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História
Eclesiástica de Eusébio de Cesaréia
Livro
I – Capítulos 8 a 10
VIII - Do infanticídio cometido por Herodes e o final
catastrófico de sua vida.
IX - Dos
tempos de Pilatos.
X - Dos
sumos sacerdotes dos judeus sob os quais Cristo ensinou.
06 de dezembro de 2014
VIII - Do infanticídio cometido por Herodes e o final
catastrófico de sua vida
1.
Nascido Cristo em Belém de Judá,
conforme as profecias[1] no tempo mencionado, Herodes, ante a pergunta dos magos vindos do Oriente que queriam saber onde se
achava o nascido rei dos judeus - porque tinham visto sua estrela, e o motivo
de sua viagem tão longa era seu empenho em adorar como Deus ao recém-nascido -, bastante perturbado pelo assunto, como se estivesse em perigo sua soberania - ao menos era
o que ele realmente pensava -, depois de informar-se com os doutores da
lei dentre o povo onde esperavam que
haveria de nascer o Cristo, assim que soube que a profecia de Miquéias indicava Belém, ordenou mediante um
edito matar os meninos de peito de
Belém e redondezas, de dois anos para baixo, segundo o tempo exato indicado pelos magos, pensando que também
Jesus, como era natural, teria certamente a mesma sorte que os outros
meninos de sua idade.
2.
Mas o menino, levado para o Egito,
adiantou-se ao plano: um anjo apareceu a seus pais indicando-lhes de antemão o
que iria acontecer. Isto é o que nos ensina a Sagrada Escritura do Evangelho[2].
3.
Mas, além disso, é conveniente dar
uma olhada na resposta pelo atrevimento de Herodes contra
Cristo e os meninos de sua idade. Imediatamente depois, sem a menor demora, a justiça divina o perseguiu quando ainda transbordava
de
vida e lhe mostrou o prelúdio do que o aguardava para depois de sua saída desta
vida.
4.
Não é possível resumir agora as sucessivas calamidades domésticas
com que se enevoou a suposta prosperidade de
seu reino: os assassinatos de sua mulher,
de seus filhos e de outras pessoas muito próximas a sua família por parentesco
e por amizade. O que se pode supor a respeito disso deixa à sombra qualquer representação trágica. Josefo o
explica extensamente em seus relatos históricos.
5.
Mas sobre como um flagelo divino o
arrebatou e ele começou a morrer já desde o momento em
que conspirou contra nosso Salvador e contra os demais meninos, será bom
escutar as palavras do próprio escritor, que no livro XVII de suas Antigüidades judaicas descreveu o final
catastrófico da vida de Herodes como segue:
"A doença de Herodes fazia-se mais e mais virulenta. Deus vingava
seus crimes.
6.
Com efeito, era um fogo suave que
não denunciava ao tato dos que o apalpavam um abrasamento
como o que por dentro aumentava sua destruição; e logo uma vontade
terrível de comer algo, sem que nada lhe servisse, ulcerações e dores atrozes nos intestinos, e sobretudo no ventre, com
inchaço úmido e reluzente nos pés.
7. Em torno do
baixo-ventre tinha uma infecção parecida; mais ainda, suas partes pudendas
estavam podres e criavam vermes. Sua respiração era de uma rigidez aguda e extremamente desagradável pela carga de supuração e
por sua forte asma; em todos os membros sofria espasmos de uma força
insuportável.
8. O certo é que os adivinhos e os que têm sabedoria para predizer estas
coisas diziam que Deus estava fazendo-se pagar pelas muitas
impiedades do rei." Isto é o que o autor citado anota na mencionada obra.
9. E no livro segundo de seus relatos históricos nos dá uma tradição parecida
acerca
do mesmo assunto, escrevendo assim:
"Então a enfermidade se apoderou de todo o seu corpo e foi
destroçando-o com variados sofrimentos. A febre na
verdade era fraca, mas era insuportável a comichão em toda a
superfície do corpo, as dores contínuas do ventre, os edemas dos pés, como de um hidrópico, a inflamação do baixo-ventre e a podridão verminosa de suas partes pudendas, ao que se deve acrescentar a asma, a dispnéia e
espasmos em todos seus membros, ao ponto de os adivinhos dizerem que estes sofrimentos eram um castigo.
