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História
Eclesiástica de Eusébio de Cesaréia
Livro
I – Capítulos 3 e 4
3. De como os nomes de Jesus e de Cristo já eram conhecidos
desde a antigüidade e honrados pelos profetas inspirados por Deus
4.
De como o caráter da religião anunciada por Cristo a todas as
nações não era novo
nem estranho
08 de novembro de 2014.
III - De como os nomes de Jesus e de Cristo já eram
conhecidos desde a antigüidade e honrados pelos profetas inspirados por Deus.
1. É chegado o momento de demonstrar que também entre
os antigos profetas, amigos de Deus, já se honravam os nomes de Jesus e
de Cristo.
2. Moisés mesmo foi o
primeiro a conhecer o nome de Cristo como o mais augusto e glorioso quando fez
entrega de figuras, símbolos e imagens misteriosos
das coisas do céu, conforme a voz que lhe dizia: Vê pois, farás todas
as coisas segundo o modelo que te foi mostrado no monte[1];
e celebrando ao sumo sacerdote de Deus
tanto quanto é possível a um homem, proclama-o
"Cristo"[2].
A esta dignidade do supremo sacerdócio, que para ele ultrapassa a
qualquer dignidade dos homens, sobre a honra e a glória, adiciona o nome de Cristo. Portanto, ele conhecia
o caráter divino de Cristo.
3.
Mas o mesmo Moisés, por obra do espírito divino, conhecia de
antemão bem claramente também o nome de
Jesus, considerando-o mesmo digno de um privilégio único. Na verdade,
nunca se havia pronunciado este nome entre
os homens antes de ser conhecido por Moisés. Este aplica o nome de Jesus pela primeira e única vez àquele que,
novamente conforme a figura e o símbolo, ele sabia que viria a sucedê-lo depois
de sua morte no comando supremo[3].
4.
Nunca antes seu sucessor havia usado o nome de Jesus, mas era
chamado por outro nome, Ausé, exatamente o
que lhe haviam dado seus pais[4]. Moisés deu-lhe o nome de Jesus como um privilégio
precioso, muito maior do que o de uma coroa real. Deu-lhe este nome
porque, em realidade, o próprio Jesus, filho de Navé, era portador da imagem de
nosso Salvador, o único que, depois de Moisés e depois de haver concluído o
culto simbólico por ele transmitido, o sucederia no comando da verdadeira e
sólida religião.
5.
E desta maneira Moisés, dando-lhes
a maior honra, aplicou o nome de Jesus Cristo nosso Salvador aos dois homens
que, segundo ele, mais sobressaíam em virtude e glória
sobre todo o povo, a saber, o sumo sacerdote e aquele que haveria de
sucedê-lo no comando.
6. Está claro também que os profetas posteriores anunciaram a Cristo por seu nome e deram testemunho adiantadamente, não apenas da conspiração do povo judeu que
seria levantada contra Ele, mas também do chamamento que Ele faria a todas as nações. Uma vez será Jeremias, quando assim
diz: O espírito de nosso rosto, o
Cristo Senhor, de quem havíamos dito: "A sua sombra viveremos entre os povos ", caiu
preso em sua armadilhas[5].
Outra vez será Davi, que exclama perplexo: Por que
se amotinaram as nações e os povos imaginaram planos vãos? Levantaram-se os
reis da terra e os príncipes
se uniram contra o Senhor e seu Cristo[6];
e logo acrescenta, falando na própria pessoa de Cristo: O Senhor me
disse: Tu és meu filho, eu, hoje, te gerei. Pede-me, e eu te darei as nações em herança e os confins da
terra em possessão[7]
.
7. Mas, deve-se saber
que, entre os hebreus, o nome de Cristo não era ornamento apenas dos que estavam investidos do sumo sacerdócio e eram ungidos
simbolicamente com óleo preparado, mas também dos reis, que eram ungidos pelos profetas por inspiração divina
e faziam deles imagens de Cristo,
pois efetivamente estes reis já levavam em si mesmos a imagem do poder real e soberano do único e verdadeiro
Cristo, Verbo divino, que reina sobre todas as coisas.
