quarta-feira, 23 de julho de 2025

286 - SÃO BASÍLIO MAGNO, ou de CESAREIA (330-379) - Tratado sobre o Espírito Santo - (Capítulos 69 - 73).

 


286

SÃO BASÍLIO MAGNO, ou de CESAREIA

(330-379)

Tratado sobre o Espírito Santo (Capítulos 69 - 73)

 

Solicitação do Tratado: Bispo Anfilóquio de Icônio.

 

Basílio escreve: “Há pouco, estava orando com o povo. Glorificava a Deus Pai com ambas as formas de doxologia: ora com o Filho, com o Espírito Santo; ora pelo Filho, no Espírito Santo. Alguns dos presentes nos acusaram de empregar palavras estranhas e até contraditórias entre si. Tu, porém..., ...pediste um ensinamento bem claro sobre o alcance destas sílabas”.

 

28. Os nossos contraditores recusam atribuir ao Espírito o que a Escritura declara a respeito dos homens, a saber, que eles reinam com Cristo.

 

Capítulo 69.

1.     Examinemos, todavia, se descobrimos como defender o uso adotado por nossos Pais. Efetivamente, os primeiros a adotar essa maneira de falar estão mais que nós expostos a censuras. Paulo, de fato, escreve aos colossenses: “Vós estáveis mortos pelas vossas faltas e pela incircuncisão da vossa carne e ele vos vivificou juntamente com Cristo” (Cl 2,13).

2.     Por conseguinte, Deus concedeu a todo o povo e à Igreja viver com Cristo, e não o teria dado ao Espírito Santo? Se é impiedade até mesmo pensar assim, como não seria um ato santo uni-los (Cristo e o Espírito) na profissão de fé, visto que são unidos por natureza? Finalmente, como não seria o cúmulo do absurdo professar que os santos estão com Cristo (considerando-se que Paulo, fora do corpo, habita junto do Senhor, e tendo partido desta vida (2Tm 4,6), já se encontra com Cristo (2Cor 5,8; Fl 1,23) e não conceder ao Espírito, na medida do possível, estar com Cristo, ao menos tanto quanto aos homens?

3.     Paulo também se dá o título de “ministro de Deus na pregação (oiconomía) do evangelho” (1Ts 3,2); e se dizemos que o Espírito Santo é cooperador, pois por ele o evangelho frutifica em toda criatura que existe sob o céu, eles deporiam contra nós, por uma acusação escrita de impiedade? Parece que a vida dos que esperam no Senhor “está escondida com Cristo em Deus; quando Cristo, que é a nossa vida, se manifestar”, então também eles serão com Cristo manifestados em glória (Cl 3,3-4).

4.     E o Espírito da vida que nos libertou da lei do pecado (Rm 8,2) de forma alguma estaria com Cristo, nem numa vida escondida e oculta com ele, nem na manifestação da glória que esperamos resplandeça nos santos?

5.     Herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo (Rm 8,17) somos nós; e o Espírito seria deserdado, excluído da comunhão com Deus e com seu Cristo? “O próprio Espírito se une ao nosso espírito para testemunhar que somos filhos de Deus” (Rm 8,16); e nós não havemos de testemunhar, nem mesmo por aquilo que aprendemos do Senhor, que ele está em comunhão com Deus (Mt 28,19)?

6.     Mas o cúmulo da loucura consiste nisto: acreditamos em Cristo no Espírito, portanto esperamos ressuscitar com Cristo e sentar com ele nos céus, quando ele transformará nosso corpo humilhado de psíquico em espiritual (Fl 3,20; 1Cor 15,44); ao Espírito, porém, não atribuímos assentar-se com Cristo, nem a glória, nem nenhuma outra coisa que recebemos por seu intermédio?

7.     Mas, nenhum destes benefícios de que nos julgamos merecedores, prometidos por aquele que não mente, cederíamos ao Espírito Santo, como sendo além de sua dignidade?

