216
Hilário
de Poitiers (315-368)
O Tratado da Santíssima Trindade
Livro
Sétimo (Capítulos 1 - )
Divisão do TratadoO
Tratado está dividido em 12 livros.O livro I começa autobiografia.
Refere-se às heresias e apresenta um plano geral do trabalho. O livro II é um resumo da
doutrina da Trindade. O livro III trata do mistério da
distinção e unidade do Pai e do Filho. No livro IV o autor apresenta a
carta de Ário a Alexandre de Alexandria e demonstra a divindade de Filho a
partir de citações tiradas do Antigo Testamento. O livro V também cita o Antigo
Testamento para demonstrar a divindade do Filho, que não é um outro Deus ao
lado do Pai.O livro VI refere-se novamente à
carta de Ário e argumenta a partir do Novo Testamento. O livro VII demonstra, também a partir do testemunho
da Escritura, que o Pai e o Filho são um só Deus porque têm a mesma natureza.
LIVRO SÉTIMO
216
Hilário
de Poitiers (315-368)
O Tratado da Santíssima Trindade
Livro
Sétimo (Capítulos 1 - )
Divisão do TratadoO
Tratado está dividido em 12 livros.O livro I começa autobiografia.
Refere-se às heresias e apresenta um plano geral do trabalho. O livro II é um resumo da
doutrina da Trindade. O livro III trata do mistério da
distinção e unidade do Pai e do Filho. No livro IV o autor apresenta a
carta de Ário a Alexandre de Alexandria e demonstra a divindade de Filho a
partir de citações tiradas do Antigo Testamento. O livro V também cita o Antigo
Testamento para demonstrar a divindade do Filho, que não é um outro Deus ao
lado do Pai.O livro VI refere-se novamente à
carta de Ário e argumenta a partir do Novo Testamento. O livro VII demonstra, também a partir do testemunho
da Escritura, que o Pai e o Filho são um só Deus porque têm a mesma natureza.
LIVRO SÉTIMO
Capítulo 1.
1.
Este sétimo livro, que escrevemos
contra a insensata temeridade da nova heresia, é posterior, pela ordem, aos
anteriores, mas, para a perfeita compreensão do mistério da fé, é o primeiro e
mais importante.
2.
Não ignoramos quão árduo e difícil seja
o caminho da doutrina evangélica, pelo qual pretendemos subir. Embora o temor
de nossa bem conhecida fraqueza nos incite a voltar atrás, estimulados pelo
fervor da fé, abalados pela loucura dos hereges, e perturbados pelo perigo que
ameaça os ignorantes, não podemos deixar de dizer o que não ousamos falar, sem
saber o que seria melhor para a verdade desamparada, se o silêncio ou a defesa.
3.
A sutileza herética, com incríveis
artifícios de um pensamento corrupto, dá muitas voltas, primeiro, para fingir
piedade, depois, para abalar com suas palavras a certeza dos ouvintes mais
simples, igualando-se à prudência do mundo e, finalmente, para subverter a
compreensão da verdade a pretexto de dar-lhe razão.
4.
Sua profissão de fé a respeito de Um só Deus é falsa
piedade. Ao confessar o Filho de Deus, engana os ouvintes pelo uso do nome;
dizendo não ter existido o Filho antes de nascer, satisfaz a sabedoria do
mundo; confessando o Deus imutável e incorpóreo, exclui a natividade de Deus
vindo de Deus; valendo-se de um malicioso argumento, usa, contra nós, as nossas
doutrinas e luta contra a Igreja, utilizando-se da fé da Igreja.
5.
Expõe-nos, assim, a gravíssimos
perigos, quer optemos pela resposta, quer optemos pelo silêncio, visto que, por
aquilo que não se nega, afirma-se o que é negado.
Capítulo 2.
6.
Lembramos que, nos livros anteriores,
advertimos os leitores de que, ao estudar a blasfêmia herética, devíamos ter em
mente que os hereges se esforçam unicamente porimpor a crença de que Nosso
Senhor Jesus Cristo nem é Filho de Deus nem é Deus, concedendo apenas que estes
nomes lhe tenham sido dados por adoção.
7.
Negam ao Filho a natureza de Deus e
afirmam que, sendo Deus imutável e incorpóreo – o que é verdade – não há Filho
nascido de Deus. Somente Deus Pai é professado por eles como Deus Uno, para que
Cristo não possa ser Deus, conforme professa a nossa fé. Para eles, a natureza
incorpórea não admite a idéia de nascimento, e a fé no Deus Uno exclui a
confissão do Deus de Deus.
8.
Já nos livros anteriores, provando pela
Lei e os Profetas ser mentirosa e inútil sua pregação, sustentamos, em nossa
resposta, que a afirmação de Deus que procede de Deus e a confissão de um só
Deus verdadeiro não levam a afirmar a unicidade
de pessoa nem a admitir, por outro lado, a
fé em outro Deus, pois, em nossa profissão de fé, nem Deus é solitário, nem
há dois Deuses.
9.
