sexta-feira, 9 de setembro de 2016

47 - História Eclesiástica de Eusébio de Cesareia Livro VII – Capítulos 30 a 32

47
História Eclesiástica de Eusébio de Cesareia
Livro VII – Capítulos 30 a 32

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XXX[1]
XXXI - Da heterodoxa perversão dos maniqueus, iniciada precisamente então.
XXXII - Dos varões eclesiásticos que se distinguiram em nosso tempo e quais deles viveram até o ataque às igrejas.



XXX[2]
1.            Então os pastores ali reunidos com o mesmo fim escrevem de comum acordo uma só carta dirigida pessoalmente a Dionísio, bispo de Roma, e a Máximo, da de Alexandria, e a transmitem a todas as províncias, pondo a claro para todos seu próprio zelo e a perversa heterodoxia de Paulo, assim como os argumentos e perguntas que haviam brandido contra ele, e expondo ainda com detalhe toda a vida e conduta daquele homem. Talvez seja bom citar nesta obra, para fazer memória, as seguintes pala­vras suas:
2.            "A Dionísio, a Máximo, a todos nossos colegas no ministério por todo o mundo habitado: bispos, presbíteros e diáconos, e a toda a Igreja católica que está sob o céu, Heleno, Himeneo, Teófilo, Teotecno, Máximo, Proclo, Nicomas, Eliano, Paulo, Bolano, Protógenes, Hieraco, Eutiquio, Teodoro, Malquion, Lúcio e todos os demais que conosco habitam as cidades e povoações vizinhas, bispos, presbíteros, diáconos e as igrejas de Deus: aos amados irmãos, saúde no Senhor".
3.            Pouco depois disto, acrescenta o seguinte:
"Escrevíamos e ao mesmo tempo exortávamos a muitos, inclusive a bispos de longe, a vir e curar este mortífero ensinamento, assim como também aos benditos Dionísio o de Alexandria e Firmiliano de Capadócia. Destes, o primeiro escreveu uma carta a Antioquia, não considerando o autor do erro digno nem de uma saudação, pelo que não lhe escreveu pessoalmente, mas a toda a comunidade; desta carta anexamos uma cópia.
4.   Firmiliano, por outro lado, que inclusive veio duas vezes, condenou certa­mente as inovações daquele - como sabemos e atestamos os que estavam presentes e o sabem também muitos outros -, mas como Paulo prometera mudar, ele, crendo e esperando que o assunto se arranjaria oportunamente
sem desdouro para a doutrina, o foi deferindo, enganado pelo homem que
negava a seu próprio Deus e Senhor e não observava a fé que anteriormente ele mesmo possuía.
5.             Mas agora Firmiliano estava já a ponto de chegar a Antioquia e havia chegado concretamente até Tarso, pois havia experimentado a maldade negadora de Deus daquele homem; mas no intervalo, estando nós outros reunidos chamando-o e esperando que chegasse, alcançou-o a morte."
6.             E depois de outras coisas, novamente descrevem a vida e a conduta de Paulo nos seguintes termos:
"Desde o ponto em que se afastou da regra e passou a ensinamentos falsos e bastardos, não se devem julgar as ações do que está fora[3];
7.             nem sequer pelo fato de que, sendo primeiramente pobre e mendigo e não havendo recebido de seus pais riqueza nenhuma nem havendo-a adquirido mediante um ofício ou qualquer ocupação, agora chegou a uma excessiva opulência proveniente de suas ilegalidades, de seus roubos sacrílegos e do que pede e suga dos irmãos, defraudando os que foram vítimas de injustiça e prometendo ajuda por um salário: em realidade, enganando também estes e tirando proveito sem razão da facilidade com que dão os que estão em apuros apenas para se libertarem do incômodo, já que ele considera a religião como fonte de lucros[4];
8.             tampouco porque tem pensamentos altivos e se orgulha de estar investido com dignidades mundanas, preferindo que o chamem ducenário do que bispo, avançando jactancioso pela praça e lendo e ditando cartas enquanto passeia em público, escoltado por guardas muito numerosos, uns precedendo-o e outros seguindo-o; o resultado é que a própria fé se vê desprezada e odiada por causa de sua ostentação e do orgulho de seu coração;
9.      e tampouco se devem julgar os jogos de prestidigitação que organizava nas reuniões eclesiásticas aspirando a glória, deslumbrando a imaginação e ferindo com estas coisas as almas dos mais simplórios. Fez preparar para si uma tribuna e um trono elevado - não como discípulo de Cristo -, e igual aos príncipes do mundo, tinha-e assim o chamava- seu secretum[5]; com a mão golpeava a coxa e com os pés batia na tribuna. E aos que não o aprovavam nem agitavam os lenços, como nos teatros, nem lançavam gritos nem se levantavam de um salto junto com seus sequazes, homens e mulheres que nesta desordem o ouviam, e, portanto, aos que o escutavam com gravidade e em boa ordem, como na casa de Deus, a estes desprezava e insultava. E aos intérpretes da doutrina que partiram desta vida ele insultava em público grosseiramente, enquanto que de si mesmo falava com grande ênfase, não como um bispo, mas como um sofista e um charlatão.
