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Estudo sobre os Pais da Igreja: Vida e Obra
Tertuliano de Cartago (155-220)
Apologia (Capítulo 1)
CAPÍTULO I - Governantes do Império Romano:
Se,
sendo constituídos para a administração da justiça em vosso elevado Tribunal,
sob os olhares de todos os cidadãos, ocupando ali a mais elevada posição no
Estado, vós não podeis abertamente inquirir e perscrutar, diante de todo o
mundo, a verdade real com respeito às perseguições feitas contra os Cristãos.
Se,
somente nesse caso, tendes receio ou ficais inibidos para exercer vossa
autoridade, fazendo uma inquirição pública com os cuidados que promovem a
justiça
Se,
finalmente, os extremos rigores usados para com nosso povo, recentemente, em
julgamentos privados, são para nós obstáculo para defender-nos perante vós
então, seguramente não podeis impedir de a Verdade chegar aos vossos ouvidos
pelas vias secretas de um silencioso livro. A Verdade não tem como apelar para
vos fazer verificar sua condição, porque isso não promove vossa curiosidade por
Ela. Ela sabe que não é senão uma transeunte na terra, e que entre estranhos,
naturalmente encontra inimigos. E, mais do que isso, sabe que sua origem, sua
habitação natural, sua esperança, sua recompensa, sua honra estão lá em cima. Uma
coisa, enquanto isso, Ela deseja ansiosamente dos governantes terrestres: não
ser condenada sem ser conhecida.
Que
dano pode causar às leis - supremas em seu poder - conceder-lhe ser ouvida?
Absolutamente nada lhe prejudicaria e sua supremacia não seria mais distinguida
ao condená-la, mesmo depois que Ela apresentasse sua defesa? Mas se for
pronunciada uma sentença contra Ela, sem ter sido ouvida, ao lado do ódio de
uma injusta ação, vós incorrereis na suspeita merecida de assim agirdes com
alguma intenção que é injusta, como não desejando ouvir o que vós não estais
capacitados a ouvir e a condenar.
Colocamos
isto ante vós como primeira argumentação pela qual insistimos que é injusto
vosso ódio ao nome de "Cristão". E a verdadeira razão que parece
escusar esta injustiça (eu diria ignorância) ao mesmo tempo a agrava e a
condena. Pois que o que é mais injusto do que odiar uma coisa da qual nada
sabeis, mesmo se pensais que ela mereça ser odiada?
Algo
é digno de ódio somente quando se sabe que é merecido. Mas sem esse
conhecimento, por que se reivindicar justiça? Pois se deve provar, não pelo
simples fato de existir uma aversão, mas pelo conhecimento do assunto. Quando
os homens, portanto, cultivam uma aversão simplesmente porque desconhecem
inteiramente a natureza da coisa odiada, quem diz que não se trata de uma coisa
que exatamente não deveriam odiar? Assim, confirmamos que tanto são ignorantes
enquanto nos odeiam, e odeiam descabidamente, quanto quando continuam em sua
ignorância, sendo uma coisa o resultado da outra, se não o instrumento da
outra.
A
prova de sua ignorância, ao mesmo tempo condenando e se escusando de sua
injustiça, é esta - odeiam o Cristianismo porque não conhecem nada sobre ele
nem querem conhecê-lo antes de por a todos debaixo de sua inimizade. Quantos,
se antes foram seus inimigos, tornam-se seus discípulos.
Simplesmente
aprendendo sobre eles, logo começam a odiar o que antes tinham sido e a
professar o que antes tinham odiado. E o número destes é tão grande que atraem
a vossa preocupação. O clamor é de que o Estado está cheio de cristãos - que
estão nos campos, nos vilarejos, nas ilhas; levantam-se lamentações, como se
por alguma calamidade, pessoas de ambos os sexos, de todas as idades e
condições, mesmo de classe alta, estão se convertendo à profissão de fé cristã.
Entretanto, não ocorre a ninguém o pensamento de que estão deixando de ver
alguma coisa boa. Não se permitem que nenhum pensamento mais justo chegue à sua
mente, não desejam fazer um julgamento mais correto. Somente neste caso fica
adormecida a curiosidade da natureza humana. Preferem ficar ignorantes, embora
aos outros o conhecimento tenha trazido a felicidade.
Anacarse
reprova o estúpido prazer de criticar os cultos. Quanto mais não reprovaria ele
o julgamento daqueles que sabe que podem ser denunciados por homens que são
inteiramente ignorantes! Porque deles preconcebidamente não gostam, não querem
saber mais. Assim, prejulgam aquilo que não conhecem até que, caso venham a
conhecê-lo, deixem de lhe ter inimizade. Mas isso desde que pesquisem e nada
encontrem digno de sua inimizade, quando deixam, então, certamente de ter uma
aversão injusta. Entretanto, se seu mau caráter se manifesta, em vez de
abandonarem o ódio encontram mais uma forte razão para perseverarem nesse ódio,
mesmo sob a própria autoridade da justiça.
Mas
argumenta alguém: uma coisa não é boa simplesmente porque as multidões se
convertem a ela, pois que quantos são por sua natureza inclinados para o que é
mal? Quantos se desviam para os caminhos do erro? Isso é verdade, sem dúvida.
Contudo uma coisa completamente má, nem mesmo aqueles que a ela são levados
ousam defendê-la como boa. A natureza encobre tudo o que é mau com um véu, seja
de medo seja de vergonha.
Por
exemplo, vedes que criminosos ficam ansiosos para se esconderem eles mesmos,
evitam de aparecer em público, ficam tremendo quando são caçados, negam sua
culpa quando são acusados e, mesmo quando são submetidos à tortura, não
confessam facilmente, nem sempre chegam a confessar; e quando não há dúvidas
sobre sua culpa, lamentam o que fizeram.
Em
suas confissões admitem terem sido impelidos por disposições malignas, até põem
a culpa seja no destino, seja nas estrelas. São incapazes de reconhecerem que
aquilo veio deles, porque eles próprios sabem que aquilo é mau.
Mas
o que tem isso de semelhante com o caso dos cristãos? Eles se envergonham ou se
lamentam de não terem sido cristãos há mais tempo. Se forem apontados cristãos,
disso se gloriam. Se forem acusados, não oferecem defesa. Interrogados, fazem
uma confissão voluntária. Condenados, agradecem... Que espécie de mal é este
que não apresenta as peculiaridades comuns do mal, do medo, da vergonha, do
subterfúgio, do arrependimento, do remorso? Que mal, que crime é este de que o
criminoso se alegra?
Serem
acusados cristãos é seu mais ardente desejo, serem punidos por isso é sua
felicidade! Vós não podeis chamar isto de mal - vós que continuais convictos de
nada saberdes do assunto.