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História
Eclesiástica de Eusébio de Cesaréia
Livro
II* - Capítulos 1 e 2

Prólogo
Da vida
dos apóstolos depois da ascensão de Cristo
Da
emoção de Tibério ao ser informado por Pilatos dos feitos referentes a
Cristo
De como
a doutrina de Cristo em pouco tempo se propagou por todo o mundo
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Prólogo
1.
Todos os dados da História
Eclesiástica que era necessário estabelecer como prólogo: o referente à divindade do Verbo salvador, a antigüidade dos dogmas de nossa
doutrina e a sobriedade da forma de vida evangélica dos cristãos; e não apenas isso, mas também o que se relaciona com a
recente manifestação de Cristo, com a atividade anterior à paixão e com a
escolha dos apóstolos; tudo isto está bem explicado no livro anterior,
com razões abreviadas.
2.
Mas no presente vamos considerar
também os fatos que se seguiram à sua ascensão. Uns iremos
anotando das Sagradas Escrituras, outros tomaremos de fora, dos
tratados que oportunamente citaremos.
I - Da vida dos apóstolos depois
da ascensão de Cristo
1.
O primeiro pois, que a sorte designou para o apostolado em
substituição a Judas o traidor foi Matias, que também tinha sido um dos
discípulos do Salvador, como já foi provado. Por outro lado os apóstolos,
mediante a oração e imposição das mãos, instituem ainda com destino ao ministério e para o serviço comum, a alguns homens de boa
reputação, em número de sete: Estevão e seus companheiros[1].
Também foi Estevão, depois do Senhor e quase no momento em que recebia a
imposição de mãos, como se o tivessem
promovido para isto mesmo, o primeiro a ser morto a pedradas pelos mesmos que mataram o Senhor[2], e desta
maneira o primeiro também a levar a
coroa, a que alude seu nome, dos vitoriosos mártires de Cristo.
2.
Naquele tempo também Tiago, o
chamado irmão do Senhor[3] - porque também ele era chamado filho de José; pois bem, o pai de Cristo era José, já que estava
casado com a Virgem quando, antes que convivessem descobriu-se que havia
concebido do Espírito Santo, como ensina a Sagrada Escritura dos evangelhos -;
este mesmo Tiago pois, a quem os antigos puseram
o sobrenome de Justo, pelo superior mérito de sua virtude, refere-se que
foi o primeiro a quem se confiou o trono episcopal da Igreja de Jerusalém.
3.
Clemente, no livro VI das Hypotyposeis, adiciona o
seguinte: "Porque -dizem - depois da
ascensão do Salvador, Pedro, Tiago e João, mesmo tendo sido os preferidos do Salvador, não tomaram para
si esta honra, mas elegeram como bispo de Jerusalém Tiago o Justo."
4.
E o mesmo autor, no livro VII da mesma obra, diz ainda sobre
ele o que segue: "O Senhor, depois de
sua ascensão, fez entrega do conhecimento a Tiago o Justo, a João e a Pedro, e estes o transmitiram aos demais
apóstolos, e os apóstolos aos setenta, um dos quais era Barnabé.
5.
Houve dois Tiagos: um, o Justo, que
foi lançado do pináculo do templo e morto a golpes com um bastão; e o outro, o
que foi decapitado." Também Paulo menciona Tiago
o Justo quando escreve: Outro apóstolo não vi além de Tiago, o irmão
do Senhor[4].
6.
Por este tempo também se cumpriu o
prometido por nosso Salvador ao rei de Osroene, pois
Tomás, por impulso divino, enviou Tadeu a Edessa como arauto e evangelista da doutrina de Cristo, como acabamos de provar com documentos ali
encontrados[5].
7. Tadeu, estando no lugar, cura a Abgaro pela palavra de Cristo e deixa
pasmos com seus estranhos milagres a todos os presentes[6]. Quando já os
tinha bastante predispostos com suas obras
conduziu-os à adoração do poder de Cristo, e acabou fazendo-os
discípulos da doutrina do Salvador. Desde então e até hoje toda a cidade
de Edessa está consagrada ao nome de Cristo, dando assim prova nada comum dos
benefícios que nosso Salvador lhes fez.
8.
