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Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Irineu de Lyon (130-202)
Demonstração
da Pregação Apostólica (Cap. 39-46)
Cristo,
Primogênito de toda a criação
39. Assim, se
não é nascido, também não é morto; e se não é morto, não é ressuscitado dos
mortos;[99] e se não é ressuscitado dos mortos, não triunfou sobre a morte, nem
destruiu o seu reino; e se a morte não foi vencida, como subiremos até a vida,
nós que desde o início fomos caídos sob o império da morte? Quem nega a
redenção do homem e não crê que Deus o ressuscitará dos mortos despreza também
o nascimento de Nosso Senhor, pelo qual o Verbo de Deus se sujeitou por nós,
para se tornar homem a fim de manifestar a ressurreição da carne e obter o
primado sobre tudo nos céus: como primogênito do pensamento do Pai, o Verbo
perfeito dirige pessoalmente cada coisa e legisla na terra; como primogênito da
Virgem, homem justo e santo, servo de Deus, bom, aceito por Deus, perfeito em
tudo, livra dos infernos todos os que o seguem; como “primogênito dos mortos”,
é origem e sinal da vida de Deus.
De
Moisés aos apóstolos
40. Assim, pois,
o Verbo de Deus ostenta o primado sobre todas as coisas, porque é o verdadeiro
homem e “Conselheiro-Maravilhoso, Deus-forte”, que chama novamente, com a
ressurreição, o homem à comunhão com Deus, para que, por meio da comunhão, com
ele participemos da incorruptibilidade. Ele, que foi anunciado por Moisés e
pelos profetas do Deus altíssimo e onipotente, Pai do universo, origem de tudo,
que conversou com Moisés, veio à Judeia, gerado por Maria, que era da estirpe
de Davi e de Abraão, Jesus, o Ungido de Deus, que revelou a si mesmo como o que
foi predito pelos profetas.
41. João
Batista, o precursor, quando preparava e dispunha o povo para receber o Verbo da
vida, fez saber que esse era o Cristo sobre quem o Espírito de Deus havia
deitado e unido à sua carne. Os discípulos e testemunhas de suas boas obras, de
seu ensinamento, de sua paixão, de sua morte, de sua ressurreição, da ascensão
ao céu depois da ressurreição corporal, ou seja, os apóstolos, com o poder do
Espírito Santo enviados por ele por toda a terra, convocaram os gentios,
ensinando aos homens o caminho da vida, para afastá-los dos ídolos, da
fornicação e da avareza, purificando as suas almas e seus corpos com o batismo
na água e no Espírito Santo, distribuindo e subministrando aos crentes esse
Espírito Santo que haviam recebido do Senhor. Assim, instituíram e fundaram a
Igreja. Com a fé, a caridade e a esperança, [os apóstolos] confirmaram o chamado
aos gentios que, preanunciado pelos profetas, lhes foi dirigido segundo a misericórdia
de Deus manifestada com o seu ministério, acolhendo-os na promessa feita aos
patriarcas, ou seja, àqueles que creram e amaram a Deus; e aos que vivem na santidade,
na justiça e na paciência, o Deus de todos outorgará, por meio da ressurreição dos
mortos, a vida eterna. Graças àquele que morreu e ressuscitou, Jesus Cristo, a
quem confiou a realeza sobre todos os seres da terra, a autoridade sobre os
vivos e os mortos, e o juízo. Os apóstolos, com a palavra da verdade, exortaram
os gentios a guardar o seu corpo sem mancha para a ressurreição, e a alma ao
abrigo da corrupção.
II
– A Demonstração Profética (cc. 42-97)
A
obra do Espírito Santo
42. Com efeito,
assim devem comportar-se os crentes, pelo fato de que neles habita permanentemente
o Espírito Santo, doado pelo Senhor no batismo e custodiado por aquele que [o]
recebe, se é que vive na verdade e na santidade, na justiça e na paciência. De
fato, a ressurreição dos crentes é também obra do Espírito quando o corpo
acolhe novamente a alma, e com ela ressuscita pela força do Espírito Santo e é
introduzido no Reino de Deus. O fruto da bênção de Jafé se manifestou na Igreja
no chamado aos gentios que vivem em contínua obediência para poder habitar na casa
de Sem, segundo a promessa de Deus. Que essas coisas deveriam ocorrer, o
Espírito Santo predisse pelos profetas, a fim de que aqueles que servem a Deus
na verdade tenham fé firme sobre elas. Na verdade, todos esses fatos
impossíveis à natureza humana e, portanto, pouco credíveis aos homens, Deus,
por meio dos profetas, os predisse muito tempo antes – e se realizaram a seu
tempo, como se anunciou – para que, pelo fato de terem sido profetizados muito
tempo antes, conhecêssemos que era Deus que, desde o princípio, havia
preanunciado a nossa salvação.
