domingo, 16 de fevereiro de 2025

272 - SÃO BASÍLIO MAGNO, ou de CESAREIA (330-379) - Introdução ao Tratado sobre o Espírito Santo

 


272

SÃO BASÍLIO MAGNO, ou de CESAREIA

(330-379)

Introdução ao Tratado sobre o Espírito Santo

 

Origem e ocasião do livro

1.      Até o Concílio de Niceia, em 325, a reflexão cristã concentra-se quase exclusivamente em torno de Cristo: quem é ele em relação ao Pai e em relação a nós? Como conseguiu nossa redenção? É Deus igual ao Pai ou uma divindade de grau inferior? Tem realmente uma natureza divina e uma natureza humana?

2.      Com a condenação do arianismo, que afirmava que Jesus era Deus, mas não da mesma natureza nem co-eterno ao Pai, pelo Concílio de Niceia, e com o exílio dos mais ferrenhos defensores do arianismo, seguiram-se duas ou três décadas de trégua.

3.      Até então, nenhuma atenção fora dada à reflexão sobre a natureza do Espírito Santo.

4.      Na aparente calmaria, pessoas influentes movimentavam as forças políticas fazendo retornar do exílio alguns chefes do arianismo, que crescia, desenvolvia-se e conquistava muitos adeptos.

5.      Reagindo contra este crescimento do arianismo, muitos bispos orientais começaram, nas celebrações litúrgicas, a acentuar algumas características antiarianas, orando ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo em lugar de orarem ao Pai e ao Filho no Espírito Santo.

6.      Os cristãos ficavam atentos para ouvir como seus bispos iam pronunciar as palavras finais das doxologias. Conta-se que, em certa ocasião, o bispo Leôncio, simpático aos arianos, mas procurando não ofender os católicos, recitou tão baixo a doxologia, que ninguém pôde ouvi-lo.

7.      Para evitar confusões e polêmicas que poderiam acirrar ainda mais os ânimos, Basílio se calava sobre a consubstancialidade de natureza divina do Espírito Santo. Mas, pressionado pelas circunstâncias, não pôde ocultar por muito tempo sua opinião.

8.      Quando o fez, parece ter criado embaraço para a fé de muitos cristãos. Ele mesmo relata, no início do livro: “Há pouco, estava orando com o povo. Glorificava a Deus Pai com ambas as formas da doxologia: ora com o Filho, com o Espírito Santo; ora pelo Filho, no Espírito Santo. Alguns dos presentes nos acusaram de empregar palavras estranhas e até contraditórias entre si” (1.3).

9.      As acusações vinham também de outras partes. Um monge, conforme relata Gregório de Nazianzo, escreve a este último queixando-se da doutrina ambígua de Basílio sobre a identidade do Espírito Santo: “Tu, dirigindo-se a Gregório, tens afirmado em palavras claras que o Espírito é Deus. Em certa ocasião, no meio de uma grande multidão, falando da divindade do Espírito Santo, tu interrompeste teu discurso para gritar: Até quando esconderemos a luz sob o alqueire? Mas ele, Basílio, expõe confusamente a doutrina da fé…” (Epist. 58).

10.  As perguntas começaram a surgir de todos os lados. Muitas questões eram levantadas. No meio de tantas vacilações e ambiguidades, surge o pedido muito insistente de seu caro amigo bispo de Icônio Anfilóquio: “Tu (Anfilóquio), porém, pensando antes no bem deles, ou ao menos, se o mal for inteiramente irremediável, para precaver seus companheiros, pediste um ensinamento bem claro sobre o alcance destas partículas (com, no, pelo, por quem, de quem, em quem).

11.  O livro sobre o Espírito Santo nasceu, portanto, por instigação de Anfilóquio, nos últimos meses de 374. Seu objetivo imediato, confessado, é responder às demandas de esclarecimentos do bispo de Icônio, Anfilóquio, sobre a doxologia “com o Espírito”, em razão das graves acusações levantadas por parte dos adversários arianos contra Basílio.

