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História Eclesiástica de Eusébio de
Cesareia
Livro V
– Capítulos 16 e 17

XVI - O que
se menciona sobre Montano e os pseudoprofetas de sua companhia
XVII - De
Milcíades e os tratados que compôs
XVI - O que se
menciona sobre Montano e os pseudoprofetas de sua companhia
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1.
Contra a
heresia chamada catafriga, o poder defensor da verdade levantou em Hierápolis uma arma potente e
invencível: Apolinário, a quem esta obra já mencionou mais acima[1],
e com ele muitos outros homens doutos daquele tempo,
dos quais foi-nos deixado abundante material para historiar.
2.
Ao começar
pois, um dos mencionados seu escrito contra aqueles, assinala primeiramente que também lutou contra eles
com argumentos orais. Escreve no prólogo desta maneira:
3.
Faz muito e
bem longo tempo, querido Avircio Marcelo, que tu me ordenaste escrever algum tratado contra a heresia dos chamados
"de Milcíades", mas até agora de
certa maneira sentia-me indeciso, não por dificuldade em poder refutar a mentira e dar testemunho da
verdade, mas por temor de que, apesar
de minhas precauções, parecesse a alguns que de certo modo acrescento ou junto[2]
algo novo à doutrina do Novo Testamento, ao qual não pode juntar nem tirar nada quem tenha decidido
viver conforme este mesmo Evangelho.
4.
Encontrando-me
recentemente em Ankira da Galácia e compreendendo que a igreja local estava aturdida por esta,
não como dizem, nova profecia, mas mais
propriamente, como se demonstrará, pseudoprofecia, enquanto nos foi possível e
com a ajuda do Senhor, durante vários dias, discutimos intensamente sobre estes mesmos homens e sobre os pontos propostos por eles, tanto que a igreja encheu-se de alegria e
ficou robustecida na verdade, enquanto que os contrários eram rechaçados na
hora e os inimigos abatidos.
5.
Em conseqüência, os presbíteros do
lugar pediram que lhes deixássemos alguma nota do que havia sido dito contra os
que se opõe à doutrina da verdade,
achando-se também presente nosso co-presbítero[3]
Zotico, o de Otreno, mas nós não o fizemos; em troca, prometemos
escrevê-lo aqui, com a ajuda de Deus, e enviá-lo com toda a presteza."
6.
Depois de expor no começo isto e em
seguida alguma outra coisa, segue adiante e
narra a causa da mencionada heresia desta maneira:
"Agora bem, sua conduta e sua
recente ruptura herética a respeito da Igreja tiveram
como causa o que segue.
7.
"Diz-se que em Misia da Frígia
existe uma aldeia chamada Ardaban. Ali foi,
dizem, que um recém-convertido à fé chamado Montano, pela primeira vez, em tempos de Grato, procônsul da Ásia,
saindo contra o inimigo com a paixão
desmedida de sua alma ambiciosa de proeminência, ficou a mercê do espírito e de
repente entrou em arrebatamento convulsivo como se possesso e em falso êxtase, e começou a falar e a
proferir palavras estranhas, profetizando
desde aquele momento contra o costume recebido pela tradição e por
sucessão desde a Igreja primitiva.
8.
Dentre os que
naquela ocasião escutaram estas expressões bastardas, uns, ofendidos com ele como energúmeno,
endemoninhado, embebido no espírito do erro e perturbador das multidões, repreendiam-no e tentavam impedi-lo de falar, lembrando-se da explicação e advertência do Senhor
sobre estar em guarda e alerta com a
aparição de falsos profetas[4];
os outros em troca, como que excitados por um espírito santo e um
carisma profético, e não menos inchados de
orgulho e esquecidos da explicação do Senhor, fascinados e extraviados
pelo espírito insano, sedutor e desencaminhador do povo, provocavam-no para que
não permanecesse mais em silêncio.
9.
Com certa
habilidade, ou melhor, com tais métodos fraudulentos, o diabo maquinou a perdição dos desobedientes e, honrado por eles
contra todo merecimento, excitou e inflamou
ainda suas mentes adormecidas, já distantes da fé verdadeira, e assim suscitou outras duas mulheres quaisquer[5]
e encheu-as com seu espírito bastardo, de maneira que também elas começaram a falar delirando, inoportunamente e de modo
estranho, como o mencionado antes. O espírito proclamava bem-aventurados aos
que se alegravam e vangloriavam nele e os enchia com a grandeza de suas
promessas; às vezes, no entanto, por motivos aceitáveis e verossímeis,
condenava-os publicamente a fim de parecer também ele capaz de argumentar; mas contudo, poucos eram os frígios enganados. O
orgulhoso espírito ensinava também a blasfemar contra a Igreja católica
inteira que se estende sob o céu, porque o espírito pseudoprofético não tinha
conseguido louvor nem entrada nela.