10.  Fez também que cessassem os salmos em honra de nosso Senhor Jesus Cristo, porque dizia que eram modernos e obra de homens bastante modernos; em troca, preparou umas mulheres para que em sua honra salmodiassem em meio a igreja no grande dia de Páscoa. É de estremecer-se ouvindo-as! E que coisas deixava que os bispos e presbíteros tratassem em suas homílias ao povo dos campos e cidades limítrofes, seus aduladores!
11.     Porque ele não quer confessar conosco que o Filho de Deus desceu do céu (isto para expor de antemão algo do que escreveremos, e que não o diremos como simples afirmação, mas que será demonstrado com muitas passagens dos documentos que vos enviamos, e sobretudo aquele em que se diz que Jesus Cristo é de baixo); mas aqueles, quando lhe cantam salmos e o louvam ante o povo, afirmam que seu ímpio mestre desceu como anjo do céu. E ele não só não impede isto, mas até, em sua soberba, acha-se presente quando o dizem.
12.     Quanto às mulheres subintroductas - como as chamam os antioquenhos -, as dele e as dos presbíteros e diáconos de seu séquito, aos quais ajuda a ocultar este e os demais pecados incuráveis, já de plena consciência e com provas convincentes para tê-los a sua mercê e para que, temendo por si mesmos, não se atrevam a acusá-lo das injustiças que comete por palavra e por obra - e mais, inclusive tornou-os ricos, pelo que o querem e admiram os que se perdem por tais coisas... -, por que haveríamos de escrever isto?
13.     Ainda assim, sabemos, queridos, que o bispo e o clero inteiro devem ser para a multidão um exemplo[6] de toda obra boa[7], e não ignoramos tam­pouco quantos caíram por ter introduzido para si mulheres, enquanto outros tornaram-se suspeitosos, tanto que, mesmo concedendo-lhe que nada fazia de indecoroso, não obstante era necessário ao menos precaver-se contra a suspeita que nasce de um tal assunto, para não escandalizar ninguém e evitar que outros o tentem.
14.   Porque, como poderia repreender e advertir outro para que não coabite mais sob o mesmo teto com uma mulher e se guarde de cair, como está escrito[8], um que já afastou uma de si, mas que tem consigo duas em plena juventude e de boa aparência, e que, se vai para outro lugar, para lá as leva consigo, e isto com desperdício de luxo?
15.   Por causa disto choram todos e se lamentam dentro de si mesmos, mas é tanto o temor à tirania e poder dele que ninguém se atreve a uma acusação.
16.Mas, como já dissemos, disto poderíamos corrigir um homem que tivesse ao menos um pensamento católico e se contasse entre nós, mas de um que traiu o mistério[9] e se pavoneia da abominável heresia de Artemas (por que, de fato, não seria necessário manifestar quem é seu pai?) cremos que não se pode pedir contas de tudo isto."
17. Logo, ao final da carta, acrescentam:
"Por conseguinte, ao seguir opondo-se a Deus e não ceder, vimo-nos forçados a excomungá-lo e a estabelecer em seu lugar para a Igreja católica - segundo providência de Deus, estamos convencidos - outro bispo, Domno, o filho do bem-aventurado Demetriano - este havia presidido antes daquele, de forma notável, esta mesma igreja -, varão adornado com todas as qualidades que convém a um bispo. E isto vos manifestamos para que lhe escrevais e recebais dele as cartas de comunhão. Quanto ao outro, que escreva a Artemas e que tenham comunhão com ele os que pensem como Artemas[10]."
18.     Assim pois, caído Paulo do episcopado e da ortodoxia de sua fé, sucedeu-o Domno, como foi dito, no ministério da igreja de Antioquia.