12.  Uma carta enviada a Anfilóquio, que deve ser datada pelos fins do ano de 375, indica que o livro já estava terminado: “O livro que escrevemos sobre o Espírito Santo está acabado, como tu o sabes. Mas os irmãos que estão comigo me impediram de o enviar escrito em papiros, dizendo ter recebido ordens de tua nobreza para escrevê-lo em pergaminho. A fim de não parecer ir contra tua ordem, nós o guardamos e o enviaremos em breve, se encontrarmos algum amigo para levá-lo” (Epist. 231).

13.  Nota-se como, neste período, a discussão teológica se deslocou do Filho para o Espírito Santo, cujo desfecho será dado pelo Concílio de Constantinopla, dois anos após a morte de Basílio, em 381.

14.  Este Concílio proclamou a divindade do Espírito Santo, digno de receber a mesma honra e a mesma glória que o Pai e o Filho: “Senhor e doador de vida, que procede do Pai (e do Filho), que com o Pai e o Filho recebe uma mesma adoração e glória, e que falou pelos profetas” (Dz. 86-150).

 

A situação da Igreja

15.  A situação psicológica de Basílio e do povo é aflitiva. O estado geral em que se encontra a Igreja e o episcopado quando escrevia o tratado sobre o Espírito Santo era deprimente: as armadilhas, as defecções, as perseguições, as divisões das dioceses, o estado de exploração e miséria em que vivia o povo, as lutas de toda espécie, tornavam o clima lúgubre. Pessoalmente, sua saúde se enfraquecia, a amargura o consumia.

16.  Confidenciou sua angústia a Atanásio nestes termos: “Toda a Igreja se dissolve, como numerosos navios em alto-mar vagando a esmo, batem-se uns contra os outros sob a violência das ondas. É um grande naufrágio cujo responsável é o mar em fúria e também a desordem dos navios, indo uns contra os outros, despedaçando-se mutuamente. Onde encontrar um piloto à altura da situação, que seja assaz digno de fé para despertar o Senhor, a fim de que ele ordene aos ventos e ao mar? (Epist. 82).

17.  Para completar sua amargura, seu velho amigo, o grande asceta e bispo de Sebástia, Eustácio, torna-se o inspirador dos pneumatômacos, um movimento evangélico radical que negava a divindade do Espírito Santo.

18.  Na Epístola 123,5, Basílio se queixa por ele ter tomado esta atitude: “Quantas vezes não nos visitastes no mosteiro às margens do Íris, quando eu estava com o irmão muito amado de Deus, Gregório, que procurava realizar o mesmo ideal de vida que eu? Quantos dias passamos na vila do outro lado do rio, com minha mãe, ou como amigos nos entretendo mutuamente, discorrendo de dia e de noite?”.

19.  Para evitar ser perseguido, Eustácio tomou posição contra as decisões de Niceia, a favor dos arianos. Desse modo, o exílio dos bispos fiéis a Niceia, a perseguição dissimulada ou a mão armada, as acusações, a miséria generalizada, formam, agora, a trama de sua vida na qual foi escrito o livro sobre o Espírito Santo.

20.  É compreensível que tenha as marcas do combate, de uma dialética que procura aproveitar-se da fraqueza da posição adversária, para arruiná-la.

21.  De um lado, os pneumatômacos negavam que se pudesse glorificar o Espírito Santo com o Pai e com o Filho. O Espírito, diziam, não vem senão em terceiro lugar na invocação batismal. Ele é, portanto, inferior ao Pai e ao Filho e não se pode atribuir-lhe a honra que lhe é dada em algumas igrejas. Ora, os seres da mesma honra são conumerados enquanto se subnumeram aqueles cuja dignidade é menor. Deve-se, portanto, subnumerar o Espírito ao Filho e ao Pai, e glorificá-lo após o Pai e o Filho, e não com ou junto do Pai e do Filho.

