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História
Eclesiástica de Eusébio de Cesaréia
Livro
I – Capítulos 11 a 13
XI - Testemunhos sobre João Batista e Cristo
XII - Dos discípulos de nosso Salvador
XIII - Relato sobre o rei de Edessa
13 de dezembro de 2014.
XI - Testemunhos sobre João Batista e Cristo
1. Não muito depois, Herodes o Jovem
mandou decapitar João o Batista. O texto
sagrado do Evangelho também o menciona[1] e Josefo o
confirma, ao menos quando faz referência a Herodias e de como Herodes se
casou com ela, apesar de ser mulher de seu irmão, depois de repudiar sua primeira
e legítima esposa (filha de Aretas, rei de Petra) e de separar Herodias de seu marido, que ainda vivia; menciona
também que por causa dela deu morte a João e promoveu uma guerra contra
Aretas, cuja filha tinha desonrado.
2.
E diz ainda que nesta guerra, durante a batalha, o exército
de Herodes foi desbaratado por inteiro, e que tudo isso aconteceu por ter
atentado contra João.
3.
O mesmo Josefo confessa que João era um homem extremamente
justo e que batizava, confirmando assim o
que está escrito sobre ele no texto dos evangelhos. Menciona ainda que Herodes foi destronado por culpa da
mesma Herodias, e com ela foi
desterrado, condenado a habitar na cidade de Viena, na Gália[2].
4.
Isto é o que narra no mesmo livro XVIII das Antigüidades, onde
escreve sobre João o que segue textualmente:
"Para alguns
judeus parece que foi Deus que desbaratou o exército de Herodes, fazendo-o pagar muito justamente pelo que fez a João, chamado
o Batista.
5.
Porque Herodes havia-lhe dado morte.
Era um homem bom e que exortava os judeus ao
exercício da virtude, a usar da justiça no trato de uns com os outros e da
piedade para com Deus, e a aceitar o batismo. Porque desta maneira também o batismo lhe parecia aceitável,
não como instrumento de perdão para
alguns pecados, mas para a purificação do corpo, desde que a justiça já
de antemão houvesse purificado a alma.
6.
E como outros se fossem aglomerando em torno de João (pois
ficavam suspensos escutando suas palavras), Herodes, temeroso de que uma tal
força de persuasão sobre os homens conduzisse a alguma revolta (já que em tudo
pareciam proceder segundo os conselhos de João), pensou que o melhor era antecipar-se e fazê-lo matar antes que
armasse uma revolução, em vez de ver-se envolto em dificuldades por uma mudança
de situação e ter que se arrepender
mais tarde. E João, devido à suspeita de Herodes, foi mandado prisioneiro a Maqueronte, a célebre
fortaleza mais acima, e ali foi executado."
7. Depois de explicar tudo isto a
respeito de João, na mesma obra histórica menciona
também nosso Salvador nos seguintes termos:
"Por este mesmo tempo viveu Jesus, homem muito sábio se
é que de homem devemos chamá-lo, porque realizava obras portentosas, era mestre
dos homens que recebiam com prazer a
verdade e atraiu não somente muitos judeus, mas também muitos gregos.
8. Este
era o Cristo. Havendo-lhe infligido Pilatos o suplício da cruz, instigado por nossos líderes, os que primeiro o haviam amado
não cessaram de amá-lo, pois ao fim de três dias novamente apareceu-lhes
vivo. Os profetas de Deus tinham dito estas
mesmas coisas e outras incontáveis maravilhas sobre ele. A tribo dos
Cristãos, que dele tomou o nome, ainda não desapareceu até hoje."
9. Quando um escritor saído dentre os próprios
judeus transmite desde o começo em suas próprias obras estas coisas referentes
a João Batista e a nosso Salvador, que subterfúgio resta aos que tramaram
contra eles as Memórias, sem que fique evidente seu descaramento? Mas
seja bastante o que foi dito.
XII - Dos discípulos de nosso Salvador
1.
