sábado, 22 de outubro de 2022

217 - Hilário de Poitiers (315-368) - O Tratado da Santíssima Trindade - Livro Sétimo (Capítulos 7 - 13)

 


217

Hilário de Poitiers (315-368)
O Tratado da Santíssima Trindade
Livro Sétimo (Capítulos 7 - 13)


 


Divisão do Tratado

O Tratado está dividido em 12 livros.

O livro I começa autobiografia. Refere-se às heresias e apresenta um plano geral do trabalho.

O livro II é um resumo da doutrina da Trindade.

O livro III trata do mistério da distinção e unidade do Pai e do Filho.

No livro IV o autor apresenta a carta de Ário a Alexandre de Alexandria e demonstra a divindade de Filho a partir de citações tiradas do Antigo Testamento.

O livro V também cita o Antigo Testamento para demonstrar a divindade do Filho, que não é um outro Deus ao lado do Pai.

O livro VI refere-se novamente à carta de Ário e argumenta a partir do Novo Testamento.

O livro VII demonstra, também a partir do testemunho da Escritura, que o Pai e o Filho são um só Deus porque têm a mesma natureza.

 

Capítulo 7.

1.     Pela vitória de nossa fé, Ébion (que é o mesmo que Fotino) vence e é vencido, enquanto censura Sabélio por negar ser Homem o Filho de Deus, enquanto é rebatido pelos ariomanitas, porque, no Homem, não vê o Filho de Deus.

2.     Contra Sabélio, se defende com os Evangelhos que falam do filho de Maria; os Evangelhos não estão a favor de Ário, porque não falam só do filho de Maria.

3.     Opondo-se a Sabélio, que nega o Filho, Fotino aceita um homem como Filho. Como desconhece a existência do Filho antes dos séculos, Ário nega, em oposição a ele, que o Filho proceda simplesmente dos homens.

4.     Vençam como quiserem, porque vencendo-se mutuamente, são mutuamente vencidos.

5.     Enquanto estes que agora existem (os arianos) são refutados pelo que diz respeito à natureza de Deus, Sabélio é repelido pelo mistério do Filho, e Fotino é censurado por ignorar ou negar o Filho de Deus, nascido antes dos séculos.

6.     Em meio a tudo isso, a fé da Igreja, pela doutrina fundada nos Evangelhos e nos Apóstolos, mantém, contra Sabélio, a confissão do Filho, contra Ário, a natureza de Deus e contra Fotino, o Criador dos séculos; e isto com tanto maior verdade, quanto estas coisas não são negadas por eles em cada caso.

7.     A natureza de Deus é pregada por Sabélio, por causa das obras, mas ele não conhece o Filho que opera.

8.     Os outros falam do Filho, mas não confessam haver nele a verdadeira natureza de Deus.

9.     Fotino, por sua vez, aceita o homem, mas neste homem aceito ignora a natividade de Deus antes dos séculos. Com isto, por suas defesas e condenações, mostram a verdade de nossa fé, que defende ou condena o que está ou não de acordo com esta mesma fé.

 

Capítulo 8.

10.  Se alguma coisa foi por mim demonstrada, não o foi pelo desejo de atingir a totalidade, mas por motivo de cautela.

11. Em primeiro lugar, para que se soubesse que tudo o que vem dos hereges é incerto e que eles só conhecem idéias errôneas. Quando não concordam entre eles, é em nosso favor.

12. Em seguida, quis opor-me às blasfêmias de suas declarações, afirmando o Deus Pai e o Filho de Deus que é Deus, para que ninguém pense que, professando a Deus Pai e Deus Filho, tenha eu caído no erro de professar dois deuses ou, ao contrário, que professe um Deus solitário.

13. Ao opor-me às blasfêmias daqueles que aí estão (isto é, os arianos) confesso a Deus Pai e Deus Filho, que têm o mesmo nome e natureza na única divindade, pois não se pode reconhecer uma só pessoa ao confessar o Pai e o Filho, e a demonstração de sua natureza indiferenciada não significa diversidade de deuses.

14. Agora, porque no livro anterior já foi dada a resposta, segundo o Evangelho, aos que negam que o Filho de Deus procede de Deus pela natividade, devemos demonstrar que é verdadeiramente Filho de Deus por natureza e é verdadeiro Deus, para que nossa fé não seja corrompida pela confissão de um Deus isolado ou pela confissão de um outro Deus.