8.     E quanto a ti, serias digno de estar sempre com o Senhor, e esperas ser arrebatado nas nuvens ao encontro do Senhor, e assim estar para sempre com ele (1Ts 4,17); mas ao Espírito, contradizes que esteja agora com Cristo. Se alguém o “co-enumera” e coordena com o Pai e o Filho, tu o exilas como sendo um ímpio insuportável.

 

Capítulo 70.

9.     Envergonho-me de acrescentar o que falta, a saber, tu esperas ser glorificado com Cristo (“Pois sofremos com ele para também com ele ser glorificados” — (Rm 8,17), mas não glorificas com Cristo o Espírito de santidade, como se não fosse digno das mesmas honras que tu.

10. Esperas reinar com Cristo, mas ultrajas o Espírito da graça (Hb 10,29), relegando-o à condição de escravo e de servo.

11. Digo isto, não para mostrar quanta glorificação se deve ao Espírito, mas para censurar a irreverência dos que lha recusam, e, além disso, fogem, como de uma impiedade, de atribuir ao Espírito a comunhão na glória com o Filho e o Pai.

12. Quem poderia, sem lamentar, deixar passar tais asserções? De fato, não é evidente, e até uma criança o entende, que a situação atual é uma preparação daquela crise de fé que nos ameaça? Torna-se ambíguo o que é incontestável. Cremos no Espírito, mas lutamos contra ele nas nossas profissões de fé; somos batizados, e ainda lutamos. Invocamo-lo como autor da vida, e o menosprezamos como sendo companheiro de escravidão. Recebemo-lo com o Pai e o Filho, e desprezamo-lo como se fosse parte da criação. Nossos adversários não sabem o que pedir na oração (Rm 8,26).

13. Se induzidos a falar sobre o Espírito respeitosamente, julgam que o igualam em mérito, e reprovam os termos que lhes parecem ultrapassar a justa medida, enquanto, ao contrário, deviam lastimar-lhe a deficiência. De fato, faltam-nos as palavras para realmente dar graças pelos benefícios de que somos cumulados.

14. O Espírito ultrapassa todo entendimento (Fl 4,7) e desafia a linguagem, que não exprime nem a menor porção de sua dignidade, segundo a palavra do livro intitulado Sabedoria (de Sirac): “Que vossos louvores exaltem o Senhor, segundo o vosso poder, porque ele vos excede. Para o exaltar, desdobrai vossas forças, não vos canseis, porque nunca chegareis ao fim” (Eclo 43,30).

15. Certamente, tereis terríveis contas a prestar de tais palavras, tendo ouvido do Deus que não mente (Tt 1,2) ser irremissível a blasfêmia contra o Espírito Santo (Mt 12,32; Mc 3,28-29; Lc 12,10).

 

29. Catálogo de homens ilustres na Igreja que usaram em seus escritos o termo com.

 

Capítulo 71.

 

16. Afirmam nossos adversários que a doxologia “com o Espírito” não é atestada, nem se encontra nas Escrituras. Mas, se não se aceita coisa alguma que não esteja escrita, também não se aceite esta fórmula.

17. Todavia, se à maior parte dos ritos místicos damos direito de autenticidade, mesmo se não constam das Escrituras, assumamos também esta doxologia entre muitas outras coisas. Julgo, de fato, ser costume apostólico manter mesmo as tradições orais.

18. Declara o Apóstolo: “Eu vos louvo por vos recordardes de mim em todas as ocasiões e por conservardes as tradições tais como vo-las transmiti” (1Cor 11,2). E: “Guardai as tradições que vos ensinamos oralmente ou por escrito” (2Ts 2,15), uma das quais é a presente doxologia. Aqueles que nos primórdios a adotaram, transmitiram-na aos pósteros. O uso, com o correr do tempo, se propagou e o hábito se arraigou nas Igrejas.

