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História Eclesiástica de Eusébio de
Cesareia
Livro
VII – Capítulos 11-15
XII - Dos que
morreram mártires em Cesaréia da Palestina
XIII - Da paz em tempos de Galieno
XIV - Os bispos que floresceram
naquele tempo
XV - De como em Cesaréia morreu
mártir Marino
Texto: II Co 4.8,9
XI - Do que ocorreu a Dionísio e aos do Egito na perseguição
1.
Por outro lado, quanto à
perseguição de seu tempo, que crescia terrivelmente, suas próprias palavras, dirigidas contra Germano, um bispo de seu tempo que tentava
difamá-lo, declaram quanto ele e outros tiveram que suportar por causa de sua piedade para com o Deus do
universo. Expõe-no da seguinte maneira:
2.
"Mesmo assim, realmente corro o
perigo de cair em grande loucura e estupidez se me vejo
obrigado a expor a admirável dispensação de Deus para conosco. Mas como é
bom - diz - ocultar o segredo do rei, mas glorioso revelar as obras de Deus[1],
revelarei a violência de
Germano.
3.
Eu não vim só ante Emiliano[2], mas
acompanhavam-me meu co-presbítero Máximo e os diáconos
Fausto, Eusébio e Queremon; e conosco entrou um dos irmãos de Roma ali presentes.
4. E Emiliano não me disse primeiro em bom tom: 'Não tenham reuniões', porque isto seria supérfluo e sem importância para ele, que ia direto ao
assunto. Porque para ele, a questão não era que não nos reuníssemos com outros, mas que nós mesmos não fôssemos cristãos, e por
isso nos intimava a deixar de sê-lo, pensando que se eu mudasse de
parecer os outros me seguiriam.
5.
Mas eu dei uma resposta que não se
diferenciava muito nem se afastava do Há que se obedecer mais a Deus do
que aos homens![3], e abertamente testemunhei que adoro ao Deus único e a nenhum
outro, e que jamais mudaria de parecer nem deixaria de ser cristão.
Então nos ordenou andar até uma aldeia próxima ao deserto, chamada Kefró[4].
6.
Mas escutai o que um e outro
disseram, tal como foi registrado. 'Introduzidos Dionísio, Fausto, Máximo,
Marcelo e Queremon, Emiliano, que exerce como governador,
disse:'.. .e verbalmente conversei convosco sobre a humanidade que nossos
senhores empregam para convosco.
7.
Efetivamente deram-vos o poder de
salvar-vos, contanto que queirais voltar ao que é conforme a natureza, adorar
os deuses salvadores de seu império e esquecer-vos do que
vai contra a natureza. Que dizeis pois a isto? Pois eu espero que vós não sejais uns ingratos para com esta sua humanidade, posto
que
vos estão exortando ao melhor'.
8.
Dionísio respondeu: 'Não todos
adoram a todos os deuses, mas cada um adora aos que crê
que o são, e assim nós rendemos culto e adoramos ao Deus único e criador de
todas as coisas, o que pôs também o império nas mãos dos augustos Valeriano e Galieno, amados de Deus, e a ele dirigimos continuamente nossas súplicas pelo império, com o fim de que permaneça
inabalável'.
9.
Emiliano, que exerce como
governador, disse: 'Pois, quem vos impede de adorar também
a este, se é que é Deus, com os deuses que o são por natureza? Porque vos é
ordenado dar culto aos deuses, e deuses que todo o mundo conhece'. Dionísio
respondeu: "Nós não adoramos a nenhum outro'.
10. Emiliano, que exerce como governador, disse: 'Estou vendo que vós sois não somente ingratos, mas também insensíveis à mansidão de nossos augustos; pelo que não
ireis permanecer na cidade, mas sereis deportados às regiões da Líbia, a um lugar chamado Kefró; é o local que escolhi, por
mandato de nossos augustos, e de
nenhuma maneira vos será permitido, nem a vós nem a nenhum outro, fazer reuniões ou entrar nos chamados
cemitérios.
11.
Agora bem, se acontecer que algum não se apresentar no lugar
que lhe mandei[5] ou for
encontrado em reunião com alguém, sobre si mesmo terá chamado o perigo, pois não lhe há de faltar a
necessária vigilância. Retirai-vos pois para onde vos mandei'.