22.  Por outro lado, Macedônio, bispo de Constantinopla, para defender a unidade de Deus, afirmava que o Espírito Santo está subordinado ao Pai e ao Filho, negando, consequentemente, a divindade do Espírito Santo.

23.  Segundo o historiador eclesiástico Sozomeno, para Macedônio, o Espírito Santo não tinha a mesma dignidade divina do Filho, sendo apenas um ministro, um intérprete, uma espécie de anjo a serviço de Deus (HE IV, 27).

 

O primeiro tratado sobre o Espírito Santo

24.  A primeira menção de um debate sobre o Espírito Santo encontra-se na terceira carta de Atanásio ao bispo Serapião de Thmuis, por volta do ano 360. Até então, as ideias a respeito do Espírito Santo caracterizavam-se por incertezas.

25.  O próprio Concílio de Niceia afirmava a plena divindade e consubstancialidade do Filho, mas proclamava somente a fé “no Espírito Santo”. Nenhuma palavra a respeito da natureza, da substância do Espírito Santo.

26.  É neste escrito a Serapião que Atanásio desenvolve os argumentos negando que o Espírito seja tão somente uma criatura do Logos, como diziam os macedonianos.

27.  Atanásio dizia que era preciso reconhecer também para o Espírito Santo a consubstancialidade com o Pai e com o Filho. O ponto de vista de Atanásio era o mais explícito, até esse momento, sobre o reconhecimento da divindade do Espírito Santo.

28.  De fato, existiam dificuldades para a afirmação da consubstancialidade do Espírito com o Pai e com o Filho. Pareciam faltar testemunhos escriturísticos precisos nesse sentido e queria-se evitar que isso implicasse a noção de dupla divindade gerada (o Filho e o Espírito) ou de duplicidade de Pais (o Filho e o Pai). Além disso, os textos conciliares não definiam os termos empregados nas fórmulas do credo.

29.  As palavras-chave substância, natureza, pessoa, permaneciam suscetíveis de várias interpretações. Eusébio de Cesareia, antigo conselheiro eclesiástico de Lucinius, por exemplo, entendia o termo substância (omooúsios) no sentido genérico: aquilo que há de comum entre dois indivíduos. Já os partidários de Ósio, conselheiro teológico de Constantino, compreendiam o termo “da mesma substância” (omooúsios) como da mesma realidade individual.

30.  No Concílio de Niceia, por falta de unanimidade, o termo “consubstancial” (omooúsios) foi mantido e imposto pelo próprio imperador Constantino.

 

A definição de Basílio

31.  Numa carta dirigida a seu irmão Gregório, bispo de Nissa, Basílio definira assim a substância (ousía = substancia ou essência) e a hypóstasis (união da natureza humana e divina em Cristo. Literalmente em grego significa substância): a ousía é o que é comum aos indivíduos da mesma espécie, o que todos possuem igualmente e que faz com que lhes seja designado a todos com o mesmo vocábulo, sem distinguir a nenhum de modo particular. Porém, esta ousía não pode existir realmente senão na condição de ser completada pelos caracteres individualizantes que a determinam (Epist. 38, 1-3).

32.  Na carta a Anfilóquio, Basílio desenvolve mais explicitamente o que ele entende pelos termos ousía e hypóstasis. O texto, um pouco longo, torna-se necessário nesta introdução: “Entre ousía e hypóstasis, há a mesma diferença que existe naquilo que é comum em relação ao que é individual, por exemplo, o animal em relação a tal homem. Por esta razão, a propósito da deidade, confessa-se, de uma parte, uma ousía única: assim não se presta conta diferentemente da essência; e, de outra parte, uma hypóstasis particularizada: com a finalidade de tornar sem mistura para nós e inteiramente límpida a noção de Pai e de Filho e de Espírito Santo. Porque, se não se consideram as características distintivas de cada um deles, tais como a paternidade e filiação e santificação, mas, a partir da noção comum da essência, se confessava Deus, se tornaria incapaz de dar conta corretamente da fé.

