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História
Eclesiástica de Eusébio de Cesaréia
Livro
I – Capítulos 5 a 7
5. De quando Cristo se manifestou aos
homens
6.
De como, segundo as profecias,
em seus dias terminaram os reis por linha hereditária que regiam a nação
judia e começou a reinar Herodes, o primeiro estrangeiro
7.
Da suposta discrepância dos evangelhos acerca da
genealogia de Cristo
22 de novembro de 2014.
V - De quando
Cristo se manifestou aos homens
1. Bem, depois deste preâmbulo, necessário para a
história eclesiástica a que me propus, só nos resta começar nossa espécie de
viagem, partindo da manifestação de nosso Salvador em sua carne e depois de
invocar a Deus, Pai do Verbo, e ao mesmo Jesus Cristo, nosso Salvador e Senhor,
Verbo celestial de Deus, como nossa ajuda e nosso colaborador na verdade da
exposição.
2. Corria pois o ano 42 do reinado de
Augusto e o vigésimo oitavo desde a submissão do Egito e da morte de Antonio e
de Cleópatra (com a qual se extinguiu a dinastia egípcia dos Ptolomeus), quando
nosso Salvador e Senhor Jesus Cristo nasceu em Belém da Judéia, conforme as
profecias a seu respeito[1],
nos tempos do primeiro recenseamento, e sendo Quirino governador da Síria[2].
3.
Este recenseamento de Quirino
também é registrado pelo mais ilustre dos historiadores hebreus, Flavio Josefo, ao
relatar outros feitos referentes à seita dos
galileus, surgida naquela ocasião, e a qual também é mencionada pelo nosso Lucas nos Atos quando diz: Depois
deste se levantou Judas a, galileu,
nos dias do recenseamento, e arrastou o povo atrás de si. Também este pereceu, e todos os que o seguiram se
dispersaram[3].
4. A estas indicações
o mencionado Josefo acrescenta literalmente no livro XVIII de suas Antigüidades
o seguinte: "Quirino, membro do senado, homem que havia desempenhado já os outros cargos pelos quais passou, sem omitir um só, até chegar a cônsul e grande
por sua dignidade em todos; os demais, assumiu na Síria acompanhado por
uns poucos, enviado por César como juiz da nação e censor dos bens."
5. E pouco depois
diz: "Mas Judas o gaulanita - da cidade chamada Gaula -, tomando consigo a
Sadoc, um fariseu, andava instigando à rebelião; dizia que o censo não conduziria a outra coisa que não uma escravidão
declarada, e exortava o povo a aferrar-se à liberdade."
6. E sobre o mesmo escreve no livro II de suas Histórias da guerra
judaica: "Por esse tempo certo galileu, chamado Judas, provocou a
rebelião dos habitantes do país, reprovando-lhes a submissão ao pagamento do
tributo aos romanos e ao submeter-se a amos
mortais além de Deus." Assim escreveu Josefo.
VI - De como, segundo as profecias,
em seus dias terminaram os reis por linha hereditária que regiam a nação
judia e começou a reinar Herodes, o primeiro estrangeiro
1.
Foi nesse tempo que assumiu o
reinado sobre o povo judeu, pela primeira j vez, Herodes, de
família estrangeira, e cumpriu-se a profecia feita por meio de Moisés, que
dizia: Não faltará chefe saído de Judá nem governante nascido de sua carne até que chegue aquele para
quem está reservado[4], e sinaliza-o como esperança das nações.
2.
Esta predição efetivamente não havia sido cumprida durante o
tempo em que ainda lhes era permitido viver sob governantes de sua própria
nação, começando com o próprio Moisés e
continuando até o império de Augusto. Nos
tempos deste é que pela primeira vez um estrangeiro, Herodes, se vê investido
pelos romanos com o governo dos judeus: segundo nos informa Josefo, era idumeu por parte de pai e árabe por
parte de mãe. Mas, segundo Africanus - que não era mau historiador —, os
que dão informação exata sobre Herodes
dizem que Antípatro (este era seu pai) era filho de um certo Herodes de Ascalon, um dos chamados hieródulos[5],
que servia no templo de Apolo.
