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História
Eclesiástica de Eusébio de Cesareia
Livro X
– Capítulos 05 a 11
V. Cópias das leis imperiais referentes aos cristãos
1. Bem, mas no que
segue, citemos também as traduções das disposições imperiais de Constantino e
de Licínio, traduzidas do latim.
Cópia das disposições imperiais
traduzidas do latim.
2. 'Ao considerar, já há tempo, que
não se há de negar a liberdade da religião, mas que se deve outorgar à mente e
à vontade de cada um a faculdade de ocupar-se dos assuntos divinos segundo a
preferência de cada um, tínhamos ordenado aos cristãos que guardassem a fé de
sua escolha e de sua religião.
3.
Mas como
ocorreu que naquele decreto em que aos mesmos se outorgava semelhante faculdade parece que se acrescentavam claramente muitas e
diversas condições, talvez se desse que alguns deles foram pouco depois
violentamente afastados da dita observância.
4. Quando eu, Constantino Augusto, e eu, Licínio Augusto,
nos reunimos felizmente em Milão e nos pusemos a discutir
tudo o que importava ao proveito e utilidade públicas,
entre as coisas que nos pareciam de utilidade para todos em muitos aspectos, decidimos sobretudo distribuir umas primeiras
disposições em que se asseguravam o
respeito e o culto à divindade, isto é, para dar, tanto aos cristãos quanto a todos em geral, livre escolha para
seguir a religião que quisessem, com o fim de que tanto a nós quanto aos
que vivem sob nossa autoridade nos possam ser favoráveis a divindade e os
poderes celestiais que existam.
5. Portanto, foi por um saudável e retíssimo arrazoamento
que decidimos tomar esta nossa resolução: que a ninguém se
negue em absoluto a faculdade de seguir e escolher a observância ou a religião
dos cristãos, e que a cada um se dê a faculdade de entregar sua própria mente à
religião que creia que se adapta a ele, a fim de que a
divindade possa em todas as coisas outorgar-nos sua habitual solicitude e
benevolência.
6.
Assim era natural que déssemos por
decreto o que era de nosso agrado: que, suprimidas por completo as condições
que se continham em nossas primeiras cartas
a tua santidade acerca dos cristãos, também se suprimisse tudo o que
parecia ser inteiramente sinistro e alheio a nossa mansidão, e que agora cada um dos que sustentam a mesma
resolução de observar a religião
dos cristãos, observe-a livre e simplesmente, sem impedimento algum.
7. Tudo isto decidimos manifestar da maneira mais completa
a tua solicitude, para que saibas que nós demos aos
mesmos cristãos livre e absoluta faculdade de cultivar sua própria
religião.
8.
Já que estais
vendo o que precisamente lhes demos sem restrição alguma, tua santidade compreenderá que também a outros, a quem queira, dá-se-lhes faculdade de prosseguir suas próprias
observâncias e religiões - o que precisamente
está claro que convém à tranqüilidade de nossos tempos -, de sorte que cada um tenha possibilidade de escolher
e dar culto à divindade que queira.
Isto é o que fizemos, com o fim de que não pareça que menoscabamos o
mínimo a honra ou a religião de ninguém.
9. Mas,
além disto, em atenção às pessoas dos cristãos, decidimos também o seguinte: que seus lugares em que anteriormente
tinham por costume reunir-se e acerca dos quais já em carta anterior
enviada a tua santidade havia outra regra, delimitada para o tempo anterior, se
parecer que alguém os tenha comprado, seja
de nosso tesouro público, seja de qualquer outro, que os restitua aos mesmos cristãos, sem reclamar
dinheiro nem compensação alguma, deixando de lado toda negligência e
todo equívoco, E se alguns, por acaso, os receberam como doação, que estes
mesmos lugares sejam restituídos o mais rapidamente possível aos mesmos
cristãos.
10. Mas de tal maneira que, tanto os que haviam comprado
ditos lugares como os que os receberam de presente, se
pedirem alguma compensação de nossa benevolência, possam
acudir ao magistrado que julga no lugar, para que também se proveja a ele por
meio de nossa bondade.
11. Tudo o que deverá ser entregue à corporação dos cristãos, pelo mesmo,
graças a tua solicitude, sem a menor dilação.