Dos apóstolos do Salvador, pelo
menos os nomes aparecem claramente em todos os evangelhos[3]. Dos setenta
discípulos por outro lado, em nenhum lugar se encontra
lista alguma; mesmo assim, sabe-se ao menos que Barnabé era um deles; dele fazem menção especial os Atos dos Apóstolos[4],
igualmente Paulo quando escreve aos Gálatas[5]. Dizem ainda
que também Sóstenes, um dos que escrevem com Paulo aos Coríntios,
era um deles[6].
2.
A referência se encontra em
Clemente, no livro V das Hypotyposeis, onde afirma que também Cefas - de
quem Paulo diz: Mas quando Cefas veio a Antioquia, enfrentei-me com ele[7]-, era um dos
setenta discípulos e que sua homonímia com o apóstolo Pedro era casual.
3.
E um documento[8] ensina também
que Matias - o que foi juntado à lista dos apóstolos em substituição a Judas - e o
outro que com ele teve a honra de disputar a
sorte foram dignos de serem dos setenta[9]. Diz-se ainda[10] que também Tadeu
era um deles, sobre este chega a nós um relato que exporei em seguida[11].
4. Mas observando bem, encontraremos que os discípulos do Salvador eram muito mais do que os setenta, aceitando o testemunho de Paulo, que diz que
depois
de sua ressurreição dentre os mortos apareceu primeiro a Cefas, depois aos doze, e depois destes a mais de
quinhentos irmãos juntos, sobre os quais afirmava que alguns já tinham
morrido, mas que a maior parte ainda vivia
no tempo em que ele escrevia estas coisas[12].
5. Depois diz que
apareceu a Tiago. Pois bem, este era também um dos mencionados irmãos do
Salvador. Portanto, de qualquer forma, os apóstolos à imagem dos doze eram
muitos mais - o próprio Paulo o era -, prossegue dizendo: depois apareceu a todos
os apóstolos. Sobre este tema, baste o que foi dito.
XIII - Relato sobre o rei de Edessa
1.
O relato acerca de Tadeu[13] é como segue.
A fama da divindade de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo,
devido ao seu poder milagroso, alcançou a todos os homens, e
com a esperança de cura de suas enfermidades e moléstias de toda espécie, atraía a inumeráveis pessoas que habitavam inclusive no estrangeiro, muito
longe da Judéia.
2.
Nestas condições se achava o rei
Abgaro, que reinava excelentemente sobre os povos do outro lado do Eufrates e tinha
seu corpo destroçado por uma doença
terrível e incurável para o poder humano. Assim que chegaram a ele notícias
recorrentes sobre o nome de Jesus e os milagres unanimemente testemunhados por
todos, converteu-se em seu suplicante, enviando um mensageiro com uma carta na qual pedia para ver-se livre da enfermidade.
3.
Mas Jesus não atendeu de imediato a
seu chamamento. Mesmo assim, fez-lhe a honra de uma
carta de próprio punho e letra na qual prometia enviar-lhe um de seus discípulos que o curaria da enfermidade e ao mesmo tempo levaria a salvação
para ele e para os seus.
4.
Não passou muito tempo sem que
Jesus cumprisse sua promessa. Depois de sua ressurreição de
entre os mortos e de sua ascensão aos céus, Tomás, um dos doze
apóstolos, movido por Deus, enviou à região de Edessa Tadeu -que também era um
dos setenta discípulos de Cristo - como arauto e evangelista da doutrina de Cristo, e por meio dele se cumpriu o que o
Salvador havia prometido.
5. Temos de tudo isto testemunho escrito, tirado dos arquivos de Edessa, que
naquele tempo era a corte. Nos documentos públicos que neles se guardam e que contém os feitos antigos e dos tempos de Abgaro, encontra-se também
o referido testemunho, conservado deste então e até hoje. Mas nada melhor do que ouvir as próprias cartas que tiramos dos arquivos e que, traduzidas
do
siríaco[14],
dizem textualmente como segue:
Cópia da carta escrita
por Abgaro, toparca, a Jesus e enviada a Jerusalém pelo mensageiro Ananías.