8. Além disso, a tradição nos faz saber igualmente que também alguns
profetas foram convertidos em Cristos, figuradamente, por meio da unção com o óleo[8], de forma que
todos estes fazem referência ao verdadeiro Cristo, o Verbo divino e
celestial, único sumo Sacerdote do universo, único rei de toda a criação e,
entre os profetas, único sumo Profeta do Pai.
9. Prova disto é que nenhum dos que antigamente foram ungidos simbolicamente: nem sacerdotes, nem reis, nem profetas, possuíram tão alto poder de
virtude divina como está demonstrado que possuiu Jesus, nosso
Salvador e Senhor, o único e verdadeiro Cristo.
10.
Ao menos nenhum deles, por mais que brilhasse por sua
dignidade e por sua honra entre os seus em
tantas gerações, deu jamais o nome de cristãos aos seus súditos,
aplicando-lhes figuradamente o nome de Cristo. Nem tampouco seus súditos renderam-lhes a honra de culto, nem foi de nenhum deles
a disposição de que após a sua morte estivessem preparados para morrer pelo mesmo a quem honravam. E por nenhum
deles houve tamanha comoção de todas as nações do vasto mundo. E assim
é, que a força do símbolo que havia neles
era incapaz de operar como operou a presença da verdade demonstrada
através de nosso Salvador.
11.
Este não tomou de ninguém os
símbolos e figuras do sumo sacerdócio, nem descendia, quanto à
carne, de família sacerdotal, nem foi elevado à dignidade real por um corpo
de guarda composto de homens; nem mesmo foi um profeta igual aos de antigamente
nem obteve entre os judeus nenhuma precedência
de honra ou de qualquer outro tipo; e, ainda assim, está adornado pelo Pai de todas estas prerrogativas, e não por
figura, mas em verdade mesmo.
12.
Assim, sem ter sido objeto de nada
semelhante ao que descrevemos, está proclamado Cristo
com mais razão que todos aqueles, e sendo Ele mesmo o único e verdadeiro Cristo de Deus, encheu o mundo inteiro de cristãos,
isto é, de seu nome realmente venerável e sagrado. Já não
são figuras e imagens o que Ele entrega a seus seguidores, mas as próprias
virtudes em sua pureza e uma vida no céu com a própria doutrina da verdade.
13. E a unção que
recebeu não foi preparada com substâncias materiais, mas algo divino pelo Espírito de Deus, por sua
participação na divindade incriada do Pai. É justamente isto que
ensinava Isaías quando clamava, como se o fizesse
com a própria voz de Cristo: O Espírito do Senhor está sobre mim, por isto me ungiu: enviou-me para anunciar a boa
nova aos pobres, a apregoar aos cativos a liberdade e aos cegos o ver de novo[9].
14.
E não apenas Isaías. Também Davi
dirige-se ao mesmo Cristo e lhe diz: Teu trono é, ó Deus, eterno e para
sempre; o cetro do teu reino, cetro de retidão. Amaste a justiça e odiaste a maldade, por isso te ungiu Deus, o teu Deus, com óleo de alegria, mais que aos teus companheiros[10].
Aqui, o primeiro versículo do texto o chama Deus; o segundo
honra-o com o cetro real.
15.
Em continuação, depois de seu poder
divino e real, mostra o mesmo Cristo, em terceiro lugar, ungido não com o óleo
que procede de matéria física, mas com o
óleo divino da alegria, representando sua excelência, sua superioridade e sua diferença em relação aos antigos,
ungidos mais corporeamente e figuradamente.
16.
Em outra passagem, o mesmo Davi
revela as coisas que se referem a Cristo com estas palavras: Disse o Senhor
ao meu senhor: Senta-te à minha destra enquanto ponho teus inimigos sob os
teus pés[11].
E
também: Do meu seio te criei antes do alvorecer. Jurou o Senhor e não se
arrependerá: Tu és sacerdote para sempre,
segundo a ordem de Melquisedeque[12].
17. Pois bem, este
Melquisedeque aparece nas Sagradas Escrituras como sacerdote do Deus Altíssimo[13] sem que fosse
assinalado com algum óleo preparado
e sem que fosse aparentado com o sacerdote hebreu por sucessão hereditária
alguma. Por isso é que nosso Salvador é proclamado com juramento Cristo e Sacerdote segundo sua ordem e não segundo a de
outros, que haviam recebido símbolos e figuras.
