domingo, 7 de outubro de 2018

68 - Irineu de Lyon (130-202) Demonstração da Pregação Apostólica (Cap. 29-38)



68
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Irineu de Lyon (130-202)
Demonstração da Pregação Apostólica (Cap. 29-38)


A distribuição da terra
29. Quando Moisés estava a ponto de terminar o curso de seus dias, Deus lhe disse: “Sobe a esta montanha dos Abarim, sobre o monte Nebo, na terra de Moab, diante de Jericó, e contempla a terra de Canaã, que eu dou como propriedade aos israelitas. Morrerás no monte em que tiveres subido e irás reunir-te aos teus, assim como o teu irmão Aarão, que foi reunido ao seu povo no monte Hor, pois fostes infiéis a mim no meio dos israelitas, junto às águas de Meribacades, no deserto de Sin, não reconhecendo a minha santidade no meio dos israelitas. Por isso contemplarás a terra à tua frente, mas não poderás entrar nela, na terra que estou dando aos israelitas”. Conforme a palavra do Senhor, Moisés morreu e lhe sucedeu Jesus (Josué), filho de Num. Esse atravessou o Jordão, conduziu o Povo à Terra Prometida e, vencidos e aniquilados os sete povos que a habitavam, a distribuiu entre o Povo. Lá existia Jerusalém, onde reinou Davi e o seu filho Salomão, que construiu o Templo em nome de Deus à imagem do tabernáculo feito por Moisés como tipo (modelo) das realidades celestes e espirituais.

O envio dos profetas
30. Lá em Jerusalém foram enviados por Deus, por meio do Espírito Santo, os profetas, que aconselhavam o povo e o convertia ao Deus Onipotente de seus pais; como arautos da revelação de Nosso Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, anunciavam que à estirpe de Davi havia de florescer o seu corpo, a fim de que fosse, segundo a carne, filho de Davi – que era filho de Abraão – em virtude de uma longa cadeia de gerações, e, segundo o Espírito, Filho de Deus, preexistente com o Pai, gerado antes da fundação do mundo e aparecido como homem ao mundo inteiro nos últimos tempos. Ele é o Verbo de Deus [enviado] “para levar o tempo à sua plenitude: a de em Cristo encabeçar todas as coisas, as que estão nos céus e as que estão na terra”.

A desobediência e a Encarnação
31. [O Verbo] Uniu, assim, o homem a Deus, e realizou a comunhão entre Deus e o homem, porque não teríamos podido absolutamente obter participação alguma na incorruptibilidade se ele, o Verbo, não tivesse vindo habitar entre nós. Pois, se a incorruptibilidade tivesse permanecido invisível e oculta, não nos teria sido de utilidade alguma, mas se fez visível a fim de que entrássemos em comunhão com ele. E porque, envolvidos todos na criação originária de Adão, fomos vinculados à morte por causa de sua desobediência, era conveniente e justo que, pela obediência de quem se fez homem por nós, fossem rompidas as cadeias da morte. E porque a morte reinava sobre a carne, era preciso que ela fosse abolida por meio da carne, para que o homem fosse libertado de sua opressão. O Verbo, então, se fez carne para destruir, por meio da carne, o pecado que, por obra da carne, adquiriu poder, o direito de propriedade e domínio; e para que [o pecado] não existisse mais entre nós. Por essa razão, Nosso Senhor tomou uma corporeidade idêntica à da primeira criatura para lutar em favor dos progenitores e vencer em Adão aquele que em Adão nos feriu.

Adão e Cristo
32. Ora, de onde provém a substância do primeiro homem? Da vontade e da sabedoria de Deus e da terra virgem. “Porque Iahweh Deus não tinha feito chover sobre a terra – diz a Escritura – e não havia homem para cultivar o solo”. Dessa terra, então, todavia virgem, Deus tomou o barro e plasmou o homem, princípio do gênero humano. [O Senhor,] recapitulando em si esse homem, princípio do gênero humano, nascendo de uma virgem por vontade e sabedoria de Deus, reproduziu o mesmo esquema de corporeidade para demonstrar a identidade da sua corporeidade com a de Adão, e para refazer, como foi feito no início, o homem à imagem e semelhança de Deus.

Eva e Maria
33. Como, por causa de uma virgem desobediente, o homem foi ferido, caiu e morreu, assim também, por causa de uma virgem obediente à Palavra de Deus, [o homem] foi ressuscitado e recobrou a vida. Pois o Senhor veio buscar a ovelha perdida, ou seja, o homem que se perdeu. Por isso, não formou um corpo diverso, mas, por meio daquele que descendia de Adão, conservou a semelhança daquele corpo. Adão, de fato, foi recapitulado por Cristo, a fim de que o que é mortal fosse submerso na imortalidade, e Eva em Maria, a fim de que uma virgem, tornada advogada de uma virgem, dissolvesse e destruísse com a sua obediência de virgem a desobediência de uma virgem. O pecado cometido por causa da árvore foi anulado pela obediência cumprida sobre a árvore, obediência a Deus, pela qual o Filho do homem foi pregado na árvore, abolindo a ciência do mal, e proporcionando e doando a ciência do bem. O mal é desobedecer a Deus. O bem é, ao invés, obedecer.