6. "Abgaro Ucama[15],
toparca, a Jesus, o bom salvador que surgiu na região de Jerusalém, saudações:
Tem chegado a meus ouvidos notícias acerca de tua pessoa e de tuas curas, que,
ao que parece, realizas sem empregar remédios ou ervas, pois pelo que se conta,
fazes com que os cegos recobrem a visão e que os coxos andem; limpas os
leprosos e retiras espíritos impuros e demônios; curas os que estão
atormentados por longa enfermidade e ressuscitas mortos.
7.
E eu, ao ouvir tudo isto de ti, pus-me a pensar que, de duas
possibilidades uma: ou és Deus, que descendo pessoalmente do céu realizas estas
maravilhas, ou és filho de Deus, já que fazes tais obras.
8.
Este é, pois, o motivo para escrever-te rogando-te que te
apresses a vir a mim e curar-me do mal que me aflige. Porque também tenho
ouvido que os judeus andam murmurando contra ti e querem fazer-te mal. Muito
pequena é minha cidade, mas digna, e bastará para os dois[16]."
9.
Esta é a carta que Abgaro escreveu, iluminado então por um
pouco de luz divina. Mas será bom que escutemos a carta que Jesus enviou a ele
pelo mesmo correio, carta de poucas linhas, mas de muita força, cujo teor é o
que segue:
Resposta de Jesus a Abgaro, toparca, por meio do mensageiro Ananías.
10. "Bem-aventurado tu, que creste em mim sem ter me visto. Porque de mim
está escrito que os que me viram não crerão em mim, e que aqueles que não me
viram crerão e terão a vida. Mas, acerca do que me escreves de ir para
junto de ti, é necessário que eu cumpra aqui por inteiro minha missão e que,
depois de havê-la consumado, suba novamente ao que me enviou[17].
Quando tiver subido, te mandarei algum de meus discípulos, que sanará tua
doença
e trará a vida a ti e aos teus."
e trará a vida a ti e aos teus."
11. A estas cartas
estava anexado ainda, em siríaco, o seguinte:
"Depois
da ascensão de Jesus, Judas, chamado também Tomás, enviou-lhe como apóstolo a
Tadeu, um dos setenta, o qual chegou e se hospedou na casa de Tobías, filho de
Tobías. Quando se espalhou a notícia sobre ele, avisaram a Abgaro que havia
chegado ali um apóstolo de Jesus, como tinha sido descrito na carta.
12. Começou pois Tadeu, com o poder de Deus[18],
a curar toda enfermidade e fraqueza, ao ponto de todos se admirarem. Mas,
quando Abgaro ouviu falar dos prodígios e
maravilhas que operava e de que também curava, veio-lhe a suspeita de se
seria o mesmo do qual Jesus falava na carta, ali onde dizia: Quando tiver
subido, te mandarei algum de meus discípulos, que sanará tua doença.
13.
Fez pois chamar a Tobías, em cuja
casa se hospedava, e lhe disse: Tenho ouvido dizer que veio certo homem poderoso
e que se aloja em tua casa. Traga-o a mim.
Foi-se Tobías para junto de Tadeu e lhe disse: O toparca Abgaro mandou chamar-me e me ordenou que te
levasse até ele para que o cures; e Tadeu respondeu-lhe: Subirei, posto
que fui enviado a ele com poder."
14.
"No dia seguinte Tobías
madrugou, e tomando consigo a Tadeu, foi até Abgaro. Entrou Tadeu, estando ali
presentes de pé os nobres do rei, e no momento de fazer sua entrada, uma grande
visão apareceu a Abgaro no rosto do
apóstolo Tadeu. Ao vê-la, Abgaro se prosternou ante Tadeu, deixando em suspenso todos os que o rodeavam, pois eles
não haviam contemplado a visão, que só se mostrou a Abgaro.
15.
Este perguntou a Tadeu: És tu em verdade discípulo de Jesus,
o filho de Deus, o que me disse: te
mandarei algum de meus discípulos que te curará e te dará vida? E Tadeu respondeu: Porque é muito grande a tua fé
naquele que me enviou, por isso fui enviado a ti. E se ainda crês nele, segundo
a fé que tenhas, assim verás
cumpridas as súplicas de teu coração.