18.
E por isso que a história tampouco nos transmitiu que Cristo
tivesse sido ungido corporeamente entre os judeus, nem que tivesse nascido de
uma tribo sacerdotal, pelo contrário, que
recebeu seu ser de Deus mesmo antes do alvorecer, isto é, antes da criação do
mundo, e que tomou posse de um sacerdócio imortal e duradouro pela
eternidade sem fim.
19. Uma prova sólida e patente desta unção incorpórea e divina é que, de todos
os homens de seu tempo e dos que se seguiram até hoje,
unicamente Ele, entre todos e no mundo inteiro, foi
chamado e proclamado Cristo; somente a Ele reconhecem sob
este nome, dão testemunho d'Ele e se recordam d'Ele todos, tanto gregos quanto bárbaros; e até hoje seus seguidores,
espalhados por toda a terra habitada, seguem dando-lhe honras de rei,
honrando-o mais do que aos profetas e glorificando-o como o verdadeiro e
único sumo Sacerdote de Deus, e acima de
tudo isto, por ser Verbo de Deus, preexistente e nascido antes de todos
os séculos, e por haver recebido do Pai as honras divinas, adoram-no como a
Deus.
20. E o que é mais extraordinário: que aqueles que a Ele
estamos consagrados não somente o honramos com a voz e com palavras, mas também
com a plena disposição da alma, ao ponto de estimar mais o martírio por Ele do
que nossa própria vida.
IV - De como o caráter da religião anunciada por Cristo a todas as
nações não era novo nem
estranho
1. É bastante o que foi dito, para iniciar minha narração, para que ninguém pense que nosso Salvador e Senhor Jesus Cristo é
algo novo devido a sua época de vida em carne mortal. Mas, para que ninguém
possa ainda supor que sua doutrina é nova e estranha, como se tivesse
sido criada por um homem recente e em nada diferente dos demais homens,
explicaremos também brevemente este ponto.
2. Não faz muito tempo, efetivamente, que brilhou sobre
todos os homens a presença de nosso Salvador Jesus Cristo, e um povo, novo no
conceito de todos, fez sua aparição assim, de repente, conforme as inefáveis
predições dos tempos; um povo não pequeno,
nem fraco, nem localizado em algum recanto da terra, mas ao contrário, o
mais numeroso e o mais religioso de todos
os povos, indestrutível e invencível por ser em todo momento objeto do
favor divino, o povo ao qual todos honram com o nome de Cristo.
3. Um dos profetas que contemplou
antecipadamente com os olhos do Espírito de Deus a futura existência deste povo
encheu-se de tal assombro que se pôs a
gritar: Quem viu semelhante coisa? E quem falou assim? Nasce uma terra em um dia e nasce um povo de uma vez![14] E o mesmo
profeta faz também alusão em outro
lugar ao nome futuro deste povo, quando diz: E os meus servos serão chamados por um nome novo, que
será bendito sobre a terra[15].
4. Mas se está
claro que nós somos novos, e que este nome de cristãos só foi realmente conhecido entre todas as nações recentemente, ainda assim e apesar
disto
demonstraremos aqui que nossa vida e o caráter de nossa conduta, adaptada aos próprios preceitos da religião, não
é invenção nossa de ontem, mas que,
por assim dizer, manteve-se em vigor desde a primeira criação do homem,
graças ao bom senso daqueles antigos varões amigos de Deus.
5.
O povo hebreu não é um povo novo,
pelo contrário, é sabido por todos que os homens sempre o reconheceram por sua
antigüidade. Pois bem, seus documentos e escritos mencionam alguns homens
antigos, escassos e espaçados no tempo, é certo, mas em troca, excelentes em
religiosidade, em justiça e em todas as
demais virtudes. Destes, alguns viveram antes do dilúvio, outros depois. E dentre os filhos e descendentes de Noé
destaca-se especialmente Abraão, de
quem os filhos dos hebreus se gabam de ter por autor e primeiro pai.
6.
Se, remontando-se desde Abraão até
o primeiro homem, alguém dissesse que todos estes
varões, cuja justiça está bem documentada, foram cristãos, ainda que não por
nome mas por suas obras, não estaria enganado.
7.
