Divisão do Tratado
O Tratado está dividido em 12
livros.
O
livro I começa autobiografia. Refere-se às heresias e apresenta um plano geral
do trabalho.
O
livro II é um resumo da doutrina da Trindade.
O
livro III trata do mistério da distinção e unidade do Pai e do Filho.
No
livro IV o autor apresenta a carta de Ário a Alexandre de Alexandria e
demonstra a divindade de Filho a partir de citações tiradas do Antigo
Testamento.
O
livro V também cita o Antigo Testamento para demonstrar a divindade do Filho,
que não é um outro Deus ao lado do Pai.
O
livro VI refere-se novamente à carta de Ário e argumenta a partir do Novo
Testamento.
Capítulo 20.
1.
E em seguida, para que, devido às
palavras dá a vida a quem quer, não parecesse possuir a natureza pela natividade e seu
poder não parecesse ser o daquele que nasceu do Pai, imediatamente acrescenta: Porque o Pai a ninguém julga, mas entregou ao Filho todo
o julgamento (Jo 5,22).
2.
Pelo fato de ter-lhe sido entregue todo
julgamento, se demonstra tanto a natureza como o nascimento, porque ter tudo
somente pode a natureza não diferente da do Pai. Por outro lado, o que é
nascido não pode ter algo, a menos que lhe seja dado.
3.
Mas todo julgamento lhe foi dado,
porque dá a vida a quem quer. Não se pode pensar ter sido o julgamento retirado
do Pai porque Ele não julga, porque o poder de julgar do Filho provém do poder
de julgar do Pai, por quem foi dado todo o julgamento.
4.
A causa pela qual foi dado o julgamento
não está velada, pois seguese: entregou
ao Filho todo o julgamento, a fim de que todos honrem o Filho como honram o
Pai. Quem não honra o Filho, não honra o Pai que o enviou (Jo 5,22-23).
5.
Que possibilidade existe, ainda, de
suspeita, ou que motivo para a impiedade ainda pode haver? O Pai não julga ninguém, mas entregou ao Filho todo o
julgamento.
6.
A razão para entregar o julgamento
consiste em ter o Filho honra igual à do Pai.
7.
Logo, quem desonra o Filho, desonra
também o Pai. Como se pode, depois disso, entender que haja uma natureza
diferente no que nasceu, quando não apenas as obras, a virtude, a honra, mas
também a desonra, quando lhe negam a honra, são iguais?
8.
A resposta divina não se refere a outra
coisa senão ao mistério do nascimento divino, e não se deve distinguir o Filho
do Pai, a não ser ensinando que nasceu, mas que não tem uma natureza diferente.
Capítulo 21.
9.
O Pai trabalha até agora e também o
Filho trabalha. Tens os nomes que indicam a natureza, quando o Pai trabalha e o
Filho trabalha.
10. Entende também a natureza operante de Deus, pela qual Deus
opera. E para que, talvez, não julgues dever entender duas operações de
natureza dessemelhante, lembra-te do que foi dito a respeito do cego: para que se manifestem nele as obras de Deus, devo
realizar as obras daquele que me enviou (Jo 9,3).
11. Porque é o Filho quem opera, é obra do Pai, e a obra do
Filho é obra de Deus. A palavra seguinte é ainda sobre as obras. Até agora a
minha resposta nada esclareceu, a não ser que toda a obra se refere a ambos.
12. A natureza de ambos não se diferencia no operar, visto que o
Pai opera, e também o Filho opera. Para que não se pense que o Senhor do sábado
trabalha no sábado (pois o Filho
do Homem é senhor do sábado – Lc
6,5), saiba-se que, pela natureza da natividade, sua obra tinha em si a autoridade
paterna.
13. Por conseguinte, não se confunde nem é abolida a natureza,
de forma a não ser o Filho. Também não se exclui a natureza, de forma a não ser
Deus; nem se distinguem pela diversidade, de forma a não serem Um; e o fato de
serem Um não significa que não sejam um e outro.
14. Em primeiro lugar, reconhece o Filho, quando diz: O Filho, por si mesmo, nada pode fazer, mas só aquilo
que vê o Pai fazer (Jo 5,19). Tens a
natividade do Filho, que, por si mesmo, nada pode fazer, a não ser que veja o
Pai fazer.