3. Este Antípatro, ainda criança, foi raptado por bandidos
idumeus e viveu com eles, porque seu pai, pobre como era, não podia oferecer
resgate por ele. Criado em meio a seus costumes, mais tarde firmou amizade com
Hircano, sumo sacerdote judeu. Dele nasceu o
Herodes dos tempos de nosso Salvador...
4. Tendo pois o reino judeu vindo às mãos de tal pessoa, a
expectativa das nações, conforme a
profecia, estava também à porta; haviam desaparecido do reino os príncipes e mandatários descendentes
por via de sucessão entre si do próprio Moisés.
5. Ao menos tinham reinado antes do cativeiro e da migração para a
Babilônia, começando com Saul - o primeiro - e por Davi. E antes dos reis, foram governados por mandatários chamados juízes, que
tinham começado também depois de Moisés e de seu sucessor, Josué.
6. Pouco depois do regresso da Babilônia serviram-se
ininterruptamente de um regime político de oligarquia aristocrática (eram os
sacerdotes que estavam à frente dos assuntos), até que o general romano Pompeu
atacou Jerusalém, assaltou-a à força e profanou os lugares santos entrando até
a parte mais escondida do templo. E àquele que até esse momento havia se mantido por sucessão hereditária, na qualidade de
rei e de sumo sacerdote - chamava-se Aristóbulo - mandou acorrentado a
Roma, junto com seus filhos, e entregou o
sumo sacerdócio a seu irmão Hircano. A partir daquele momento o povo
judeu inteiro tornou-se tributário dos romanos.
7. Desta forma, assim que Hircano, último a quem chegou a
sucessão dos sumos sacerdotes, foi levado cativo pelos partos, o senado romano
e o imperador Augusto colocaram a nação
judia nas mãos de Herodes, o primeiro estrangeiro, como já foi dito.
8. Em seu tempo ocorreu visivelmente a vinda de Cristo e, segundo a
profecia, seguiu-se a esperada salvação e vocação dos gentios. A
partir desse tempo, efetivamente, os príncipes e mandatários
originários de Judá, quero dizer, os que vinham do povo judeu, desapareceram, e
em seguida naturalmente viram perturbados também os assuntos
do sumo sacerdócio, que até então vinha sendo passado de modo estável de
pais a filhos em cada geração.
9. Encontramos
importante testemunho de tudo isso em Josefo, que explica como Herodes, assim que os romanos lhe confiaram o
reino, deixou de instituir sumos sacerdotes vindos da antiga linhagem,
pelo contrário, distribuiu esta honra entre
gente sem expressão. E diz ainda que na instituição dos sacerdotes
Herodes foi imitado por seu filho Arquelau e depois dele pelos romanos, quando
tomaram para si o governo dos judeus.
10. O mesmo Josefo
explica como Herodes foi o primeiro a fechar sob seu próprio selo as
vestimentas sagradas do sumo sacerdote, não permitindo mais aos sumos sacerdotes levá-las sobre si, e que o mesmo foi feito por
seu sucessor Arquelau, e depois deste pelos romanos.
11. Tudo o que foi
dito sirva também como prova do cumprimento de outra profecia referente à manifestação de Jesus Cristo nosso Salvador. No
livro de Daniel[6],
a Escritura determina clara e expressamente um número de semanas até o Cristo-príncipe - acerca do que fiz
uma exposição detalhada em outra obras - e profetiza que, depois de cumpridas
estas semanas, seria extinta por completo a unção entre os judeus.
Agora, pois, demonstra-se claramente que
também isto se cumpriu com o nascimento de nosso Salvador Jesus Cristo.
Sirva o dito como exposição necessária para a verdade das datas.
VII - Da
suposta discrepância dos evangelhos acerca da genealogia de Cristo
1.
Posto que ao escrever seus
evangelhos Mateus e Lucas nos transmitiram[7] genealogias
diferentes acerca de Cristo, que para muitos parecem ser discrepantes, e como cada crente, por ignorância
da verdade, se esforça por inventar sobre estas passagens, vamos
adicionar as considerações sobre este tema
que chegaram a nós e que Africanus, mencionado a pouco, recorda em carta a
Aristides, acerca da concordância das genealogias nos evangelhos. Refuta as
opiniões dos demais como forçadas e mentirosas, e expõe o parecer que
recebeu, nestes mesmos termos:
2.