A
identidade entre o Verbo e o Filho de Deus
43. Deve-se crer
em tudo de Deus, porque é veraz em tudo. Ora, que existe um Filho em Deus e que
esse Filho existia não apenas antes de sua aparição no mundo, mas também antes
da criação do mundo, Moisés foi o primeiro a profetizar, quando escreveu em hebraico:
“Beresith bara elovim basan benowam samenthares”, que se traduz: “Um filho, no
princípio, Deus estabeleceu; em seguida, Deus criou o céu e a terra”. O profeta
Jeremias o testemunhou quando disse: “Antes da estrela da manhã eu te gerei e
antes do sol é o teu nome”, isto é, antes da criação do mundo e antes das
estrelas criadas com o mundo. Diz ainda: “Bem-aventurado aquele que era antes
de se tornar homem”. Por Deus, de fato, o Filho existe desde o início, antes da
criação do mundo; porém, para nós não existe mais que desde agora, ou seja,
desde quando se manifestou. Antes, então, não existia para nós porque não o
conhecíamos. Por isso, o seu discípulo João, explicando quem é o Filho de Deus
que era junto do Pai antes que o mundo fosse formado, e que por obra dele foram
criadas todas as coisas, disse: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com
Deus, e o Verbo era Deus. No princípio, ele estava com Deus. Tudo foi feito por
meio dele e sem ele nada foi feito”. Demonstra, assim, de modo claro, que todas
as coisas foram criadas por meio do Verbo, o qual, desde o início, era com o
Pai, isto é, seu Filho.
Colóquio
do Filho com Abraão
44. Disse ainda
Moisés que o Filho de Deus se aproximou de Abraão para entreter-se com ele:
“Iahweh lhe apareceu no carvalho de Mambré [...] no maior calor do dia. Tendo
levantado os olhos, eis que viu três homens de pé, perto dele; logo que os viu,
correu da entrada da tenda ao seu encontro, e se prostrou por terra. E disse:
Meu Senhor, eu te peço, se encontrei graça aos teus olhos...”. Em seguida, ele
falava com o Senhor, e o Senhor com ele. Ora, dois dos três eram anjos; o
terceiro, ao invés, o Filho de Deus. Com Ele, Abraão falou ainda suplicando
pelos habitantes de Sodoma, para que não fossem exterminados se fossem
encontrados ao menos dez justos. Enquanto conversavam, os dois anjos que
desceram a Sodoma foram recebidos por Ló. A Escritura diz então: “Iahweh fez
chover, sobre Sodoma e Gomorra, enxofre e fogo vindos de Iahweh”. Isso quer
dizer que o Filho, o mesmo que conversava com Abraão, sendo “Senhor”, recebeu o
poder de punir os habitantes de Sodoma “pelo Senhor, do alto do céu”, pelo Pai,
que é o Senhor do universo. Abraão, então, era profeta e viu o que aconteceria
no futuro; isto é, viu o Filho de Deus sob a aparência humana conversar com os
homens, comer com eles, e depois exercer o ofício de julgar pelo fato de ter
recebido do Pai, Senhor do Universo, a autoridade de punir os habitantes de
Sodoma.
Aparição
a Jacó
45. Jacó,
durante a viagem à Mesopotâmia, viu o Verbo em sonho, de pé, em cima da escada,
ou seja, no lenho fixado do céu à terra. Por isso, o lenho dos que creem nele sobe
ao céu, porque a sua paixão é a nossa ascensão. Todas as visões desse tipo apontam
o Filho de Deus que conversa com os homens e entre eles. Não é o Pai do universo,
invisível ao mundo e criador de tudo que diz: “O céu é o meu trono, a terra o escabelo
dos meus pés. Que casa me haveis de fazer, que lugar para meu repouso?” e “Quem
pode medir as águas do mar na concha da mão? Quem conseguiu avaliar a extensão
dos céus a palmos, medir o pó da terra com o alqueire e pesar os montes na balança
e os outeiros nos seus pratos?” Não é certo que Ele (o Pai) estava de pé sobre
um pequeno espaço e conversava com Abraão, mas o Verbo de Deus que sempre esteve
presente no gênero humano, antecipava o conhecimento das coisas futuras e instruía
os homens sobre as coisas de Deus.
O
Filho de Deus conversa com Moisés
46. Foi Ele (o
Verbo) que, na sarça ardente, conversou com Moisés e disse: “Eu vi, eu vi a
miséria de meu povo que está no Egito. Ouvi seu grito por causa dos seus
opressores; pois eu conheço as suas angústias. Por isso desci, a fim de
libertá-lo da mão dos egípcios”. Ele subia e descia para libertar os oprimidos,
arrancando-os do poder dos egípcios, ou seja, de toda sorte de idolatria e
impiedade; salvando-os do mar Vermelho, isto é, liberando-os das turbulências
homicidas dos gentios, e das águas amargas de suas blasfêmias. Esses
acontecimentos eram contínua repetição do que a nós se refere, no sentido de
que o Verbo de Deus mostrava antecipadamente as coisas futuras, mas liberando
realmente da servidão cruel dos gentios. No deserto fez brotar com abundância um
rio de água, uma rocha. Essa rocha é ele mesmo. Produziu doze fontes, ou seja, a
doutrina dos doze apóstolos. E aos recalcitrantes e incrédulos, os fez morrer e
desaparecer no deserto, e aos que creram nele, feitos crianças pela maldição,
os introduziu na herança dos pais que recebeu e distribuiu, não a Moisés, mas a
Jesus; os liberou de Amalec estendendo as suas mãos, e nos conduz e nos faz
subir ao Reino do Pai.
1.
O
que você deseja destacar neste texto?
2.
Como
ele serviu para sua espiritualidade?
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