15. Dizendo que nada poder fazer por si mesmo, afasta o erro dos
que professam sua inascibilidade, pois o que nasceu não pode operar por si
mesmo.
16. Mas, porque vê, revela o conhecimento da natureza consciente
de si mesma. Reconhece agora a verdadeira natureza de Deus nele: Tudo o que o Pai faz, o mesmo também o Filho faz de
modo semelhante (Jo 5,19).
17. Depois do poder da natureza, entende o poder da unidade
indiferenciável: a fim de que todos honrem o
Filho assim como honram o Pai que o enviou (Jo
5,23).
18. E para que a unidade da natureza não se confunda com a unidade
de um solitário, aprende pelo mistério da fé: Quem
não honra o Filho, não honra o Pai que o enviou. Fechados estão todos os caminhos para os estratagemas do furor
herético.
19. É Filho, porque por si mesmo nada pode fazer; é Deus, porque
faz tudo e o mesmo que o Pai faz. São Um, porque se igualam na honra.
20. O Filho faz o mesmo que o Pai e não outra coisa. Ele não é o
mesmo que o Pai, porque foi enviado.
21. Somente o nascimento tem este mistério, já que nele se
contêm o nome, a natureza, o poder e a confissão, porque tudo o que nasce não
pode deixar de ter em si a natureza daquele princípio de onde nasceu.
22. Não recebe de algo exterior a substância, porque vindo do
que é Um, não subsiste como diferente.
23. Tudo o que não é alheio a si mesmo é Um na natureza e o que
é Um pelo nascimento não é compatível com a solidão, porque a solidão é própria
de um sozinho, e a unidade da natividade se refere aos dois.
Capítulo 22.
24. Além disso, apresenta-se o testemunho da sentença de Deus
sobre si mesmo: Minhas ovelhas escutam minha
voz, e eu as conheço, e elas me seguem; eu lhes dou a vida eterna, e elas
jamais perecerão e ninguém as arrebatará de minha mão. O que o Pai me deu, é
maior que tudo. Ninguém o poderá arrebatar da mão de meu Pai. Eu e o Pai somos
Um (Jo 10,27-30).
25. Quem, indago, quer embotar nossa inteligência pelo rudeestupor
da mente, de sorte que não entre em nosso entendimento o que foi dito de modo tão
claro? Ou que orgulho de espírito tão insolente ilude a fraqueza humana, para
que os que aderem ao conhecimento de Deus julguem, por estas palavras, que não
deve ser entendido pelos meios pelos quais é conhecido? Devem ser apresentados
outros Evangelhos para nos ensinar? Se somente estes Evangelhos ensinaram sobre
Deus, por que não cremos no que ensinaram? Se somente deles vem o conhecimento,
por que de onde vem conhecimento não vem também a fé?
26. Quando se descobre que a fé se opõe ao conhecimento, esta fé
já não vem do conhecimento, mas sim do crime de assumir para si a fé contrária
ao conhecimento confessado.
27. O Deus Unigênito, consciente de sua natureza, indica, com a
maior clareza possível, o inenarrável mistério da própria natividade, para a
confissão da nossa fé.
28. Deve-se entender que Ele existe na natureza de Deus e que,
sendo Um com o Pai e confessando-se tal, não pode ser pensado como solitário.
Também não se pode pensar que Ele seja o próprio Pai, perdendo assim sua condição
de Filho.
29. Afirma, em primeiro lugar, o poder da natureza, quando diz a
respeito de suas ovelhas: Ninguém
as arrebatará de minha mão (Jo 10,28). É a
palavra de quem, consciente de sua autoridade, proclama a liberdade de um poder
inabalável, pelo fato de ninguém arrebatar as ovelhas de sua mão.
30. Porque a sua natureza deve ser entendida como vinda de Deus,
acrescenta: O que o Pai me deu é maior do
que tudo (Jo 10,29).