15. A fé não prega um Deus único, solitário, nem um Deus não solitário que não seja único.

 

Capítulo 9.

16. Conhecemos Nosso Senhor Jesus Cristo como Deus por estes modos: nome, natividade, natureza, poder, testemunho.

17. Quanto ao nome, penso não haver ambigüidade, pois lemos: No princípio era o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus e o Verbo era Deus (Jo 1,1). Por que a má-fé insiste em dizer que Ele não é tal como é chamado? Acaso o nome não é indicação da natureza? E porque toda contradição tem uma causa, pergunto aqui pela causa de se negar a Deus, pois a designação é simples e não há suspeita de ser um nome alheio acrescentado.

18. O Verbo que se fez carne não é outro, senão Deus. Não resta nenhuma suspeita de que seja um nome atribuído ou adotado, de modo a se pensar que Ele tenha outro nome por natureza, senão o nome de Deus.

 

Capítulo 10.

19. Considera as outras denominações, tanto dadas como assumidas. Foi dito a Moisés: Eu te constituí deus para o Faraó (Ex 7,1). Não estará indicada a causa da denominação, quando se diz para o Faraó? Acaso lhe foi acrescentada a natureza de Deus, ou não foi, antes, para encher de terror os egípcios, quando a serpente de Moisés devorou as serpentes mágicas, voltando logo a ser vara, quando tirou as moscas que havia feito aparecer com grandíssimo poder, quando fez parar o granizo que fizera chover, quando nas suas obras os magos confessam estar o dedo de Deus (cf. Ex 7,12; 8,31; 9,33; 10,19; 8,19)?

20. Moisés foi dado ao Faraó como deus, ao ser temido, ao orar, ao punir, ao curar. Mas uma coisa é ser tido por deus, outra, ser Deus.

21. Foi dito deus para o Faraó; não lhe pertencem nem a natureza nem o nome, para que seja Deus.

22. Lembro-me também de outra designação, quando se diz: Eu disse: sois deuses (Sl 81,6), mas aí trata-se de nome de condescendência.

23. E onde se diz: eu disse, é antes a palavra do que fala, e não o próprio nome do ser; porque o nome do ser indica seu sentido, enquanto a atribuição voluntária do nome vem de outro.

24. Quando o autor é indicado com o mesmo nome atribuído ao outro, podemos ver que se trata somente de uma maneira de falar e não do nome que corresponde à natureza do que é nomeado.

 

Capítulo 11.

25. Aqui, no entanto, o Verbo é Deus; o ser existente, no Verbo, o ser do Verbo é enunciado pelo nome.

26. A designação de Verbo como Filho de Deus lhe pertence pelo mistério da natividade, assim como também o nome de Sabedoria e Poder.

27. Estas realidades, que existem no Deus Filho pela subsistência da verdadeira natividade, não faltam a Deus Pai como próprias, embora, vindo dele, nasçam para ser Deus.

28. Com freqüência já dissemos não haver divisão no mistério do Filho, mas nascimento. Não houve separação imperfeita, mas geração perfeita, porque a natividade não traz detrimento ao que gera, embora traga proveito ao que nasce.

29. Por isso, tais cognomes são bem adequados ao Deus Unigênito, porque o constituem como pessoa subsistente pelo fato de seu nascimento; contudo, estão no Pai em virtude da natureza imutável.

30. O Deus Unigênito é o Verbo, mas o Pai inascível absolutamente não existe sem o Verbo, não que o Filho seja emissão de voz, mas, sim, Deus vindo de Deus, subsistente pela verdade do nascimento, como é próprio do Pai por ter a mesma natureza do Pai.

31. É designado pela palavra Verbo para indicar que vem do Pai como Filho próprio do Pai por ter a mesma natureza do Pai, inseparável dele.

32. Cristo é a Sabedoria e a Força de Deus, mas isto não deve ser entendido como se fosse o poder interno ou o impulso eficaz da mente.

33. Sua natureza, que possui, em virtude do nascimento, uma substância real, é indicada com os nomes destas faculdades internas.

34. Aquele que tem por nascimento uma subsistência própria não pode ser considerado como algo interior a outro.

35. Para que não se pense que o Filho Unigênito, nascido de Deus Pai, para ser uma pessoa divina subsistente, seja alheio à natureza do Pai, foi mostrado como subsistente por meio das propriedades que não faltam naquele de quem recebeu a existência.

