terça-feira, 23 de outubro de 2018

69 - Irineu de Lyon (130-202) Demonstração da Pregação Apostólica (Cap. 39-46)


69
Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Irineu de Lyon (130-202)
Demonstração da Pregação Apostólica (Cap. 39-46)

Cristo, Primogênito de toda a criação
39. Assim, se não é nascido, também não é morto; e se não é morto, não é ressuscitado dos mortos;[99] e se não é ressuscitado dos mortos, não triunfou sobre a morte, nem destruiu o seu reino; e se a morte não foi vencida, como subiremos até a vida, nós que desde o início fomos caídos sob o império da morte? Quem nega a redenção do homem e não crê que Deus o ressuscitará dos mortos despreza também o nascimento de Nosso Senhor, pelo qual o Verbo de Deus se sujeitou por nós, para se tornar homem a fim de manifestar a ressurreição da carne e obter o primado sobre tudo nos céus: como primogênito do pensamento do Pai, o Verbo perfeito dirige pessoalmente cada coisa e legisla na terra; como primogênito da Virgem, homem justo e santo, servo de Deus, bom, aceito por Deus, perfeito em tudo, livra dos infernos todos os que o seguem; como “primogênito dos mortos”, é origem e sinal da vida de Deus.

De Moisés aos apóstolos
40. Assim, pois, o Verbo de Deus ostenta o primado sobre todas as coisas, porque é o verdadeiro homem e “Conselheiro-Maravilhoso, Deus-forte”, que chama novamente, com a ressurreição, o homem à comunhão com Deus, para que, por meio da comunhão, com ele participemos da incorruptibilidade. Ele, que foi anunciado por Moisés e pelos profetas do Deus altíssimo e onipotente, Pai do universo, origem de tudo, que conversou com Moisés, veio à Judeia, gerado por Maria, que era da estirpe de Davi e de Abraão, Jesus, o Ungido de Deus, que revelou a si mesmo como o que foi predito pelos profetas.
41. João Batista, o precursor, quando preparava e dispunha o povo para receber o Verbo da vida, fez saber que esse era o Cristo sobre quem o Espírito de Deus havia deitado e unido à sua carne. Os discípulos e testemunhas de suas boas obras, de seu ensinamento, de sua paixão, de sua morte, de sua ressurreição, da ascensão ao céu depois da ressurreição corporal, ou seja, os apóstolos, com o poder do Espírito Santo enviados por ele por toda a terra, convocaram os gentios, ensinando aos homens o caminho da vida, para afastá-los dos ídolos, da fornicação e da avareza, purificando as suas almas e seus corpos com o batismo na água e no Espírito Santo, distribuindo e subministrando aos crentes esse Espírito Santo que haviam recebido do Senhor. Assim, instituíram e fundaram a Igreja. Com a fé, a caridade e a esperança, [os apóstolos] confirmaram o chamado aos gentios que, preanunciado pelos profetas, lhes foi dirigido segundo a misericórdia de Deus manifestada com o seu ministério, acolhendo-os na promessa feita aos patriarcas, ou seja, àqueles que creram e amaram a Deus; e aos que vivem na santidade, na justiça e na paciência, o Deus de todos outorgará, por meio da ressurreição dos mortos, a vida eterna. Graças àquele que morreu e ressuscitou, Jesus Cristo, a quem confiou a realeza sobre todos os seres da terra, a autoridade sobre os vivos e os mortos, e o juízo. Os apóstolos, com a palavra da verdade, exortaram os gentios a guardar o seu corpo sem mancha para a ressurreição, e a alma ao abrigo da corrupção.

II – A Demonstração Profética (cc. 42-97)

A obra do Espírito Santo
42. Com efeito, assim devem comportar-se os crentes, pelo fato de que neles habita permanentemente o Espírito Santo, doado pelo Senhor no batismo e custodiado por aquele que [o] recebe, se é que vive na verdade e na santidade, na justiça e na paciência. De fato, a ressurreição dos crentes é também obra do Espírito quando o corpo acolhe novamente a alma, e com ela ressuscita pela força do Espírito Santo e é introduzido no Reino de Deus. O fruto da bênção de Jafé se manifestou na Igreja no chamado aos gentios que vivem em contínua obediência para poder habitar na casa de Sem, segundo a promessa de Deus. Que essas coisas deveriam ocorrer, o Espírito Santo predisse pelos profetas, a fim de que aqueles que servem a Deus na verdade tenham fé firme sobre elas. Na verdade, todos esses fatos impossíveis à natureza humana e, portanto, pouco credíveis aos homens, Deus, por meio dos profetas, os predisse muito tempo antes – e se realizaram a seu tempo, como se anunciou – para que, pelo fato de terem sido profetizados muito tempo antes, conhecêssemos que era Deus que, desde o princípio, havia preanunciado a nossa salvação.