E, apesar de que me achava doente, obrigou-me a sair apressadamente, sem dar sequer o prazo de um dia. Que tempo tinha eu, pois, para convocar ou não convocar uma
reunião?[6]"
12. Logo, depois de
outras coisas, diz:
"Mas, com a ajuda de Deus, nem sequer da reunião visível nos
abstivemos, mas, por uma parte punha grande empenho em reunir os da cidade como se eu estivesse com eles: Ausente com o corpo —
diz — mas presente com o espírito[7];
e por outra parte, em Kefró veio
a habitar conosco uma igreja numerosa,
pois alguns irmãos nos seguiam da cidade e outros juntavam-se a nós
desde o Egito.
13. E ali mesmo Deus nos abriu uma porta para a palavra[8]. No início, é
verdade, nos perseguiram e apedrejaram, mas logo alguns pagãos,
muitos, deixaram os ídolos e se converteram a Deus. Nunca
antes tinham recebido a palavra, e só então semeava-se entre eles pela
primeira vez, graças a nós.
14. É como se Deus nos tivesse conduzido até eles por esta causa, pois assim
que cumprimos este ministério, novamente nos afastou.
De fato, Emiliano
quis trasladar-nos a lugares aparentemente ainda mais ásperos e mais líbicos, e mandou que os de todas as partes confluíssem
para Mareota, depois de designar para
cada um uma aldeia da região. Mas a nós colocou mais no caminho, para
prender-nos em primeiro lugar. Porque era evidente que ia dispondo e
preparando de modo que, quando quisesse prender-nos todos, pudesse ter-nos bem
à mão.
15. Eu, de minha
parte, quando me ordenaram partir para Kefró, por mais que ignorasse em que direção se achava este lugar, pois quase não se
tinha ouvido sequer o nome antes, ainda assim, parti até animado e
tranqüilo. Mas quando anunciaram que deveria trasladar-me à região de Colutio,
os que estavam presentes sabem como me
afetou (pois aqui devo acusar-me a mim mesmo).
16. Na mesma hora molestou-me e o tomei por grande mal, porque, ainda que esses lugares não
fossem mais conhecidos ou familiares, ainda assim, afirmava-se que a região carecia de cristãos e de homens honrados, e
que, em troca, achava-se exposta às
moléstias dos viandantes e às incursões dos salteadores.
17. Consegui
porém consolar-me ao recordarem-me os irmãos que estava mais perto da cidade e
que, se em Kefró tinha numerosas relações com os irmãos vindos do Egito,
ao ponto de poder ter assembléias mais amplas, ali, por outro lado, com a
cidade mais perto, gozaríamos mais freqüentemente da visão dos que verdadeiramente eram muito amados e da maior intimidade e
amizade, porque eles viriam e se hospedariam, e como nos bairros mais
afastados, haveria reuniões parciais, e assim sucedeu."
18. E depois de outras coisas ainda escreve o seguinte acerca do que lhe
sucedeu: "Germano se gaba de muitas confissões[9]! Ao menos pode
dizer que é muito o que houve contra ele, tanto quanto pode enumerar de nós: sentenças, confiscos, proscrições, despojo dos bens,
destituição de dignidades, indiferença pela glória mundana, desprezo de
elogios de governantes e senadores, inclusive dos contrários, e suportar ameaças,
gritarias hostis, perigos, perseguições,
vida errante, angústias e toda classe de tribulações, as mesmas que me
sucederam sob Décio e Sabino e mesmo agora sob Emiliano.
19. Mas, de onde apareceu Germano? Que documento há sobre ele? Pois bem, estou cansado
desta grande loucura em que vou caindo[10]
por culpa de Germano; e pelo mesmo motivo desisto também de dar explicações
detalhadas dos acontecimentos aos irmãos que já os conhecem."
20. E o mesmo Dionísio, na carta a Domécio e a Dídimo, volta a mencionar os eventos da
perseguição nestes termos:
"Mas é supérfluo fazer-vos uma lista nominal dos nossos, que são
muitos e não os conheceis; sabei contudo que homens e mulheres,
jovens e velhos, donzelas e anciãos, soldados e civis, e todo sexo e toda
idade, vencedores na luta, uns por açoites e fogo e outros pelo ferro, todos
receberam suas coroas.
21. Para outros, porém, não correu ainda um tempo
longo o bastante para parecer aceitável ao Senhor. Tampouco a mim até o
presente, pelo que se vê, pelo que me reservou para o momento oportuno que bem
conhece o mesmo que diz: Em tempo aceitável te ouvi e no dia da salvação te
socorri[11].
socorri[11].