E como ocorre que os mesmos cristãos não somente têm aqueles lugares em que costumavam reunir-se, mas que se sabe que
também possuem outros lugares pertencentes, não a cada um deles, mas ao direito
de sua corporação, isto é, dos cristãos, em virtude da lei que anteriormente
mencionei mandarás que todos esses
bens sejam restituídos sem o menor protesto aos mesmos cristãos, isto é, a sua corporação, e a cada uma
de suas assembléias, guardada, evidentemente,
a razão exposta acima: que aqueles, como dissemos, que os restituírem
sem recompensa, esperem de nossa benevolência sua própria indenização.
12. Em tudo isto deverás oferecer à dita corporação dos
cristãos a mais eficaz diligência, para que nosso comando se
cumpra o mais rapidamente possível e
para que também nisto, graças a nossa bondade, se proveja à tranqüilidade comum e pública.
13. Efetivamente, por esta razão, como também ficou dito,
a solicitude divina por nós, que já experimentamos em
muitos assuntos, permanecerá assegurada por todo o tempo.
14. E para que o alcance desta nossa
legislação benevolente possa chegar ao conhecimento de todos, é preciso que
tudo o que nós temos escrito tenha preferência e por ordem tua se publique por
todas as partes e se leve ao conhecimento de
todos, para que a ninguém se possa ocultar esta legislação, fruto de
nossa benevolência."
Cópia de outra disposição
imperial que também foi tomada assinalando que a doação foi feita somente à igreja católica.[1]
15. "Saúde, estimadíssimo Anulino[2].
É costume de nossa benevolência o seguinte: que nós não
somente queremos que não se cause dano ao que precisamente pertence ao direito
alheio, mas que inclusive se restitua, estimadíssimo Anulino.
16. Daí que queiramos que, ao receber esta carta, se, em
cada cidade ou inclusive em outros lugares, alguns destes
bens pertenciam à Igreja católica dos cristãos e agora os
detenham cidadãos ou outras pessoas, faças com que ditos bens sejam restituídos
imediatamente à mesmas igrejas, posto que decidimos
que precisamente aquilo que as ditas igrejas possuíam antes seja restituído
a seu direito.
17. Por conseguinte, já que tua santidade está comprovando
que a ordem deste nosso comando é evidente, apressa-te para que tudo, sejam
jardins, casas ou qualquer outra coisa que
pertença ao direito das ditas igrejas, seja-lhes restituído o mais rapidamente possível, de sorte que chegue a nosso
conhecimento que aplicaste a esta nossa ordem a mais escrupulosa
obediência. Que tudo te vá bem, estimadíssimo e mui querido Anulino."
Cópia de uma carta imperial,
pela qual manda que se reúna um concílio de bispos em Roma, sobre a unidade e a concórdia das
igrejas.
18. "Constantino Augusto a Milcíades, bispo dos
romanos, e a Marcos: Muitos importantes documentos me têm sido
enviados da parte do ilustríssimo procônsul
da África Anulino, nos quais se menciona que o bispo da cidade dos
cartagineses Ceciliano é acusado de muitas coisas por alguns de seus colegas com sede na África, e a mim me parece
sumamente grave que nestas províncias,
que a divina providência voluntariamente confiou a minha solicitude e nas quais é muito numerosa a
população, encontre-se uma multidão persistindo no pior, como se
estivesse dividida, e que entre os próprios bispos existam diferenças.
19. Pelo que, decidimos que o próprio Ceciliano, com dez
bispos dos que parecem acusá-lo e outros dez que ele mesmo possa crer
necessários para sua própria causa, embarque para Roma e ali, estando vós
presentes - assim como também vossos
colegas Retício, Materno e Marino[3],
aos quais mandei por esta causa apressarem-se a ir a Roma -, possa ser
ouvido, o que se ajusta, como sabes, à lei augustíssima.