A identidade entre o Verbo e o Filho de Deus
43. Deve-se crer em tudo de Deus, porque é veraz em tudo. Ora, que existe um Filho em Deus e que esse Filho existia não apenas antes de sua aparição no mundo, mas também antes da criação do mundo, Moisés foi o primeiro a profetizar, quando escreveu em hebraico: “Beresith bara elovim basan benowam samenthares”, que se traduz: “Um filho, no princípio, Deus estabeleceu; em seguida, Deus criou o céu e a terra”. O profeta Jeremias o testemunhou quando disse: “Antes da estrela da manhã eu te gerei e antes do sol é o teu nome”, isto é, antes da criação do mundo e antes das estrelas criadas com o mundo. Diz ainda: “Bem-aventurado aquele que era antes de se tornar homem”. Por Deus, de fato, o Filho existe desde o início, antes da criação do mundo; porém, para nós não existe mais que desde agora, ou seja, desde quando se manifestou. Antes, então, não existia para nós porque não o conhecíamos. Por isso, o seu discípulo João, explicando quem é o Filho de Deus que era junto do Pai antes que o mundo fosse formado, e que por obra dele foram criadas todas as coisas, disse: “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. No princípio, ele estava com Deus. Tudo foi feito por meio dele e sem ele nada foi feito”. Demonstra, assim, de modo claro, que todas as coisas foram criadas por meio do Verbo, o qual, desde o início, era com o Pai, isto é, seu Filho.

Colóquio do Filho com Abraão
44. Disse ainda Moisés que o Filho de Deus se aproximou de Abraão para entreter-se com ele: “Iahweh lhe apareceu no carvalho de Mambré [...] no maior calor do dia. Tendo levantado os olhos, eis que viu três homens de pé, perto dele; logo que os viu, correu da entrada da tenda ao seu encontro, e se prostrou por terra. E disse: Meu Senhor, eu te peço, se encontrei graça aos teus olhos...”. Em seguida, ele falava com o Senhor, e o Senhor com ele. Ora, dois dos três eram anjos; o terceiro, ao invés, o Filho de Deus. Com Ele, Abraão falou ainda suplicando pelos habitantes de Sodoma, para que não fossem exterminados se fossem encontrados ao menos dez justos. Enquanto conversavam, os dois anjos que desceram a Sodoma foram recebidos por Ló. A Escritura diz então: “Iahweh fez chover, sobre Sodoma e Gomorra, enxofre e fogo vindos de Iahweh”. Isso quer dizer que o Filho, o mesmo que conversava com Abraão, sendo “Senhor”, recebeu o poder de punir os habitantes de Sodoma “pelo Senhor, do alto do céu”, pelo Pai, que é o Senhor do universo. Abraão, então, era profeta e viu o que aconteceria no futuro; isto é, viu o Filho de Deus sob a aparência humana conversar com os homens, comer com eles, e depois exercer o ofício de julgar pelo fato de ter recebido do Pai, Senhor do Universo, a autoridade de punir os habitantes de Sodoma.



Aparição a Jacó
45. Jacó, durante a viagem à Mesopotâmia, viu o Verbo em sonho, de pé, em cima da escada, ou seja, no lenho fixado do céu à terra. Por isso, o lenho dos que creem nele sobe ao céu, porque a sua paixão é a nossa ascensão. Todas as visões desse tipo apontam o Filho de Deus que conversa com os homens e entre eles. Não é o Pai do universo, invisível ao mundo e criador de tudo que diz: “O céu é o meu trono, a terra o escabelo dos meus pés. Que casa me haveis de fazer, que lugar para meu repouso?” e “Quem pode medir as águas do mar na concha da mão? Quem conseguiu avaliar a extensão dos céus a palmos, medir o pó da terra com o alqueire e pesar os montes na balança e os outeiros nos seus pratos?” Não é certo que Ele (o Pai) estava de pé sobre um pequeno espaço e conversava com Abraão, mas o Verbo de Deus que sempre esteve presente no gênero humano, antecipava o conhecimento das coisas futuras e instruía os homens sobre as coisas de Deus.

O Filho de Deus conversa com Moisés
46. Foi Ele (o Verbo) que, na sarça ardente, conversou com Moisés e disse: “Eu vi, eu vi a miséria de meu povo que está no Egito. Ouvi seu grito por causa dos seus opressores; pois eu conheço as suas angústias. Por isso desci, a fim de libertá-lo da mão dos egípcios”. Ele subia e descia para libertar os oprimidos, arrancando-os do poder dos egípcios, ou seja, de toda sorte de idolatria e impiedade; salvando-os do mar Vermelho, isto é, liberando-os das turbulências homicidas dos gentios, e das águas amargas de suas blasfêmias. Esses acontecimentos eram contínua repetição do que a nós se refere, no sentido de que o Verbo de Deus mostrava antecipadamente as coisas futuras, mas liberando realmente da servidão cruel dos gentios. No deserto fez brotar com abundância um rio de água, uma rocha. Essa rocha é ele mesmo. Produziu doze fontes, ou seja, a doutrina dos doze apóstolos. E aos recalcitrantes e incrédulos, os fez morrer e desaparecer no deserto, e aos que creram nele, feitos crianças pela maldição, os introduziu na herança dos pais que recebeu e distribuiu, não a Moisés, mas a Jesus; os liberou de Amalec estendendo as suas mãos, e nos conduz e nos faz subir ao Reino do Pai.

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