19. Mesmo assim, como Paulo não quisesse de modo algum sair do edifício da igreja, o imperador Aureliano, a quem se solicitou, decidiu muito oportuna­mente o que deveria ser feito, pois ordenou que se outorgasse a casa àqueles com quem estivessem em correspondência epistolar os bispos da doutrina da Itália e da cidade de Roma. Assim é que o homem antes mencionado, para extrema vergonha sua, foi expulso da igreja pelo poder mundano.
20. Assim era para conosco Aureliano, pelo menos por então. Mas, já avançado seu império, mudou de pensamento sobre nós e se deixava excitar por certos conselhos para que suscitasse uma perseguição contra nós. Eram muitos os rumores sobre este ponto em todos os ambientes.
21. Mas, quando estava a ponto de fazê-lo e, por assim dizer, já assinava os decretos contra nós, a justiça divina o alcançou, retendo-o no ato como que amarrando-lhe os braços[11]. Com isto permitiu a todos ver claramente que nunca os poderes desta vida teriam facilidade contra as igrejas de Cristo se a mão que nos protege, por juízo divino e celeste, para nossa instrução e conversão, não permitisse[12] que isto se levasse a cabo nos tempos que ela julga bons.
22.  Assim pois, a Aureliano, que exerceu o poder durante seis anos, sucede Probo, e a este, que o deteve mais ou menos os mesmos anos, Caro, junto com seus filhos Carino e Numeriano. E tendo estes por sua vez durado outros três anos incompletos, o poder absoluto passa a Diocleciano e aos que foram introduzidos depois dele por adoção, sob os quais levou-se a
cabo a perseguição de nosso tempo e nela a destruição das igrejas.
23. Agora bem, muito pouco tempo antes disto, Félix sucede no ministério ao bispo de Roma Dionísio, que nele havia passado nove anos.

XXXI - Da heterodoxa perversão dos maniqueus, iniciada precisamente então
1.            Neste tempo, também aquele louco, epônimo da endemoninhada here­sia, armava-se do extravio da razão; o demônio, sim, o próprio Satanás, adversário de Deus, empurrava aquele homem para ruína de muitos. Sen­do como era bárbaro em sua vida, por sua própria fala e seus costumes, e demoníaco e demente por natureza, empreendia façanhas em conso­nância com isto e tentava fazer o papel de Cristo, ora proclamando-se a si mesmo Paráclito[13] e Espírito Santo em pessoa[14], inflado por sua lou­cura, ora elegendo, como Cristo, doze discípulos co-partícipes de seu novo sistema.
2.            Em realidade, impingiu umas falsas e ímpias doutrinas a base de remendos recolhidos das inúmeras e ímpias heresias, já há muito extintas, e desde a Pérsia as foi transmitindo como veneno mortífero até nossa própria terra habitada, e desde então o ímpio nome dos maniqueus pulula até hoje entre muitos. Este foi, pois, o fundamento desta gnose de falso nome, que brotou nos tempos mencionados.

XXXII - Dos varões eclesiásticos que se distinguiram em nosso tempo e quais deles viveram até o ataque às igrejas
1.            Por este tempo, havendo Félix presidido a igreja de Roma durante cinco anos, sucede-o Eutiquiano. Este, que não sobreviveu dez meses inteiros, deixou o cargo a Caio, contemporâneo nosso, e havendo este exercido a presidência uns quinze anos, institui-se como sucessor Marcelino, a quem também arrebatará a perseguição.
2.            E por estas datas regia o episcopado de Antioquia, depois de Domno, Timeu, a quem sucedeu Cirilo, contemporâneo nosso. De seu tempo conhecemos Doroteu, varão douto e julgado digno do presbiterado de Antioquia. Este foi um amante das coisas divinas e exercitou-se na língua hebraica, tanto que até podia ler e compreender as próprias escrituras hebréias.
3.            Ele não era alheio aos estudos mais liberais, nem à instrução preliminar dos gregos, e além disto era eunuco por natureza, feito assim já desde seu próprio nascimento, de maneira que o imperador honrou-o com a administração da tinturaria de púrpura de Tiro.
4.             A este escutamos explicar as Escrituras com sapiência na igreja. E depois de Cirilo o episcopado da igreja de Antioquia foi recebido em sucessão por Tirano, em cujos dias o ataque às igrejas alcançou o cume.
5.      Já a igreja de Laodicéia, depois de Sócrates, foi governada por Eusébio, oriundo da cidade de Alexandria. A causa de sua emigração foi o assunto referente a Paulo. Por causa deste subiu à Síria, e os que nela se ocupavam das coisas de Deus impediram-no de voltar a sua casa. Para nossos contem­porâneos foi um exemplo amável de religião, como facilmente se descobre nas expressões de Dionísio anteriormente citadas.