20. Mesmo
assim, para que possais ter acerca de todos estes assuntos um conhecimento completo, anexo a minha carta as cópias
dos documentos que me enviou Anulino
e remeto-os também a vossos colegas anteriormente citados. Quando os lerdes, vossa firmeza decidirá de que
maneira haverá que examinar com o
maior escrúpulo a dita causa e dar-lhe fim conforme o direito,
posto que não vos é ocultado que estou dispensando à legítima Igreja católica um respeito tão grande que por nada do mundo quero que permitais cisma ou divisão em lugar algum. Que a divindade do grande Deus vos guarde por muitos anos, estimadíssimo."
posto que não vos é ocultado que estou dispensando à legítima Igreja católica um respeito tão grande que por nada do mundo quero que permitais cisma ou divisão em lugar algum. Que a divindade do grande Deus vos guarde por muitos anos, estimadíssimo."
Cópia de uma carta imperial pela qual manda que se
faça um segundo concilio sobre a eliminação
de toda DivisãO entre os bispos.
21. "Constantino Augusto a Cresto, bispo dos
siracusanos. Já em ocasião anterior, quando
alguns, com ânimo vil e perverso, começaram a dividir-se acerca do culto do santo e celestial poder e da religião[4]
católica, querendo eu cortar semelhantes discussões entre eles, ditei umas
disposições de tal natureza que, enviando
alguns bispos da Gália aos das partes contrárias que lutavam entre si
obstinada e ferozmente, e achando-se também presente o bispo de Roma, aquilo
que parecia estar em litígio pudesse solucionar-se por efeito de sua presença
unida a um cuidadoso exame.
22. Mas o que ocorre, posto que alguns, esquecendo-se de
sua própria salvação e da veneração devida à santíssima religião, ainda hoje
não cessam de prolongar suas peculiares inimizades e não
querem conformar-se com a sentença já
ditada, declarando que, em realidade, somente alguns poucos aportaram suas próprias opiniões e afirmações, ou até mesmo que, sem haver sido examinado com exatidão tudo o que devia ser
examinado, apressaram-se a emitir o juízo a toda pressa e precipitadamente;
disto veio a resultar que os mesmos que deveriam ter uma concórdia fraterna e
unânime, separaram-se uns dos outros
vergonhosamente, e mais, abominavelmente, e deram motivo de zombaria aos homens cujas almas são alheias à
santíssima religião. Devido a isto tive que tomar providências para que
o mesmo precisamente que deveria ter
cessado por livre assentimento depois do juízo já determinado, possa
chegar a um termo, ao menos agora, com a presença de muitos.
23. Como pois ordenamos a numerosos bispos de diferentes e
incontáveis lugares que se reúnam na cidade de Aries pelas
calendas de agosto[5], pensamos
escrever-te também a ti para que tomes
do governador da Sicília, o ilustríssimo
Latroniano, um veículo público, e juntando a ti pelo menos outros dois da segunda ordem[6]
que tu mesmo venhas a escolher, e depois de tomares ainda três criados que possam servir-vos no caminho, te apresentes esse
mesmo dia no lugar acima indicado.
24. Desta maneira, mediante tua firmeza e a compreensão
unânime e concorde dos demais reunidos, ao ser ouvido tudo o que se dirá da
parte dos que agora estão divididos - aos quais igualmente ordenei estarem
presentes -, aquilo mesmo que por causa de
uma vergonhosa disputa entre companheiros tem se mantido até agora de
forma errada, poderá, ainda que lentamente, ser novamente conduzido à religião
devida, à fé e à concórdia fraterna. Que o Deus Todo-poderoso te conserve são
por muitos anos."
VI.
Cópia de uma carta mediante a qual se faz doação de
dinheiro às igrejas.
1. "Constantino
Augusto a Ceciliano, bispo de Cartago.
Posto que em todas as províncias, particularmente nas
Áfricas, nas Numídias e nas Mauritânias[7],
determinei que se outorgasse algo para os gastos de alguns ministros designados da legítima e santíssima
religião católica, despachei uma carta para o perfeitíssimo
Urso, diretor geral das finanças da África, indicando-lhe
que providenciasse para abonar a tua firmeza três mil follis.
2.
Tu, por
conseguinte, quando acusardes o recebimento da indicada quantia de dinheiro, manda que este dinheiro seja repartido a
todas as pessoas acima mencionadas conforme o documento que Osio te enviou.
3.