10. Mas
ele, mesmo lutando com tais padecimentos, ainda se aferrava à vida, e
esperando salvar-se imaginava curas. Atravessou o Jordão e utilizou as águas termais de Calirroe. Estas vão desaguar no mar do Asfalto[3], e como são doces são também potáveis.
esperando salvar-se imaginava curas. Atravessou o Jordão e utilizou as águas termais de Calirroe. Estas vão desaguar no mar do Asfalto[3], e como são doces são também potáveis.
11. Ali os médicos
decidiram aquecer com azeite quente todo seu purulento corpo em uma banheira cheia de azeite; desmaiou e revirou os olhos, como
se estivesse acabado. Armou-se
grande alvoroço entre os criados, e com o ruído voltou a si. Renunciando desde então à cura, mandou distribuir a
cada soldado 50 dracmas e muito dinheiro aos chefes e a seus amigos.
12. Regressou então e
chegou a Jericó, já vítima da melancolia e ameaçado pela morte. Pôs-se a tramar
uma ação criminosa. De fato, fez reunir os notáveis
de cada aldeia de toda a Judéia e mandou encerrá-los no chamado hipódromo.
13. Chamando depois sua irmã Salomé e seu marido Alexandre, disse: Sei que os
judeus festejarão minha morte, mas posso ainda ser pranteado por outros e ter uns funerais
esplêndidos se vocês atenderem minhas ordens. Assim que eu expirar, fazei com
que cada um dos homens aqui detidos seja imediatamente
cercado por soldados e fazei com que os matem, para que a Judéia inteira
e cada casa, ainda que à força, chore por mim."
14.
E um pouco mais adiante diz:
"Depois,
torturado também pela falta de alimento e por uma tosse espasmódica e abatido pelas dores, tramava antecipar a hora fatal.
Pegou uma maçã e pediu uma faca,
pois tinha o costume de cortá-la para comê-la. Depois, olhando em volta por medo de que houvesse alguém para impedi-lo,
levantou sua mão direita com a intenção de ferir-se."
15. Além destes detalhes, o mesmo escritor refere que, antes de morrer de
todo, mandou que matassem outro de seus filhos legítimos,
terceiro que somou aos outros dois já assassinados
anteriormente[4],
e no mesmo momento, de repente e entre enormes dores, expirou[5].
16.
Assim foi o final de Herodes, justo
e merecido pelo infanticídio perpetrado em Belém por atentar contra nosso
Salvador. Depois disto, um anjo se apresentou
em sonhos a José, que vivia no Egito, e ordenou-lhe partir com o menino e sua
mãe para a Judéia, explicando-lhe que estavam mortos os que buscavam a morte do menino, ao que acrescenta
o evangelista: Porém, ouvindo
que Arquelau reinava no lugar de seu pai Herodes, temeu ir para lá, mas avisado
em sonhos, retirou-se para a região da Galiléia[6].
IX - Dos
tempos de Pilatos
1.
O historiador acima citado corrobora a notícia da subida de
Arquelau ao poder depois de Herodes e
descreve de que maneira, por testamento de seu pai Herodes e por decisão de César Augusto, recebeu em sucessão o reino
judeu, e como, tirado do poder após
dez anos, seus irmãos Felipe e Herodes o Jovem, junto com Lisanias,
governaram suas próprias tetrarquias.
2. O mesmo Josefo, no livro XVIII de suas Antigüidades, declara que no
ano 12
do império de Tibério (pois foi este o sucessor no Império, depois dos
cinqüenta e sete anos de reinado de Augusto), Pôncio Pilatos obteve o governo da Judéia, no qual se manteve por dez anos
completos, quase até a morte de Tibério.
3.
Portanto está claramente refutada a
patranha dos que agora, ultimamente, divulgaram umas Memórias
contra nosso Salvador, nas quais a própria data anotada é a
primeira prova da mentira de tal farsa.