"Porque, efetivamente, em Israel os nomes das famílias
se enumeravam segundo a natureza ou segundo
a lei. Segundo a natureza, por sucessão de nascimento legítimo; segundo a lei[8], quando um
morria sem filhos e seu irmão os engendrava para conservar seu nome (a razão é
que ainda não se havia dado uma
esperança clara de ressurreição, e arremedavam a prometida ressurreição futura com uma ressurreição mortal,
para que se perpetuasse o nome do falecido).
3.
Como queira, pois, que os incluídos
nesta genealogia uns se sucederam por via natural de pais a filhos, e os
outros, ainda que gerados por uns, recebiam o nome de outros, de
ambos os grupos se registra a memória: dos que foram gerados e dos que
passaram por sê-lo.
4.
Deste modo, nenhum dos evangelhos
engana: enumeram segundo a natureza e segundo a lei. De fato, duas famílias,
que descendiam de Salomão e de Natã respectivamente, estavam mutuamente
entrelaçadas por causa das ressurreições dos que haviam morrido sem filhos, das
segundas núpcias e da ressurreição da
descendência, de forma que é justo considerar os mesmos indivíduos em
diferentes ocasiões filhos de diferentes pais, dos fictícios e dos verdadeiros, e também que ambas
genealogias são estritamente verdadeiras e chegam até José por caminhos
complicados, mas exatos.
5.
Mas para que fique claro o que foi
dito, vou explicar a transposição das linhagens. Quem vai enumerando as gerações a
partir de Davi e através de Salomão encontra
que o terceiro antes do final é Matã, o qual gerou a Jacó, pai de José [9]. Mas, partindo
de Natã, filho de Davi, segundo Lucas[10], também o terceiro para o final é Melqui, pois José era
filho de Heli, filho de Melqui.
6.
Portanto, sendo José nosso ponto de
atenção, deve-se demonstrar como é que nos é apresentado como seu pai um ou
outro: Jacó, que traz sua linhagem de Salomão, e Heli, que descende de Natã; e
de que modo, primeiramente os dois, Jacó e Heli, são irmãos; e ainda antes, como é
que os pais destes, Matã e Melqui, sendo de
linhagens diferentes, aparecem como avós de José.
7.
Assim é que Matã e Melqui se
casaram sucessivamente com a mesma mulher e tiveram filhos,
filhos de uma mesma mãe, pois a lei não impedia que uma mulher sem marido -
porque este a houvesse repudiado ou porque houvesse morrido - se
casasse com outro.
8.
Pois bem, de Esta (pela tradição
era assim que se chamava a mulher), Matã, o descendente de Salomão, foi o primeiro,
gerando a Jacó; tendo morrido Matã, casou-se a viúva com Melqui, cuja
ascendência remonta a Natã e que, sendo, como dissemos antes, da mesma tribo,
era de outra família. Este teve um filho: Heli.
9.
E assim encontramos que, sendo de
duas linhagens diferentes, Jacó e Heli são irmãos por parte de mãe. Morrendo Heli
sem filhos, seu irmão Jacó casou-se com sua
mulher, e dela teve um terceiro filho, José, o qual, segundo a natureza, era seu (e segundo o texto, pois por
isso está escrito: Jacó gerou a José [11]), mas, segundo a lei, era filho de Heli, já que
Jacó, sendo seu irmão, suscitou-lhe descendência.
10. Portanto não se tirará autoridade a sua genealogia. Ao fazer a enumeração,
o evangelista Mateus diz: Jacó gerou a José; mas Lucas
procede ao contrário: O qual era, segundo se cria (porque também acrescenta isso), filho de José, que era filho de Heli,
filho de Melqui[12]. Não
seria possível expressar mais corretamente o nascimento segundo a
lei: vai remontando um a um até Adão, que foi de
Deus[13],
e até o final omite o "gerou", para não
aplicá-lo a este tipo de paternidade.
11. E isto não está sem provas nem é improvisado. Efetivamente, os parentes
carnais do Salvador, por geração ou simplesmente pelo ensino, mas sendo verdadeiros em tudo, transmitiram também o que segue. Uns ladrões idumeus assaltaram Ascalom, cidade da Palestina; de um templo de Apolo, construído
diante dos muros, levaram cativo, junto com os despojos, a
Antípatro, filho de certo hieródulo chamado Herodes.
