Divisão do Tratado
O
Tratado está dividido em 12 livros.
O livro I começa autobiografia.
Refere-se às heresias e apresenta um plano geral do trabalho.
O livro II é um resumo da
doutrina da Trindade.
O livro III trata do mistério da
distinção e unidade do Pai e do Filho.
No livro IV o autor apresenta a
carta de Ário a Alexandre de Alexandria e demonstra a divindade de Filho a
partir de citações tiradas do Antigo Testamento.
O livro V também cita o Antigo
Testamento para demonstrar a divindade do Filho, que não é um outro Deus ao
lado do Pai.
O livro VI refere-se novamente à
carta de Ário e argumenta a partir do Novo Testamento.
Capítulo 14.
1.
Pergunto, em primeiro lugar: que
novidade poderia o nascimento do Filho trazer à natureza, de modo a não ser
Deus?
2.
A inteligência humana não aceita que
algo, ao nascer, seja diverso da natureza de sua origem, a não ser que,
concebido de naturezas diversas, venha à luz algo de novo em si mesmo (e se
fosse assim, participaria de ambos os gêneros e não seria nem de um nem de
outro), como acontece com o gado e os outros animais.
3.
A novidade aí não existe, senão porque
as propriedades de diversas naturezas se unem, e o que nasce não é causa da
diversidade quando recebe em si as propriedades características de ambos.
4.
Se para as causas materiais e paixões
assim é, indago então: quem é tão louco que pense referir a natividade do
Unigênito a uma natureza degenerada de Deus, quando o nascimento só se produz a
partir do que é próprio da natureza daquele que gera?
5.
Pois, se esta propriedade da natureza
não existir naquele que nasce, já não haverá natividade.
6.
Daí se origina todo aquele furor e
indignação, para que não haja a natividade do Filho de Deus, mas apenas
criação, para que Ele não possua a origem subsistente de sua natureza, mas
receba do que não existe uma origem alheia a Deus.
7.
De acordo com o dito: O que nasce da carne é carne e o que nasce do
Espírito é espírito (Jo 3,6), porque Deus é Espírito, sem
nenhuma dúvida, o que nasce não é diferente daquele do qual nasceu.
8.
A natividade de Deus faz, do que
nasceu, perfeito Deus, para que se entenda ter Deus nascido e não começado,
porque começar pode não ser o mesmo que nascer.
9.
Tudo o que começou existe, ou do nada,
para que seja algo novo, ou de um que passa de uma coisa a outra deixando de
ser o que era antes, como o ouro vem da terra, os líquidos dos sólidos, os
ferventes dos frios, o vermelho do alvo, os animais da água, os seres vivos dos
inanimados.
10. O Filho de Deus não começou a ser Deus vindo do nada, mas
nasceu e não foi algo diferente, antes de ser Deus.
11. Aquele que nasceu como Deus não começou a ser Deus, nem
passou a ser Deus. O que nasceu tem a natureza do que o gerou, e o Filho de
Deus não subsiste senão do ser de Deus.
Capítulo 15.
12. Se alguém ainda tem dúvida, aprenda dos Judeus a força da
natureza, ou melhor, conheça pelo Evangelho a verdade da natividade pelo que
está escrito: Por isso os judeus, com mais
empenho, procuravam matá-lo, pois, além de violar o sábado, dizia ser Deus seu
Pai, fazendo-se igual a Deus (Jo
5,18).
13. Agora, ao contrário do que costuma acontecer, a palavra dos
judeus não é citada literalmente. Trata-se, antes, de uma explicação do
evangelista, demonstrando o motivo pelo qual os judeus queriam matar o Senhor.
14. Pela impiedade dos blasfemos, frustra-se a tentativa de
desculpa baseada no mau entendimento. Pela autoridade do Apóstolo, com a
indicação da natividade, demonstra-se a propriedade da natureza: dizia ser Deus seu Pai, fazendo-se igual a Deus.
15. Não será acaso uma natividade conforme a natureza, quando
pelo nome de Pai se demonstra a igualdade da natureza?
16. Pois não há dúvida de que, na igualdade, nada é diferente.
Quem duvidará de que a natividade provenha de uma natureza não diferente?
17. Somente daí pode proceder a igualdade verdadeira, porque
somente a natividade pode dar a igualdade de natureza.