Mas se
perceberdes que falta algo para o cumprimento deste meu plano relativo a eles, deverás pedir sem demora a Heráclides, o
procurador de nossos bens, o quanto saibas que é necessário, já que, achando-se
aqui presente, dei-lhe ordens para que se
preocupasse de pagar-te sem a menor vacilação, no caso de que tua
firmeza lhe pedisse algum dinheiro.
4. E como tenho informes de que alguns homens de
pensamento inconstante estão querendo afastar o povo da
santíssima e católica Igreja com perverso engano, saiba que dei ordens
semelhantes ao procônsul Anulino e também ao representante dos
prefeitos, Patrício, que se achavam presentes, para que, além do mais, dediquem também a isto a devida preocupação e não se permitam
descuidar deste assunto.
5.
Portanto, se
virdes que alguns homens assim persistem nesta loucura, apela sem a menor vacilação aos juízes acima citados e
apresenta-lhes este assunto para que
eles, como lhes ordenei quando estavam presentes, os convertam ao bom caminho.
Que a divindade do grande Deus te guarde por muitos anos."
VII. Da
imunidade dos clérigos
Cópia de uma carta imperial
mediante a qual ordena que os presidentes das igrejas sejam eximidos de toda
função pública civil.
1. "Saúde, estimadíssimo Anulino. Como parece, por uma
série de fatos, que sempre que a religião em
que se conserva o supremo respeito ao santíssimo poder do céu foi desprezada, foi causa de grandes perigos para os
assuntos públicos, e por outro lado, quando foi admitida e preservada
legalmente proporcionou ao nome romano enorme fortuna e uma prosperidade singular
a todos os assuntos dos homens - pois isto é obra dos benefícios divinos -,
decidi, estimadíssimo Anulino, que aqueles varões que com a devida santidade e com a familiaridade desta lei
estão prestando seus serviços pessoalmente ao culto da divina religião
recebam a recompensa de seus próprios trabalhos.
2. Por esta razão, aqueles que dentro da província a ti confiada estão
prestando pessoalmente seus serviços a esta santa religião na Igreja
católica, que é presidida por Ceciliano, e os que se costuma chamar clérigos,
quero que, sem mais e uma vez por todas,
fiquem isentos de toda função pública civil, para que não ocorra que por algum erro ou por um extravio sacrílego
vejam-se afastados do culto devido à
divindade; antes, estejam ainda mais entregues ao serviço de sua própria
lei sem estorvo algum, já que, se eles rendem à divindade a maior adoração, parece que acarretarão incontáveis
benefícios aos assuntos públicos. Que
tenhas saúde, meu estimadíssimo e mui querido Anulino."
VIII. Da posterior perversidade de Licínio e de sua morte
1.
Tais dons,
pois[8],
nos concedia a divina e celestial graça da manifestação de nosso Salvador, e tão abundantes eram os bens que
por meio de nossa paz se outorgava a todos os homens. E
desta maneira o nosso era celebrado entre regozijo e
grandes reuniões festivas.
2.
Mas nem a
inveja inimiga do bem, nem o demônio, amante do mal, podiam suportar a contemplação do que viam; como tampouco para Licínio o sucedido aos tiranos anteriormente mencionados[9]
foi suficiente para uma atitude prudente. Ele que havia sido considerado digno
de um governo bem próspero, digno da honra do segundo posto depois do
grande imperador Constantino e digno de
afinidade e parentesco do mais alto grau[10],
ia se afastando da imitação dos bons
e, em troca, copiava a perversidade e malícia dos ímpios tiranos. E
ainda que tivesse visto com seus próprios olhos o final catastrófico destes, preferiu segui-los em seu sentimento a
permanecer na amizade e boa disposição de seu superior.
3. Presa da inveja para com o benfeitor universal, provoca contra ele uma guerra execrável e terrível, sem respeito pelas
leis da natureza e sem trazer à
mente a memória dos juramentos, do sangue e dos pactos.
4.