10.
Efetivamente,
os fiéis da Ásia haviam-se reunido para isto muitas vezes e em muitos lugares da Ásia, e depois de examinar as recentes
doutrinas, declararam-nas profanas e as rechaçaram como heresia; desta maneira
aqueles foram expulsos da Igreja e separados da comunhão."
11.
É a isto que se refere no início;
logo continua através de todo o livro a refutação
do erro montanista, e no segundo livro diz sobre o fim das pessoas citadas
o que segue:
12.
"Pois
bem, posto que nos chamam mata-profetas[6]
porque não aceitamos seus profetas charlatães (dizem efetivamente que estes são
os que o Senhor havia prometido enviar a seu povo[7]),
que ante Deus nos respondam: dos que começam a falar[8]
a partir de Montano e das Mulheres, há algum, amigos, a
quem os judeus tenham perseguido ou alguém que os criminosos tenham
assassinado? Nenhum. Nem sequer algum deles foi preso e crucificado por causa
do nome? Também não, desde logo. Nem sequer alguma
das mulheres foi açoitada nas sinagogas dos judeus e apedrejada?
13.
Nem em parte
alguma, em absoluto. Por outro lado, diz-se que Montano e Maximila findaram com outro gênero de morte. Efetivamente, é
corrente que estes, por influência do
espírito perturbador da mente, que movia tanto um quanto a outra, enforcaram-se, ainda que não ao mesmo tempo, e que ao
tempo da morte de ambos correu forte boato de que haviam terminado e
morrido da mesma maneira que Judas o traidor.
14.
Como também é
rumor insistente que aquele inefável Teodoto, o primeiro intendente[9],
por assim dizer, de sua pretendida profecia, achando-se um dia como que elevado e alçado aos céus, entrou em êxtase e
entregou-se por completo ao espírito do engano, e então, lançado com força,
acabou desastrosamente. Ao menos dizem que foi assim.
15.
No entanto,
querido, não o tendo visto nós mesmos, pensamos que nada sabemos a respeito;
porque talvez tenha ocorrido assim, mas talvez não tenham morrido assim nem
Montano nem Teodoto nem a citada mulher."
16. Volta a dizer no mesmo livro que os
sagrados bispos daquele tempo tentaram refutar o espírito que havia em Maximila, mas que outros o impediram, colaboradores, evidentemente, daquele espírito.
17. Escreve como segue:
"E que aquele espírito que opera por
meio de Maximila não diga no mesmo livro de Asterio Urbano: 'Perseguem-me como a um lobo longe das ovelhas; eu não sou lobo, sou palavra e espírito e
poder', antes é bom que demonstre claramente o poder que há no espírito, que o prove e que por meio do
espírito obrigue a confessar aos que naquela
ocasião achavam-se presentes para examinar
e para dialogar com o espírito que falava, varões probos e bispos: Zotico,
da aldeia de Cumana, e Juliano, de Apamea, cujas bocas foram amordaçadas pelos partidários de Temiso,
impedindo assim que refutassem o espírito enganador e desencaminhador de
povos."
18. Novamente no mesmo livro, quando dizem algumas outras coisas
refutando as falsas profecias de Maximila, indica o tempo em que escreveu isto
e menciona os vaticínios dela, nos quais predizia que haveria guerras e
revoluções; a falsidade de tudo isto ele revela quando escreve:
19. "E como não se evidenciou também esta mentira? Porque já
são transcorridos mais de treze anos até hoje desde que aquela mulher morreu e
no mundo não tem havido guerra, nem parcial nem geral, mas que até para os
cristãos a paz tem sido mais permanente, por misericórdia divina."
20. Isto tomamos do livro segundo. Mas também do terceiro
citaremos algumas frases breves, pelas quais diz contra os que se jactavam de
que entre eles houve mais mártires:
"Agora bem, quando os refutamos com todo o dito e
vêem-se apurados, tentam refugiar-se nos mártires, dizendo que têm muitos
mártires e que isto é uma garantia fidedigna do poder do espírito que eles
chamam profético, mas isto, ao que parece, é de tudo o menos verdadeiro.