18. Sabe-se, porém, que não há igualdade onde há unicidade. Ela
não se encontra também onde há diferença.
19. Assim, a igualdade da semelhança não acarreta a solidão nem a
diversidade, porque toda igualdade verdadeira não pode ser nem diferente, nem
isolada.
Capítulo 16.
20. Embora as considerações de nossa inteligência coincidam com
a opinião do senso comum humano, isto é, que a natividade representa a
igualdade e onde há igualdade, não pode haver algo de estranho nem de
solitário, devemos confirmar, por estes mesmos ditos do Senhor, a fidelidade de
nossa palavra, para que a temeridade em contradizer, em nome da liberdade que
se tem de entender os nomes de modo diferente, não ouse ir de encontro aos
testemunhos e declarações divinas sobre si mesma.
21. Pois responde o Senhor: O
Filho, por si mesmo, nada pode fazer, mas só aquilo que vê o Pai fazer; tudo o
que o Pai faz, o Filho o faz igualmente. Porque o Pai ama o Filho e lhe revela
tudo o que faz e lhe manifestará obras maiores do que estas para que vos
admireis. Como o Pai ressuscita os mortos e os faz viver, também o Filho dá a
vida a quem quer. Porque o Pai a ninguém julga, mas confiou ao Filho todo o
julgamento, a fim de que todos honrem o Filho, como honram o Pai. Quem não
honra o Filho, não honra o Pai que o enviou (Jo
5,19-23).
22. O plano proposto exigia que tratássemos todos os aspectos de
cada questão, para que aprendêssemos que nosso Senhor Jesus Cristo, Filho de
Deus, é Deus, pelo nome, nascimento, natureza, poder, testemunho, percorrendo
nossa demonstração cada etapa deste plano.
23. Mas a natureza do nascimento não comporta esta demonstração,
porque, sozinha, abrange o nome, a natureza, o poder e o testemunho. Sem estes,
não haverá nascimento, pois, ao nascer, deve conter tudo isto.
24. Portanto, tendo de tratar do nascimento, vemo-nos diante da
necessidade acima lembrada, de alterar a ordem do tratado.
Capítulo 17.
25. Respondendo o Senhor aos judeus que queriam matá-lo, porque,
dizendo ser Deus seu Pai, fazia-se igual a Deus, expôs todo o mistério de nossa
fé, enquanto contradizia aviolência deles.
26. Antes, ao ser acusado de ter violado o Sábado, quando curou
o paralítico, tornando-se, por isso, réu de morte, tinha dito: Meu Pai trabalha até agora e eu também trabalho (Jo 5,17), para que se entendesse que agia com base na
autoridade daquele que lhe servia de exemplo.
27. Mostrou também que o que Ele fazia devia ser tido como obra
do Pai, pois era o Pai quem agia.
28. Contra a inveja dos que o acusavam de se fazer igual ao Pai,
chamando-o de Pai, disse: O Filho
por si mesmo nada pode fazer, mas só aquilo que vê o Pai fazer (Jo 5,19).
29. Para que esta equiparação a Deus, pelo nome e natureza, não
destruísse a fé no nascimento, disse que o Filho nada pode fazer por si mesmo,
mas só aquilo que vê o Pai fazer.
30. E para que se mantivesse a ordem salutar de nossa confissão
do Pai e do Filho, mostrou a natureza que lhe corresponde pelo nascimento, pelo
qual não recebe o poder de agir por um acréscimo de forças concedidas para cada
ação, mas sim em virtude do conhecimento.
31. Não lhe vem o exemplo de alguma obra material, de modo que
primeiro o Pai fizesse o que depois o Filho iria fazer, mas, subsistindo a
natureza de Deus na natureza de Deus, isto é, tendo, como Filho, nascido do
Pai, pela consciência de ter em si o poder e a natureza paterna, afirmou que o
Filho nada pode fazer por si mesmo, mas somente o que vê o Pai fazer.
32. Sendo o Deus Unigênito, atua com a força da divina operação
paterna e propõe-se a fazer tudo aquilo que sabe poder fazer a natureza de Deus
Pai, de quem é inseparável.
33. Esta natureza, Ele a possui pelo nascimento. Pois não se vê
a Deus de modo corporal, mas pertence ao poder da natureza divina ver todas as
coisas.