36. Portanto, aquele que é Deus não é outra coisa senão Deus. Quando ouço: E o Verbo era Deus, não apenas ouço ser o Verbo chamado Deus, mas com preendo estar demonstrado ser realmente Deus.

37. Moisés foi cognominado deus e também outros foram cognominados deuses, porque esse nome lhes foi acrescentado. Aqui, porém, quando se diz era Deus, o que é significado pertence à substância, porque ser não é nome do acidente, mas da realidade subsistente, do ser permanente, e propriedade que corresponde à natureza.

 

Capítulo 12.

38. E vejamos se concorda com esta pregação do Evangelho a confissão do Apóstolo Tomé, quando diz: Meu Senhor e meu Deus (Jo 20,28).

39. É seu Deus aquele a quem confessa ser Deus. Ele certamente não ignorava ter sido dito pelo Senhor: Ouve, Israel, o Senhor teu Deus é um só (Dt 6,4). Como a fé do Apóstolo não se lembraria do principal mandamento, ao confessar Cristo Deus, se a vida está na confissão do único Deus?

40. Mas o Apóstolo, compreendendo todo o mistério da fé, pela força da ressurreição, tendo ouvido com freqüência: Eu e o Pai somos Um; e: Tudo o que é de meu Pai, é meu; e: Eu estou no Pai, e o Pai está em mim (Jo 10,50; 16,15; 14,11), já sem perigo para a fé, confessou o nome da natureza porque, pela confissão do Filho de Deus como Deus, sua fé não desapareceria pela confissão de outro Deus, visto que só se crê no Filho de Deus por causa da verdade da natureza paterna.

41. Nem mesmo pela ímpia confissão de um segundo Deus a fé numa só natureza seria abalada, porque a perfeita natividade não produziu a natureza de um outro Deus.

42. Por conseguinte, entendendo a verdade do mistério evangélico, Tomé confessou ser Ele o seu Deus e o seu Senhor.

43. Aqui não se trata de nome de honra, mas de confissão da natureza. Pelos próprios fatos e pelo seu poder, acreditou ser Ele Deus.

44. O Senhor ensinou que esta venerável profissão não era apenas uma honra, mas profissão de fé, ao dizer: Porque viste, creste; bem-aventurados aqueles que não viram e creram (Jo 20,29).

45. Porque Tomé viu, creu. Mas em que ele creu? – perguntas. Em que outra coisa creu senão naquilo que confessou: Meu Senhor e meu Deus? Pois só a natureza de Deus poderia, por si mesma, ter ressuscitado dos mortos para a vida.

46. A fé em que acreditou afirmou que é Deus. E seria possível pensar que o nome de Deus não corresponde à natureza, quando a confissão do nome se segue à fé na natureza?

47. Certamente, este Filho fiel, que não desejava fazer sua vontade, mas a daquele que o enviara, que não procurava a sua honra, mas a daquele de quem viera, recusaria a honra deste nome, para não negar o Deus Uno que pregara.

48. Mas, confirmando o mistério da fé apostólica e aceitando para si o nome da natureza paterna, declarou serem bem-aventurados aqueles que, mesmo sem tê-lo visto ressuscitado dos mortos, iriam crer ser Ele Deus, por acreditarem na ressurreição.

 

Capítulo 13.

49. O nome da natureza está, portanto, sempre presente na profissão de nossa fé; pois o nome que designa cada coisa indica também o seu gênero e já não são duas coisas, mas uma coisa do mesmo gênero.

50. Sendo assim, o Filho de Deus é Deus, e isto é indicado pelo nome. Não se nomeiam, com um só nome, dois deuses, porque Deus é o nome único de uma só e indistinta natureza.

51. Se o Pai é Deus e o Filho é Deus, em ambos há o nome próprio da natureza divina.

52. Ambos são Um porque o Filho, subsistindo pelo nascimento que corresponde a sua natureza, conserva pelo nome a unidade da natureza.

53. A natividade do Filho não obriga a fé dos crentes a confessar dois deuses, porque o Pai e o Filho, sendo uma só natureza, são também designados por um só nome. Portanto, pela natividade, o nome pertence ao Filho de Deus.

54. Este é para nós o segundo grau da demonstração: que seja Deus pela natividade. Embora, para provar o sentido do nome, ainda falte citar a autoridade apostólica, continuemos a tratar por enquanto da palavra evangélica.

 

O que você destaca no texto?

Como ele serve para sua espiritualidade?

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