31. Não esconde ter nascido do Pai, porque o que recebeu do Pai
é maior do que tudo. O que recebeu, possui o que recebe por ter nascido, não
depois. No entanto, vem de outro, porque recebe de outro. Para que não se pense
que Aquele que recebe é diferente por natureza daquele de quem recebe, diz: Ninguém o arrebatará da mão de meu Pai.
32. De sua mão ninguém arrebata, porque recebe do Pai o que é
maior do que tudo. Que quer dizer uma declaração tão diferente: que ninguém
arrebata da mão de seu Pai?
33. A mão é do Filho, que recebe do Pai, e é também a mão do
Pai, que deu ao Filho. Como não se arrebata da mão do Filho aquilo que não se
arrebata da mão do Pai?
34. Se perguntas como, entende: Eu e o Pai somos Um (Jo 10,30).
A mão do Filho é a mão do Pai. A
natureza não degenera pela natividade, de forma a não ser a mesma, e o fato de
ser a mesma não prejudica a idéia da natividade, porque a natividade não admite
em si nada de alheio.
35. Pela referência ao que é corpóreo, poderás conhecer o poder
da mesma natureza, lembrando-te de que a mão do Filho é a mão do Pai, porque a
natureza e o poder do Pai estão no Filho.
36. Finalmente, para que reconheças, pelo mistério da
natividade, a verdade da unidade da natureza, foi dito: Eu e o Pai somos Um.
37. Porque são Um, não se pense que há distinção de natureza nem
que se trata de um ser solitário, pois é próprio do nascimento e da geração não
haver uma natureza diferente no que gera e no que é gerado.
Capítulo 23.
38. Permanece, enquanto se pode entender, a vontade das mentes
perversas, embora não produza mais seu efeito.
39. O espírito maldoso, mesmo que falte a ocasião de fazer o
mal, não abandona o desejo maligno.
40. Agora que o Senhor já está nos céus, o furor dos hereges não
pode, a exemplo dos judeus, pregá-lo na cruz; no entanto, com igual infidelidade,
negam ser Ele o que é. Já que não podem negar as palavras sem obedecer ao
sentido do que foi dito, põem em prática o ódio proveniente da impiedade.
41. Lançam as pedras das palavras e, se pudessem, tornariam a
arrastá-lo do trono para a cruz.
42. Sobre os judeus, enfurecidos por causa da novidade desta sua
palavra, assim está escrito: Os
judeus outra vez apanharam pedras para lapidá-lo. Jesus então lhes disse: “Eu
vos mostrei inúmeras boas obras, vindo do Pai; por qual delas quereis
lapidar-me?” Os judeus lhe responderam: “Não te lapidamos por causa de uma boa
obra, mas por blasfêmia; porque, sendo apenas homem, tu te fazes Deus” (Jo 10,31-33).
43. E tu, ó herege, reconhece o que fazes e confessas, reconhece
que és cúmplice daqueles cujo exemplo de perfídia repetes. Quando foi dito: Eu e o Pai somos Um,
os judeus pegaram em pedras e, não suportando seu ímpio ressentimento o
mistério da fé salutar, ergueram-se com ímpeto para dar-lhe morte.
44. Tu, ao negá-lo, mesmo não tendo pedras, pensas que fazes
menos? Não é diferente a vontade, mas o trono celeste tornou ineficaz a tua vontade.
45. Quão mais irreligioso és tu do que o judeu! Este lança
pedras no corpo; tu, no Espírito; este, no que julgava homem; tu, em Deus;
este, no que iria morrer; tu, no Juiz dos séculos.
46. O judeu diz: Sendo
um homem; tu dizes: Sendo criatura. Ambos,
porém, dizeis: tu te fazes Deus; esta é a comum injúria proferida contra Ele por vossa
ímpia boca.
47. Negas que seja Deus gerado por Deus, que seja Filho pela
verdade da natividade. Negas que eu
e o Pai somos Um seja a confissão de que nos dois há uma
única e semelhante natureza.
48. Supões um Deus de uma nova substância, exterior e alheia, de
modo que ou Ele é um Deus de outro gênero, ou absolutamente não é Deus, porque
não subsiste pela natividade, vindo de Deus.
O que você destaca no texto?
Como ele serve para sua
espiritualidade?