22. Como perguntais
por nossa situação e quereis que vos informe de como vamos indo, seguramente já ouvistes como nos conduziam prisioneiros um
Centurião e oficiais com os soldados e criados que iam com eles, a mim e a Caio, Fausto, Pedro e Paulo, e apresentando-se
algumas pessoas de Mareota, nos arrebataram, apesar de nós mesmos,
arrastando-nos à força ao nos
negarmos a segui-los[12].
negarmos a segui-los[12].
23. E agora eu, Caio e
Pedro, os três somente, nos achamos encerrados num local deserto e árido da Líbia, órfãos dos demais irmãos, afastados três
dias de caminhada de Paretonio.
24.
E pouco mais abaixo segue dizendo:
"Ainda assim, na cidade[13] acham-se
escondidos e visitam em segredo os irmãos, de um lado os presbíteros Máximo,
Dióscoro, Demétrio e Lúcio -já que os mais
conhecidos no mundo, Faustino e Aquilas, andam errantes pelo Egito -, e de outro os diáconos que
sobreviveram aos que morreram na ilha[14]: Fausto,
Eusébio e Queremon. Eusébio é aquele a quem Deus fortaleceu e preparou
desde o princípio para cumprir ardorosamente o serviço aos confessores encarcerados e levar a cabo, não sem perigo, o enterro
dos corpos dos perfeitos e santos mártires.
25. De fato, até o presente o governador não deixa de dar morte cruel, como
disse antes, a alguns dos que são conduzidos a ele, de
dilacerar outros em torturas e de consumir em cárceres e prisões
o restante, ordenando que ninguém deles se aproxime, e
perguntando se alguém aparece. E mesmo assim Deus não cessa de aliviar os oprimidos, graças ao ânimo e perseverança dos
irmãos."
26. Isto narra Dionísio. Mas há que se saber que Eusébio, a quem ele chamou
diácono, pouco depois foi instituído bispo de Laodicéia da Síria. Quanto a Máximo, que então disse
que era presbítero, sucedeu ao próprio Dionísio no ministério dos irmãos em Alexandria, enquanto que Fausto, que naquele
momento se distinguiu junto com ele por sua confissão, sobreviveu até a perseguição de nossos dias, e já muito
ancião e pleno de dias, consumou seu
martírio em nosso tempo[15], decapitado.
Isto sucedeu a Dionísio naquele tempo.
XII - Dos que morreram mártires em
Cesaréia da Palestina
1. Na mencionada perseguição de
Valeriano, três foram os que sobressaíram em Cesaréia da Palestina por sua
confissão de Cristo, e lançados como pasto às feras, adornaram-se com o divino
martírio. Um deles chamava-se Prisco, o outro Malco e o terceiro Alexandre.
Diz-se que estes viviam no campo e que
primeiro acusaram a si mesmos de negligência e covardia por mostrarem-se
indiferentes aos prêmios que a ocasião repartia aos que ardiam de celestial
desejo e por não arrebatarem antecipadamente a coroa do martírio; e que depois de haverem assim
deliberado, encaminharam-se a Cesaréia,
apresentaram-se ao juiz e conseguiram para suas vidas o final que acabamos de
dizer. Também contam que além destes, durante a mesma perseguição e na mesma
cidade, uma mulher sustentou o mesmo combate; mas uma tradição afirma
que esta era da heresia de Márcion.
XIII - Da paz
em tempos de Galieno
1. Mas não muito depois, enquanto
Valeriano sofria sua escravidão entre os bárbaros, começou a reinar sozinho seu
filho, e governou com a maior sensatez.
Imediatamente pôs fim por meio de editos à perseguição contra nós, e ordenou por uma resolução[16] aos que
presidiam a palavra que livremente exercessem suas funções costumeiras.
A resolução rezava assim: "O imperador
César Publio Licinio Galieno Pio Félix Augusto, a Dionísio, Pina, Demétrio e aos demais bispos: Ordenei que o
benefício de meu dom se estenda por todo o mundo, com o fim de que se
evacuem os lugares sagrados e por isso também possais desfrutar da regra
contida em minha resolução, de maneira que
ninguém possa molestar-vos. E aquilo que possais recuperar, na medida do
possível, já faz tempo que o concedi. Para tanto, Aurélio Cirínio, que está à frente dos assuntos supremos, manterá
cuidadosamente a regra dada por mim[17]."
Fique inserida aqui, para maior claridade, esta resolução, traduzida do
latim. Conserva-se também, do mesmo imperador, outra
disposição que dirigiu a outros bispos e na qual permite a recuperação dos lugares
chamados cemitérios.