Porque o que este nome significa é
que o cristão, devido ao conhecimento de Cristo e de sua doutrina, sobressai por
sua sobriedade, por sua justiça, pela
firmeza de seu caráter, pelo valor de sua virtude e pelo reconhecimento de um só e único Deus de todas as coisas, e a
atitude daqueles homens em relação a estas coisas em nada era inferior à
nossa.
8.
Não se preocuparam com a circuncisão
corporal, como tampouco nós; nem da guarda do sábado, como tampouco nós;
nem da abstenção destes ou daqueles
alimentos, nem de afastar-se de tantas outras coisas, como Moisés deixou por tradição para que se cumprissem como
símbolos, e que nós, os cristão de agora, tampouco guardamos. Em troca,
claramente conheceram ao Cristo de
Deus que, como demonstramos antes, apareceu a Abraão, tratou com Isaac,
falou a Israel e conversou com Moisés e com os profetas posteriores.
9.
Por isso poderás ver que aqueles amigos de Deus são também
dignos do sobrenome de Cristo, conforme a
sentença que diz sobre eles: Não toqueis a meus Cristos, nem
façais mal a meus profetas[16].
10.
Daí se percebe claramente a necessidade de crer que aquela
religião, a primeira, a mais antiga e mais
venerável de todas, tesouro daqueles mesmos varões amigos de Deus e
companheiros de Abraão, é a mesma que recentemente foi anunciada a todos os povos pelos ensinamentos de Cristo.
11.Talvez se possa
alegar que Abraão recebeu muito tempo depois o mandamento da circuncisão, mas também se proclama e se dá testemunho de sua
justificação por sua fé, anterior a este mandamento, pois diz assim a divina Escritura: E creu Abraão em Deus, e foi-lhe imputado para justiça[17].
12.E a ele, assim justificado, mesmo
antes da circuncisão, Deus, que lhe apareceu (e este Deus era o próprio Cristo,
o Verbo de Deus), comunicou um oráculo a respeito dos que em tempos futuros
seriam justificados do mesmo modo que ele; os termos da promessa são: E em
ti serão benditos todos os povos da terra[18];
e também: E se fará um povo grande e numeroso, e nele serão benditos
todos os povos da terra[19].
13. Agora pois, pode-se estabelecer que isto foi cumprido em
nós, porque
efetivamente
Abraão foi justificado por sua fé no Verbo de Deus, o Cristo que lhe apareceu,
depois que deu adeus às superstições de seus pais e ao erro de sua vida
anterior, e após confessar um só Deus, que está sobre todas as coisas, e de
honrá-lo com obras de virtude, não com as obras da lei de Moisés, que veio mais
tarde. E sendo assim, a ele foi dito que todas as tribos da terra e todos os
povos seriam benditos nele.
14. Pois bem, nos dias
de hoje esta mesma forma de religião de Abraão só é praticada, com obras mais
visíveis do que as palavras, entre os cristãos espalhados por todo o mundo
habitado.
15. Portanto, o que
poderia ainda impedir-nos de reconhecer uma única e idêntica vida e forma de
religião para nós, os que procedemos de Cristo, e para aqueles antigos amigos
de Deus? Deste modo teremos demonstrado que a prática da religião que nos foi
transmitida pelo ensinamento de Cristo não é nova nem estranha, mas, para
dizermos a verdade, a primeira e única verdadeira. E baste-nos isto.
O que mais te chamou a
atenção neste texto?
O que o texto contribui
para a sua espiritualidade?
[1] Ex
25:40 cf. Hb 8:5.
[2] Lv
4:5-16; 6:22.
[3] Nm
13:16.
[4]
Ausé é a forma usada na LXX, assim como Jesus mais adiante; no texto masorético
os nomes são Oséias e Josué.
[5] Lm
4:20.
[6] Sl
2:1-2.
[7] Sl
2:7-8.
[8]
Recorde-se que "Cristo" significa "ungido".
[9] Is 61:1; Lc 4:18-19.
[10] Sl 44:7-8 (45:6-7).
[11] Sl 109(110):1.
[12] Sl 109:3-4(110:4).
[13] Gn 14:18-20.
[14] Is 66:8.
[16] Sl 104 (105):15.
[17] Gn 15:6.
[18] Gn 12:3; 22:18.
[19] Gn 18:18.
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