Capítulo 18.
34. Por fim, acrescenta: tudo
o que o Pai faz, o mesmo também o Filho faz de modo semelhante (Jo 5,19). De
modo semelhante indica o nascimento; tudo e o mesmo são ditos
para mostrar a verdade da natureza.
35. Em tudo e o mesmo não pode haver diversidade nem diferença quantitativa. Assim,
tem a mesma natureza aquele que pode fazer, por sua própria natureza, o que é
próprio da natureza do outro.
36. Quando as mesmas coisas são feitas pelo Filho de modo
semelhante, está afastada a solidão do que age, porque tudo o que o Pai faz, o
Filho também fará o mesmo, de modo semelhante.
37. É esta a compreensão do verdadeiro nascimento e do mistério
de nossa fé, que, na unidade da natureza divina, confessa a verdade de uma só e
igual divindade no Pai e no Filho, de modo que, fazendo as mesmas coisas, o Filho
as faz de modo semelhante e fazendo-as de modo semelhante, faz as mesmas coisas
que o Pai.
38. Uma única afirmação mostra que as coisas feitas de modo
semelhante atestam o nascimento; fazer as mesmas coisas atesta a natureza
divina.
Capítulo 19.
39. A resposta do Senhor confirma o conteúdo da fé eclesiástica,
não distinguindo a natureza e significando a natividade, porque assim continua:
o Pai ama o Filho e lhe revela
tudo o que faz e lhe manifestará obras maiores do que estas, para que vos
admireis. Como o Pai ressuscita os mortos e os faz viver, também o Filho dá a
vida a quem quer (Jo 5,20-21).
40. Acaso a manifestação das obras apresenta-nos aqui algo
diferente do nascimento, para que creiamos no Filho subsistente, que procede do
Deus Pai subsistente?
41. A não ser que se deva crer que o Deus Unigênito precise,
devido a sua ignorância, da demonstração da doutrina! Não se pode admitir tal
temeridade deste ímpio modo de julgar. Pois não precisa ser ensinado quem já
sabe o que deve ser ensinado.
42. Após ter dito: O
Pai ama o Filho e lhe revela tudo o que faz;
para mostrar que esta revelação do Pai é nossa doutrina de fé, para que
confessemos o Pai e o Filho e para que não se possa pensar que haja alguma
ignorância no Filho, a quem o Pai revela todas as coisas que faz, logo
acrescenta: E lhe manifestará obras maiores,
para que vos admireis. Pois assim como o Pai ressuscita os mortos e os faz
viver, também o Filho dá a vida a quem quer.
43. O Filho não desconhece a revelação das obras futuras, que
devem ser dadas a conhecer a Ele para que dê vida aos mortos, a exemplo da
natureza do Pai. O que o Pai vai mostrar ao Filho causará admiração.
44. Em seguida ensina quais serão estas coisas: assim como o Pai ressuscita os mortos e os faz viver,
também o Filho dá a vida a quem quer.
45. O poder de ambos é o mesmo, por causa da unidade da natureza
indiferenciada. As obras não se manifestam para instruir o Filho ignorante, mas
para a nossa fé, porque não levam ao Filho o conhecimento de coisas ignoradas,
mas trazem a nós o conhecimento de sua natividade e a confirmam, ao mostrar que
a Ele foi revelado tudo o que pode fazer.
46. A palavra divina faz uso de moderação, para que não aconteça
que, por causa de uma ambigüidade, se pense que indica diversidade de natureza.
47. Diz que as obras do Pai foram mostradas ao Filho, mas não
que o poder da natureza divina lhe tenha sido dado para poder fazê-las.
Ensina-se, assim, que a manifestação das obras pertence à essência do que
nasce, pertence Àquele que, pelo amor do Pai, possui o conhecimento das obras que
o Pai deseja que sejam realizadas por Ele.
48. Além disso, para que, pela confissão das obras do Pai, não
se acreditasse haver no Filho uma natureza distinta e ignorante, diz que não
desconhece o que lhe deve ser mostrado.
49. Tanto não tem necessidade de um modelo para agir, que vai
dar à vida a quem quer, e o querer pertence à natureza livre, que possui a
vontade do seu livre-arbítrio para obter a felicidade do seu perfeito poder.
O que você destaca no texto?
Como ele serve para sua
espiritualidade?
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