De fato, que
sinais de verdadeira benevolência não lhe havia outorgado o boníssimo imperador! Não lhe regateou seu parentesco nem lhe negou
esplêndidas núpcias com sua irmã, antes até, considerou-o digno de compartilhar
sua nobreza, que vinha de seus pais, e seu sangue imperial ancestral, e também havia-lhe proporcionado poder
desfrutar do governo supremo como cunhado e co-imperador, posto que havia-lhe
dado a graça de uma parte não menor
de povos sujeitos a Roma, para que os governasse e administrasse[11].
5.
Mas ele, por
sua vez, agia contrariamente a isto e cada dia imaginava intrigas contra seu superior e imaginava todo gênero de
conspirações, como se respondesse com
males a seu benfeitor. Assim é que, em primeiro lugar, tratava de ocultar seus preparativos fingindo ser amigo, e aplicando-se à astúcia e ao engano, esperava alcançar com toda
facilidade o resultado apetecido.
6.
Mas deve-se
saber que aquele tinha Deus como amigo, protetor e guardião, que, trazendo à luz as conspirações urdidas contra ele secretamente e nas
sombras, ia desbaratando-as. Tão grande força e virtude tem a arma da piedade para rechaçar os inimigos e preservar a
própria salvação! Guarnecido com
ela, nosso imperador, amado de Deus, ia esquivando as conspirações do
infame astuto.
7.
Este, por sua
parte, quando viu que seus preparativos ocultos de modo algum andavam conforme
seus desígnios, já que Deus ia manifestando a seu amado imperador todo engano e toda maldade, e não podendo já dissimular por mais
tempo, declarou abertamente a guerra.
8.
Decidido,
efetivamente, a fazer a guerra contra Constantino, apressava-se já a formar suas tropas também contra o Deus do universo, a quem sabia que aquele honrava, e logo pôs-se a atacar -
moderada e silenciosamente a princípio - seus próprios súditos
adoradores de Deus, que jamais haviam causado
o mínimo incômodo a seu governo. E agia assim porque sua maldade inata o
forçava a uma terrível cegueira.
9.
Ocorre que
ele não tinha ante os olhos a memória dos que haviam perseguido os cristãos antes dele, nem sequer a daqueles de quem ele mesmo havia sido
instrumento de ruína e de castigo pelas impiedades em que haviam tomado parte. Pelo contrário, voltando as costas
a um pensamento prudente, e mais, em
termos exatos, transtornado pela loucura, tinha decidido fazer a guerra
ao próprio Deus, como protetor de Constantino, em vez de ao protegido.
10.
Em primeiro
lugar expulsou de sua própria casa todos os que eram cristãos, com o que o
desgraçado privou a si mesmo da oração destes por ele, oração que costumavam fazer por todos, segundo ensinamento
ancestral[12]; mas logo foi dando ordens para que em cada cidade se separasse e degradasse os soldados que não escolhessem sacrificar aos
demônios[13]. E
isto ainda era coisa pouca se o compararmos com as medidas maiores.
11. Que necessidade há de recordar uma por uma e sucessivamente as coisas que este inimigo de Deus perpetrou e como sendo o
maior violador das leis inventou leis
ilegais?[14] Pelo
menos é certo que impôs a lei de que ninguém tivesse a humanidade de repartir alimentos aos que penavam nos
cárceres, que ninguém se
compadecesse dos que padecessem de fome nas prisões e, em uma palavra, que ninguém fosse bom nem fizesse o
menor bem, nem sequer aqueles que por sua própria natureza se deixam
arrastar à compaixão por seus próximos.
Esta lei era, evidentemente, a mais desavergonhada e a mais cruel de todas, já que passava por cima de toda
natureza civilizada e continha ainda
como castigo que os compassivos sofressem as mesmas penas que seus compadecidos e que seriam acorrentados e
encarcerados os que prestassem serviços humanitários aos condenados, sofrendo o
mesmo castigo que eles.
12. Tais eram as ordens de Licínio. Que necessidade temos
de enumerar detalhadamente suas inovações acerca das núpcias ou suas
disposições revolucionárias a respeito dos que deixam esta
vida? Atreveu-se a abolir as antigas leis romanas,
reta e sabiamente estabelecidas, e introduziu no lugar delas algumas leis bárbaras e incivilizadas, verdadeiramente ilegais e contra as leis. Inventava também inumeráveis acusações contra as
nações submetidas, toda classe de extorsões de ouro e prata, novos
cadastros e lucrativas multas a homens que
já não estavam nos campos, mas que tinham morrido há tempo.