6.      Foi instituído como seu sucessor Anatolio, um bom que, como se diz, sucede a outro bom. Também era alexandrino de origem, e por seus estudos, por sua educação grega e por sua filosofia alcançou os primeiros postos entre os mais ilustres de nossos contemporâneos, já que avançou até o cume da aritmética, da geometria, da astronomia e de toda especulação teórica, da dialética como da física, assim como da retórica. Por esta causa, como quer uma tradição, os cidadãos de Alexandria o consideraram digno de organizar ali a escola da sucessão de Aristóteles.
7.      Recordam-se, pois, dele, inúmeras outras façanhas de quando houve o sítio do Piruquío[15], já que todas as autoridades o consideravam digno de um privi­légio especial; mas eu só vou mencionar, como demonstração, o seguinte.
8.            Dizem que, faltando o trigo aos sitiados, a ponto de que a fome lhes era mais insuportável do que os inimigos de fora, o mencionado Anatolio, que se achava presente, tomou as seguintes disposições. Como a outra parte da cidade estava aliada ao exército romano e não se encontrava sitiada, Anatolio enviou uma mensagem a Eusébio, que se encontrava entre os não sitiados (de fato ainda estava ali, antes de sua emigração para a Síria) e cuja glória e famoso nome haviam chegado até o general em chefe dos romanos, e informou-o dos que pereciam de fome ao largo do assédio.
9.     Este, assim que o soube, pediu ao general romano, como um enorme favor, que garantisse a segurança aos desertores do campo inimigo. E quando conseguiu sua petição, fê-lo saber a Anatolio. Este, imediatamente depois de receber a promessa, reuniu o conselho dos alexandrinos. Começou pedin­do a todos que oferecessem sua destra aos romanos em sinal de amizade, mas assim que viu que sua promessa os enfurecia, disse: "Mesmo assim, creio que ao menos nisto não me sereis contrários, se vos aconselhar a pôr para fora das portas pelo menos as pessoas supérfluas e absolutamente inúteis, anciãs, crianças e anciãos, e que se vão para onde queiram. Por que vamos tê-los entre nós inutilmente se não for já para morrer? E para que estamos esgotando pela fome os enfermos e quebrantados de corpo, já que nos é necessário alimentar apenas aos homens e aos jovens, e reservar o trigo necessário para os que são capazes de guardar a cidade?"
10.     Com tais arrazoados conseguiu persuadir o conselho, e levantando-se o primeiro, votou um decreto: despedir da cidade todo aquele que não fosse apto para o serviço militar, homem ou mulher, já que não havia esperança de salvação para os que ficassem na cidade e nela passassem o tempo sem utilidade alguma, pois morreriam de fome.
11.     E deste modo, quando todos os demais do conselho emitiram o mesmo voto, faltou muito pouco para que salvassem a todos os sitiados. Preocupou-se de que primeiro fugissem os que procediam da igreja, e logo também os demais que estavam na cidade, de qualquer idade que fossem. E não somente dos que caíam dentro do decreto, mas também, com o pretexto destes, muitos outros que, secretamente disfarçados de mulher e por cuidado daquele, saíam à noite das portas e lançava-se ao exército romano. Ali Eusébio recebia a todos, e como um pai e médico, com todo tipo de providências e de cuidados, restaurava os maltratados pelo longo assédio.
12.     De tais pastores foi digna a igreja de Laodicéia, onde os dois se sucederam depois que emigraram para lá desde a cidade de Alexandria, com a ajuda da providência divina, ao terminar a mencionada guerra.
13.     Na verdade não são muitas as obras compostas por Anatólio, mas chegaram a nós as suficientes para poder perceber através delas sua eloqüência e sua grande erudição. Nelas apresenta sobretudo suas opiniões acerca da Páscoa, das quais quiçá seja necessário mencionar na presente obra o seguinte: Extrato dos Cânones de Anatólio sobre a Páscoa.
14.     "Toma pois no primeiro ano o novilúnio do primeiro mês, que é o começo do período de dezenove anos, o 26 de Famenoz segundo os egípcios, o 22 de Distro, segundo os meses dos macedônios e, como diriam os romanos, o undécimo antes das calendas de abril.