33.  É preciso, pois, juntando o caráter próprio de cada um ao que é comum, confessar-se assim a fé: comum a deidade, própria a paternidade. Então, reunindo-os, que se diga: eu creio em Deus Pai. De novo, na confissão do Filho, que se faça o mesmo, ao comum juntando o próprio, e que se diga: em Deus Filho. E semelhantemente para o Espírito Santo, dando ao enunciado uma forma que respeita a ordem da expressão, que se diga: eu creio também no divino Espírito Santo. Assim, se salvará totalmente a unidade na confissão da única deidade e se confessará o caráter próprio das prósopa (pessoa) na distinção das propriedades reconhecidas para cada um.

34.  Quanto àqueles que dizem que ousía (substância ou essência) e hypóstasis são a mesma coisa, se encontram na obrigação de confessar somente as prósopa (pessoa), e na sua recusa de dizer: três hypóstaseis, passam por não evitar o erro de Sabélio” (Epist. 236).

35.  As discussões suscitadas pelos arianos e anomeus levaram Basílio a aprofundar a compreensão das três hypóstasis. Esse é o termo importante para ele. A hypóstasis une a ousía e o prósopon. Para ele, o prósopon seria o aspecto externo sob o qual aparece a hypóstasis característica de um ser, o “rosto” que ele tem.

36.  Dá-se-lhe um falso sentido quando, já naquela época, faziam os latinos traduzindo-o por “persona”. No livro sobre o Espírito Santo, Basílio afirma que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são três hypóstasis, cuja estrutura formal é a ousía e cujo rosto, cujo aspecto distintivo, é o prósopon (rosto ou feição).

37.  Assim Basílio distingue entre “essência” (ousía) e existência individual (hypóstasis) e conclui que as três hypóstasis são iguais na essência e distintas como individualidade.

38.  Assim, em Deus, o comum é a ousía (essência), e particular, individualizante, é a hypóstasis (existência individual).

39.  Mas não pense o leitor ter em mãos um livro árido e entregar-se à leitura de uma disputa em torno de vocábulos, de preposições. O próprio autor tem consciência do possível engano do leitor, quando, no capítulo 2, põe-se a esclarecer sua tarefa e a justificá-la: “Bem longe de me envergonhar por causa da brevidade destas partículas, se conseguisse apreender apenas uma pequenina parte de seu valor, alegrar-me-ia como merecedor de grande aplauso, e diria ao irmão que conosco investiga não ser pequeno o lucro que daí retiraríamos”.

40.  Na verdade, não é sobre partículas, nem sobre tal ou tal vocábulo que Basílio se entrega a escrever seu tratado. Se ele se dedica à análise dos termos com, em quem, para quem, por quem, é porque por trás deles se esconde uma teologia, uma realidade cujo sentido e verdade são inteiramente de outra ordem.

41.  Inspirado nas cartas de Santo Atanásio e Serapião de Thmuis, o tratado de Basílio sobre o Espírito Santo constitui a fonte por excelência da teologia trinitária. Sua obra tornou-se documento memorável, de primeiro valor, ao qual se deve voltar toda a vez que se quiser remontar às fontes da teologia do Espírito.

42.  Exerceu considerável influência para que os Padres conciliares chegassem à definição do símbolo de Constantinopla e decisivo, sem dúvida, para o desenvolvimento doutrinal posterior. Inspirou, por sua vez, muitos escritos na época patrística e nos séculos posteriores, sobre a caracterização do Espírito Santo no seio da Trindade.

43.  Com a proclamação da divindade do Espírito Santo e de sua igualdade consubstancial com o Pai e com o Filho, dos quais procede, completou-se o terreno da ortodoxia nicena, católica.

 

O que você destaca no texto?

Como serve para sua espiritualidade?

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