13. E que classe de desterros inventou ainda o inimigo dos
homens contra pessoas que nenhum dano tinham lhe causado? E as
detenções de homens nobres e notáveis dos quais separava suas legítimas esposas
e as entregava a alguns criados lascivos para que as
ultrajassem com suas torpezas? E ele mesmo, um velhote, quantas mulheres
casadas e quantas donzelas não vexou para satisfazer a paixão
desenfreada de sua alma? Que necessidade temos de alongar a conta, se o excesso de suas últimas maldades deixou as
primeiras pequenas e reduzidas a quase nada?
14. Certo
é que, no cúmulo de sua loucura, procedeu contra os bispos. Por crer que
estes, como servidores do Deus supremo, eram contrários ao que ele fazia, urdia seus preparativos, ainda não a plena
luz, por medo ao mais forte[15],
mas sim ocultamente e com falsidade, e deles ia eliminando os mais conspícuos valendo-se da confabulação dos
governadores[16]. E o
gênero de morte usado contra eles era muito estranho e inaudito até
então.
15. O certo é que o que foi realizado em torno de Amasia e
as demais cidades do Ponto superou a todo excesso de crueldade. Ali, das
igrejas de Deus, algumas foram novamente
arrasadas por completo, e outras foram fechadas para que ninguém fosse a elas segundo o costume nem oferecessem a Deus os
cultos devidos.
16. Efetivamente, por pensar nisto com sua má consciência,
não acreditava que se fizessem orações por ele, antes,
estava persuadido de que nós fazíamos tudo e aplacávamos a Deus em favor do
imperador amigo de Deus. Desde então, começou a fazer cair seu
furor sobre nós.
17. Assim foi. Os governadores aduladores, persuadidos de
que faziam o que queria o infame, oprimiam alguns bispos com os castigos
habitualmente reservados aos malfeitores, e desta forma detinha-se e se
castigava sem pretexto algum, como aos
homicidas, os que nada de mal tinham feito. Outros sofreram um novo gênero de morte: esquartejados
seus corpos em muitos pedaços com
uma espada, depois deste cruel e horripilante espetáculo, eram lançados
ao fundo do mar para pasto dos peixes.
18. Ante estes fatos reiniciaram-se as fugas dos homens
piedosos, e novamente os campos, os vales solitários e os
montes começaram a acolher os servos de
Cristo. E como desta maneira o ímpio tinha êxito nestas medidas, chegou mesmo a conceber a idéia de ressuscitar a perseguição contra todos.
19. Seu pensamento se reafirmava e nada o impedia de pô-lo em ação, se o Deus que luta em favor das almas que lhe
pertencem, prevendo o que sucederia, não tivesse rapidamente feito
brilhar, como em trevas profundas e noite escuríssima, uma grande luminária e
ao mesmo tempo um salvador para todos: seu servo Constantino, a quem levou pela
mão para esta obra com braço poderoso.
IX. Da vitória de
Constantino e do que este permitiu aos súditos do poder romano
1. A este, por conseguinte, foi que Deus outorgou desde cima, como fruto
digno de sua piedade, o troféu da vitória
contra os ímpios. Em troca, precipitou o criminoso com todos
seus conselheiros e amigos aos pés de Constantino.
2.
Efetivamente,
tendo aquele feito avançar seus atos até extremos de loucura, o imperador amigo de Deus concluiu que já era
insuportável. Fazendo seu cálculo prudente e somando a sua
humanidade a firmeza do juiz, decide acudir
em socorro dos que sofriam sob o tirano. Desembaraçou-se de alguns breves
contratempos e pôs-se em movimento para recobrar a maior parte do gênero
humano.
3.
Até então,
efetivamente, havia utilizado com ele somente a humanidade, e havia-se
compadecido de quem não era digno de compaixão, sem proveito nenhum, já que o outro não se afastava de sua maldade,
antes até, aumentava ainda mais sua raiva contra as nações
submetidas e já não deixava nenhuma esperança
de salvação para os maltratados, tiranizados como estavam por uma fera espantosa.