16.
E Abgaro respondeu-lhe: de tal
maneira cri nele, que quis tomar um exército e aniquilar
os judeus que o crucificaram, se não me tivesse feito desistir o medo ao Império
romano. E Tadeu lhe disse: Nosso Senhor cumpriu a vontade do Pai, e uma vez
cumprida, subiu ao Pai.
17.
Disse-lhe Abgaro: Também cri nele e
em seu Pai, e Tadeu disse: Por isto vou pôr minha mão sobre ti em seu nome. E
assim que o fez, no mesmo instante curou-se o rei de sua enfermidade e das
dores que tinha.
18.
E Abgaro se maravilhou, porque tal
como tinha ouvido dizer sobre Jesus, assim acabava de experimentar de fato por
obra de seu discípulo Tadeu, que o tinha curado sem remédios nem ervas. E não
somente a ele, mas também a Abdon, filho de
Abdon, que sofria de gota e que, aproximando-se também de Tadeu, caiu a seus pés, suplicou com suas mãos e foi
curado. E muitos outros concidadãos curou Tadeu, operando maravilhas e
proclamando a palavra de Deus.
19.
Depois disso disse Abgaro: Tadeu, tu
fazes estes milagres com o poder de Deus, e nós ficamos
maravilhados. Mas eu te rogo que também nos dês alguma explicação sobre a vinda
de Jesus, como foi, e também sobre seu poder: em virtude de
que poder operava ele os prodígios de que ouvi falar.
20. E Tadeu respondeu:
Agora guardarei silêncio. Mas amanhã, já que fui enviado para pregar a palavra,
convoca em assembléia todos teus concidadãos,
e eu pregarei diante deles, e neles semearei a palavra da vida: sobre a
vinda de Jesus: como foi; e sobre sua missão: por que o Pai o enviou; e sobre seu poder, suas obras e os mistérios de que
falou no mundo: em virtude de que poder realizava isto; e sobre a
novidade de sua mensagem, de sua humildade
e humilhação: como se humilhou a si mesmo depondo e reduzindo sua
divindade, e como foi crucificado e desceu ao Hades, e fez saltar o ferrolho que desde sempre prevalecia e
ressuscitou mortos, e como, tendo descido só, subiu a seu Pai com uma
grande multidão.
21. Mandou
pois Abgaro que ao amanhecer se reunissem todos seus cidadãos e que
escutassem a pregação de Tadeu, e ordenou que lhe dessem ouro e prata sem
poupar. Mas ele não o aceitou e disse: Se deixamos o nosso, como poderíamos
tomar o alheio?
Corria o ano de 340.[19]
22. Baste para o momento este relato, que não será inútil, traduzido
literalmente da língua Siríaca.
O que mais te chamou a
atenção neste texto?
O que o texto contribui
para a sua espiritualidade?
[1] Mt 14:1;
Mc 6:14-29; Lc 3:19-20; 9:7-9.
[2]
Engana-se o autor. Quem foi desterrado para Viena foi Arquelau; Herodes o Jovem
foi desterrado para Lion (Lugdunum).
[3] Mt 10:2-4; Mc 3:16-19; Lc 6:14-16.
[4] At 4:36; 9:27; 11:22-30; 12:25; 13:15.
[6] 1 Co 1:1.
[7] Gl 2:11.
[8] Significando tradição passada por
escrito.
[9] At 1:23-26.
[10] Tradição oral, sem registro
escrito.
[11] Para Mt 10:3 e Mc 3:14, 18. Tadeu
era um dos doze, mas em Lucas ele não aparece.
[12] 1 Co 15:5-7.
[13] Cf.
12:3.
[14] Eusébio
provavelmente copiou os documentos já traduzidos anteriormente.
[15] Abgaro o
Negro.
[16] Gn
19:20.
[17] At
l:2-ss.;Jo 16:5.
[18] Mt 10:1.
[19] Isto
seria os anos 28-29 d.C; o texto segue a Era Selêucida, iniciada em 1º de
outubro de 312a.C.
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