Não podendo o sacerdote pagar um resgate por seu filho, Antípatro foi educado
nos costumes dos idumeus, e mais tarde fez amizade com Hircano, o sumo sacerdote
da Judéia.
12. Logo tornou-se
embaixador junto a Pompeu em favor de Hircano, para quem conseguiu o reino devastado por seu irmão Aristóbulo; e ele mesmo prosperou muito, pois logo conseguiu o título de epimeletés
da Palestina[14].
A Antípatro, assassinado por inveja de sua grande fortuna, sucedeu seu
filho Herodes, que mais tarde, por decisão de Antônio e Augusto e por decreto senatorial, reinaria sobre os judeus. Este
teve como filhos Herodes e os outros tetrarcas. Todos estes dados
coincidem com as histórias dos
gregos.
13. Além
disso, estando inscritas até então nos arquivos as famílias hebréias, inclusive as que remontavam aos prosélitos, como
Aquior[15] o amonita,
Rute a moabita[16] e os que
saíram do Egito misturados aos hebreus[17], Herodes, por não ter nada com a raça dos israelitas e
magoado pela consciência de seu baixo
nascimento, fez queimar os registros de suas linhagens, acreditando que passaria por nobre, já que outros também não
poderiam remontar sua linhagem,
apoiados em documentos públicos, aos patriarcas ou aos prosélitos ou aos chamados "geyoras", os
estrangeiros misturados.
14. Em realidade, uns poucos mais cuidadosos, que tinham
para si registros privados ou que se lembravam dos nomes ou haviam-nos copiado,
se ufanavam de ter a salvo a memória de sua
nobreza. Ocorreu que entre estes estavam
aqueles de que falamos antes, chamados despósinoi por causa de seu
parentesco com a família do Salvador e que, desde as aldeias judias de Nazaré e
Cocaba, visitaram o resto do país e explicaram a referida genealogia, começando
pelo Livro dos dias, até onde alcançaram.
15. Seja assim ou de outro modo, ninguém poderia encontrar uma explicação mais clara. Eu ao
menos penso assim, e assim também todo aquele que tenha boa vontade. Ainda que não esteja comprovada, ocupemo-nos dela, porque
não é possível expor outra melhor e mais clara. Em todo caso, o Evangelho diz
inteiramente a verdade."
16. E ao final da
mesma carta adiciona o seguinte: "Matã, da linhagem de Salomão, gerou a Jacó. Morto Matã, Melqui, o da
linhagem de Natã, gerou da mesma
mulher a Heli. Portanto Heli e Jacó são irmãos uterinos. Morto Heli sem
filhos, Jacó dá-lhe uma descendência gerando a José, filho seu segundo a natureza, mas de Heli segundo a lei.
Assim é que José era filho de ambos". Assim diz Africanus.
17. Estabelecida desta
maneira a genealogia de José, também Maria aparece junto a ele, obrigatoriamente, como sendo da mesma tribo, já que, ao
menos segundo a lei de Moisés, não
era permitido misturar-se às outras tribos[18], pois é prescrita a união em matrimônio com um do
mesmo povo e da mesma tribo, para que a herança familiar não rodasse de
tribo em tribo. Que seja isto o bastante.
O que mais te chamou a
atenção neste texto?
O que o texto contribui
para a sua espiritualidade?
[1] Mq
5:1 (5:2).
[2] Lc
2:2.
[3] At
5:37.
[4] Gn
49:10.
[5]
Escravos dos templos.
[6] Dn 9:24-27.
[7] Mt 1:1-17; Lc 3:23-38.
[8] Gn 38:8; Dt 25:5-6; Lc 20:28.
[9] Mt
1:15-16.
[10] Lc
3:23-24. Nesta passagem Africanus comete um erro: Em Lucas Melqui está em
quinto lugar.
[11] Mt
1:16.
[12] Lc
3:23-24.
[13] Lc
3:38.
[14]
Espécie de procurador, talvez não apenas militar mas também administrativo.
[15] Jdt
5:5;14:10 (livro não pertencente ao cânone hebraico).
[16] Rt
1:16-22; 2:2; 4:19-22.
[17] Ex
12:38; Dt 23:8.
[18] Nm
36:8-9.
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