória.[ Cf. Jó 1-2.] Quantos dardos do diabo lançados contra ele, quantos
sofrimentos acarretados!
A perda do
patrimônio lhe é infligida, a privação de uma numerosa prole lhe é imposta.
Senhor rico em haveres e pai mais rico em filhos, de repente não é mais nem senhor
nem pai. Soma-se [a isso] a devastação das feridas, e ainda a dor devoradora
dos vermes consome as articulações definhadas e débeis.
E para que não
faltasse absolutamente nada que Jó não experimentasse em suas tentações, o
diabo, usando daquele antigo engenho de sua maldade, arma também a esposa, como
se pudesse enganar e iludir a todos por meio da mulher, como o fizera no início
do mundo.[3Cf. Gn
3,12.]
Jó, contudo, não é
abatido pelos pecados e cerrados combates; pelo contrário, com a vitória da
paciência, o louvor de Deus é proclamado no meio daquelas [suas] angústias e tribulações.
Da mesma forma
Tobias, depois das magníficas obras de sua justiça e misericórdia, tentado pela
perda da vista,[ Cf. Tb
2,3-10.] na mesma medida em que suportou pacientemente a cegueira,
pelo mérito da paciência se tornou grandemente digno de Deus.[ Cf. Tb 3,5-6.16-17.]
12. Os males da impaciência
E para que o bem da
paciência brilhe ainda mais, irmãos caríssimos, consideremos, por outro lado, o
que a impaciência acarreta de mau. Pois, como a paciência é um bem do Cristo, assim
a impaciência é, em oposição, um mal do diabo. E como aquele em quem o Cristo
habita e permanece se mostra paciente, do mesmo modo aquele cuja mente é
possuída pela maldade do diabo é sempre impaciente. Vejamos [isso], com efeito,
no início mesmo.
O diabo sofreu
impacientemente com o fato de o homem ter sido feito à imagem de Deus, por isso
foi o primeiro que pereceu e que pôs a perder [outros].
Já Adão, impaciente
por obter, contra o preceito celestial, o alimento mortífero, incorreu na morte[Cf. Gn 2,16-17; 3,1.6ss.] e não conservou sob a guarda da paciência a
graça divina recebida. E Caim, para matar o irmão, bastou ficar impaciente com
o seu sacrifício e a sua dádiva.[ Cf. Gn 4,3ss.]
E Esaú desceu [do
direito] dos maiores para o dos menores, porque perdeu sua primogenitura pela
impaciência de comer da lentilha.[ Cf. Gn 25,29ss.] E por que foi o povo judaico infiel e ingrato para com os
benefícios divinos?
Não foi um crime de
impaciência aquele pelo qual se afastou de Deus pela primeira vez? Por não
poder suportar a demora de Moisés, que conversava com Deus, ousou pedir deuses
profanos, a fim de instituir como guias de sua viagem um chefe bovino e uma
estátua da terra.[ Cf. Ex
32,1ss.]
E nunca se apartou
da mesma impaciência, mas, pelo contrário, sempre impaciente contra a bondade e
a admoestação divinas, matou os seus profetas e justos, até que se atirasse por
fim à cruz e ao sangue do Senhor.
Também na Igreja a
impaciência cria os hereges, e, à semelhança dos judeus, leva os que se rebelam
contra a paz e a caridade do Cristo a agressivos e furiosos ódios.
E para que não se
torne longo enumerar coisa por coisa, tudo, sem exceção, que a paciência, por
suas obras, edifica para a glória, a impaciência destrói para a ruína.
Por isso, irmãos
diletíssimos, [uma vez] diligente mente ponderados tanto o bem da paciência
quanto o mal da impaciência, abracemos com plena observância a paciência, pela
qual permanecemos no Cristo, a fim de que possamos ir com o Cristo para Deus.
A paciência é
copiosa e variada, não se encerra em estreitos confins, nem se restringe a
acanhados limites. A força da paciência se manifesta ao longe; a sua
fertilidade e a sua largueza fluem da fonte de um único nome, mas,
transbordando os canais, se difundem por muitos caminhos de glórias; e não pode
ser de algum proveito aos nossos atos para a perfeição do louvor, a não ser que
daí receba a solidez da perfeição.
É a paciência que
nos recomenda e nos conserva para Deus. É ela que modera a ira, refreia a
língua, governa a mente, guarda a paz, rege a disciplina; quebra o ímpeto das paixões,
reprime a violência do orgulho, apaga o ardor da rivalidade; restringe o poder dos
ricos, alivia a indigência dos pobres; conserva nas virgens a integridade
ditosa, nas viúvas a custosa castidade, nos que estão unidos e casados o amor
indiviso.
A paciência torna
humilde na prosperidade, forte nas adversidades, manso em relação às injúrias e
às afrontas. Ensina a perdoar prontamente aos pecadores; mas, se és tu, porém,
quem pecas, ela ensina a suplicar muito e por muito tempo [o perdão].
Ela combate as
tentações, aguenta as perseguições, leva à perfeição os suplícios e os martírios.
É ela que sustenta com firmeza os fundamentos da nossa fé; é ela que sublimemente
promove o crescimento da esperança.
É ela que dirige a
[nossa] ação, a fim de podermos trilhar o caminho do Cristo, na medida em que
andamos segundo a sua tolerância; ela faz que perseveremos na filiação divina,
enquanto imitamos a paciência do Pai.
O que você destaca no texto?
Como ele serve para sua espiritualidade?
Que texto providencial!
ResponderExcluirDeus abençoando seu povo.