4. De fato, situam suas atrevidas invenções acerca da paixão do Salvador no quarto consulado de Tibério, que coincide com o sétimo ano de seu reinado,
tempo no qual está demonstrado que Pilatos não tinha ainda se
apresentado na Judéia, ao menos se tomarmos Josefo como testemunha, que
claramente assinala em seu livro já citado que
Tibério instituiu Pilatos governador da Judéia justamente no décimo segundo ano de
seu império.
X - Dos
sumos sacerdotes dos judeus sob os quais Cristo ensinou
1.
Foi portanto nestes tempos, segundo
o evangelista[7],
estando Tibério César no décimo quinto ano de seu império e Pilatos no quarto ano
de sua procuração, e sendo tetrarcas do
resto da Judéia Herodes, Lisanias e Felipe, que nosso Salvador e Senhor Jesus, o Cristo de Deus, tendo cerca de
trinta anos[8], se apresentou
para o batismo com João[9] e deu início
então à proclamação do Evangelho[10].
2.
Diz ainda a divina Escritura que todo o tempo de seu ensino
transcorreu durante o sumo sacerdócio de
Anás e Caifás[11],
mostrando que efetivamente todo o tempo de seu ensino se cumpriu nos
anos em que estes exerceram seus cargos.
Portanto, começou durante o sumo sacerdócio de Anás e continuou até o
começo do de Caifás, o que não chega a dar um intervalo de quatro anos
completos.
3.
De fato, como as normas legais
naquele tempo estavam já de certa forma relaxadas, havia-se
quebrado aquela segundo a qual os cargos referentes ao culto de Deus seriam vitalícios e por sucessão hereditária, e os
governadores romanos investiam com o sumo sacerdócio
pessoas diferentes e em tempos também diferentes, sem que durassem
no cargo mais de um ano.
4. Relata pois Josefo, que depois de Anás se sucederam quatro sumos
sacerdotes até Caifás. Na mesma obra Antigüidades escreve o seguinte:
"Valério
Grato destituiu do sacerdócio a Anás e tornou sumo sacerdote a Ismael, filho de Fabi; mas trocando também este
ao cabo de pouco tempo, designa como sumo sacerdote a Eleazar, filho do
sumo sacerdote Anás.
5.
Mas transcorrido um ano, destituiu também a este e entregou o
sumo sacerdócio a Simão, filho de Camito.
Mas nem para este durou a honra do cargo
mais de um ano, sendo seu sucessor José, também chamado Caifás."
6.
Por conseguinte, está demonstrado que todo o tempo do ensino
de nosso Salvador não chega a quatro anos completos, posto que desde Anás até a
nomeação de Caifás foram quatro os sumos
sacerdotes que, em quatro anos, exerceram
o cargo anual. Tem razão o texto evangélico ao menos em apontar Caifás como sumo sacerdote do ano que se cumpriu a
paixão do Salvador[12]. Por
não discordar da observação precedente, fica também corroborada a duração do
ensino de Cristo.
7.
Além disso, nosso Salvador e Senhor
chama os doze apóstolos pouco depois do início de seu ensino, e somente a eles
dentre os demais discípulos, por privilégio
especial, deu o nome de apóstolos[13]. Depois designou
outros setenta, e também a estes enviou, de dois em dois, adiante
dele a todo lugar e cidade por onde ele iria[14].
O que mais te chamou a
atenção neste texto?
O que o texto contribui
para a sua espiritualidade?
[1] Mq 5:l (5:2); Mt 2:5-6.
[2] Mt 2:1-7; 16:13-15.
[3] O Mar Morto.
[4] No ano 29 a.C. Herodes
matou sua segunda esposa, Mariana; em 7 a.C. os filhos que teve dela, Alexandre
e Aristóbulo, e apenas cinco dias antes de sua morte, em 4 a.C. matou
Antípatro, filho de sua primeira mulher, Doris.
[5] Aos setenta anos,
provavelmente em março ou abril de 4 a.C.
[6] Mt 2:22.
[7] Lc3:1.
[8] Lc 3:23.
[9] Mt 3:13.
[10] Mt 4:17; Mc 1:14.
[11] Lc 3:2; Mt 26:57.
[12] Mt 26:3-57; Jo 11:49; 18:13,
24, 28.
[13] Mt 10:1-ss.; Mc 3:14-ss.; Lc 6:13;
9:1-ss.
[14] Lc
10:1.
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