Baste o que foi dito, tomado de antigos relatos, e voltemos
outra vez à Sagrada Escritura. Em seguida ao martírio de Estevão produziu-se a
primeira e grande perseguição contra a Igreja de Jerusalém por parte dos
mesmos judeus. Todos os discípulos, exceto os doze, dispersaram-se por toda a
Judéia e Samaria. Alguns, segundo diz a Escritura divina, chegaram à Fenícia,
Chipre e Antioquia. Não estavam ainda preparados para ousar compartilhar com os gentios a doutrina da fé, e assim
anunciaram-na somente aos judeus.
9.
Neste tempo também Paulo ainda
assolava a Igreja: entrava nas casas dos fiéis, arrancava à
força os homens e mulheres e os encarcerava[7].
10. Mas também Felipe, um dos que foram escolhidos para o serviço junto com Estevão e que se
achava entre os dispersos, desceu a Samaria e cheio do poder divino, foi o primeiro a pregar a doutrina aos Samaritanos. Tão
grande era a graça divina que operava
nele, que atraiu com suas palavras o próprio Simão Mago e uma grande
multidão[8].
11.
Por aquele tempo Simão tinha
conseguido tamanha fama com seu mágico poder sobre os iludidos que ele mesmo
acreditava ser o grande poder de Deus. Foi
então que, pasmo ante as incríveis maravilhas operadas por Felipe com o poder
divino, infiltrou-se e levou o fingimento de sua fé em Cristo ao ponto
de ser batizado[9].
12. O que também é de admirar é que até agora aconteça o mesmo com os que ainda hoje
compartilham de sua terrível heresia, os quais, fiéis ao método de seu antepassado se infiltram na Igreja como sarna
pestilenta, e causam o maior estrago
àqueles em quem conseguem inocular o veneno incurável e terrível oculto neles.
Mesmo assim, a maioria já foi expulsa à medida que foram surpreendidos
nesta perversidade, como o mesmo Simão, quando Pedro o desmascarou e o fez
pagar o merecido.
13. Mas, enquanto dia
a dia a pregação salvadora ia progredindo, alguma disposição da providência
trouxe para fora da Etiópia um nobre da rainha daquele país, que ainda hoje em
dia, segundo costume ancestral, é regido por
uma mulher[10].
Este nobre, primeiro dos gentios a conhecer os mistérios da doutrina divina, por ter encontrado Felipe[11], e primogênito
dos crentes no mundo, segundo refere
um documento, depois de regressar à terra pátria, foi o primeiro a anunciar a boa nova do conhecimento
do Deus de todas as coisas e a função vivificadora de nosso Salvador
entre os homens, devido a isto, graças a
ele, realizou-se a profecia que diz: Etiópia corre a estender suas
mãos a Deus[12].
14. Além dos citados, Paulo, o instrumento escolhido[13] não por parte
dos homens
nem por meio dos homens, mas por revelação do próprio Jesus Cristo e de Deus Pai, que o ressuscitou de entre
os mortos, foi proclamado apóstolo:
uma visão e uma voz do céu[14] no momento da
revelação o consideraram digno da chamada.
II - Da emoção de Tibério ao ser informado por Pilatos dos
feitos referentes a Cristo
1. A fama da assombrosa ressurreição
de nosso Salvador e de sua ascensão aos céus já havia alcançado a grande
maioria. Havia sido imposto aos governadores das nações o antigo costume de
informar o ocupante do cargo imperial de todas a novidades ocorridas em suas
regiões, para que nada escapasse de seu conhecimento. Pilatos portanto informou
ao Imperador Tibério sobre tudo o que corria de boca em boca por toda a Palestina
sobre a ressurreição de nosso Salvador Jesus de entre os mortos.
2.
Informou-o também de seus outros
milagres e de que o povo já acreditava que ele era Deus,
porque depois de sua morte ressuscitou de entre os mortos. Diz-se que Tibério
levou o assunto ao senado, e que este o rechaçou, aparentemente porque não o havia aprovado previamente - pois uma antiga
lei prescrevia que, entre os romanos, ninguém poderia ser divinizado se não o
fosse por voto e por decreto do senado -, mas na realidade era porque a doutrina salvadora da pregação divina não
necessitava de ratificação nem de recomendação vinda dos homens.
3.
Desta forma pois, o senado romano
rechaçou o informe apresentado sobre nosso Salvador. Tibério, por outro lado,
conservou sua primeira opinião e não tramou nada de errado contra a
doutrina de Cristo.
4.