15.     O sol encontra-se no mencionado dia 26 de Famenoz, não apenas entrado no primeiro segmento, mas no quarto dia de sua passagem por ele. Costuma-se chamar este segmento o primeiro dodecatemórion, equinócio, começo dos meses, cabeça do ciclo e largada do curso dos planetas. O que o pre­cede é o último dos meses, o duodécimo seguinte, último dodecatemórion e final do curso dos planetas. Por isso dizemos que erram muito e gravemente os que situam nele o primeiro mês, e em conseqüência, tomam o décimo quarto dia como o dia da Páscoa.
16. Não é esta nossa doutrina; mas os judeus antigos já a conheciam, inclusive de antes de Cristo, e a guardavam com todo esmero. Pode-se saber pelo que disseram Fílon, Josefo e Museo, e não somente estes, mas também os que são mais antigos, os dois Agatóbulos, conhecidos como os mestres de Aristóbulo, o famoso, que foi dos Setenta que traduziram para Ptolomeu Filadelfo e para o pai deste as sagradas e divinas Escrituras[16] dos hebreus e dedicou aos próprios reis livros de exegese da lei de Moisés.
17.     Estes, ao resolverem os problemas do Êxodo, dizem que todos devem sacrificar a Páscoa por igual, depois do equinócio de primavera, em meados do primeiro mês, e isto se encontra quando o sol atravessa o primeiro segmento da elíptica solar ou - como alguns deles a nomeiam - do zodíaco. Por sua parte, Aristóbulo acrescenta que na festa da Páscoa não somente o sol, mas também a lua, deve forçosamente atravessar o segmento equinocial,
18. porque, sendo os dois segmentos equinociais - um da primavera e outro do outono -, diametralmente opostos entre si, e dado que o dia da festa pascal é o décimo quarto do mês, à tarde, a lua tomará a posição diametralmente oposta com respeito ao sol, como efetivamente se pode ver nos plenilúnios; e então o sol estará no segmento equinocial da primavera, e a lua, forçosa­mente, no segmento equinocial do outono.
19. Sei que estes homens disseram também muitas outras coisas, ora verossímeis, ora avançadas, conforme rigorosas demonstrações, por meio das quais tentavam estabelecer que a festa da Páscoa e dos ázimos deveria a todo custo ser celebrada depois do equinócio. Mas eu passo por alto pedir tais materiais de demonstração a aqueles para os quais o véu que cobria a lei de Moisés foi retirado e adiante já podem contemplar sempre com o rosto descoberto a Cristo e os ensinamentos e os sofrimentos de Cristo[17]. Agora bem, que entre os hebreus o primeiro mês cai em torno do equinócio, dão a entender até os ensinamentos do livro de Enoque."
20. E ele mesmo deixou também umas Introduções aritméticas em dez livros inteiros, e outras provas de seu estudo assíduo e grande experiência das coisas divinas.
21. O bispo de Cesaréia da Palestina, Teotecno, foi o primeiro que lhe impôs as mãos para o episcopado, buscando de antemão procurar para sua igreja um sucessor seu para depois da morte. E, efetivamente, por breve espaço de tem­po ambos presidiram a mesma igreja, mas tendo sido chamado a Antioquia pelo concilio reunido contra Paulo, ao passar pela cidade de Laodicéia, os irmãos dali retiveram-no em seu poder, por ter morrido Eusébio.
22. Mas tendo partido desta vida também Anatólio, nomeia-se Estevão, último bispo daquela igreja antes da perseguição. Admirado por muitos em razão de suas doutrinas filosóficas e de toda sua cultura grega, não tinha, porém, as mesmas disposições a respeito da fé divina, como demonstrou o transcurso da perseguição, que pôs a descoberto o homem solapado, covarde e pouco viril, mais que o verdadeiro filósofo.
23. Mas não por isso iria a igreja arruinar-se; antes o próprio Deus e salvador de todos a restabeleceu, fazendo que imediatamente se proclamasse bispo daquela igreja a Teodoto, um homem que com suas próprias obras tornava realidade o que seu nome e o de bispo significam[18]. Efetivamente, em primeiro lugar destacava-se na ciência que cura os corpos; mas na terapêutica
das almas não teve igual, por seu amor aos homens, sua nobreza, sua compaixão e seu zelo em ser útil aos que necessitavam dele. Também havia se exercitado muito no que tange aos ensinamentos divinos.
Assim era Teodoto.
24. Em Cesaréia da Palestina, Teotecno, que havia exercido com toda solici­tude seu episcopado, é sucedido por Agapio, de quem sabemos que lutou muito, despendendo a mais generosa providência na proteção do povo e cuidando de todos com mão abundante, especialmente dos pobres.