19. Então, se levamos a esta espécie de tribunal uma multidão de testemunhas, pela carência de provas escritas, não obteríamos de vós a absolvição? Assim julgo eu. “A causa será estabelecida pelo depoimento pessoal de duas ou três testemunhas” (Dt 19,15).

20. E se vos demonstramos claramente haver a nosso favor a longa duração, não vos pareceria sensato asseverarmos que não deveríeis procurar aí motivo de litígio?

21. As doutrinas mais antigas sempre impressionam, por sua venerável antiguidade.

22. Por conseguinte, vou enumerar os defensores desta expressão. Simultaneamente pode-se computar o tempo, deduzido do que se omitir. Não fomos nós que a inventamos. Como o teríamos feito? Somos de ontem, de fato, para falar como Jó (Jó 8,9), diante de tão longa duração deste uso.

23. Quanto a mim, se for mister dar meu parecer, conservo esta expressão qual herança paterna, recebida de alguém que viveu longamente no serviço de Deus, que me batizou e me induziu a abraçar o ministério eclesiástico.

24. E ao procurar, de meu lado, se algum dos antigos e santos varões usou estas palavras atualmente controvertidas, encontro grande número, anciãos fidedignos que, pela precisão de seus conhecimentos, não se assemelham a nossos contemporâneos.

25. Para unir as palavras da doxologia, uns usaram a preposição, outros a conjunção. Ninguém julgou que eles assim estabeleciam uma diferença, ao menos no atinente à reta concepção da piedade.

 

Capítulo 72.

26. São eles: o ilustre Ireneu (130-202), Clemente Romano (+102), Dionísio de Roma (+268) e Dionísio de Alexandria (o grande, 190-265) que (coisa paradoxal!), na segunda carta a seu homônimo, “Refutação e apologia”, assim conclui o discurso (transcrevo literalmente suas palavras):

27. “Nós também, de acordo com todos eles, tendo recebido de nossos presbíteros o modelo e a regra, unânimes damos graças, e assim terminamos a carta que vos escrevemos. A Deus Pai e ao Filho, nosso Senhor Jesus Cristo, com o Espírito Santo glória e poder nos séculos dos séculos. Amém”.

28. Ninguém poderá dizer que este texto é apócrifo. Dionísio não teria insistido assim, dizendo que recebeu “modelo e regra”, se precisamente tivesse dito: “no Espírito”, pois esta última expressão é de uso frequente, enquanto a outra é que precisava de defesa.

29. Justamente no meio da carta, assim escreve aos sabelianos: “Se por haver três hipóstases, eles afirmam que elas são separadas, tornar-se-iam três, quer queiram, quer não, ou então suprimam inteiramente a divina Trindade”.

30. E ainda: “Por esta razão, o que há de mais divino, após a unidade, é a Trindade”.

31. Clemente também disse o mesmo, embora de forma mais antiquada: “Viva Deus, e o Senhor Jesus Cristo e o Espírito Santo”.

32. Como a respeito do Espírito se exprime Irineu, que viveu tão próximo dos apóstolos, na exposição “Contra as heresias”? Escutemo-lo: “Aos desenfreados, que se deixam arrastar por suas paixões, não anelam de forma alguma pelo Espírito divino, com justeza o Apóstolo os denomina carnais” (1Cor 3,3).

33. E em outra passagem ele diz ainda: “No intuito de evitar que, privados do Espírito divino, percamos o reino dos céus, clama a nós o Apóstolo que a carne não pode ser herdeira do reino dos céus” (1Cor 15,50).

34. Aos que consideram ser fidedigno Eusébio, o palestinense (é o Eusébio de Cesareia (260-339), em vista de sua grande experiência, podemos demonstrar que ele usa das mesmas expressões em “Dificuldades sobre a poligamia dos antigos”. Efetivamente, diz no começo de sua obra: “Invocamos o Deus santo, iluminador dos profetas, por nosso Senhor Jesus Cristo, com o Espírito Santo”.