XIV - Os bispos que floresceram naquele tempo
1. Neste tempo Sixto seguia ainda regendo a igreja de Roma; Demetriano a de
Antioquia, em sucessão a Fábio; e Firmiliano a de Cesaréia da Capadócia; além
destes, regiam as igrejas do Ponto Gregório e seu irmão Atenodoro, discípulos de
Orígenes. Quanto a Cesaréia da Palestina, tendo morrido Teoctisto, recebe o
episcopado em sucessão Domno, mas tendo este sobrevivido
pouco tempo, foi instituído sucessor Teotecno, nosso contemporâneo, que
também é da escola de Orígenes. Mas também em Jerusalém, morto Mazabanes,
recebe em sucessão o trono Himeneo, o mesmo que brilhou muitos anos em nossa
época.
XV - De como em Cesaréia morreu mártir Marino
1.
Por estes anos, apesar de que em
todas as partes as igrejas tinham paz, em Cesaréia da Palestina foi decapitado
por ter dado testemunho de Cristo um tal Marino, que pertencia aos altos cargos
do exército e se distinguia por sua linhagem e suas riquezas. A causa foi a
seguinte:
2.
Entre os romanos há uma insígnia de
honra: a vide[18],
e dizem que aqueles que a alcançam convertem-se em centuriões.
Havendo uma vaga liberada, o escalão designava Marino para esta
promoção. Já estava a ponto de receber a honra quando se
apresentou outro ante o tribunal afirmando que, segundo as antigas leis,
Marino não podia tomar parte nas dignidades romanas, já que era cristão e não sacrificava aos imperadores[19], e que o cargo
correspondia a ele.
3.
Ante isto, o juiz (que era Aqueo)
sentiu-se turbado e começou a perguntar a Marino o que
pensava, mas quando viu que este insistia em confessar que era cristão,
concedeu-lhe o prazo de três horas para que refletisse.
4. Achando-se fora do
tribunal, acercou-se dele Teotecno, bispo do lugar, e afastou-o para conversar, e tomando-o pela mão conduziu-o à igreja; uma
vez dentro, colocou-o ante o próprio santuário e, levantando-lhe um pouco o manto, mostrou sua espada, que pendia, ao mesmo
tempo que apresentava e contrapunha
a Escritura dos divinos Evangelhos, mandando que entre as duas coisas escolhesse a que preferia. Mas ele,
sem vacilar, estendeu a direita e tomou a divina Escritura. "Mantém-te
pois - disse-lhe Teotecno -, mantém-te
aferrado a Deus e oxalá alcances, fortalecido por Ele, o que escolheste. Vai
em paz."
5. Saiu
imediatamente dali. Um pregoeiro lançava já seu grito chamando-o de novo ante o tribunal. De fato havia-se cumprido o
prazo previamente fixado. Apresentou-se
então ante o juiz, e mostrando um entusiasmo ainda maior por sua fé, em seguida, tal como estava, foi conduzido
ao suplício e foi executado.
O que te chamou mais atenção no
texto lido?
Que parte do texto serviu para
sua espiritualidade?
Ícone da Capa: Catarina de Alexandria
(287-305), também conhecido como A Grande Mártir Santa Catarina é uma santa e
mártir cristã que se alega ter sido uma notável intelectual no início do século
IV.
[1] Tob 12:7
(livro deuterocanônico).
[2]
Pro-prefeito e depois prefeito do Egito.
[3] At 5:29.
[4] Pequeno
lugar não localizado, mas muito distante de Alexandria.
[5] O
deportado tinha que mudar-se por seus próprios meios ao lugar da condenação; a
desobediência era castigada com a morte.
[6] Esta
pergunta responde à acusação de Germano.
[7] 1 Co
5:3.
[8] Cl 4:3.
[9] Quer
dizer, confissões de fé ante as autoridades.
[11] Is 49:8; 2 Co 6:2.
[12] Vide VI:XL:5-9.
[13]
Alexandria.
[14] Não é
possível saber de que ilha pode ser esta. É possível que em vez de nésos (ilha)
Eusébio tenha escrito nósos (doença), neste caso poderia tratar-se da
grande peste de 252.
[16] Galieno
havia promulgado um edito geral, a resolução guardada por Eusébio apenas aplica
ao Egito as disposições daquele.
[17] Não é o
reconhecimento do cristianismo como "religio licita", mas reconhece o
direito das igrejas locais de possuírem bens próprios.
[18] Era o
bastão de mando do Centurião, chamado vitis; por metonímia o próprio
grau de centurião recebeu este nome.
[19] O edito
de Galieno não reconhecia o cristianismo como "religio licita", podendo
portanto ocorrer casos como o de Marino.
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