Assim, sem negar nem confessar que Deus
seja Uno, fica preservada a integridade da fé, porquanto a unidade se refere a
ambos, mas um e outro não são o mesmo.
10. Quisemos em primeiro lugar entregar aos ouvintes este
indissolúvel mistério da perfeita fé, haurido das doutrinas evangélicas e
apostólicas: que o Filho de Deus, por sua verdadeira natividade, é um ser
subsistente e que o Filho, nascido de Deus, não provém de outro princípio, nem
procede do nada.
11. Disto, de acordo com o que foi dito no livro anterior, não
se pode duvidar, já que, excluído o nome de adotivo, é verdadeiro Filho, pela
verdade da natividade.
12. Com base nos Evangelhos, declaramos que o Filho verdadeiro é
verdadeiro Deus, porque não seria verdadeiro Filho, se não fosse também
verdadeiro Deus, e não pode ser verdadeiro Deus, se não for também verdadeiro
Filho.
Capítulo 3.
13. Nada é mais oneroso para a natureza humana do que a
consciência do perigo, pois aquilo que é ignorado, ou surge de modo repentino,
demonstra, certamente, que a segurança é enganadora, mas não leva a ter medo do
futuro.
14. Para quem é consciente do que pode acontecer, a própria
ansiedade já é sofrimento doloroso. Não faço sair o navio do porto
desconhecendo o perigo do naufrágio, não caminho por bosques sabendo estarem
eles infestados de ladrões, não atravesso as areias da Líbia sem saber que em
toda a parte há escorpiões, cobras e basiliscos.
15. Nada escapa à minha preocupação, nada está fora da minha
consciência. Sob a vigilância de todos os hereges à espreita de cada palavra
saída de minha boca, todo o caminho de meu discurso é cortado por desfiladeiros
ou está cheio de armadilhas e laços escondidos.
16. De que seja árduo e difícil o caminho, pouco me queixo, pois
não subo pelos meus próprios degraus, mas pelos dos Apóstolos. Porém, estou
sempre em perigo, temendo perder-me nos desfiladeiros, cair nas covas ou
enredar-me numa armadilha.
17. Se começo a pregar o Deus Uno, conforme a Lei, os Profetas e
os Apóstolos, aparece Sabélio, devorando-me como alimento delicioso, com
detestável mordida, por causa de minhas palavras.
18. Ao negar, contra Sabélio, o Deus único, confessando o Deus
Filho, verdadeiro Deus, espera-me nova heresia, que me censura por pregar dois
deuses.
19. Quando digo que o Filho de Deus é também Filho de Maria,
Ébion, ou seja, Fotino, se apresenta, buscando confirmação para sua mentira, na
profissão da verdade.
20. Sobre os outros, prefiro calar-me, pois não se ignora
estarem fora da Igreja. Hoje, porém, embora tenha sido já condenado e
rechaçado, freqüentemente o mal ainda se acha no interior da Igreja.
21. Com impiedade, a Galácia nutriu muitos para a profissão
ímpia de um só Deus.
22. Alexandria difundiu por quase todo o orbe da terra a
doutrina dos dois deuses, que ela nega com falsidade.
23. Panônia defende, de modo pestífero, ter Jesus Cristo nascido
de Maria.
24. E a Igreja, em meio a todos estes erros, corre o risco de
não manter a verdade, enquanto mantém a verdade.
25. Não podemos pregar piedosamente um só Deus, se dissermos que
está só, já que não haverá lugar para o Deus Filho, se acreditarmos em um Deus
solitário.
26. Ao contrário, pregando ser o Filho de Deus verdadeiro Deus,
como de fato o é, arriscamo-nos a não manter a fé em um só Deus.
27. Há o mesmo perigo em negar o Deus Uno que em confessá-lo
solitário.
28. A estas questões o mundo não percebe como estultas, pois
parece que não se pode pensar em um não solitário que seja um, nem entender que
o que é Um não seja não solitário.
Capítulo 4.
29. Como espero, a Igreja também lança a luz de sua doutrina
contra a imprudência do século, para que esta, mesmo não aceitando o mistério
da fé, entenda contudo ser pregada por nós, contra os hereges, a verdade deste
mistério.
30. Pois grande é a força da verdade que, embora possa ser
entendida por si mesma, refulge quando a combatem, de modo que, permanecendo
imóvel em sua natureza, adquira firmeza ao ser diariamente atacada.
31. É próprio da Igreja vencer ao ser ferida, ser entendida
quando é acusada, triunfar ao ser desamparada, pois deseja ter a todos, junto e
dentro de si, sem expulsar ninguém de seu tranqüilíssimo regaço, nem perder os
que se tornam indignos de tão grande Mãe.
32. Sabe que os hereges que se afastam, ou são por ela
afastados, perdem a ocasião de obter a salvação que vem por ela mas têm, ao
mesmo tempo, assegurada a convicção de que a felicidade só vem por meio dela.