4. Por isto, juntando seu ódio ao mal com seu amor ao bem, o defensor dos bons avança junto com seu filho Crispo,
humaníssimo imperador, estendendo sua
destra salvadora a todos os que pereciam. Logo, como se tivessem guias e como aliados a Deus, rei universal, e a seu
Filho, salvador de todos, pai e filho,
ambos de uma vez, separam em círculo sua formação contra os inimigos de Deus e conseguem para si uma fácil vitória, já
que Deus lhes dispôs tudo no confronto conforme seu plano.
5.
Efetivamente,
de súbito e com mais rapidez do que se diz, os que ontem e anteontem respiravam morte e ameaça[17],
já não existiam[18]; nem de
seus nomes havia memória; suas imagens e
monumentos recebiam seu merecido desdouro,
e o que em outro tempo Licínio contemplou com seus próprios olhos nos ímpios tiranos, isto mesmo ele sofreu em
pessoa, por não arrepender-se nem corrigir-se ante os castigos
de seus vizinhos. Depois de compartir com
estes o mesmo caminho da impiedade, caiu merecidamente no mesmo precipício que eles.
6.
Mas, enquanto
ele jazia prostrado desta maneira, Constantino, o vencedor máximo, que sobressaía em toda virtude religiosa, e
seu filho Crispo, imperador amado de Deus e semelhante em tudo
a seu pai, recobraram o familiar Oriente e apresentavam
reunido em um, como antigamente, o governo romano,
conduzindo sob a paz de ambos a terra toda, desde o sol nascente, em
círculo por uma e outra parte do orbe habitado, e pelo norte e o meio dia, até
o limite extremo do Ocidente.
7.
Em conseqüência, eliminava-se de
entre os homens todo medo aos que antes os pisoteavam, e em troca,
celebravam-se brilhantes e concorridos dias
de solenes festas. Tudo explodia de luz. Os que antes andavam cabis-baixos
olhavam-se mutuamente com rostos sorridentes e olhos radiantes, e pelas cidades, assim como pelos campos, as
danças e os cantos glorificavam em
primeiríssimo lugar o Deus rei e soberano de tudo - porque isto haviam aprendido -, e em seguida o piedoso imperador,
junto com seus filhos amados por Deus.
8.
Havia perdão
dos males antigos e esquecimento de toda impiedade; gozava-se dos bens presentes e esperavam-se os vindouros. Por conseguinte,
estendiam-se por todo lugar disposições do vitorioso imperador cheias de
humanidade e leis que levavam a marca da munificência e verdadeira piedade.
9.
Expurgada
assim, realmente, toda tirania, o império que lhes correspondia reservava-se
seguro e indiscutível somente para Constantino e seus filhos, os quais, depois
de eliminar do mundo antes de tudo o ódio a Deus, conscientes dos bens que Deus lhes havia outorgado, tornaram manifesto seu amor à virtude, seu amor a Deus, sua piedade para
com Deus e sua gratidão, mediante obras que realizavam publicamente à
vista de todos os homens.
1.
O que mais te chamou atenção no
texto?
2.
Qual a contribuição do texto para
sua espiritualidade?
Fim
[1] Os documentos seguintes afetam
somente a Igreja do Ocidente, por isso aparece apenas o nome de Constantino.
[8] Aqui se retoma o assunto do
capítulo 4, interrompido pela inserção dos documentos dos capítulos 5-7.
[11] Contrariamente ao que diz
Eusébio, Licínio não devia o império a Constantino, mas a Galério, que junto
com Diocleciano e Maximiano, tornou-o augusto, enquanto a Constantino concediam
apenas o título de césar. Eusébio deve referir-se mais à condescendência de
Constantino para com Licínio ao fazer as pazes após a intentona deste contra
ele em 314.
[13] A motivação desta perseguição
foi mais política. Determinado a levantar-se contra Constantino, tinha que
eliminar o obstáculo que para ele eram os cristãos, os do palácio, que poderiam
descobrir e delatar seus planos, e os militares, especialmente os graduados.
[16] Forjavam-se pretextos legais
para justificar as mortes, o que indica que não houve edito contra os hierarcas
eclesiásticos.
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