21. Efetivamente, das
outras heresias algumas têm numerosos mártires, e nem por isso vamos aprová-las
nem confessar que possuem a verdade. Os primeiros ao menos, os que se chamam
Marcionitas por seguir a heresia de Márcion, também eles dizem que têm inúmeros
mártires, mas ao próprio Cristo não confessam conforme a verdade."
E depois de breve espaço, acrescenta ao dito:
22. "Por isso, sempre
que os fiéis da Igreja chamados a dar testemunho da fé conforme a verdade
encontram-se com algum dos chamados mártires procedentes da heresia catafriga,
afastam-se deles e morrem sem terem se comunicado com eles, porque não querem
dar assentimento ao espírito que se vale de Montano e de suas mulheres. Que
isto é verdadeiro e que, até em nossos
tempos, tem ocorrido em Apamea, às margens do Meandro, evidencia-se nos
martírios de Caio e Alexandre de Eumenia e de seus companheiros."
XVII - De
Milcíades e os tratados que compôs
1. Na mesma obra[10]
menciona-se também Milcíades, um escritor que, parece, também escreveu um
tratado contra a dita heresia. Depois de citar algumas passagens destes[11] continua
dizendo: "Isto encontrei em uma obra das que atacam o escrito de
Milcíades, nosso irmão, escrito que demonstra não ser necessário que um profeta
fale em êxtase, e fiz um resumo."
2. Um pouco mais abaixo na
mesma obra estabelece uma lista dos que profetizaram no Novo Testamento; entre eles enumera um tal Amias e a Codrato;
diz assim:
".. .mas o falso profeta, no êxtase - ao
qual seguem o descaramento e a ousadia -, começa em voluntária ignorância e termina em demência involuntária da alma, como se disse anteriormente.
3.
Mas não
poderão mostrar um só profeta, nem do Antigo nem do Novo (Testamento) que tenha sido arrebatado pelo espírito desta
maneira, nem poderão gloriar-se de Agabo,
nem de Judas, nem de Silas, nem das filhas de Felipe, nem de Amias de
Filadélfia, nem de Codrato nem de nenhum outro, se há, porque nada tem a
ver com eles."
4. E logo, depois de curto espaço, diz o seguinte:
"Porque, se é como dizem, que
depois de Codrato e de Amias de Filadélfia, o carisma profético passou por sucessão às mulheres do séquito de Montano,
que demonstrem quem dentre eles sucedeu aos discípulos
de Montano e a suas mulheres, já que o Apóstolo sustenta que é necessário que o
carisma profético subsista em toda a Igreja
até a parousia final[12].
Mas não poderão mostrar ninguém, apesar de já ser este o décimo quarto
da morte de Maximila."
5. Isto diz ele. No que tange a Milcíades, por ele
mesmo mencionado, também deixou-nos
outras lembranças de sua aplicação diligente às divinas Escrituras nos tratados que compôs Contra os gregos e Contra
os judeus, temas com os quais se
debateu separadamente nos dois livros. E mais, fez também uma Apologia dirigida aos príncipes[13]
do mundo em favor da filosofia por ele professada[14].
1. O que mais te chamou a atenção neste texto?
2. O que o texto contribui
para a sua espiritualidade?
Desenho da capa: Montano e o Montanismo
O montanismo foi um movimento cristão fundado por Montano por volta de 156-157 (ou 172), que se organizou e difundiu em comunidades na Ásia Menor, em Roma e
noNorte de África. Por ter
se originado na região da Frígia, Eusébio de Cesareia relata
em sua História Eclesiástica (V.14-16) que ela era chamada de "Heresia
Frígia" na época.
[1] Vide
IV:XXI; IV:XXVI: 1; IV:XXVII.
[2] Gl 3:15.
[3] É como
os bispos se dirigiam aos presbíteros e às vezes a seus colegas de episcopado.
[4] Mt 7:15.
[5] Quer
dizer, outras vítimas (do diabo), não outras duas mulheres.
[6] Mt
23:31.
[7] Jo
14:26.
[8] Isto é:
começaram a "profetizar" como Montano.
[9] Como
veremos mais tarde, Montano tinha suas finanças bem organizadas, por isso
podemos entender literalmente o cargo atribuído a Teodoto.
[10] O
anônimo antimontanista, cf. 16:2.
[11] Dos
hereges.
[12] Ef
4:11-13; 1 Co 1:4-8; 13:8-10.
[13]
Provavelmente refere-se a Marco Aurélio e a seu co-augusto Lúcio Vero.
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