33. Isto se torna mais do que evidente, pelo próprio empenho dos
hereges. Pois, sendo a Igreja instituída pelo Senhor e confirmada pelos
Apóstolos, uma entre todas as que o insensato erro dela afastou por diversas
formas de impiedade, não se pode negar que a separação aconteceu por causa do
vício de má compreensão, tendo havido dissídio da fé, pois se adapta o que se
lê às próprias idéias em lugar de submeter a opinião própria ao que se lê.
34. Enquanto os partidos se combatem mutuamente, deve-se
reconhecer a Igreja, não apenas pelas suas doutrinas, mas também pelas dos
adversários, visto que, estando todas contra uma só, justamente por ser uma só
e una, refuta e repele o ímpio erro de todas.
35. Todos os hereges se levantam contra a Igreja, mas, enquanto
todos se vencem mutuamente, não vencem para si mesmos. A vitória deles é o
triunfo da Igreja sobre todos; lutando cada heresia contra outra, a fé de
Igreja condena a todas, pois nada existe de comum entre os hereges que,
enquanto lutam entre si, afirmam nossa fé.
Capítulo 5.
36. Sabélio prega um só Deus, negando a natividade do Filho,
mas, pelo poder da natureza que operava no Homem, não duvida de que seja Deus.
Ignorando, porém, o mistério do Filho, pela admiração por suas obras perdeu a
fé na verdadeira geração, e ao ouvir: Quem
me vê, vê também o Pai (Jo 14,9), apressa-se
em afirmar impiamente a unicidade, no Pai e no Filho, de uma só natureza
indivisível e em nada diferente, sem entender que, quando se fala de
nascimento, se demonstra a unidade de natureza.
37. Porque no Filho é visto o Pai, fica confirmada a divindade,
sem que se negue a natividade.
38. Conhecer um é conhecer o outro porque não é diferente a
natureza de um e do outro. Como não existe diferença, pode-se considerar
indiferentemente o que é próprio da natureza. Não se pode duvidar de que Aquele
que existia na forma de Deus mostrasse em si a imagem da forma de Deus.
39. O furor insensato da perversa opinião que nega o Filho
apóia-se também neste dito do Senhor: Eu
e o Pai somos Um (Jo 10,30), aproveitando-se da declaração
de haver a unidade de natureza, em tudo idêntica, para afirmar impiamente a
unicidade de pessoa.
40. Interpretar esta frase como referida a um único poder não
faz justiça ao seu sentido. Pois Eu
e o Pai somos Um não indica um solitário, visto que a
conjunção e, que indica o Pai, não admite que se entenda um só, e somos não se
refere a um singular.
41. A expressão somos
um não exclui a natividade, mas não
distingue a natureza, pois um não se diz da diversidade, nem somos, de um só.
Capítulo 6.
42. A insensatez dos hereges atuais (Arianos) vai de encontro à
deles. Afirmam, contra Sabélio, ter lido: O
Pai é maior do que eu (Jo 14,28) e, sem
entender nada do mistério da natividade nem do mistério de um Deus que se
esvazia de si, nem da carne assumida, sustentam que a natureza do Filho é
inferior porque Ele proclama que o Pai é maior.
43. Combatem Sabélio, afirmando que o Filho existe e é menor do
que o Pai, porque pede para ser reconduzido à glória anterior, porque tem medo
de morrer e porque morreu.
44. Sabélio, contrariamente, defende a natureza divina, pelas
ações. Como esta nova heresia, para não crer que o Filho seja Deus, não negar o
Único Deus, Sabélio, afirmando o Deus Uno, não admite absolutamente um Filho.
45. Um (Ário) valoriza as obras do Filho, o outro (Sabélio)
retruca dizendo que Deus está presente nas obras. Um afirma a unicidade, o
outro a nega. Sabélio se defende dizendo: “As suas obras não se realizaram a
não ser pela natureza de Deus. Perdoar os pecados, curar os enfermos, fazer
andar os coxos, dar a vista aos cegos, restituir a vida aos mortos pertence
somente a Deus. Nenhuma outra natureza, diferente da que está cônscia de si,
poderia dizer: Eu e o Pai somos Um (Jo 10,30). Por que me forçar a crer em uma substância
diferente? Por que me atraís para a crença em outro Deus? Os atos que são
próprios de Deus, só o Deus uno os realizou”.
46. Clamarão contra estas coisas os que pregam um Filho
diferente de Deus Pai, com lábios não menos viperinos dizendo: “Não reconheces
o mistério da salvação. Deve-se crer no Filho, por quem foram feitos os
séculos, por quem foi formado o homem. Foi Ele que, por meio de anjos, deu a
Lei, nasceu de Maria, foi enviado pelo Pai, foi crucificado, morto e sepultado
e ressurgiu dos mortos, está à direita do Pai e é o juiz dos vivos e dos
mortos. Nele iremos renascer, a Ele se deve confessar, dele é o reino a ser
merecido”.
47. Ambos, sendo hostis à Igreja, ajudam a Igreja. Sabélio,
enquanto prega ser Deus por natureza, afirma a natureza divina de quem age. Os
outros confessam o Filho de Deus a partir do mistério da fé.
O que você destaca no texto?
Como ele serve para sua
espiritualidade?
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