Tertuliano, fiel conhecedor das leis romanas, homem insigne
por outros méritos e ilustríssimo em Roma,
expõe todos estes fatos em sua Apologia pelos cristãos, que escreveu no próprio idioma romano e que está traduzida em língua grega, expressando-se textualmente como
segue:
5.
"Mas, para que discutamos
partindo da origem de tais leis, existia um antigo decreto de que
ninguém podia ser consagrado como deus antes de ser aprovado pelo senado. Marco Emílio assim o fez a respeito de certo
ídolo, Alburno. Também isto vai a favor de nossa doutrina: que entre vós
a divindade seja outorgada por arbítrio dos
homens. Se um deus não agrada ao
homem, não chega a ser deus. Assim, quanto a isto, convém que o homem seja
propício a Deus!
6.
Tibério, pois, sob o qual apareceu
no mundo o nome de cristão, quando lhe anunciaram esta doutrina procedente da
Palestina, onde primeiro começou, comunicou-o ao senado, explicando aos
senadores que dita doutrina o agradava. Mas o senado a rechaçou por não tê-la
aprovado previamente. Tibério, por outro
lado, persistiu na sua declaração e ameaçou de morte aos acusadores dos
cristãos."
A providência
celestial tinha disposto este ânimo ao imperador a fim de que a doutrina do
Evangelho tivesse um início livre de obstáculos e se propagasse por toda a
terra.
III - De como a doutrina de Cristo em pouco tempo se propagou
por todo o mundo
1. Assim, sem dúvida por uma força e uma assistência de cima, a doutrina salvadora, como um
raio de sol, iluminou subitamente toda a terra habitada. De pronto, conforme as divinas Escrituras, a voz de seus
evangelistas inspirados e de seus apóstolos ressoou em toda a terra,
e suas palavras nos confins do mundo[15].
2. Efetivamente, por
todas as cidades e aldeias, como numa época fervilhante, constituíam-se em
massa igrejas formadas por multidões inumeráveis. Os que por herança ancestral
e por um antigo erro tinham suas almas presas da antiga moléstia da superstição
idólatra, pelo poder de Cristo e graças ao ensinamento de seus discípulos e aos
milagres que os acompanhavam, tendo rompidas suas penosas prisões,
afastaram-se dos ídolos como de amos terríveis e cuspiram fora todo o
politeísmo demoníaco e confessaram que não há mais do que
um só Deus: o criador de todas as coisas. E a este Deus honraram com os ritos
da verdadeira religião por meio de um culto divino e racional, o mesmo que
nosso Salvador semeou na vida dos homens.
3.
Pois bem, como quer que a graça divina já se difundisse pelas
demais nações, e em Cesaréia da Palestina Cornélio e toda sua casa haviam sido
os primeiros a aceitar a fé em Cristo por meio de uma aparição divina e do
ministério de Pedro, também em Antioquia ela foi aceita por toda uma multidão
de gregos aos quais haviam pregado os que foram dispersados quando da perseguição
contra Estevão[16].
A Igreja de Antioquia já florescia e se multiplicava quando, estando presentes
numerosos profetas chegados de Jerusalém[17],
e com eles Barnabé e Paulo, além de uma multidão de outros irmãos, pela
primeira vez o nome de Cristãos brotou dela, como de uma fonte caudalosa e
fecundante.
4.
Ágabo era também um dos profetas que estava com eles e
predizia como iminente uma grande fome, devido a isto Paulo e Barnabé foram
enviados para pôr-se a serviço da assistência aos irmãos"[18].
O que mais te chamou a
atenção neste texto?
O que o texto contribui
para a sua espiritualidade?
* Este livro foi composto com extratos de
Clemente, de Tertuliano, de Josefo e de Fílon.
[1] At 6:1-6.
[2] At 7:58-59.
[3] Gl 1:19.
[4] Gl 1:19.
[5] vide I:XIII:5.
[6] vide I:XIII: 11-18.
[7] At 8:3.
[8] At 8:5-13.
[9]
At 8:13.
[10]
Não mais ao tempo de Eusébio, mas da fonte por ele consultada.
[11] At 8:26-39.
[12] Sl 67:32 (68:31).
[13] At 9:15.
[14] At 9:3-6; 22:6-9; 26:14-19.
[15] Sl 18:5 (19:4); Rm 10:18.
[17] At 11:27.
[18] At 11:28-30.
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