 

Capítulo 73.

35. De igual modo, Orígenes (185-254). Em muitos de seus comentários sobre os salmos, notamos que usa a doxologia: “com o Espírito Santo”.

36. Ele, contudo, não tinha sobre o Espírito um conceito inteiramente sadio[1].

37. Entretanto, em muitas passagens, ele também, impelido pela força do costume, utiliza termos piedosos acerca do Espírito. Se não me engano, no sexto de seus comentários sobre o evangelho segundo São João, declara abertamente que se deve adorar o Espírito, escrevendo literalmente: “O lavacro (banho) simboliza a purificação da alma, lavada de qualquer mácula de pecado; ele contém em si nada menos que o princípio e a fonte dos carismas, pela força das invocações, para todo aquele que se entrega à divindade da adorável Trindade”.

38. E no comentário da epístola aos Romanos: “As potências sagradas podem entender o Unigênito e a divindade do Espírito Santo”.

39. Assim, a meu ver, a força da Tradição muitas vezes induziu os homens a contradizer suas próprias doutrinas.

40. Mas, nem o historiógrafo Africano (refere-se a Tertuliano . 160 – c. 220 d.C.) ignora esta forma de doxologia. É conhecido que ele também assim fala no quinto livro da “Epítome das várias épocas”: “Nós que conhecemos a medida destas palavras e não ignoramos a graça da fé, damos graças ao Pai que nos deu, a nós os seus, o Salvador de todos, nosso Senhor Jesus Cristo; a ele a glória, a majestade, com o Espírito Santo, pelos séculos”.

41. Podemos certamente desconfiar de alguns outros testemunhos, ou se foram falsificados dificilmente se descobrirá o erro, porque a diferença está numa sílaba somente.

42. Mas, os que mencionamos, devido à extensão da frase, escapam a todas as ciladas e são atestados, sem contradição, pelos próprios documentos.

43. Apresentarei ainda o que em outras circunstâncias seria inteiramente sem importância. Esta prova, por ser tão antiga, me é necessária, porque sou acusado de introduzir uma inovação.

44. Nossos Pais julgaram conveniente não acolher em silêncio a luz da tarde, mas dar graças logo que ela aparece.

45.  Não podemos dizer quem foi o autor destas palavras de ação de graças do lucernário. O povo, no entanto, pronuncia a antiga fórmula, e ninguém jamais pensou ser ímpio proferir: “Louvamos o Pai, e o Filho, e o Espírito Santo de Deus”.

46.  Todos aqueles que conhecem o hino[2] de Atenógenes[3], que ele deixou a seus discípulos como segundo discurso de despedida, quando já se apressava em direção à fogueira, sabem qual a opinião dos mártires sobre o Espírito. E isto é suficiente.

 

      O que você destaca neste texto?

      Como serve para a sua espiritualidade?



[1] Basílio critica Orígenes porque este não afirmava claramente a divindade plena e a consubstancialidade do Espírito Santo com o Pai e o Filho. Mas o respeita como mestre e exegeta, contudo, considera que suas ideias sobre o Espírito precisavam de correção.

[2] Hino Phos Hilaron (Φῶς ἱλαρὸν  - a luz está brilhando):  Luz esplendente da santa glória, do Pai celeste imortal / Santo, glorioso Jesus Cristo / Sois digno de ser cantado a toda a hora e momento por vozes inocentes / Ó Filho de Deus, que nos dais a vida / Chegada a hora do sol poente, contemplando a luz do entardecer / Cantamos ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo.

 [3] Santo Atenógenes, um bispo e mártir cristão do início do século IV. Ele é celebrado em 16 de julho e é conhecido por seu hino "Phos Hilaron" e por seu martírio na cidade de Sebasteia, na Armênia, durante o reinado de Diocleciano. 

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