25. Em seu tempo conhecemos a Panfilo, homem muito distinto, verdadeiro filósofo por sua própria vida e considerado digno do presbiterado da comunidade local. Não seria um tema pequeno mostrar quem era e de onde procedia, mas cada aspecto de sua vida e da escola que ele constituiu, assim como seus combates em diferentes confissões quando da perseguição e a coroa do martírio que se cingiu ao fim de tudo, explicamos com pormenores em obra especial sobre ele[19].
26. Pois bem, este foi o mais admirável de todos os daqui. Mesmo assim, entre os mais próximos a nosso tempo sabemos de homens de mui rara qualidade: Pierio, um presbítero de Alexandria, e Melicio, bispo das igrejas do Ponto.
27. O primeiro se fez notar por uma vida inteiramente pobre e por seus conhecimentos filosóficos, tendo-se exercitado extraordinariamente em especulações e comentários acerca das coisas divinas e em homílias públicas na igreja. E Melicio (o mel de Ática chamavam-no as pessoas instruídas) era como alguém o descreveu: o mais perfeito por sua doutrina. É impossível admirar-se como merece o vigor de sua retórica, mas podia-se dizer que ele o tinha por natureza. E quanto à perícia no restante e à vasta erudição, quem poderia superar sua excelência?
28.     Antes que o provasses uma só vez, dirias que era o homem mais hábil e mais firme em todas as ciências da razão. Além disso, sua vida virtuosa estava também à altura. Nós o observamos durante sete anos completos quando, por ocasião da perseguição, andou fugitivo de uma lado para outro pelas regiões da Palestina.
29. Na igreja de Jerusalém, depois de Himeneo - o bispo mencionado pouco acima -, recebe o ministério Zabdas. Morto este não muito depois, recebe em sucessão o trono apostólico, ali conservado ainda até hoje, Hermon, último bispo até a perseguição de nossos tempos.
30.  E em Alexandria é Teonas que sucede a Máximo, que exerceu o episcopado depois da morte de Dionísio por dezoito anos. Em seu tempo era célebre em Alexandria Aquilas, considerado digno do presbiterado junto com Pierio. Estava encarregado da escola da fé sagrada[20] e deu provas de uma obra filosófica de mui rara qualidade, não inferior à de ninguém, e de uma conduta genuinamente evangélica.
31.  E depois de Teonas, que serviu durante dezenove anos, recebe em sucessão o episcopado dos alexandrinos Pedro, que também se distinguiu muito especialmente durante doze anos inteiros. Tendo empregado os três pri­meiros anos anteriores à perseguição, não completos, em governar a igreja, pelo resto de sua vida entregou-se a uma ascese muito mais vigorosa, e sem ocultar-se, velava pelo proveito comum das igrejas, e assim foi como no nono ano da perseguição foi decapitado e adornou-se com a coroa do martírio.
32.  Depois de haver descrito nestes livros o tema das sucessões, desde o nasci­mento de nosso Salvador até a destruição dos oratórios, o que abarca uns trezentos e cinco anos, em continuação vamos deixar por escrito, para que o saibam aqueles que vierem depois de nós, quantos e de que índole foram os combates dos que em nossos dias portaram-se virilmente na defesa da religião.


O que te chamou mais atenção neste texto?
O que serviu para sua espiritualidade?





[1] Este capítulo, assim como o XVII, não figura no índice e carece de título.
[2] Este capítulo, assim como o XVII, não figura no índice e carece de título.
[3] 1 Co 5:12.
[4] 1 Tm 6:5.
[5] Despacho interior do pretório, onde os juízes ditavam sentenças.
[6] 1 Tm 4:12; Tt 2:7.
[7] 2 Tm 2:21; 3:17.
[8] 1 Co 10:12.
[9] 1 Tm 3:16.
[10] A heresia de Artemas (ou Artemon) datava já de pelo menos sessenta anos, não é possível determinar se ele ainda vivia.
[11] Refere-se ao assassinato de Aureliano em finais de agosto de 275.
[12] Jo 19:11.
[13] Isto é, consolador ou Espírito Santo.
[14] Jo 14:16-17.
[15] Bairro mais importante de Alexandria.
[16] Trata-se de Ptolomeu Filométor e não de Ptolomeu Filadelfo.
[17] 2 Co 3:15-18.
[18] Teodoto = dom de Deus; bispo (episcopos) = o que cuida de.
[19] A Vida de Panfilo, escrita em 311-313 e perdida.
[20] Sem dúvida a escola catequética.            

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