Obediência reparadora do Verbo
34. O Verbo, preanunciando por meio do profeta Isaías os acontecimentos futuros – os profetas são tais porque anunciam os acontecimentos futuros – assim se exprime: “O Senhor Iahweh abriu-me os ouvidos e eu não fui rebelde, não recuei. Ofereci o dorso aos que me feriam e as faces aos que me arrancavam os fios da barba; não ocultei o rosto às injúrias e aos escarros”. Então, por força “da obediência”, [o Verbo] anulou a antiga desobediência consumada sobre a árvore. Ele mesmo é o Verbo de Deus onipotente, que, no estado de invisibilidade, se difundiu no universo inteiro, que [o] abraça em comprimento, largura, altura e profundidade. Todas as coisas, de fato, são governadas e administradas pelo Verbo de Deus. Nessas dimensões, foi crucificado o Filho de Deus já impresso sobre o universo em forma de cruz; fazendo-se visível, manifestou a universalidade de sua cruz, demostrando claramente, na forma visível, a sua atividade consistente na iluminação da altura, ou seja, os meandros da terra, na extensão do Oriente ao Ocidente, no governo como um comandante da região do Oeste e da amplitude do Sul, e no chamado ao conhecimento do Pai de todos os homens dispersos.

O cumprimento da promessa de Abraão
35. Realizou-se, assim, a profecia feita por Deus a Abraão, segundo a qual a sua descendência seria como as estrelas do céu. Cristo cumpriu a promessa, nascendo da Virgem, da estirpe de Abraão, e convertendo em luminárias do mundo os que nele acreditam, e justificando os gentios com Abraão por meio da mesma fé. “Abraão creu
em Iahweh, e lhe foi tido em conta de justiça”. Do mesmo modo, nós somos justificados em virtude da fé em Deus, porque “o justo viverá por sua fidelidade”. A promessa de Abraão não foi feita pelo cumprimento da Lei, mas por meio da fé. De fato, Abraão foi justificado pela fé: “sabendo que ela não é destinada ao justo”. Da mesma forma, nós não somos justificados pela Lei, mas pela fé, que recebeu o testemunho da Lei e dos profetas, e que nos apresenta o Verbo de Deus.

Cristo, nascido da Virgem da descendência de Davi
36. Deus manteve as promessas feitas a Davi; havia-lhe prometido fazer surgir do fruto do seu seio um Rei eterno, cujo reino não teria ocaso. Esse Rei é o Cristo, o Filho de Deus tornado filho do homem, isto é, nascido, como fruto, da Virgem da descendência davídica. A promessa, então, ganhou forma de fruto do ventre, isto é, de um descendente da concepção própria de uma mulher – não “do fruto dos homens ou dos rins” – isto é, do nascimento próprio do homem, para manifestar o que de único e de especial havia na produção desse fruto do seio de uma virgem davídica, [fruto] que devia ser o Rei eterno na casa de Davi, e cujo reino não terá ocaso.

A destruição da morte e o dom da vida
37. Em tais condições se realizava magnificamente a nossa salvação, [esse Rei] mantinha as promessas feitas aos patriarcas e abolia a antiga desobediência. O Filho de Deus se fez filho de Davi e filho de Abraão. Para cumprir as promessas e recapitulá-las em si mesmo com a finalidade de nos restituir a vida, o Verbo de Deus se fez carne através da Virgem, a fim de desatar a morte e vivificar o homem, porque nós estávamos presos ao pecado e destinados a viver sob o império da morte.

Nascimento, morte e ressurreição de Cristo
38. Deus Pai, pela sua imensa misericórdia, enviou o seu Verbo criador, que, vindo para nos salvar, esteve nos mesmos lugares, na mesma situação e nos mesmos ambientes onde perdemos a vida, e rompeu as cadeias que nos mantinham prisioneiros. Com a aparição de sua luz desapareceram as trevas da prisão, santificou o nosso nascimento e, destruída a morte, desligou aqueles mesmos laços que nos tinham prendido. Manifestou a ressurreição, tornando-se ele mesmo o primogênito dos mortos, e levantou na sua pessoa o homem caído por terra, ao ser elevado às alturas do céu até a direita da glória do Pai, como Deus havia prometido por meio do profeta, ao dizer: “Naquele dia levantarei a tenda desmoronada de Davi”, isto é, o corpo que provém de Davi. Nosso Senhor Jesus Cristo realmente cumpriu essa empresa, realizando de modo glorioso a nossa salvação, para nos erguer realmente e nos apresentar livres ao Pai. Ora, se alguém não aceita o seu nascimento de uma Virgem, como aceitará a sua ressurreição da morte? Porque não há nada de miraculoso, de estranho, de inesperado, se alguém que não é nascido ressuscite da morte; nem podemos falar de “ressurreição” para aquele que veio à existência sem passar pelo nascimento: na verdade, quem não pode nascer é imortal e quem não foi sujeito ao nascimento não será também sujeito à morte. Então, como pode ter fim o homem que não teve início?

O que você deseja destacar neste texto?
Como ele serviu para sua espiritualidade?



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